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Entrevista: a sabedoria infantil na música de Fernando Ávila

A Lua de Santiago: natureza em destaque. Foto: Amanda Vanassi.

Música, poesia e artes plásticas. Em melodias que atribuem atmosfera clássica a composições de matriz popular, o Projeto A Lua de Santiago  destaca a pureza e a sensibilidade do olhar infantil sobre a vida. O resultado poderá ser conhecido nas 14 canções que farão parte do CD a ser lançado em outubro. As composições são do músico Fernando Ávila em parceria com nomes como João Paulo Sefrin, Felipe Martini, Róger Wiest, além de peças de Fernando Lewis de Mattos e Frank Marocco. Os arranjos são feitos para acordeon e quinteto de cordas.

A gravação do CD conta com financiamento coletivo, por meio do site Catarse, em uma campanha que vai até dia 18 de julho. Você pode conhecer mais sobre o projeto e fazer sua contribuição aqui. Em entrevista à Agência Central Sul, Fernando conta como a música transformou a vida do então menino de 14 anos, nascido em São Leopoldo (RS), atualmente formado em Música Popular pela UFRGS desde 2015. Professor de acordeon e pesquisador, ele fala sobre o processo criativo de A Lua de Santiago e sobre o sucesso de seu trabalho fora do Brasil:

Agência Central Sul (ACS): Como a música entrou na tua vida? Por que o acordeon?

Fernando Ávila: Minha família sempre esteve envolvida com o ambiente do Tradicionalismo, meu pai foi patrão de CTG (Centro de Tradições Gaúchas) e meus irmãos dançaram em invernadas artísticas. Nesse cenário, o acordeon desempenha um papel relevante na instrumentação da música veiculada e propagada pelo Tradicionalismo, bem como na música regional do Sul. Eu sempre ouvia em casa grupos como, por exemplo, Os Serranos, Os Monarcas, Os Mirins, os quais possuem exímios acordeonistas. Acho que foi por essa escuta que eu tomei o gosto pelo instrumento.

ACS: Tu és músico profissional, conta sobre tua formação e influências…

Fernando Ávila: Por sugestão de meu irmão mais velho, eu comecei a estudar o acordeon. Comecei a fazer aulas do instrumento aos 10 anos, todavia, fiz alguns meses de aula e desisti. Com 14 anos eu ingressei no curso básico de música da Fundação Municipal de Artes de Montenegro e, no decorrer do tempo, escolhi a música como profissão. Minha inserção na música como profissional deu-se aos 17 anos, quando fui convidado a integrar o Quinteto Persch, e essa experiência foi valiosíssima para mim, pois estava tocando música de concerto ao lado de excelentes acordeonistas e professores.

Ingressei no curso superior de música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, fazendo parte da primeira turma do Bacharelado em Música Popular. Essa minha trajetória dentro da academia foi uma abertura de portas, foi lá que comecei a compor e criar vínculos com pessoas que contribuíram muito no meu aprendizado, desde professores a colegas, como Fernando Mattos, Felipe Martini, Felipe Adami, Reginaldo Braga. O estudo formal de música em paralelo com a linguagem popular do meu instrumento e a tradição oral de sua aprendizagem possibilitaram-me diversas influências que, somadas, formam um gosto eclético de música, passando por Piazzolla, Frank Marocco, Tom Jobim e Luciano Maia.

ACS: Tu participas de outros projetos musicais e és professor. Como tem sido essa experiência?

Fernando Ávila: Acredito que o músico não pode atrelar-se a apenas um projeto, ele deve ser um agente de si mesmo, um administrador da sua carreira e, por conseguinte, atuar em diversas frentes. Sou professor de acordeon em três cidades, São Leopoldo, Porto Alegre e Triunfo. Desempenho trabalho composicional de música instrumental e atuo como intérprete e arranjador no grupo Arte Gaúcha, de São Leopoldo, grupo que realiza releituras de canções do cancioneiro regional e popular do RS. Além disso, já atuei como solista frente à Orquestra de Câmara da UNISC e sou coordenador artístico do Encontro Nacional de Acordeon Presto/Sesc, evento que terá a sua segunda edição em outubro deste ano.

ACS: Mesmo jovem, tuas composições e performances já são reconhecidas internacionalmente. Como tem sido esse contato?

