O minimalismo como filosofia de vida
O movimento minimalista é um estilo encontrado no design, com a ideia de que “menos é mais”. Com origem em um conjunto de movimentos do século XX, o minimalismo tem como lema fazer coisas simples –
O movimento minimalista é um estilo encontrado no design, com a ideia de que “menos é mais”. Com origem em um conjunto de movimentos do século XX, o minimalismo tem como lema fazer coisas simples –
Basta chegar à sede do Banco da Esperança em Santa Maria para perceber a agitação da vida da religiosa Lourdes Dill, ou irmã Lourdes, como é conhecida na cidade. Entre uma agenda apertada, telefonemas e viagens,
A Agência CentralSul de Notícias faz parte do Laboratório de Jornalismo Impresso e Online do curso de Jornalismo da Universidade Franciscana (UFN) em Santa Maria/RS (Brasil).
O movimento minimalista é um estilo encontrado no design, com a ideia de que “menos é mais”. Com origem em um conjunto de movimentos do século XX, o minimalismo tem como lema fazer coisas simples – mas não simplórias. Entre essas características, está o uso de menos elementos nas peças, para evitar poluição visual pelos excessos, como em ilustrações, por exemplo.
Aplicado tanto na arte como no design para a resolução de problemas, o movimento busca a essência no encontro com a simplicidade, para chegar na completude da vida. “O minimalismo é uma filosofia para que se mantenha consigo o que é mais importante”, descreve José Façanha. Designer gráfico há dois anos e seguidor do movimento, ele conheceu o estilo no design há um ano. Posteriormente, por meio do site The Minimalists, descobriu a vertente como uma filosofia de vida.
O desenvolvimento da filosofia do minimalismo é subjetivo, sendo pessoal a interpretação de quem for seguir os princípios. Sem regras para obedecer, a ideia é de que a pessoa mantenha consigo o que realmente faz sentido para sua vida, tanto objetos quanto hábitos e associações interpessoais, procurando mais relações com profundidade do que em grande número.
“O intuito simplesmente é manter aquilo que faz sentido e que agrega valor para tua vida”, elucida Façanha. Ele conclui que as práticas “menos é mais” ajudam muito em todas as áreas de seu trabalho, tanto na organização quanto na execução dos processos, no passo a passo da maneira como organiza seu dia, e que é influenciado pelos princípios do minimalismo em todo seu cotidiano.
Na rotina do designer, o minimalismo se apresenta pelo consumo consciente, evitando comprar por impulso ou apenas porque algum pertence está na promoção, ao pensar no impacto que cada compra poderá ter não apenas na sua vida, mas também na sociedade.
Rafael Miranda, jornalista especialista em marketing e músico, também segue a filosofia do minimalismo. “Quando comecei a trabalhar com marketing digital, iniciei uma busca por ferramentas que trouxessem resultados. Então me deparei com um mar de informações que não conseguia classificar. Para definir uma estratégia a longo prazo, percebi que precisava encontrar soluções”, declara Rafael.
O músico conheceu o minimalismo por acaso, em uma pesquisa por literatura sobre foco, organização e planejamento, quando encontrou o documentário ‘Minimalismo’, realizado pelos criadores do site The Minimalists, de Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus. Para Rafael, muitos conceitos podem ser abordados no minimalismo, mas o núcleo principal é viver com aquilo que é essencial, ao procurar significado com maior profundidade, deixando de lado o que é supérfluo.
Em contrapartida ao consumismo exagerado, o minimalismo prega o consumo consciente e sustentável, conforme relata Façanha: “Sempre fui contra o consumo descontrolado, e nunca vi isso como uma forma de atingir a felicidade”. Ele acrescenta: “Ao aprender sobre o minimalismo como uma forma de viver com menos, achei fantástico. Era a explicação elaborada da filosofia de vida que eu estava tentando desenvolver”.
Em conexão com a arte e o design, Façanha percebe a influência do minimalismo hoje na maneira como a tecnologia se apresenta para as pessoas. “A experiência de usuário tem forte influência do minimalismo na maneira como os aplicativos são desenvolvidos, como as interfaces são desenvolvidas para serem intuitivas, sem gerar atrito no uso”, analisa.
