
Discoteca da Memória: favoritos do autor
Hoje a coluna será diferente, mas nem tanto. Uma recomendação pessoal dos meus três discos favoritos. Afinal, nada é melhor do que falar daquilo que a gente gosta, não é verdade? O favoritismo pode pesar aqui, mas





Ah, os Stooges. Eu amo os Stooges. Iggy (ainda sem o Pop), os irmãos Asheton, Ron e Scott, e Dave Alexander. Descobertos por Danny Fields, na época uma espécie de caça-talentos da Elektra, moldaram os padrões do que se tornaria o punk rock oito anos depois. Simplicidade, agressividade, luxúria e tédio. Os Stooges começaram a carreira no experimentalismo. Tocavam longas músicas em suas apresentações, com muita cacofonia e Scott Asheton batucando latas de lixo e gasolina. Tudo caótico e nada comercial. Em seu contrato com a Elektra, tiveram que comercializar seu som. Nenhum problema nisso. O primeiro disco, homônimo, lançado em 1969, exalando o tédio atemporal da adolescência, causou uma revolução musical. Três acordes e um niilismo ingênuo. Nasce o punk rock, mesmo ele já tendo seus primórdios uns quatro anos atrás, na Inglaterra, no riff de You Really Got Me, dos Kinks. O timbre lisérgico e os wah-wahs da guitarra de Ron Asheton tumultuando nossos ouvidos num caos controlado, produzido por John Cale, aquele mesmo do Velvet Underground, o lado vanguarda da banda. Ironicamente, ele adocicou o som dos Stooges. Eles não gostaram nada. O disco muito menos. Vendeu mixaria. E nele encontramos hinos punkadélicos do quilate de I Wanna Be Your Dog (a luxúria e submissão), 1969 e No Fun (o tédio e niilismo). Um ano depois, tomam um passo adiante em seu som. O tédio ingênuo dá lugar à pura farra niilista. Fun House serve como uma extensão do disco anterior, apenas mais completo, e diferente também. É metálico, tal qual Detroit, a cidade industrial palco e berço de bandas revolucionárias e agressivas. Produzido por Don Gallucci, tecladista do Kingsmen, e responsável pelo riff de teclado mais famoso da história, o de Louie Louie, o disco é seco, autêntico e vivo. As músicas são construídas na base do improviso. A banda soa profissional, centrada. Ron Asheton abandona seus timbres ácidos e os substitui por cortes e socos a queima-roupa na cara. O contrabaixo de Dave Alexander ainda mais pulsante. A batida instável de Scott Asheton. O tilintar das caixas é orgânico e seco. Uma autêntica bateria. E Iggy cada vez mais enlouquecido. Berrando, gemendo e urrando tal qual uma pantera caçando sua presa numa selva infernal. Iggy nunca soou tão primal na vida. Sua voz ecoa das cavernas mais profundas da humanidade. Na última faixa do álbum, L.A. Blues, os Stooges liberam o caos na terra, direto das entranhas do inferno e drogas. Cacofonia, ritmos dispersos e dissonantes, e o Iggy, claro, na maior selvageria. Altamente coeso em sua forma, a melhor descrição de Fun House se encontra no livro 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer: ”O lado A é a festa, o B a ressaca”. Nada mais resumido. Composto por sete faixas, o lado A apresenta canções mais curtas e diretas. Empolgantes em sua essência. Para dançar. Uma farra completa. Termina com Dirt, uma pausa no dinamismo e o início do declínio da noite. Iggy se sente sujo e não se importa com isso. Abrindo espaço para o lado B, outra história. Canções mais longas, repetitivas, tão diretas e caóticas quanto e com o acréscimo do saxofone de Steve Mackay, martelando a ressaca em nossas cabeças. Tudo lindo e cheirando a liberdade e decadência. O disco também não vendeu nada, e os Stooges se separaram, para voltar dois anos depois, agora com outro guitarrista, James Williamson, tão agressivo quanto o próprio som dos Stooges, e Ron Asheton migrando para o contrabaixo, e, sob a produção de David Bowie, lançarem Raw Power, seu disco mais cultuado. Mas meu coração permanece em Fun House, por todo o sempre. Sendo sincero, não sei exatamente o que falar do disco. É o meu favorito. Aquele que eu levaria para uma ilha deserta sem pensar duas vezes. Palavras são desnecessárias nesses momentos. Basta sentirmos. E esse é também o melhor disco da história. Ponto final.