Fernando Ávila: Sou muito feliz por esse reconhecimento. Confesso que é uma grata surpresa para mim, com tenra idade, ter despertado o interesse por minhas composições em músicos de diversas partes do mundo. Um exemplo disso são as gravações e interpretações de algumas das minhas peças pelo bayanista, regente e professor ucraniano Sergey Neverov. Acho que isso se deve à minha inquietude, ao meu interesse de buscar trocas musicais com acordeonistas de outros países, por meio da internet. Sempre compartilho materiais com esses músicos e isso enriquece a minha formação. A internet é uma ferramenta ótima, e foi através dela que também tive a oportunidade de conhecer pessoas na França e viajar para lá com algumas apresentações agendadas em fevereiro desse ano que transcorre.

ACS:  A Lua de Santiago será teu primeiro CD. Como foi/é o processo criativo? 

Fernando Ávila: Durante minha passagem pela UFRGS, comecei um trabalho de música instrumental em formato de trio (acordeon, violão e violino), em parceria com Felipe Martini e Vinícius Kunzler. Desse projeto surgiram muitas composições e, em 2016, tive contato mais próximo com uma grande referência do acordeon brasileiro, o músico Toninho Ferragutti. Ele realiza um projeto de acordeon e quinteto de cordas que acho formidável. Baseado nisso, pensei em gravar meu primeiro CD compilando as músicas do trio e novas composições arranjadas para acordeon e quinteto de cordas. A Lua de Santiago é o título de poema de Róger Wiest, meu amigo, o qual foi solicitado por mim a ele, após ter vivenciado com seu filho Santiago uma cena que me marcou muito. Santiago me mostrou a lua cheia ao final de uma tarde, de modo que eu fiquei atônito pelo fato daquela criança de três anos me chamar a atenção para algo que, às vezes, deixamos de perceber. Isso me motivou a compor a música Luna, em homenagem a ele. Mas a história não para por aí. Santiago é o nome do protagonista do livro “O velho e o mar”, de Ernest Hemingway, uma história de resiliência, perseverança e paixão do velho pescador. Assim, as histórias de ambos, Santiago menino, Santiago velho, me inspiraram a realizar o meu primeiro CD.

ACS: O projeto traz quinteto de cordas e acordeon. Por que essa formação? 

Fernando Ávila: A escolha dessa formação se deve, em partes, ao trabalho já supracitado de Toninho Ferragutti, intitulado “Nem Sol, Nem Lua”; à uma concepção estética e, sobretudo, idealista. Eu digo idealista porque tenho como um dos objetivos da minha vida mover forças para que o acordeon seja reconhecido no Brasil como um instrumento de concerto, que, assim como o violão, o piano e o violino, obtenha espaço dentro da academia e que seja ofertado no país um curso de nível superior em música com ênfase nesse instrumento, assim como acontece na Europa. O instrumento é versátil e possui uma grande gama de excelentes intérpretes e compositores no Brasil, não obstante, carece de um tratamento mais sério no que tange à formação. Gravar um CD com acordeon e quinteto de cordas é, além de uma simbiose de timbres e texturas, um desejo de mostrar que ele ressoa em simetria com os instrumentos concebidos como eruditos no imaginário social.

ACS: Como tem sido a experiência do financiamento coletivo? 

Fernando Ávila: Financiamento coletivo é uma alternativa para a atual conjuntura que vive o nosso País, em meio ao expressivo corte na área de cultura. Muitas pessoas ainda não conhecem a vaquinha virtual, algumas têm receio ou não sabem contribuir pela internet, mas creio que cada vez mais devem ser realizados projetos por esse meio. O financiamento é fadado ao fracasso se o proponente não tem uma rede de amigos ampla, pois é preciso atingir três níveis de público, são eles: os familiares e amigos próximos; os amigos e conhecidos; e os amigos dos amigos e conhecidos. O crowdfunding é um trabalho de agregar pessoas, uma labuta constante de divulgação, e para isso ser eficiente é preciso ser comunicativo. Estou contente por receber apoios de vários estados do Brasil e de países como Estados Unidos e França.

ACS: Quais os planos para depois do lançamento do CD?

Fernando Ávila: Além de buscar uma circulação para o CD e o espetáculo do mesmo, pretendo seguir meus estudos na área da educação musical e realizar um estudo contínuo e formal de composição, além de aprimorar meus conhecimentos no acordeon, mas na versão russa do mesmo, mais precisamente no bayan, que é um acordeon concebido para a música de concerto.