João Vitor Generali, acadêmico de Medicina, conheceu o minimalismo na internet e pelo convívio com amizades que seguem a vertente. Ele diz que se tornou um adepto do movimento devido ao viés de desapego relacionado tanto a bens materiais quanto em relação a hábitos comportamentais. Segundo Generali, as práticas do minimalismo se desenvolvem através de uma filosofia, que permeia tanto o comportamento como a arte. Ele conclui que “se trata do uso de menos elementos em peças artísticas para dar margem a maiores interpretações subjetivas, dando liberdade para a reflexão de cada pessoa”.
Outra pessoa que segue os princípios do minimalismo é Arthur Dalmaso Vanz, um artista em ascensão e estudante de Publicidade e Propaganda. “Minhas artes têm como objetivo exercer um impacto pequeno, para que algo pequeno no mundo mude”, conta ele.
Além de focar em sua faculdade, ele dedica boa parte do tempo para o projeto a ilha, no qual produz desenhos para serem tatuados. Ele relata que, desde a infância, teve grande interesse em desenho, como uma expressão de seus sentimentos e para cativar outras pessoas. Sobre o minimalismo, ele acredita que a vertente sempre esteve ali, em algum lugar, mas ele não sabia que nome dar ao movimento. Arthur conta que conheceu o minimalismo e se aprofundou nos conceitos quando entrou na universidade, percebendo que o estilo é interessante para a criação de suas peças publicitárias.
“O minimalismo como uma filosofia de vida é algo bem interessante, que eu defendo sempre que posso. O movimento prega que, em tese, você deve usar o mínimo de recursos possíveis, então eu evito o desperdício e trato a vida de forma objetiva. As coisas devem ser funcionais, não há porque ter uma abundância quando eu consigo me virar com o mínimo”, comenta. O artista conclui que, com a realidade atual do consumismo, gera-se um impacto negativo para a sociedade, e o minimalismo seria uma forma de impactar positivamente.
Quanto ao impacto, Generali é mais modesto, pois para ele o minimalismo é um ponto de partida para uma filosofia, um estilo de vida que traz a ideia de dar prioridade para valores humanos, desapegando de valores materiais para valorizar o importante – a vida.
Confira o minidoc com os depoimentos de Arthur e Rafael sobre a influência do minimalismo na arte: [youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=eRJvTIc1qwc” title=”A%20influência%20do%20minimalismo%20na%20vida,%20em%20desenhos%20e%20na%20música” autohide=”1″ fs=”1″]
Basta chegar à sede do Banco da Esperança em Santa Maria para perceber a agitação da vida da religiosa Lourdes Dill, ou irmã Lourdes, como é conhecida na cidade. Entre uma agenda apertada, telefonemas e viagens, a irmã conversou com a reportagem do Ambjor a respeito de sustentabilidade, projetos e economia solidária.
A conversa durou cerca de uma hora e foi ali, na sede do Projeto Esperança/ Cooesperança, que percebemos que bastam poucas pessoas se disporem a tomar iniciativas para que o mundo fique melhor.
O Projeto Esperança/Cooesperança foi fundado por Dom Ivo Lorscheiter, bispo diocesano de Santa Maria, e tem como fundamento a solidariedade. Esse projeto criou ainda outros projetos, como os PACs (Projetos Alternativos Comunitários) com a finalidade de construir o Desenvolvimento Solidário Sustentável e encontrar soluções para problemas sociais, tais como, desemprego, êxodo rural, fome, miséria e exclusão social. Hoje não tem como falar no Projeto Esperança/Cooesperança sem associá-lo com a figura da cofundadora da iniciativa, irmã Lurdes Dill, que atua como coordenadora no projeto há quase 30 anos.
“O que o capitalismo faz no mundo? Ele concentra na mão de poucos. A economia solidária é uma reação à crise, ao desemprego e à exclusão social.”
Ambjor: Irmã Lurdes (como preferiu ser chamada), como a senhora define o Projeto Esperança/Cooesperança?
Irmã Lourdes: O Projeto é um trabalho que começou como uma obra de formiguinhas e que se fortaleceu como todo trabalho de equipe bem organizado se fortalece. Está ligado à arquidiocese de Santa Maria, dentro do Banco da Esperança.
Ambjor: E como funciona na prática o Projeto?