Apenas Gainsbourg para tornar um assunto tão polêmico, delicado e repulsivo em algo belo, melancólico e sonhador. Aqui temos uma ópera-rock sacana sobre uma paixão proibida. E ilegal. O alter-ego de Gainsbourg, ou talvez o próprio, dirige seu Rolls Royce pelas ruas solitárias de uma noite escura quando atropela uma garota numa bicicleta. A imagem virginal de Melody Nelson o fascina. Começa aí um conto de obsessão e paixão que termina em tragédia. É isso mesmo. Melody Nelson é menor de idade. Gainsbourg não revela exatamente as primaveras da personagem título, mas suas descrições de lolita nos remetem uma ideia. Gainsbourg atravessa as profundezas mais sinistras do homem. A história é narrada em detalhes e tons poéticos pelo vocal sussurrado e falado de Gainsbourg, a subsequente sedução até o ato carnal. Gainsbourg está apaixonado pela sua musa virginal. Ele a deseja. Não a vê como uma mera presa de suas perversões e delírios carnais. É uma paixão autêntica. Mas não se preocupe, não há palavras ofensivas aqui. Detalhes das núpcias do casal são deixados de lado. Tudo muito galanteador e francês. Gainsbourg era malandro, mas nada burro. É exatamente isso que torna esta obra tão bela. A tragédia e luxúria de uma paixão proibida sob o ponto de vista delicadamente romântico e recíproco. É um obra feita para chocar, mas sem a apelação tão comum nesse tipo de abordagem. Não espere um Lolita da vida. A mera perversão e medo de um Humbert Humbert não existem aqui. E nada de romantização e glamourização de um tema desagradável. O que talvez faça esta obra soar tão sinistra e até ingênua em seu conceito. Na verdade, até que há uma certa moral da história. O disco fecha com a morte de Melody Nelson, em um acidente de avião, e Gainsbourg lamentando o eterno fim de sua paixão proibida, como se fosse viver o resto de sua vida no maior sofrimento, pagando pelo seu pecado. Maior deprê. Mas o verdadeiro primor aqui é a música, é claro. Com 27 minutos de duração e dividido em sete faixas, Melody Nelson é um exercício de delicadeza e produção esmerada, luxuosa e muito, mas muito simples. Tudo nesse disco é perfeito. Produção, execução, interpretação. Foi feito para ser ouvido do início ao fim, sem pular faixas. Afinal, é um álbum conceitual. Cada faixa expandindo a outra. A base do disco se encontra num funk sombrio e levemente safado que só Gainsbourg sabia fazer, com três curtos interlúdios acústicos para acalmar os ânimos. As músicas seguem uma linha repetitiva e tranquila, e vão aumentando e progredindo ao mesmo tempo em que o enredo é desenvolvido. Tudo muito sombrio e melódico. A calmaria antecipando a tempestade. Cada instrumento bem executado e em harmonia com o clima das canções. Nenhum instrumento se sobrepõe a outro. Um autêntico trabalho em equipe. De primeira temos toques de guitarra aqui, baixo marcando a melodia, bateria o ritmo, mais toques de guitarra ali, uma leve passagem de cordas, terminando numa explosão conjunta. Sem pompa, sem complexidades. Apenas simplicidade em seu estado mais bruto. Esse desenvolvimento em conjunto entre enredo e música é perfeito para nos envolver na história. Um filme em nossa mente. Não é preciso ter domínio da língua francesa para entender a história. Música e letra já fazem todo o trabalho. Além disso, a mixagem dos instrumentos é tão seca e genuína quanto a mais fria das almas. Há belíssimos dedilhados de violão e contrabaixo sustentando as melodias e pintando tons de alegria no disco. Sonoridade ideal para o ambiente melancólico e de tensão sexual. Os arranjos de cordas de Jean-Claude Vannier banham o disco em magia e sonho. Etéreo. Um coro de anjos sem o coro. Em resumo, Melody Nelson é a maior definição de perfeição. Uma obra-prima indispensável na coleção de qualquer amante da música.
