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lei Maria da Penha

A violência contra a mulher tem várias faces

Segundo os registros do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, entre 1980 e 2013, o país contabilizou 106.093 assassinatos de mulheres. Já dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan/MS) indicam que foram atendidas

Lei Maria da Penha 10 anos: persiste agressão à mulher

No último semestre de 2016, 1961 ocorrências de violência doméstica foram denunciadas na Delegacia de Polícia para Mulher  de Santa Maria. Delas, 950 viraram inquéritos policiais remetidos ao judiciário. Já as medidas de proteção solicitadas à vítima

Foto: Pixabay

Fazia sol em uma segunda de inverno em Santa Maria. O dia era 26 de junho mas, depois que anoiteceu, nunca mais foi apenas um dia comum para Maria*. Naquela noite, a vendedora, de 27 anos, estava tranquila em casa, junto com o filho, quando o marido chegou bêbado. Ele discutia, gritava, quando perdeu o controle e começou a chutar e socar a mulher. Tudo em frente ao filho do casal.

Maria conseguiu fugir das agressões daquele homem que ela mal reconhecia como seu marido, ligou para a polícia e foi amparada pela lei Maria da Penha. A medida protetiva que a mulher havia solicitado foi atendida e, legalmente, ela estava protegida. Entretanto, apesar de não ter acontecido outras agressões físicas, desde o dia 26 Maria passou a ser constantemente ameaçada e humilhada verbalmente pelo, agora, ex-marido.

– Muitos perguntam o motivo da minha separação, o porquê, se parecíamos sermos tão felizes. Não foi só um tapinha – desabafa Maria.

Entretanto, nem todas as mulheres têm a chance de chegar a tempo até a polícia. É o caso de Taisa Macedo Paula, 26 anos, e a Michele Albiero Wernz, 33 anos, vítimas dos dois casos de feminicídio que aconteceram esse ano em Santa Maria.

Quando estavam comemorando o Dia dos Namorados, em 12 de junho, Taisa e o companheiro Carlos Rudinei de Oliveira da Silva, 34 anos, encontraram-se no carro do homem para conversar após uma discussão que tiveram dentro da casa dela. Ela entrou no veículo e os dois seguiram em direção a Itaara. Quando chegaram até a localidade de Limeira, no interior do município, Silva assassinou a mulher com golpes de martelo. O crime só foi descoberto mais de um mês depois, no dia 18 de julho, após a polícia encontrar o corpo da jovem enterrado em uma propriedade rural. Ela estava grávida de quatro meses.

Já o segundo feminicídio aconteceu em 25 de outubro. Michele morava junto com o companheiro, Rodrigo Tormes dos Reis, e com dois filhos em um apartamento na região central da cidade. Ali ela foi morta a facadas pelo homem. Conforme o relato do pai da vítima aos policiais, Reis era ciumento e as brigas entre o casal eram recorrentes. Enquanto Michele era esfaqueada, gritava por socorro, que chegou tarde demais. 

*O nome é fictício para preservar a identidade da vítima

 

A lei Maria da Penha

No mês de agosto, a Lei Maria da Penha, que garante a proteção às mulheres contra qualquer tipo de violência doméstica, seja física, psicológica, patrimonial ou moral, completou 11 anos de vigoração no Brasil. Mais recente ainda, em 2015, foi sancionada a Lei do Feminicídio, em que casos de violência doméstica e familiar, menosprezo e discriminação contra a condição de mulher passam a ser vistos como qualificadores de um homicídio, colocando-o também no rol dos crimes hediondos. As mulheres são violentadas e mortas por circunstâncias totalmente diferentes do que os homens. De acordo com o artigo 5º da Maria da Penha, a violência doméstica contra mulher é caracterizada como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

Conforme a delegada Débora Dias, titular da Delegacia da Mulher, o número de ocorrências tem diminuído há cerca de dois anos, mas ainda preocupa. Em Santa Maria, em 2016, foram registradas 3.102 boletins de ocorrência de violência contra a mulher. Neste ano, eram 2.600 registros até o dia 14 de novembro. Dos casos, cerca de 40% deles são agressões físicas e em torno de 60% psicológicas.

– A maioria dos casos registrados são de mulheres de classes mais baixas, mas isso não significa que não há violência em todas as classes. O que acontece é que em casos em que a mulher é de uma classe social mais alta, a gente só vai descobrir quando ela está no hospital, porque ela não denuncia – explica a delegada.