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A Lua de Santiago: natureza em destaque. Foto: Amanda Vanassi.

Música, poesia e artes plásticas. Em melodias que atribuem atmosfera clássica a composições de matriz popular, o Projeto A Lua de Santiago  destaca a pureza e a sensibilidade do olhar infantil sobre a vida. O resultado poderá ser conhecido nas 14 canções que farão parte do CD a ser lançado em outubro. As composições são do músico Fernando Ávila em parceria com nomes como João Paulo Sefrin, Felipe Martini, Róger Wiest, além de peças de Fernando Lewis de Mattos e Frank Marocco. Os arranjos são feitos para acordeon e quinteto de cordas.

A gravação do CD conta com financiamento coletivo, por meio do site Catarse, em uma campanha que vai até dia 18 de julho. Você pode conhecer mais sobre o projeto e fazer sua contribuição aqui. Em entrevista à Agência Central Sul, Fernando conta como a música transformou a vida do então menino de 14 anos, nascido em São Leopoldo (RS), atualmente formado em Música Popular pela UFRGS desde 2015. Professor de acordeon e pesquisador, ele fala sobre o processo criativo de A Lua de Santiago e sobre o sucesso de seu trabalho fora do Brasil:

Agência Central Sul (ACS): Como a música entrou na tua vida? Por que o acordeon?

Fernando Ávila: Minha família sempre esteve envolvida com o ambiente do Tradicionalismo, meu pai foi patrão de CTG (Centro de Tradições Gaúchas) e meus irmãos dançaram em invernadas artísticas. Nesse cenário, o acordeon desempenha um papel relevante na instrumentação da música veiculada e propagada pelo Tradicionalismo, bem como na música regional do Sul. Eu sempre ouvia em casa grupos como, por exemplo, Os Serranos, Os Monarcas, Os Mirins, os quais possuem exímios acordeonistas. Acho que foi por essa escuta que eu tomei o gosto pelo instrumento.

ACS: Tu és músico profissional, conta sobre tua formação e influências…

Fernando Ávila: Por sugestão de meu irmão mais velho, eu comecei a estudar o acordeon. Comecei a fazer aulas do instrumento aos 10 anos, todavia, fiz alguns meses de aula e desisti. Com 14 anos eu ingressei no curso básico de música da Fundação Municipal de Artes de Montenegro e, no decorrer do tempo, escolhi a música como profissão. Minha inserção na música como profissional deu-se aos 17 anos, quando fui convidado a integrar o Quinteto Persch, e essa experiência foi valiosíssima para mim, pois estava tocando música de concerto ao lado de excelentes acordeonistas e professores.

Ingressei no curso superior de música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, fazendo parte da primeira turma do Bacharelado em Música Popular. Essa minha trajetória dentro da academia foi uma abertura de portas, foi lá que comecei a compor e criar vínculos com pessoas que contribuíram muito no meu aprendizado, desde professores a colegas, como Fernando Mattos, Felipe Martini, Felipe Adami, Reginaldo Braga. O estudo formal de música em paralelo com a linguagem popular do meu instrumento e a tradição oral de sua aprendizagem possibilitaram-me diversas influências que, somadas, formam um gosto eclético de música, passando por Piazzolla, Frank Marocco, Tom Jobim e Luciano Maia.

ACS: Tu participas de outros projetos musicais e és professor. Como tem sido essa experiência?

Fernando Ávila: Acredito que o músico não pode atrelar-se a apenas um projeto, ele deve ser um agente de si mesmo, um administrador da sua carreira e, por conseguinte, atuar em diversas frentes. Sou professor de acordeon em três cidades, São Leopoldo, Porto Alegre e Triunfo. Desempenho trabalho composicional de música instrumental e atuo como intérprete e arranjador no grupo Arte Gaúcha, de São Leopoldo, grupo que realiza releituras de canções do cancioneiro regional e popular do RS. Além disso, já atuei como solista frente à Orquestra de Câmara da UNISC e sou coordenador artístico do Encontro Nacional de Acordeon Presto/Sesc, evento que terá a sua segunda edição em outubro deste ano.

ACS: Mesmo jovem, tuas composições e performances já são reconhecidas internacionalmente. Como tem sido esse contato?