Dennis Wilson, o beach boy errático, rebelde e de espírito livre. Mas também um ser de natureza gentil e doce. E uma alma atormentada. Espíritos livres com frequência são atormentados. A liberdade é perturbadora. Dennis era o patinho feio dos garotos da praia. Tinha uma voz fraca e grave, um contraponto perfeito aos seus colegas de banda, todos muito bem afinados. Isso não impediu Dennis de interpretar majestosamente belas canções do cancioneiro praieiro. Sua fragilidade é envolvente em canções como The Back of My Mind, por exemplo. De uma extrema ternura. Também foi um hábil compositor. Não tão genioso quanto seu irmão, Brian, mas igualmente brilhante. Dennis não teve treinamento musical algum. Escrevia suas melodias de coração mesmo. Ou talvez tocasse apenas notas agradáveis até formar uma sequência coesa, quem sabe. Não importa. Sua canção mais famosa nos Beach Boys, Forever, é um exemplo desse seu brilhantismo. Melodismo em seu mais alto nível. E seu único disco solo segue essa linha. Apenas um pouco menos comercial. Desprovido de enfeites, Pacific Ocean Blue é um trabalho melancólico, reflexivo, cru e repleto de sentimento de um ser atormentado. Clima de fim de noite e solidão. Levemente depressivo e desesperador, mas com traços de esperança. Letras sobre amores saudosos, despedidas tristes, reflexões e leve otimismo em relação a vida. Sua voz mais rouca e fraca, devido a idade e sua forma física desgastada. Ele era o galã dos Beach Boys, o garoto-problema, e em 1977 se encontrava fora de forma. Mas sua voz atormentada por pesadelos, num timbre áspero, combina perfeitamente com a atmosfera desoladora de suas canções. Wilson as interpreta com a sonolência e ausência de personalidade, mas com muita personalidade, de quem só quer desabafar sobre seu cansaço mental e físico. Tudo envolto em névoas e água salgada. Podemos imaginar a paisagem tranquila e deprimida de uma manhã solitária e cinzenta nas areias de uma praia. A princípio o disco pode soar um tanto tedioso para ouvidos menos acostumados com um som nada progressivo e padronizado, com poucas mudanças e tudo arrastado, que segue os padrões de um rock mais adulto, orientado para as rádios, da costa oeste dos Estados Unidos, também conhecido como AOR, mas sem o raiar do sol. É um anti-AOR. Nenhuma faixa apresenta um apelo comercial. Apenas beleza em sua essência. É um disco para ser ouvido na íntegra, em sua totalidade. Maçante, mas nada maçante. Os ganchos estão ali, tímidos em meio ao clima levemente desesperado do disco. Por isso exige repetidas audições até entendermos seu conceito, sua musicalidade peculiar. E aí é que ele nos envolve cada vez mais. No fim, Pacific soa por vezes perturbador. Um mergulho nas reflexões de um espírito atormentado pela sua natureza rebelde e errática. Wilson morreria seis anos depois de lançar seu primeiro e último disco, afogado após pular bêbado na água. Um fim trágico para uma alma trágica.
Lá pelos idos da década de 60 Eric Clapton se encontrava na pior. Estava apaixonado por Pattie Boyd, já comprometida. E pior, esposa de seu melhor amigo, George Harrison. Cansado e cada vez mais caindo de amores, naquelas de pensar na pessoa todos os malditos dias da vida que seguia, e querendo não sofrer mais, Clapton resolveu declarar a ela seus sentimentos. O casamento já estava em ruínas, e malandro que só ele, resolveu aproveitar a deixa. Não deu certo. Pattie continuou na tentativa de resolver seus problemas matrimoniais com o ”beatle quieto”, que também não era lá o santinho que todos achavam que era. Esses piscianos, tão imprevisíveis. Clapton, por sua vez, resolveu ter um caso com a irmã de Pattie, Paula, apenas pela semelhança física e uma maior aproximação de Pattie. Não é preciso dizer que isso só piorou a situação. O guitarrista então entrou numa depressão pesada, se viciando em heroína e álcool. Nenhuma novidade aí. Cheio de dor, decidiu formar um novo grupo com os músicos de estúdio Bobby Whitlock, Jim Gordon e Carl Radle. Surge Derek and the Dominos. Lançaram apenas um disco, duplo, todo dirigido à Pattie. Clapton convidou Duane Allman, o herói dos Allman Brothers, para transpor a delicada raiva e chororô em seus slides. Layla foi dividido entre canções autorais, inspiradas pela tragédia amorosa de Clapton naquele momento, e covers, que também falam das dores do amor inatingível. As observações de Clapton sobre suas agruras e sofrimento o permitem sonhar, se declarando