Quando a denúncia é feita por meio de um boletim de ocorrência, testemunhas são ouvidas, há instauração de um inquérito e as medidas protetivas são solicitadas – como determinar que o agressor não se aproxime da vítima-, até 48 horas a partir da instauração do inquérito. Ao chegar no judiciário, o juiz tem até outras 48 horas para deferir ou indeferir o pedido.

– Tem casos em que a mulher não realiza o exame e, quando chega na hora do depoimento, elas pensam em desistir, dizer apenas que caíram. Por isso o plantão começou a fazer fotografias das lesões para ter, ao menos, uma prova do crime – comenta Débora.

 

Por que as mulheres permanecem na relação abusiva?

A ideologia de gênero é um dos principais fatores que levam as mulheres a permanecerem em uma relação abusiva. Muitas delas internalizam a dominação masculina como algo natural e não conseguem romper com a situação de violência e opressão em que vivem.

Além da ideologia de gênero, outros motivos também são frequentes, tais como: a dependência emocional e econômica, a valorização da família e idealização do amor e do casamento, a preocupação com os filhos, o medo da perda e do desamparo diante da necessidade de enfrentar a vida sozinha, principalmente quando a mulher não conta com nenhum apoio social e familiar. Além disso, ela também acaba culpando-se pelas agressões.

–  Ela tenta se justificar, tenta encontrar o ‘como eu deixei chegar até aqui’, e isso é muito interessante de ser analisado, porque a culpa nas relações sempre vai existir, mas o quanto essa violência acaba com o psicológico não pode ser dimensionado. Não é culpa de nenhuma mulher. A gente precisa se responsabilizar pelas nossas vidas e se empoderar, porque é assim que vamos conseguir compreender que essa agressão não se combate com opressão, e é preciso levantar a cabeça para enfrentar os abusos e na próxima vez dizer ‘não com esse tipo de homem não mais’ – explica a psicóloga Bharbara Agnoletto.

Para tentar entender quem são essas mulheres que vivem a violência conjugal na cidade, a psicóloga participou do projeto de pesquisa “Subjetividade da Mulher Que Vivencia A Violência Conjugal”, desenvolvido em 2015 no curso de Psicologia da Unifra. A partir da psicanálise, doze mulheres foram estudadas – seis casadas e seis separadas dos agressores. Em 2017, o projeto está na fase de análise dos relatos das mulheres.

–  O estudo considerou a individualidade de cada uma, e que a mulher não deve ser vista como a vítima. Ela não é uma coitadinha, mas a protagonista da própria vida – relata Bharbara.

 

Como identificar a violência contra a mulher

_ Ter medo do homem com quem se convive

_ Ser agredida e humilhada

_ Sentir insegurança na sua própria casa

_ Ser obrigada a manter relações sexuais

_ Ter objetos e documentos destruídos ou escondidos

_ Ser intimidada com arma de fogo ou faca

_ Ser forçada a “retirar a queixa”

 

Denuncie

_ 190: Brigada Militar

_ Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento: (Rua dos Andradas, 1397). Telefone (55) 3222-2858

_ Delegacia de Polícia Para a Mulher: (Rua Duque de Caxias, 1169). Telefone (55)  3222 – 9646 / 3217 – 4485 / (55) 3226-7799

_ Rede Lilás, que apoia mulheres vítimas de violência no Estado. Telefone: 0800-541 0803

 

Por Julia Trombini, Tisa Lacerda e Victoria Debortoli para a disciplina de Jornalismo Investigativo, desenvolvida no segundo semestre de 2017, sob a orientação da professora Carla Torres

Maria da penha (Série de reportagens)-01Segundo os registros do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, entre 1980 e 2013, o país contabilizou 106.093 assassinatos de mulheres. Já dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan/MS) indicam que foram atendidas pelo SUS, no ano de 2014, um total de 85,9 mil meninas e mulheres vítimas de violência exercida por pais, parceiros e ex-parceiros, filhos, irmãos. Foram agressões de tal intensidade que demandaram atendimento médico. Como se estima que 80% dos atendimentos de saúde no País são realizados pelo SUS; os números do Sinan indicam que cerca de 107 mil meninas e mulheres devem ter sido atendidas em todo o sistema de saúde do Brasil, vítimas de violências domésticas.  Os agressores são parentes imediatos ou parceiros e ex-parceiros, responsáveis por 67,2% do total de atendimentos.