Fernando Ávila: Sou muito feliz por esse reconhecimento. Confesso que é uma grata surpresa para mim, com tenra idade, ter despertado o interesse por minhas composições em músicos de diversas partes do mundo. Um exemplo disso são as gravações e interpretações de algumas das minhas peças pelo bayanista, regente e professor ucraniano Sergey Neverov. Acho que isso se deve à minha inquietude, ao meu interesse de buscar trocas musicais com acordeonistas de outros países, por meio da internet. Sempre compartilho materiais com esses músicos e isso enriquece a minha formação. A internet é uma ferramenta ótima, e foi através dela que também tive a oportunidade de conhecer pessoas na França e viajar para lá com algumas apresentações agendadas em fevereiro desse ano que transcorre.

ACS:  A Lua de Santiago será teu primeiro CD. Como foi/é o processo criativo? 

Fernando Ávila: Durante minha passagem pela UFRGS, comecei um trabalho de música instrumental em formato de trio (acordeon, violão e violino), em parceria com Felipe Martini e Vinícius Kunzler. Desse projeto surgiram muitas composições e, em 2016, tive contato mais próximo com uma grande referência do acordeon brasileiro, o músico Toninho Ferragutti. Ele realiza um projeto de acordeon e quinteto de cordas que acho formidável. Baseado nisso, pensei em gravar meu primeiro CD compilando as músicas do trio e novas composições arranjadas para acordeon e quinteto de cordas. A Lua de Santiago é o título de poema de Róger Wiest, meu amigo, o qual foi solicitado por mim a ele, após ter vivenciado com seu filho Santiago uma cena que me marcou muito. Santiago me mostrou a lua cheia ao final de uma tarde, de modo que eu fiquei atônito pelo fato daquela criança de três anos me chamar a atenção para algo que, às vezes, deixamos de perceber. Isso me motivou a compor a música Luna, em homenagem a ele. Mas a história não para por aí. Santiago é o nome do protagonista do livro “O velho e o mar”, de Ernest Hemingway, uma história de resiliência, perseverança e paixão do velho pescador. Assim, as histórias de ambos, Santiago menino, Santiago velho, me inspiraram a realizar o meu primeiro CD.

ACS: O projeto traz quinteto de cordas e acordeon. Por que essa formação? 

Fernando Ávila: A escolha dessa formação se deve, em partes, ao trabalho já supracitado de Toninho Ferragutti, intitulado “Nem Sol, Nem Lua”; à uma concepção estética e, sobretudo, idealista. Eu digo idealista porque tenho como um dos objetivos da minha vida mover forças para que o acordeon seja reconhecido no Brasil como um instrumento de concerto, que, assim como o violão, o piano e o violino, obtenha espaço dentro da academia e que seja ofertado no país um curso de nível superior em música com ênfase nesse instrumento, assim como acontece na Europa. O instrumento é versátil e possui uma grande gama de excelentes intérpretes e compositores no Brasil, não obstante, carece de um tratamento mais sério no que tange à formação. Gravar um CD com acordeon e quinteto de cordas é, além de uma simbiose de timbres e texturas, um desejo de mostrar que ele ressoa em simetria com os instrumentos concebidos como eruditos no imaginário social.

ACS: Como tem sido a experiência do financiamento coletivo? 

Fernando Ávila: Financiamento coletivo é uma alternativa para a atual conjuntura que vive o nosso País, em meio ao expressivo corte na área de cultura. Muitas pessoas ainda não conhecem a vaquinha virtual, algumas têm receio ou não sabem contribuir pela internet, mas creio que cada vez mais devem ser realizados projetos por esse meio. O financiamento é fadado ao fracasso se o proponente não tem uma rede de amigos ampla, pois é preciso atingir três níveis de público, são eles: os familiares e amigos próximos; os amigos e conhecidos; e os amigos dos amigos e conhecidos. O crowdfunding é um trabalho de agregar pessoas, uma labuta constante de divulgação, e para isso ser eficiente é preciso ser comunicativo. Estou contente por receber apoios de vários estados do Brasil e de países como Estados Unidos e França.

ACS: Quais os planos para depois do lançamento do CD?

Fernando Ávila: Além de buscar uma circulação para o CD e o espetáculo do mesmo, pretendo seguir meus estudos na área da educação musical e realizar um estudo contínuo e formal de composição, além de aprimorar meus conhecimentos no acordeon, mas na versão russa do mesmo, mais precisamente no bayan, que é um acordeon concebido para a música de concerto.