em canções sobre o pecado de amar a mulher de outro e ser dela, não importa a distância que seja. Parece estranho, e com certeza o é. ”And if it seemed a sin/To love another man’s woman, baby/I guess I’ll keep on sinning/Loving her, till my very last day” (E se parece pecado/Amar a mulher de outro homem, baby/Eu acho que continuarei pecando/Amando ela até o último de meus dias), é o que canta Bobby Whitlock, soltando a voz num tom grave. Quase um pastor. Obsessão nunca soou tão trágica, determinada e sinistra. A razão, causa e circunstância do porque Clapton não cantou nesse trecho tão pessoal é um mistério. Já em Have You Ever Loved a Woman, um antigo blues de Chuck Willis, é ele que dá o ar de sua desgraça: ”Have you ever loved a woman so much you tremble in pain?/And all the time you know she bears another man’s name”. (Você já amou uma mulher tanto a ponto de tremer de dor?/E todo esse tempo você sabe que ela carrega o nome de outro homem). Arrepios. É um disco basicamente pop com temperos de blues e soul, derramando a angústia por todos seus quatro lados. A banda é afiada, tocando na precisão de um senhor Miyagi. Jim Gordon é um monstro na bateria, sempre com suas viradas marotas. Ouvir essa viradas no fone de ouvido é um prazer inenarrável. O disco também serve como veículo para o lado cantor de Clapton, aqui em seu melhor registro vocal. Ele se entrega às canções. Parece cansado, abatido pela sua dor. Mas determinado. Sua voz soa fraca e potente ao mesmo tempo. O timbre levemente sujo, talvez pela quantidade de álcool consumida para tentar aliviar seus pensamentos. E há o clássico dos clássicos, Layla. Um hino. Riff histórico presente em tudo o que há de clássico nesse mundo, e letra inspirada num conto persa de amor proibido. É a que mais se dirige diretamente à Pattie Boyd. Clapton soa raivoso, indagando sobre a escolha dela em permanecer num casamento já falido, e a ameaça de ficar sozinha pelo resto da vida quando as coisas ficarem feias para o seu lado. Homens, sempre tão… dramáticos. A banda acabou um tempo depois. As drogas cada vez mais afetaram Clapton, que se isolou. Apenas anos mais tarde é que seu sonho enfim se realiza, com o fim do casamento de George e Pattie, e os dois se permitem amar. Se casam em 1979, e o resultado não foi tão maravilhoso quanto o desejo de Clapton achava que seria. Talvez pelo abuso de drogas, Clapton deixou de se preocupar com Pattie, e sua vida teve ainda mais dor, muito mais dor, até se separarem no final da década de 80. No final, tudo pareceu mais um caso de mera paixão e perdição. Triste.
Arnaldo Baptista também não estava nos melhores dias após sua saída dos Mutantes em 1973. Com a saúde cada vez mais debilitada pelo uso intenso de substâncias lisérgicas, e tal qual um Syd Barrett brazuca, demonstrando um comportamento dos mais bizarros, se encontrava em plena desgraça. Ainda tinha o fato de, pelo menos é o que conta a história, estar obcecado por Rita Lee, sua colega de banda e ”alma gêmea”. Mas também nem tanto. Em sua autobiografia, Rita conta que Arnaldo não era assim tão chegado nela, e quando surgia, era só pra atazanar. Talvez o primeiro embuste da história, quem sabe. Ou como já foi dito antes, apenas resultado dos efeitos que a paixão, ou o amor, causa nas pessoas. Você sabe, nos tornamos relativamente estúpidos em meio aos nossos sentimentos. Rita também afirma que eles eram sim ”almas gêmeas”, ao menos nos primeiros anos de convivência. Era uma relação mais familiar do que meramente sexual. Se completavam. Duas crianças fazendo peraltices. Amando ou não, e assim sendo, Arnaldo, após compor material novo, se fecha no estúdio, acompanhado de Liminha e Dinho, também parceiros de Mutantes, e grava seu primeiro e melhor disco. Lóki? é uma obra-prima, daquelas que já nascem com esse dom. Arnaldo se entrega na autopiedade. A produção crua e urgente ao extremo é um ótimo pano de fundo para um disco repleto de angústia e dor. Não é exatamente um disco de sofrência, mas sim de sofrimento no sentido mais melancólico e amplo da palavra. Arnaldo se deixa afundar na sua dor e delírio constante. Sobre as composições, afirmou certa vez não terem relação nenhuma com Rita, mas é impossível não pensar na presença constante dela em torno da obra. E se não dela, de alguma outra pessoa. É um disco muito subjetivo, com reflexões melancólicas sobre tempos áureos, saudade, perdição, fuga nos próprios pensamentos, solidão, isolamento