Os dados indicam também que a violência física é, de longe, a mais frequente, representando quase 60% dos atendimentos de mulheres jovens e adultas. Ela é precedida pela violência psicológica, presente em 23,0% dos atendimentos em todas as etapas da vida da mulher, principalmente da jovem em diante; e da violência sexual presente em 11,9% dos atendimentos, com maior incidência entre as crianças até 11 anos de idade e as adolescentes. No tocante à frequência das agressões, os registros indicam haver maior persistência e repetição das violências contra vítimas do sexo feminino, aparecendo casos de violências físicas e sexuais uma vez por semana e quase diários.

A violência psicológica, apontada por especialistas como uma grave violação dos direitos humanos das mulheres, e que não deixa marcas físicas evidentes, produz reflexos diretos na saúde mental e física. Ela é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a forma mais recorrente de agressão intrafamiliar à mulher, e cuja naturalização é estimulo a uma espiral de violência que, não raro, termina em feminicídio.

[dropshadowbox align=”center” effect=”lifted-both” width=”600px” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]•  As taxas de homicídio de brancas caem na década analisada (2003 a 2013): de 3,6 para 3,2 por 100 mil, queda de 11,9%; enquanto as taxas entre as mulheres e meninas negras crescem de 4,5 para 5,4 por 100 mil, aumento de 19,5%. Com isso, a vitimização de negras, que era de 22,9% em 2003, cresce para 66,7% em 2013. Prevalência entre 18 e 30 anos de idade, com pico também na faixa de <1 ano de idade (infanticídio). • Em comparação com os homicídios masculinos, nos femininos há maior incidência de mortes causadas por força física, objeto cortante/penetrante ou contundente, e menor participação de arma de fogo. • A agressão perpetrada no domicílio da vítima tem maior incidência entre as mulheres do que entre os homens. • A agressão a mulheres é cometida, preferencialmente, por pessoas conhecidas da vítima; a contra os homens, por pessoas desconhecidas. Todos esses aspectos permitem caracterizar a maior incidência da violência doméstica e familiar entre as vítimas do sexo feminino. (Mapa da Violência 2015. Homicídio de mulheres no Brasil)[dropshadowbox align=”center” effect=”lifted-both” width=”400px” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ][/dropshadowbox]

Embora a Lei Maria da Penha (Lei 11.340) tenha coibido, em parte a violência masculina, e o Código Penal Brasileiro preveja no capítulo V os crimes contra a honra, criminalizando a injúria, a calúnia e a difamação, e no capítulo VI, dos crimes contra a liberdade pessoal, tipifica o crime de ameaça, a realidade está distante de ser a ideal. Especialistas e Ongs que atuam na prevenção e defesa das mulheres apontam que o encaminhamento dos processos pelas estruturas dos sistemas de Justiça e Segurança é um dos grandes desafios para efetivar os direitos assegurados a elas na Lei Maria da Penha.

Na violência intrafamiliar, o lugar dos filhos

Relato de Ana (Mat ACS)O filho mais novo de Ana é hoje um jovem acadêmico. É o único filho com o ex-marido, e tinha 4 meses quando a mãe, vítima dos abusos psicológicos, ateou fogo no próprio corpo. Leozinho – como sua mãe o chama – Diz lembrar que seu pai bebia muito. Nessas ocasiões era carinhoso no início, mas depois sempre  acabava brigando por algo ou buscava pretextos para agir de modo violento. A mãe se trancava no quarto com Léo, enquanto o pai tentava tentava entrar a qualquer custo, batendo na porta com muita força.

Ele conta que quando tinha 12 anos, o pai quase agrediu a mãe na frente dele, mas o menino o segurou. “Eu achava que era ‘normal’, de tanto que via isso acontecer, até que percebi, quando cresci, que era errado’’, afirma Léo.   “Não sei se as agressões me afetaram muito, mas lembro que fiquei sempre do lado dela. Não recordo de ter visto violência física… só sei pelos relatos dela”, diz.

