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Santa Maria, RS, Brazil

Laura Gomes

A internet se consolidou, ao longo do tempo, como um espaço social que permite interações e trocas que alcançam os mais variados âmbitos da vida pública e privada. O ambiente online ainda possibilita um debate a partir de diferentes ideias e posições, o que coloca em destaque o papel que as ferramentas digitais desempenham em sociedades democráticas. Porém, apesar dos avanços das tecnologias de informação e comunicação, a internet também se tornou um terreno fértil para muitas violações, censura e desinformação.

É nesse contexto, tanto de benefício quanto de risco, que a internet tornou-se um instrumento político para muitos governos, que buscam cortar o acesso às plataformas digitais ou realizar apagões totais de conexão. Em 2021, 20 países interromperam o sinal da internet e bloquearam as mídias sociais. Veja abaixo:

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O que são os cortes à internet?

Os cortes, bloqueios ou apagões se caracterizam como uma interrupção intencional da internet, com o objetivo de tornar o serviço inacessível e inutilizável para a população de uma cidade, região ou país. De forma geral, os governos costumam ordenar essas medidas para controlar o fluxo de informações.

Os cortes podem ser totais (apagão), o que compromete toda a conexão da internet, e parciais (bloqueio), ou seja, restritos a tipos específicos de conexão (internet à cabo, móvel ou fibra ótica), ou às mídias sociais e aplicativos de mensagem (Whatsapp, Telegram, Twitter, Facebook, Instagram, Snapchat, etc). A redução da velocidade da conexão também é considerada uma ferramenta de restrição ao acesso à internet.

Cortes na internet, violação de direitos humanos e impactos na democracia

Os bloqueios à internet e às mídias sociais têm impacto em diversos direitos humanos assegurados por declarações e tratados internacionais. O Advogado e Professor de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), João Pedro Seefeldt Pessoa, explica que o direito ao acesso à internet, à informação e à inclusão digital são comprometidos quando ocorrem os cortes. “A restrição do acesso à internet compromete a própria democracia, especialmente quando limita o exercício dos direitos de cidadania pelos usuários”, comenta Pedro.

A população ainda pode ficar vulnerável em diversas frentes, como esclarece a Pesquisadora Júnior de Direito e Tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, Celina Carvalho: “A interrupção do acesso à internet impede o pleno gozo de uma série de direitos e liberdades fundamentais, especialmente o direito à liberdade de expressão e opinião, acesso à informação e liberdade de reunião e associação”.

O Professor Universitário, Advogado e Doutor em Diversidade Cultural e Inclusão Social – FEEVALE/RS, Luciano de Almeida Lima, ainda destaca que a liberdade de expressão é um dos principais direitos violados pelos cortes à internet e às mídias sociais. “Não podemos ignorar que o direito de liberdade de expressão integra a concepção de dignidade da pessoa humana, representando, de outra parte, fundamento necessário à sobrevivência do Estado e da própria democracia”.

“Um bloqueio total da internet pode refletir uma atmosfera de repressão política, censura, violação dos direitos humanos ou a ausência de um Estado Democrático de Direito. Essas restrições podem representar um impacto à democracia justamente porque a ideia de democracia vem acompanhada do reconhecimento de direitos fundamentais de liberdade que tornam possível uma participação política guiada por um senso de agência do indivíduo”, afirma Celina.

Apesar disso, os apagões continuam em curso e atingiram o ápice em 2021. Neste ano, foi registrado o mais longo período de corte na internet em uma democracia. Durante quatro meses, entre 4 de agosto de 2020 e 5 de fevereiro de 2021, o povoado de Jammu e Kashmir, na Índia, ficou sem acesso à internet. De acordo com o governo, os cortes foram feitos durante períodos de operações militares como uma “medida de precaução” e uma forma de “restaurar a ordem” diante de ações terroristas no povoado.

Os cortes na internet são comuns na Índia. Na foto, protestos no país em 2019. Foto: Anushree Fadnavis/Reuters

Apenas neste ano, a Índia já realizou 25 bloqueios à internet e às mídias sociais. Além de Jammu e Kashmir, outras medidas de restrição no país acontecem durante os Protestos dos Agricultores, que se concentram em Nova Délhi e nas cidades ao redor da capital. O governo afirmou que os cortes são realizados para evitar desinformação sobre os movimentos sociais. Porém, especialistas afirmam que é uma tentativa de barrar a organização de novas manifestações.

Jordânia, Senegal, Rússia, Cuba e Bangladesh também empregaram bloqueios à internet e às mídias sociais em períodos de protestos. O governo de Cuba, por exemplo, fez dois cortes neste ano: em janeiro, quando realizou o bloqueio, por duas horas, ao acesso às mídias sociais e aplicativos de mensagem em meio a manifestações contra o governo; e, em julho, quando impôs um apagão no dia do início de novos protestos. Whatsapp, Facebook, Instagram e alguns servidores do Telegram ainda estavam restritos em Cuba, na data de término da reportagem.