e morte. Tudo transcrito na leveza do brilho dos dias pela aura de uma mente perturbada. Entre a desesperança e a esperança. Ele ama Rita, ou essa outra pessoa, e a quer de volta. Tudo nos mais altos padrões de sinceridade. E mesmo assim, Lóki? não soa exatamente depressivo. Nada é maçante aqui. Suas músicas, mesmo tristes, também são alegres. Há rock no meio das baladas melódicas. O trio mostra ao ouvinte que funciona em perfeita harmonia. O som é potente e leve na mesma exatidão. Tudo executado na maestria. Arranjos simples, porém complexos, andamentos e quebradas progressivas. Arnaldo mostra todo seu lado erudito. Criação de família. A atmosfera é íntima. O instrumental é composto apenas por piano, baixo e bateria, com eventuais participações de outros instrumentos, e da própria Rita nos backing vocais em duas faixas. Arnaldo está ferido em suas interpretações, sem demonstrar precisamente isso. Sua voz bastante jovem e potente. Canta num corriqueiro cansaço a sua esperança no futuro, suas reflexões sobre um país que ainda é criança, esperar o apocalipse na tentativa de reencontrar um amor perdido, sua solidão, não estar nem aí pra morte, pra sorte e ter como meta apenas ”decolar toda manhã”, além de se ver apegado ao passado, a coisas que lhe dão prazer e a indagar se vai virar bolor. Sentimos sua depressão. Após o disco, Arnaldo entraria numa longa fase de refúgio, perturbando Rita mais algumas vezes, formando a Patrulha do Espaço, passando por crises e decaindo cada vez mais em seu estado mental, culminando na trágica tentativa de suicídio ao se jogar da janela de seu quarto, no terceiro andar de um hospital psiquiátrico. Arnaldo, é claro, sobreviveu, conheceu Lucinha Barbosa, sua companheira desde então, se recuperou dos traumas e hoje está aí de boas com a vida.
Situação parecida a de Bob Dylan em 1975, passando por uma crise no casamento com Sara, sua esposa há mais de dez anos. Talvez isso tenha o influenciado a gravar seu disco mais confessional na sua gigante discografia. O disco fala do fim de uma relação, do ponto de vista adulto e amadurecido. Há todas as diferentes fases, como negação, lembrança de momentos felizes, raiva, tristeza, medo da perda, medo da solidão, solidão em si, desespero e aceitação. Dylan diz que as canções não foram inspiradas em sua vida pessoal, já que, em suas palavras, não escrevia letras autobiográficas. Sua principal fonte foram as histórias curtas do escritor Anton Chekhov. Já Jakob Dylan, o filho, apenas uma criança quando esteve presente nas gravações de Blood on the Tracks, declarou que o álbum inteiro é uma conversa entre seus pais. Autobiográfico ou não, a obra reflete o teor íntimo de seu autor. Desprovido de grandes produções, o disco é seco como o fim de uma relação. Bem apropriado para as letras cheias de amargura, melancolia e dor. E aceitação também. Dylan admitiu ficar surpreso com o sucesso e relevância do disco para seus fãs. ”Um monte de gente me disse adorar o álbum. É difícil concordar com elas. Quero dizer… Pessoas curtindo esse tipo de dor, sabe?”, declarou sobre sua maior obra-prima. E a musicalidade está mais presente do que nunca. A música de Dylan sempre foi provida de arranjos melódicos e ganchos. Uma pintura musical. Sua interpretação passa do calmo, suave e terno para o irônico, raivoso (mas sem perder as estribeiras) e dolorido. Dylan foi, e ainda é, um grande intérprete. Sua voz analasada, cheia de choro nos lamentos sobre a solidão do abandono e da raiva do momento. Curiosamente o disco poderia ter sido ainda mais cortante em sua estética. Foi gravado originalmente em Nova York, com algumas músicas tocadas apenas no violão. Dylan não gostou do resultado, e foi para sua terra natal, Minnesotta, regravar algumas canções com a presença da banda. Talvez tenha suavizado o teor delas, mas continuam altamente íntimas em suas descrições e observações sobre uma relação em completo desgaste, com um toquinho de esperança. A dor e sofrência em sua roupagem mais lírica. Dylan encerra o disco com uma nota de leve otimismo, companheirismo, saudade, verdade e senso de humor. ”I seen pretty people disappear like smoke/Friends will arrive, friends will disappear/If you want me, honey baby, I’ll be here” (Eu vi pessoas bonitas desaparecem como fumaça/Amigos chegam, amigos vão embora/Se você me quer, querida, estarei aqui), canta em Buckets of Rain. Dylan nunca soou tão sincero em toda sua obra.