Irmã Lourdes: É um trabalho cooperativado, de economia solidária que trabalha em rede com pequenos grupos de agricultores familiares, artesãos, povos indígenas, catadores, quilombolas. É um leque muito grande que conta também com consumidores que optam por outro jeito de consumo que não o
capitalismo selvagem. Essas pessoas adquirem produtos naturais, integrais e, portanto mais saudáveis.
Ambjor: O Esperança/Cooesperança é de Santa Maria?
Irmã Lourdes: O Projeto é daqui, da região. Dessa arquidiocese e de mais 34 municípios da região. Ele faz cidadania aqui, mas tem integração e articulação por todo o Brasil e também na América Latina. Ressalto que a principal atuação é localizada e funciona por meio das redes e das feiras, as quais resultam em uma interligação nacional e atuação internacional.
Ambjor: Como atua o Esperança/Cooesperança?
Irmã Lourdes: O primeiro foco é a organização do povo em pequenos grupos urbanos integrados. Logo, incentivamos as produções urbana e rural, sempre com vistas ao consumo responsável. É neste ponto que o projeto está engajado com a causa ambiental.
Ambjor: Irmã Lurdes, o que é o consumo responsável na perspectiva do Projeto?
Irmã Lourdes: Nós da economia solidária acreditamos no comércio justo e no consumo ético e solidário. Esses ideais fazem com que haja uma responsabilidade na produção, mas também no consumo. Para nós, a única finalidade do consumo é qualificar a vida e mostrar opções saudáveis para pessoas, as quais consomem tantas coisas que fazem mal pra elas e para o meio ambiente.
Ambjor: Em sua opinião, a sociedade é prejudicada por não consumir produtos considerados naturais?
Irmã Lourdes: Com certeza. A gente fica muito triste porque as pessoas não têm noção do mal que faz um produto que tem muita química, veneno e corantes. Hoje se vê tanta criança, e atribuo essa falha aos pais, que não tomam mais leite e água. Elas só bebem refrigerantes. O resultado disso é o alto número de crianças obesas, com diabetes e outros problemas decorrentes da má alimentação. Os pais devem ensinar o consumo responsável aos filhos. Isso tudo nós trabalhamos dentro da economia solidária.
Ambjor: E o que é a economia solidária?
Irmã Lourdes: É uma economia que contrapõe o capitalismo. O que o capitalismo faz no mundo? Ele concentra na mão de poucos. Ele concentra poder, ele concentra dinheiro, ele concentra terra. Ele concentra bens na mão de poucos. A economia solidária tem como grande contraponto o desemprego. Nunca a humanidade foi tão criativa como tem sido nesse alvorecer da economia solidária. A economia solidária é uma reação à crise, ao desemprego e à exclusão social.
A economia solidária é uma economia mais socializada, partilhada, onde todos os povos e todas as raças teriam direitos e deveres iguais. Por exemplo, os bens do universo e da natureza, eles pertencem a toda humanidade, não pertencem ao pequeno ou ao grande produtor. Dentro da economia solidária falamos em partilha dos grandes patrimônios da humanidade.
Ambjor: Quais são esses patrimônios?
Irmã Lourdes: Os grandes patrimônios da humanidade são a terra, a água, o ar, a semente e os bens produzidos. O conhecimento também é um patrimônio da humanidade. O conhecimento não pertence a uma pessoa. Ele é construído e pertence a toda comunidade. Por isso ninguém poderia reter o conhecimento. Tudo precisa ser compartilhado.
Ambjor: Que relação se estabelece entre a economia solidária e o desenvolvimento de uma sociedade?
Temos dois modelos de desenvolvimento no mundo, o crescimento capitalista concentrador na mão de poucos e o desenvolvimento solidário, sustentável e territorial. Este pensa global e tem ação local. A finalidade desse desenvolvimento é construir o bem-viver, o que é diferente do viver bem. O capitalismo defende o viver bem, nós da economia solidária defendemos o bem viver.
Ambjor: Bem-viver é estar contente com o bem-estar?
Irmã Lourdes: O bem-viver inclui o direito ao mínimo necessário para o bem-estar: casa, educação, alimento, ambiente limpo, saúde e lazer. Deus criou os meios necessários e deu ao homem um habitat digno pra sobreviver. Não está nos planos de Deus a ideia de que o pobre deve ser pobre. Isto é um conceito errado criado pela humanidade, especialmente pelo capitalismo. É por isso que nós, da economia solidária, falamos muito da questão do bem-viver. Exemplo disso é os indígenas que não acumulam, que vivem com pouco.