Nas várias vezes que os pais se separaram, então ainda menino, queria que eles voltassem. Só depois de ver a situação realmente séria, Léo não quis mais saber dos dois juntos. “Antes eu tinha um bloqueio. Nunca enfrentei ele, nunca conversei ou falei que aquilo era errado. Hoje eu consigo, eu acho, falar sobre. Estou trabalhando nisso… conversar, dizer para ele seguir a vida dele. Minha mãe sempre foi batalhadora, sempre cuidou da gente, e ele destruiu nossa família, com essa índole dele’’, ressalta, lembrando que quem sustentou a casa sempre foi Ana.

A forma violenta como o pai tratava a mãe,  começou a fazer diferença quando Léo entendeu o abuso psicológico que Ana sofria. “Ele sabia como atingir ela e fragilizou muito seu psicológico. Vi o quanto isso a afetou, seu emocional. Quando entrei na faculdade e tive contato com o feminismo, a partir das minhas colegas, entendi que não era só a violência física que é abusiva”, afirma o estudante que diz saber hoje, como não agir com uma mulher. “Eu acho que tudo isso me mostrou os erros que ele cometeu, e não quero replicar nem passar esse comportamento violento adiante”, encerra.

Hoje pai e filho têm uma relação distante, apesar de algumas visitas.

Por Agência Central Sul de Notícias e Amanda Souza.

Maria da penha (Série de reportagens)-01No último semestre de 2016, 1961 ocorrências de violência doméstica foram denunciadas na Delegacia de Polícia para Mulher  de Santa Maria. Delas, 950 viraram inquéritos policiais remetidos ao judiciário. Já as medidas de proteção solicitadas à vítima foram 568. A média são vinte ocorrências por dia. Os números são preocupantes, porque indicam também que há um percentual alto de agressões não denunciadas.

A delegada Débora Dias explica que a patrulha Maria da Penha da Brigada Militar faz ronda semanal, as denúncias são analisadas e eles vão até a casa da vítima verificar a situação, principalmente nos casos já com medida protetiva. Feito o Boletim de Ocorrência, são dados os encaminhamentos necessários, testemunhas são ouvidas, instauração do inquérito e medidas protetivas. “Temos 48 horas para encaminhar o inquérito, tudo depende da autorização da mulher, o judiciário tem 48 horas para deferir ou não as medidas”, explica Débora. “É sempre dificultoso o inquérito de violência doméstica, pois as testemunhas não dão depoimento, temos que insistir para trazer as pessoas, e se elas não quiserem, principalmente da família, elas não falam mesmo. E quando não existem marcas físicas, é difícil termos provas”, salienta a delegada. E isso causa desistências.

[dropshadowbox align=”center” effect=”lifted-both” width=”500px” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]A Lei Maria da Penha surgiu após o Estado Brasileiro ser denunciado por negligência e omissão em relação à violência doméstica pela Comissão de Direitos Humanos, em 1998.  A história de Maria da Penha Maia Fernandes  que lançou um livro contando o que sofreu nas mãos de seu marido, Marco Antônio Heredia Viveros, chegou até a Comissão de Interamericana de Direitos Humanos. Maria da Penha ficou paraplégica depois de levar um tiro do marido que, ainda, tentou eletrocutá-la na banheira. Em 2006, o Congresso Nacional aprovou a Lei Maria da Penha, considerada pela Organização das Nações Unidas, a terceira melhor lei de prevenção contra agressão doméstica. A lei  determina que se estabeleça uma política pública que vise a coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretriz maior a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação[/dropshadowbox]

Débora Dias afirma que ninguém pode julgar vítimas em situação de violência doméstica (foto: Maria Luiza Viana/Laboratório de Fotografia e Memória)
Débora Dias afirma que ninguém pode julgar vítimas em situação de violência doméstica (foto: Maria Luiza Viana/Laboratório de Fotografia e Memória)

Há ocorrências em que a polícia sabe que a vítima corre risco de vida e, mesmo assim, ela desiste de seguir com o processo. Hoje, segundo Débora, aumentou o número de denúncias de ameaças e diminuiu o número de lesões corporais. No entanto, ainda há casos graves que, sempre de forma reiterada, as vítimas acabam indo mais de uma vez à delegacia com denúncias violentas. “Quando ocorre violência física, a vítima não pode mais retirar a queixa e  quando há provas contra o agressor, o processo segue mesmo que ela queira desistir”, afirma a delegada. Prisões preventivas são dadas quando a vítima corre risco. Então, é emitido o pedido, e o agressor fica preso até decisão do juiz.