Em 1969 o AI-5 estava em alta. Caetano e Gil, presos, logo se exilaram em Londres. Sem seus dois membros fundadores e mais importantes, o tropicalismo estava fadado ao fim. Gal, sua protegida, se viu sozinha. Era a única figura de maior renome do movimento em seu país. Os Mutantes já haviam tomado independência e pulado fora. Nessas circunstâncias, Gal, capitaneando o tropicalismo, gravou seu disco mais lisérgico, experimental e agressivo. Com composições de Caetano, Gil, Jorge Ben, Roberto e Erasmo Carlos e Jards Macalé, o disco é repleto de groove e loucura. O disco já abre com uma guitarra berrando. Influenciado por Jimi Hendrix e Janis Joplin, o trabalho foge da brasilidade típica dos discos tropicalistas. A única veia meramente tropicalista aqui é a versão de País Tropical, um dos bilhões de hinos de Jorge Ben Jor, aqui num arranjo de samba rock lisérgico com participação de Gil e Caetano festejando pela faixa. No disco, Gal deixa seu lado mais doce de lado e taca o louco. Se esguela e ruge como uma leoa dominando todo o território. Um grito de liberdade, fúria e feminismo em épocas opressoras. Conta também com o auxílio de seu clã, em especial o guitarrista Lanny Gordin, seu mais fiel escudeiro naqueles tempos. Com sua guitarra de timbres por vezes cristalinos e limpos, por ora ácidos e distorcidos, soa como se fosse o segundo protagonista de todo o disco. Gal e Gordin parecem dialogar durante toda sua meia hora de duração. O contrabaixo também, para falar a verdade. Num timbre limpo e ressonante, as linhas dançam pelo disco inteiro, num ritual de celebração à beleza da música. Esse é um dos maiores prazeres que os discos brasileiros daquela época nos proporcionam, sua extrema preocupação com os graves. O contrabaixo nos trabalhos daquele período pulsam na mente. A sonoridade suja, psicodélica e feia de Gal instaura em nossos ouvidos o ambiente de angústia e raiva da época, e de sua intérprete. Mas é claro que também há momentos de calma e beleza em meio ao caos. Um disco fundamental.
Macalé foi um dos colaboradores menores do movimento tropicalista, sempre nos bastidores, compondo em parceria com os letristas Capinam e Wally Salomão. São eles os responsáveis por hinos de uma geração, como Gotham City, gravada pelos Brazões e Camisa de Vênus, e defendida por Macalé no IV Festival Internacional da Canção em 1969, numa apresentação caótica e malfadada. Na letra, a cidade violenta e sombria do Batman é usada como metáfora daqueles tempos estranhos. E também há Vapor Barato, gravada por Gal e O Rappa, resumindo toda a angústia de uma geração com desejo de fugir de toda aquela opressão militar. Em 1972, acompanhado de Lanny Gordin no baixo e Tutty Moreno na bateria, foi sua vez de entrar de vez na cena, com seu homônimo disco de estreia. Pós-tropicalista, até hoje não superado pelo próprio músico e por nada que veio depois, é um disco estranho e único na história. Não há como definir exatamente este trabalho. De uma inigualável beleza triste, Macalé mistura diversos estilos, às vezes em uma única música. Há samba, rock and roll, jazz e bossa nova só na faixa de abertura, Farinha do Desprezo. O disco soa orgânico devido a sua produção crua. Os arranjos apresentam quebras de ritmo dinâmicas e progressivas. Tudo muito paranoico e pertinente à época. As letras, escritas na maioria pelos seus dois colaboradores recorrentes já citados, seguem o desespero e melancolia de suas composições anteriores. A poética aqui é de uma beleza estonteante. Preste atenção em Meu Amor Me Agarra & Geme & Treme & Chora & Mata e diga se estou errado. O clima pesado e mórbido domina o álbum, exalando a melancolia dos tempos mais pesados da ditadura. As melodias passeiam pelo deprimido e pelo faceiro, este último devido mais uma vez à força do contrabaixo, que dança pelas músicas. Lanny também gravou os solos de violão, exibindo uma outra faceta de sua musicalidade. E assim temos mais uma obra-prima fundamental. Infelizmente (ou seria felizmente?), o disco não teve repercussão nenhuma, forçando Macalé a realizar trabalhos mais tradicionais, mas nada comerciais. E nosso herói maldito até hoje segue na ”periferia da música brasileira”. Um autêntico artista cult em terras tupiniquins.