Ambjor: Como o projeto Esperança/Cooesperança trata a questão do consumismo, apontado pela ONU como um dos grandes vilões do Ecossistema?
Irmã Lourdes: O capitalismo é o pai do consumismo. Este depreda a natureza. A economia solidária busca o equilíbrio entre o ser humano e o meio ambiente, entre o bem comum, a cultura e a identidade. Buscamos o resgate dos princípios da construção do ecossistema, entre eles, a segurança alimentar. Não precisava ninguém passar fome. Temos o alimento necessário, mas tem quase um bilhão de pessoas passando fome por causa da concentração e do desperdício de alimento. Hoje em torno de 40% do alimento é desperdiçado. Isso dá pra ver nas lixeiras e nos caminhões que perdem grãos durante o transporte. Já o consumo exagerado vai gerar miséria – o grande desconforto ambiental para a humanidade. Muitas pessoas não têm o mínimo para sobreviver. Se resgatarmos princípios universais, como o direito à igualdade, conservaríamos o ecossistema. Será que Santa Maria precisa de mais mercados? Será que a grande quantidade de farmácias na cidade não denuncia uma população que come remédios? Será que não está fácil demais comprar remédios aqui?
Ambjor: Nestes 30 anos, o que a senhora destacaria como algo que foi alcançado com êxito?
Irmã Lourdes: O espírito coletivo e a partilha. As pessoas entram na economia solidária com comportamento bastante individualista. No começo acham que o mundo é delas, que a mesa da feira é só para elas. Ao passar do tempo elas mudam, compartilham dos projetos, ajudam umas às outras. Posso dizer que um dos grandes sucessos é a transformação do individualismo em solidariedade. Destaco ainda a vitória de termos a Feira da Economia Solidária em um pavilhão fechado. Com a ajuda do Dom Ivo, conseguimos argumentar com os órgãos públicos que é possível fazer feira dentro de um prédio. Não foi fácil lutar por isso há 30 anos e quebrar o paradigma de que feira em prédio caracteriza mercado tradicional.
Ambjor: Com tantos mercados e centros comerciais, dá pra acreditar na feira como fonte de renda para o produtor e opção rentável para o consumidor?
Irmã Lourdes: Dá sim. Essa é a consciência que formamos nos grupos de vendedores e de consumidores. Todos os sábados tem feira a partir da 7 horas da manhã. As pessoas pegam seu chimarrão, convidam a família e vão para a feira. As pessoas ainda optam por isso, até porque o comércio local abre a partir das 9 horas. Ali elas ficam mais de duas horas. Conversam, fazem amigos, trocam experiências, convivem. Na feira, as pessoas conversam entre si e não com prateleiras. É bonito de ver a sintonia entre vendedores e clientes.
Ambjor: Fale-nos sobre a FEICOOP.
Irmã Lurdes: A Feira Internacional do Cooperativismo é uma articulação nacional e internacional criada aqui em Santa Maria. A Unifra é uma grande parceira dessa iniciativa. Existem mais de 40 trabalhos acadêmicos a respeito da FEICOOP. Isso é muito significativo pra nós, já que sinaliza uma geração com consciência transformadora.
Esta feira não é uma mera feira, ela é diferente. É um espaço que tem muitas atividades, seminários, oficinas, ideias, debates e também, é claro, uma grande exposição de produtos com muita criatividade feita pelos integrantes da economia solidária do Brasil, da América Latina e de outros continentes.
Ambjor: Qual é a importância dessa feira para o Esperança/Cooesperança?
Irmã Lourdes: Hoje o grande destaque do projeto é puxar essa feira que já fez história na vida de pessoas do Brasil inteiro. As pessoas querem vir na feira de Santa Maria, viajam dias, fazem promoções para pagar os ônibus e os hotéis. Além disso, A FEICOOP destaca Santa Maria como a capital mundial da economia solidária. A Feira começou em julho de 1994 e até hoje as autoridades locais guardam a segunda quinzena de julho para a realização desta iniciativa.
Ambjor: O que falta para o Projeto Esperança/Coesperança hoje?