De acordo com a organização Access Now, “os governos estão usando interrupções na rede como uma ferramenta não apenas para impedir e desarticular o protesto em si, mas também para ocultar as violações dos direitos humanos comumente associadas aos protestos”. Caso do Irã, que nos meses de janeiro e fevereiro cortou o acesso ao aplicativo Signal e à internet móvel para, supostamente, esconder a repressão às manifestações sociais em alguns locais do país.

20 países cortaram a internet em 2021. Imagem: Picture Alliance.

“Em países onde a democracia não é uma realidade, o bloqueio da internet é utilizado como forma de reprimir essas manifestações sociais, mantendo as pessoas dominadas por essa repressão política. Assim, além de violar direitos, esse bloqueio tem a capacidade de impedir, ou ao menos dificultar muito, a organização da sociedade para os movimentos sociais – que são essenciais em uma democracia, mas não são bem-vistos em países repressivos e autoritários”, relata a Professora, Advogada e Doutoranda em Direito, Bruna Bastos.

Esse é o caso de Mianmar, país do sudeste asiático que é governado por uma Junta Militar, desde o golpe de Estado em fevereiro de 2021. Logo que chegaram ao poder, os militares estabeleceram um “toque de recolher” da internet, que era bloqueada durante toda a madrugada e voltava a funcionar perto das nove da manhã. Em março, a Junta Militar baniu o uso do Twitter, do Facebook e do Instagram. Apenas em abril, a internet à cabo e a fibra óptica foram reestabelecidas. Porém, a internet móvel, usada pela maior parte da população no país, continuava bloqueada.

Outro período recorrente de cortes na internet é em época de eleições. Neste ano, Uganda, Níger, Congo e o Chade realizaram bloqueios durante o pleito. Na Uganda aconteceu um apagão de todos os serviços digitais por quatro dias. O acesso à internet no país já é limitado desde 2018, quando foi criada uma taxa diária para uso das mídias sociais, chamada Over the Top (OTT).

Os objetivos e os efeitos dessa medida em período eleitoral são diversos, como explica o Advogado João Pedro: “Os apagões da internet em época de eleições podem levar à desinformação, quando o usuário não consegue ter acesso a uma diversidade de informações para escolher ou criticar um candidato, bem como, ao desmantelamento de manifestações políticas, com o fim de impedir a liberdade de expressão e silenciar opiniões dissonantes ou contra hegemônicas. Os apagões acabam sendo utilizados por aqueles que querem se manter no poder, de forma ilegítima, e promover uma campanha de desinformação e confusão no povo”.

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Pandemia e cortes na internet: vácuo de informações, assistência e cidadania

A pandemia do coronavírus intensificou o uso da internet e das mídias sociais. Logo, seu bloqueio dificulta que a população tenha acesso a informações durante esse período. “Apagões ou limitações à internet podem interferir no comércio eletrônico, em aplicativos de reserva de vacina, em videoconferências ou mesmo no acesso a informações vitais sobre o vírus da covid-19”, aponta Celina Carvalho.

Os bloqueios em Jammu e Kashmir, na Índia, por exemplo, impediram o trabalho de organizações de assistência humanitária. “Nossos voluntários não conseguiram identificar quem precisava de ajuda”, relatou Bilal Khan à Fundação Thomson Reuters. Khan é membro da Athrout, equipe que fornece ajuda médica e alimentação ao povoado de Jammu e Kashmir.

Além disso, outros impactos de cortes à internet no período atual podem ser observados. Para Bruna Bastos, os bloqueios durante a pandemia tornam-se mais graves, pois violam e adentram em outros direitos além da liberdade de expressão e acesso à informação.

Luciano de Almeida Lima também se posiciona nesse sentido: “Tente imaginar se você ou seus filhos não pudessem ter acesso a aulas online, a serviços públicos digitalizados ou à possibilidade de continuar suas atividades de trabalho como reuniões e vendas. A resposta é muito simples. Você não ficaria excluído simplesmente da internet, você ficaria excluído completamente da cidadania”.

Com a consciência disso, governos utilizam a internet como uma ferramenta para silenciar a população e promover um apagão não somente nas redes, mas em todos os direitos humanos e fundamentais. Entre contradições e tendências autoritárias, os cortes na internet colocam em evidência as democracias em xeque no mundo.

Texto produzido pela acadêmica Laura Gomes na disciplina de Jornalismo Internacional, do Curso de Jornalismo da Universidade Franciscana (UFN). Orientação: Profª Carla Torres.