Após sair da Blitz e lançar seu primeiro disco solo, sem sucesso nenhum, Lobão se viu na necessidade de criar outra banda. Assim surgiram os Ronaldos e o melhor disco da cena roqueira brasileira dos anos 80. O ”Lobão” foi acrescentado por pressão da gravadora, com olhos centrados na grana, aproveitando o renome de nosso ser mais odiado. O trabalho é influenciado pela new wave da época, mas ainda sim altamente único, sem dever nada às suas influências. É um disco bem daquela época, e muito diferente também. A sonoridade não é tão pasteurizada quanto trabalhos relativos. Para os meus ouvidos, pelo menos, soa bastante atual, apenas com uma produção mais precária. Ou talvez eu esteja louco. Há uma leve crueza no som que me agrada bastante. Adoro os timbres dos instrumentos nesse disco. Sem aquelas baterias eletrônicas, moda nos anos 80, altamente datadas que abusavam do mal gosto da época. Fuja disso. Já o disco em si, é uma coleção de petardos pop. A angústia adolescente em seus melhores momentos. Há alegria, melancolia, ganchos, ganchos e mais ganchos. É também um disco simples, estúpido, bobo, jovem, chiclete e que ainda conta com Alice Pink Pank, a holandesa que conquistou o Brasil naquela década tão amada e odiada ao mesmo tempo. O leve sotaque gringo em seus vocais é um verdadeiro paraíso na Terra. Mais uma vez, perdão pela repetição. Também tocou os teclados, aqui discretos e nada poluídos. Alice foi o George Harrison dos Ronaldos, uma artesã em seu instrumento, acrescentando muito fazendo pouco. Toda vez que escuto Ronaldo Foi Pra Guerra, roda pela minha cabeça um filme adolescente dos anos 80. Aqueles de colegiais fazendo bobagem. Aliás, o disco inteiro poderia muito bem ser a trilha perfeita de um filme assim. Ou então nossos filmes bobos adolescentes da década de 80, como Areias Escaldantes. Sem pé nem cabeça, trilha repleta de bandas emergentes na época e altamente divertido. Na verdade, poderia muito bem virar um filme, todo baseado na sua sonoridade e temática melancólica e estúpida. Fica aí a dica de um revival oitentista nos nossos cinemas.
Sublime. Esta é a melhor palavra que define Forever Changes. O terceiro disco do Love marca uma mudança de ares na banda. Suas raízes num rock and roll mais garageiro, sujo, mas ainda sim altamente melódico, dão espaço a um som acústico e elaborado. Na época, Arthur Lee, o líder e figura estranha do grupo, achava que ia morrer. Decidiu então gravar sua obra-prima. O clima de morbidez, e de beleza também, típicos dos anos 60, permeiam o disco. As letras de Lee são confusas, e muitas vezes não dizem nada. São fatias de fluxo de consciência, um método dos mais interessantes em que o autor busca transcorrer seus pensamentos no papel. Compôs nove das onze faixas do disco. As duas restantes são de autoria de Bryan McLean, um desses heróis esquecidos da música popular mundial. Aliás, é ele responsável pelo maior hit do Love, Alone Again Or. Suas letras diferem das de Lee pelo caráter mais padronizado. Seguem um pensamento. Enquanto à música, é um verdadeiro esplendor. A eletricidade foi substituída pelo luxo dos violões e arranjos de cordas e metais. Há alguns toques de guitarra aqui e ali. Solos bastante ácidos, agressivos. Uma atmosfera de leve desespero. A maior inovação foi o uso dos arranjos orquestrais. Casam perfeitamente com as melodias e arranjos dos instrumentos mais básicos. Geralmente o uso de cordas e metais em canções populares não agradam muitos ouvidos. Muitos acreditam que suaviza demais o som, ou o torna muito radiofônico ou apelativo. Na pior das hipóteses, barato demais. Há uma meia verdade nisso. Não aqui. As cordas e metais, esses em alguns casos, não adicionam elementos na fórmula. São parte da fórmula. Personagens em si. Em resumo, um disco suave com momentos de loucura e paranoia. Foi o último disco da formação original do Love, que não estava em seus melhores dias. E o resultado foi seu melhor disco. A desgraça influenciando a arte mais uma vez. Já Lee, só resolveu morrer quatro décadas depois, em 2006. Realmente, um cara estranho.