Irmã Lourdes: Políticas públicas. Temos uma organização aqui no município, o conselho municipal de economia solidária, mas falta um fundo do município para a economia solidária. Em nível estadual nós temos leis significativas que foram criadas pelo governo. Em nível federal temos a Secretaria Nacional de Economia Solidária que está sediada no Ministério de Trabalho e Emprego e agora juntou com a Previdência Social. Mas o apoio não é constante, depende de quem está no governo. Por isso é importante que o nosso trabalho seja alvo de estudos dentro das universidades, nos cursos de Economia, de Administração e até da própria Comunicação, além da Arquitetura. Assim vamos formar uma sociedade preocupada com o meio ambiente.
Ambjor: Quais são os principais apoiadores do Projeto Esperança/Cooesperança?
Irmã Lourdes: A Unifra, a Emater, alguns órgãos públicos e a imprensa local.
Ambjor: De novo sobre o meio ambiente: na sua opinião, dá para recuperar o que já foi destruído?
Irmã Lourdes: Há um ditado que diz: “Aquilo que foi destruído o foi para sempre, o que está em perigo ainda pode ser salvo”. O solo que foi envenenado leva muitos anos para se purificar. Para isso, ele precisa ter adubação verde. Desse adubo ele suga força e se renova, mas precisa de uns 4 ou 5 anos para se recuperar. A água também. Temos tantas fontes poluídas, né? A água potável está em grande perigo no mundo e no Brasil. Nossas fontes foram destruídas pelo veneno e pela ganância. É possível recuperar a ecologia pela agricultura familiar, mas assim é muito difícil. O agronegócio está impregnado, esse sistema é devastador. No Mato Grosso do Sul devastaram muito. Lá você anda quilômetros e quilômetros e não encontra uma árvore. Preocupo-me com o solo. Não adianta plantar somente eucalipto. Ele destrói, suga toda a água e torna o solo um bagaço. É difícil dialogar com quem acredita que o agronegócio é a solução.
Ambjor: Quais são os desafios da agricultura familiar?
Irmã Lourdes: Apesar da valorização, a agricultura familiar também precisa de política pública. Se o pequeno agricultor que vive isolado no meio rural, não tiver uma articulação, apoio e uma política pública, ele sai do campo e vem pra cidade. Mas quando ele vem para os centros urbanos, ou não se adapta ou não consegue lidar com os problemas encontrados nesse ambiente que é novo pra ele. A solução seria o campo oferecer as mesmas facilidades que a cidade tem: telefone, internet, televisão e qualidade de vida. É importante que os jovens possam vir estudar na cidade e voltar pra colônia, mas pra isso deve haver condições de sustentabilidade na sua propriedade rural. Além disso, o produtor rural tem que ter onde comercializar sua colheita. Hoje temos vários programas do governo como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e as feiras. Mas isso tudo é um processo, nada vem pronto, tem que ter muita união e muita informação.
Ambjor? Santa Maria cuida do meio ambiente?
Irmã Lourdes: Temos inúmeros problemas, a começar pela questão do lixo. Quando você caminha cedo, já vê o lixo espalhado. Os contêiners são insuficientes. Mas essa responsabilidade deve ser dividida entre os órgãos responsáveis e a sociedade. As pessoas devem ajudar a manter a cidade limpa e a prefeitura deveria reforçar a educação ambiental, além de apoiar os catadores – eles são profetas da ecologia.
Ambjor: Em sua opinião, em tempo de crise ambiental, o corte da árvore na praça central de Santa Maria e a grande quantidade de luz que fica ligada na decoração da praça Saldanha Marinho, combinam com o espírito natalino?
Irmã Lourdes: Nada justifica o corte daquela árvore. Pena que o assunto foi abonado rapidamente. Além disso, em tempo de crise e com tantas pessoas passando fome, o desperdício de energia e o grande investimento na decoração de natal da cidade são práticas que não deveriam prosperar. Acho bom que enfeite a cidade, mas houve um exagero que não combina com a situação brasileira do momento. É muito gasto pra pouco tempo. Deveria se pensar nas necessidades da cidade como um todo.
Ambjor: O destaque que a imprensa local dá para as questões ambientais em Santa Maria é suficiente?