“É muito difícil alguém nessa situação vir denunciar, pelo fato de ser alguém com quem se vive, dorme junto. E por ser tão complicado, elas acabam voltando para o marido e não se resolve nada”, afirma Débora. Além das agressões físicas, como socos, chutes, tapas, a delegada atenta para comportamentos que também são violência, como desmerecimento moral. A assistência jurídica trabalha junto à vítima quando são casos de separação, dissolução da união estável.

 

Gráfico Violência Contra Mulher-01

 

Rede de apoio

Na delegacia, ao realizar o Boletim de Ocorrência, a vítima recebe apoio psicológico  de uma equipe de estudantes de psicologia da Faculdade Integrada de Santa Maria (FISMA), que atua em parceria com a Delegacia da Mulher desde 2014. O projeto visa o acolhimento das mulheres que são vítimas de violência doméstica.

“Há então esse encaminhamento para nossa equipe. A partir daí nós trabalhamos com o empoderamento das vítimas,  geralmente, durante o Boletim”, explica a coordenadora do projeto, Patrícia Rosso. “Temos que ouvir as demandas da vítima, pois ela sofreu aquela agressão e precisa falar, desabafar sobre”, diz a psicóloga.  Nada é forçado sobre a vítima. Os estagiários conversam sobre as melhores opções, mas não é imposto. Segundo Patrícia, não adianta dizer ‘você precisa se separar’. “O trabalho da psicóloga é encaminhar, dizendo das possibilidades para sair da situação, com condições de contar com auxílios sociais e com a polícia. Tudo depende do desejo, pois não podemos obrigá-la. É um trabalho de conscientização da vítima, para que ela veja que pode sair do relacionamento”, explica a coordenadora.

Quando o casal possui filhos, a vítima e as crianças vão para o acompanhamento psicológico. Sempre vai haver um dano emocional, alerta a psicóloga. “É algo individual, claro, e pessoal do indivíduo que cresceu sob essa situação, mas há possibilidades de se reproduzir esse comportamento posterior, como algo internalizado”.

Violência psicológica

Xingamentos, desqualificações. “Ah, porque tu não consegues nem cuidar dos filhos”, “quando eu saio de casa não sei o que tu fazes”, frases que a vítima ouve do agressor, são abusos domésticos, classifica Patrícia Rosso. A mulher não trabalha porque o marido não quer, e então ela depende financeiramente dele para qualquer coisa, dado algum tempo, ele começa a desqualificá-la moralmente. “Ela é muito sutil, abstrata, e causa um terror psicológico muito grande”, explica a psicóloga.

Inclusive, manter a mulher em uma dependência física e financeira também se classifica como violência psicológica, segundo Patrícia. Por exemplo, quando o agressor alimenta a ideia de que a mulher não tem condição de sair de perto dele, de se sustentar sem ele. E ele vai mantendo essa fantasia dentro da vítima.

 

Violência psicológica é uma das agressões mais fortes, segundo a psicológica (foto: Juliano Dutra/Laboratório de Fotografia e Memória)
Violência psicológica é uma das agressões mais fortes, segundo a psicológica (foto: Juliano Dutra/Laboratório de Fotografia e Memória)

A dependência emocional

A dependência emocional é muito grande em casos de violência e é uma das mais fortes sob a vítima, afirma Patrícia. Se a vítima tem filhos com o marido isso também pesa na hora da denúncia. Segundo a psicóloga, o vínculo emocional de afeto, das expectativas que se gerou sobre o relacionamento, causa grande dependência e pode ser um dos motivos para a vítima não se separar. É preciso analisar cada caso, pode-se estar falando de uma pessoa que vem de um histórico de violência familiar, que cresceu vendo esses abusos, vendo a mãe sendo agredida pelo pai, ressalta a coordenadora. Então ela passa a ‘normalizar’ isso inconscientemente. É o que a psicologia chama de transgeracionalidade.

“É uma dependência extrema do agressor que faz ela ter medo de voltar, ou não pode voltar, pois precisa estar em casa cuidando dos filhos, porque ele não gosta que ela saia. Algumas vítimas chegavam e diziam ‘hoje consegui fugir algumas horas e vir’”.

A violência não é tida como algo normal para a vítima, porém é como se ela tivesse internalizado que o homem manda e a mulher obedece e ele usa a força para isso. Para Patrícia, é algo cultural.