The Handmaid’s Tale – O Brasil será a próxima Gilead?
Os níveis de natalidade em Gilead são quase inexistentes, parte da população de mulheres não consegue manter uma gestação saudável ou tem dificuldades para a concepção de um filho.
Os níveis de natalidade em Gilead são quase inexistentes, parte da população de mulheres não consegue manter uma gestação saudável ou tem dificuldades para a concepção de um filho.
O estudo sobre quem são os proprietários da mídia no Brasil e denominado Monitoramento da Propriedade da Mídia no Brasil foi publicada pelo Intervozes e pela Repórteres Sem Fronteiras. A pesquisa revela que muitos dos veículos de maior
A Agência CentralSul de Notícias faz parte do Laboratório de Jornalismo Impresso e Online do curso de Jornalismo da Universidade Franciscana (UFN) em Santa Maria/RS (Brasil).
Após um atentado terrorista contra o presidente dos Estados Unidos da América e grande parte do pleito político, uma facção católica instaura um regime totalitário baseado nos regramentos do Antigo Testamento, ceifando os direitos das mulheres e dos grupos minoritários da nomeada República de Gilead. Após alguns dias do atentado, a segurança nacional do novo governo inicia uma captura das mulheres férteis do país e June Offred, protagonista da série, é capturada em uma tentativa de fuga para o Canadá e posteriormente entregue ao Comandante Fred Waterford para servi-lo como “handmaid”, ou seja, uma mulher cujo único propósito é dar filhos ao homem no poder.
Os níveis de natalidade em Gilead são quase inexistentes, parte da população de mulheres não consegue manter uma gestação saudável ou tem dificuldades para a concepção de um filho. Outra realidade apresentada são os fetos que nascem sem vida ou não resistem aos primeiros minutos pós-parto, consequência gerada pelos altos níveis de poluição do país. Os alimentos com agrotóxicos, os gases poluentes sendo mantidos na atmosfera e a plantação de insumos em terra artificial foram expoentes para o aumento significativo da taxa de infertilidade. Os Comandantes de Gilead assumem o poder com o intuito de “repopular” a sociedade de maneira com que as mulheres que já tiveram filhos anteriormente sejam forçadas a cumprirem com seus “instintos maternos” e usarem seus úteros para salvar a população americana.
Logo no primeiro episódio, June tenta fugir com sua filha e marido, porém os guardiões da segurança do país a capturam e levam para um Centro de Treinamento onde ela e outra mulheres serão instruídas de como se comportar na casa de seus Comandantes e como agir quando estiverem em sociedade, bem como deverão seguir suas vidas dali em diante. Um dispositivo é colocado nas orelhas das mulheres para servir de rastreador, tal qual fazem com animais silvestres na natureza. A imprensa foi exterminada, assim como os livros e qualquer material de leitura existente da cidade. Grandes fogueiras foram erguidas em praça pública para queimar o restante de história que ainda existia, um passado que deveria ser esquecido pelo bem de todos e que não seguia as novas ideologias do país.
June passa por diversas situações durante sua vida exilada em Gilead, usa as memórias que tinha da filha como forma de lutar e sair daquele regime. Durante os episódios, ela relembra de momentos com o marido, com a melhor amiga Moira que também foi capturada, tenta elaborar estratégias para fugir e buscar ajuda de outro país, pois sem imprensa nenhuma verdade era mostrada ao mundo. As mulheres eram violentadas diariamente e precisavam conviver com isto, pois quem as defenderia? Quem poderia ajudar a contar a verdade?
No Brasil, temos uma situação análoga acontecendo, a Câmara dos Deputados aprovou em junho, em regime de urgência, o Projeto de Projeto de Lei 1904/24, do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros 32 parlamentares, que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio simples, com pena de até 22 anos tanto para a gestante quando para quem tentar ajudá-la. O procedimento é autorizado no país em apenas três casos: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto, todos com o consentimento da mulher. A proposta prevê penalizar a mulher que sofreu violência sexual com mais anos de reclusão do que a pessoa que praticou o ato, onde no Brasil a pena máxima é de 10 anos. O projeto precisa passar pelo Senado e pela sanção presidencial
Para a bancada que defende o Projeto de Lei, a vida de um feto que foi gerado através de uma violência tem mais valor do que a pessoa que foi violentada, restando duas opções para a vítima: ser presa pelo crime de aborto ou ser obrigada a continuar com a gravidez. O tema gerou discussão em vários grupos sociais, que se manifestaram através das redes sociais e foram às ruas para se posicionar contra ou a favor da aprovação. Em Gilead, o governo institucionalizou a violência contra a mulher, a punição para quem não gerasse filhos seria a morte, apedrejamento ou banimento para áreas radioativas.
Na República, qualquer movimentação feita contra a continuação da gravidez, seria devidamente punida e exposta para os demais da sociedade como forma de demonstrar o que não deve ser feito. No Brasil, a vítima será presa e julgada por escolher o que fazer com o próprio corpo. Se colocarmos ambas as narrativas próximas da outra, seria difícil julgar o que é ficção ou realidade?
The Handmaid’s Tale é uma série dirigida por Reed Morano, com roteiro de Bruce Miller. Integrando o elenco principal da primeira temporada: Elizabeth Moss, Joseph Fiennes, Samira Wiley, Ann Dowd, Max Minghella, Madeline Brewer, Alexis Bledel, Yvone Strahovski e O-T Fagbenle.
Texto produzido pela acadêmica Michélli Silveira na disciplina de Narrativa Jornalística, no primeiro semestre de 2024 do curso de Jornalismo, sob supervisão da professora Glaíse Bohrer Palma.