Irmã Lourdes: Tornar a questão ambiental uma pauta presente é um desafio para a mídia local. Esse assunto, algumas vezes, vai requerer denúncia e mostrar comprometimento de órgãos e figuras públicas com a degradação ambiental. Esse tema é desafiador e merece destaque.
Ambjor: Ainda há muitas coisas a serem conquistadas?
Irmã Lourdes: Nossa meta é organizar o povo que está à margem da sociedade para que ele seja incluído e busque viver com qualidade e quantidade de vida. Isso serve para todas as idades e classes sociais. Um mundo melhor é possível e nós todos podemos ajudar.
Na contramão do fumo
“Todo mundo pensa que vale a pena insistir no plantio do fumo, mas na verdade é muito difícil. Ficamos nas mãos das grandes empresas fumageiras e nós, pequenos agricultores, somos prejudicados na saúde e financeiramente”, desabafa a agricultora Miraci Sippert Schú.
Miraci levanta nas madrugadas de sábado para arrumar os produtos que vende na feira. Esses produtos são da própria horta da agricultora e a principal fonte de sustento dela e da família. Com alegria ela mostra as cenouras e os pés de alface, presentes da terra pra ela, como gosta de repetir. “Se a gente cuidar da terra, ela nos presenteia. Quando penso que vou colher uma certa quantidade, a terra me dá muito mais”, conta.
Mas nem sempre foi assim. Miraci plantou fumo por 10 anos. Além de se endividar com três multinacionais fumageiras, ela adquiriu uma enfermidade, decorrente do contato frequente com o veneno usado nas folhas das plantações. “O fumo dá renda somente para as grandes multinacionais”, enfatiza a agricultora que diz que parou de plantar fumo para cuidar da saúde e ter a consciência limpa com o meio ambiente.
Segundo a coordenadora do Projeto Esperança/Cooesperança, irmã Lourdes Dill, a região central é uma grande produtora de fumo, mas os agricultores ganham pouco e arriscam a saúde. A religiosa explica que Dom Ivo, o idealizador do projeto, se preocupava com a renda e a saúde desses plantadores, bem como com o crescimento do índice de fumantes na região. Dessa forma, surgiu em 1991, o Seminário de Alternativas à Cultura do Fumo, parceiro do Projeto Esperança/Coesperança que tem por finalidade incentivar os agricultores vítimas da produção do fumo a investir em outras culturas.
O trabalho de alternativa à cultura do fumo começou há 25 anos e nunca parou. O objetivo do seminário é organizar equipes e motivar os agricultores a desistirem da cultura do fumo e investir em culturas alternativas. “O fumo mata mais de 25 milhões de pessoas por ano no mundo. No Brasil, mais de 200 mil pessoas morrem em consequência do consumo de cigarros. Santa Maria fuma muito”, enfatiza irmã Lourdes Dill.
Para colaborar com essa conscientização, há dez anos surgiu a Convenção Quadro para Controle do Tabaco.
Além do risco à saúde do agricultor, o cultivo do fumo causa sérios danos ao meio ambiente. Miraci conta que percebia que quando as abelhas se alimentavam na folha do fumo, traziam o pólen para a colmeia e logo todo o enxame morria. Para a irmã Lourdes, muitos grupos já pararam de plantar fumo e também de fumar. Essas pessoas também passaram a produzir artigos ecológicos com a finalidade de promover o resgate do meio ambiente.
Hoje Miraci é outra pessoa. Não parece a mesma que vivia depressiva. O motivo da mudança é abandonar o fumo, investir em outras culturas e morar na área rural. “Morei 10 anos na cidade. Vivia triste. Não queria nem cumprimentar os vizinhos”, conta a agricultora que vê no campo o verdadeiro estilo de vida saudável.
“Batata, milho, mandioca e tudo o que você imaginar tem na minha propriedade”, comemora Miraci que tem nos três filhos e no marido os companheiros de plantio. Além da própria banca, ela já supre as bancas dos colegas. Na última feira, a feliz agricultora trouxe 25 pés de alface, e sem veneno nenhum, diga-se de passagem, para compartilhar com os outros vendedores. Miraci vive o sonho de ver a terra onde mora produzir o suficiente para o sustento da família. Ela ainda paga dívidas da época do fumo, mas a terra tem lhe ajudado a olhar pra frente. “Vai um alface aí”?
Fotos: Luisa Neves – Ambjor