Imagens: Divulgação
O estudo sobre quem são os proprietários da mídia no Brasil e denominado Monitoramento da Propriedade da Mídia no Brasil foi publicada pelo Intervozes e pela Repórteres Sem Fronteiras. A pesquisa revela que muitos dos veículos de maior audiência no país são também parte de grupos econômicos. Realizada em 2017 e publicada como série no Le Monde Diplomatique Brasil, o objetivo do MOM-Brasil é deixar visível quem controla a mídia brasileira. Foram analisados 50 veículos de maior audiência da comunicação brasileira, investigando os grupos e pessoas por trás desses meios.
O Media Ownership Monitor (MOM) é um projeto global que, através de uma metodologia padronizada, desenvolveu uma ferramenta de mapeamento que gera um banco de dados disponível publicamente, com informações sobre os proprietários dos maiores veículos e os grupos de mídia detentores desses meios, além de suas relações políticas e interesses econômicos. A informação é publicada em um site, em inglês e na língua local, e constantemente atualizada. O projeto também fornece uma contextualização de cada país, assim como uma análise de seu mercado de mídia e do marco regulatório do setor.
No Brasil, os pesquisadores são Olívia Bandeira, jornalista, doutora em Antropologia e integrante do Intervozes, e André Pasti, mestre em Geografia, professor do Cotuca/Unicamp, também integrante do Conselho Diretor do Intervozes e coordenador da pesquisa MOM-Brasil.
Como dito antes, foram 50 veículos pesquisados que, ao longo do estudo, verificou-se serem controlados por 26 grupos e empresas. Desses 26 grupos, 21 deles, ou seus principais acionistas, possuem atividades em outros setores econômicos, como educacional, financeiro, imobiliário, agropecuário, energético, de transportes, infraestrutura e saúde.
No primeiro artigo analisado, foi colocado como o exemplo a disputa entre o empresário da mídia Silvio Santos e o diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa, foi observado com isso que são dois modos distintos de ver as cidades: seus terrenos devem estar disponíveis a interesses privados, dando ênfase a seu valor de troca, ou o planejamento urbano deve levar em consideração o valor de uso.
Os pesquisadores relataram que as relações entre os grandes grupos de mídia brasileiros e o agronegócio são antigas, como conta a história do Grupo Folha. Essa ligação pode ser observada hoje em outros grupos, como Globo, Objetivo, RBS, Bandeirantes e Conglomerado Alfa. Como exemplo dessa questão agrícola, estão os membros da família Marinho, que são donos de diversas fazendas e empresas de produção agrícola, algo que ajuda a compreender as motivações dos bilionários donos do Grupo Globo quando sua rede de TV lança a campanha “Agro é Pop, Agro é Tech, Agro é Tudo” – informes publicitários que buscam criar uma imagem positiva do agronegócio.
Se pensarmos na questão religiosa, na mídia religiosa, hoje ela não é composta apenas por veículos de nicho. Os conteúdos religiosos circulam cada vez mais nos grandes meios de comunicação, seja naqueles que se definem como religiosos, seja nos veículos de interesse geral. Esses conteúdos muitas vezes são explícitos, outras, nem tanto, é preciso atenção.
Entre os cinquenta veículos de maior audiência no país, considerando os meios impressos, online, rádio e TV, nove deles são de propriedade de lideranças religiosas, todas cristãs, dominantes no Brasil. Entre as onze redes de TV de maior audiência, três são de propriedade de lideranças evangélicas (Record TV, Record News e Gospel TV) e uma de liderança católica (Rede Vida). Entre as doze redes de rádio, duas são evangélicas (Aleluia e Novo Tempo) e uma católica (Rede Católica de Rádio). Isso é chocante, mas para mim, não é surpreendente.
Já entre os dez sites de maior audiência e os dezessete veículos impressos pagos de maior tiragem, aparecem dois de propriedade de lideranças religiosas: o portal R7 e o jornal diário Correio do Povo, ambos do bispo evangélico Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd).
Em um dos artigos, li o seguinte: “Ao assumir a presidência da Câmara dos Deputados, em 2015, o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ex-membro da igreja Sara Nossa Terra e atual integrante da Assembleia de Deus Ministério Madureira, afirmou que “aborto e regulação da mídia só serão votados passando por cima do meu cadáver”.
A frase diz muito sobre a forma como igrejas cristãs têm atuado no Brasil nas últimas décadas”, esse argumento é a mais pura realidade, as igrejas cristãs, desde sempre manipulam as ideias da sociedade, e hoje em dia, isso não é diferente.
A continuação daquele argumento é de que as lideranças evangélicas e católicas atuam na esfera pública em defesa de valores considerados por elas como cristãos, sob a justificativa de que estariam agindo “em nome de Deus” e do direito de terem seus interesses representados, em uma visão de democracia que a define mais como um governo da maioria do que como um governo de todos.
A programação dessa mídia religiosa é voltada para a defesa de valores considerados como cristãos, e coincidem com grande parte da atuação de igrejas evangélicas e católicas no sistema político brasileiro. A defesa de questões morais, da chamada “família tradicional”, a condenação da homossexualidade e do aborto são algumas pautas que reúnem grande número de evangélicos e católicos de diferentes correntes doutrinárias em sua atuação no Congresso Nacional.
O mais importante de observar nesses artigos é que nada é feito na ingenuidade, na inocência. Tudo que vemos e lemos na mídia tem um grande controle por trás. É um negócio, é movido por interesses financeiros, empresariais, políticos e religiosos. Temos que desconfiar de tudo aquilo que a grande mídia nos impõe diariamente. Como futuros jornalistas e leitores temos que buscar novas fontes, nova informações, diferentes pontos de vista.
Sarah Vianna,acadêmica do curso de Jornalismo da Universidade Franciscana.