Em seu segundo disco o Cream mergulha na psicodelia da época. É o seu melhor trabalho. A perfeita definição de lisergia e melodismo. Aqui o trio mostra que sabe como ninguém fazer canções pegajosas. Não são meros improvisadores. As letras ganham colorações surreais, com bruxas, arco-íris do amor, contos de um bravo Ulisses e mulheres barbudas. A sonoridade caminha por meios luminosos e sombrios. Um blues coberto por música pop e ácido. Tudo muito dorminhoco em meio a uma lagoa em chamas. O maior hit do Cream está aqui, Sunshine of Your Love. Você com certeza já ouviu seu riff histórico em qualquer lugar que se preze. A banda está ainda mais afiada que em sua estreia. As linhas do contrabaixo de Jack Bruce ainda mais melódicas e sua voz cada vez mais forte. Ginger Baker continua com sua batida certeira e controlada. E o melhor timbre de guitarra já gravado por Eric Clapton em toda sua carreira. Algo entre uma faca e uma pista de patinação no gelo. Seus solos mantendo a veia ao vivo de sua natureza improvisadora. Riffs escorregadios e wah-wah’s, muitos wah-wah’s. E de quebra, ainda dá pra dançar tudo isso.
Já o segundo disco da Experience soa como uma demo de estúdio, devido à pressa em que foi gravado, para aproveitar o sucesso do disco anterior e lucrar ainda mais o nome de Hendrix. Ainda há um incidente, ao menos é o que conta a lenda, que perturbou nosso herói, quando o próprio esqueceu as fitas master do lado A de Axis em um táxi, e tudo teve que ser feito novamente no sangue, suor e lágrimas. Na verdade, obviamente que utilizaram outros takes aceitáveis, com a habitual junção de overdubs e todo aquele processo de produção musical. Isso não prejudicou o disco em nada, apesar da desaprovação de Hendrix. Esse ar esquelético de estúdio enfatiza ainda mais as composições do guitarrista, seu maior talento ignorado. Hendrix foi um melodista nato, e aqui as baladas estão entre as melhores de sua curta vida. São o ponto alto do disco. Seguindo numa sonoridade mais soul, muito sensível e bonito demais da conta, uma forte influência de Curtis Mayfield. Suas letras também evoluem em lirismo e beleza. Ele era muito influenciado por Bob Dylan. O disco pode soar desorganizado, já que as faixas foram separadas entre rockões e baladas, rockões e baladas, e assim até o fim. Isso quebra o ritmo do disco. Mas aqui até que funciona. Mesmo o resultado final não ter ficado ao seu gosto, Axis também foi o momento em que Hendrix abusou de seu perfeccionismo, passando horas e horas trabalhando em suas composições e produções, muito obcecado por efeitos de estúdio e causando a ira de seu produtor, Chas Chandler, que pediu as contas logo após. No disco seguinte, seu mais famoso, Electric Ladyland, Hendrix assumiria a produção e sua música aumentaria em fatores produtivos.
1968 foi o ano das revoluções. Protestos e sistemas opressores ficaram intensos no mundo inteiro e nosso planeta Terra nunca mais foi o mesmo, com violência e caos reinando em meio aos movimentos jovens nas ruas. Nada melhor então do que começar esse ano tumultuoso com peso. Muito peso! E barulho também. A revolução mais uma vez. Lançado em janeiro, a estreia do Blue Cheer abalou as estruturas da música para sempre. Parece até a própria representação de 1968. Pegue o blues e aumente a potência em tudo, em especial na amperagem, e temos o nascimento do heavy metal. Se o Black Sabbath é o pai do gênero musical, o Blue Cheer então só pode ser o avô. Nem a Jimi Hendrix Experience soou tão frenética e caótica quanto Vincebus Eruptum. Com apenas seis faixas, três autorais e três covers, o trio, ou a mais literal definição de power trio, espanca nossa cara com muito gosto. Mas não se preocupe, não dói nada. O lado primitivo do rock and roll levado ao mais intenso pé da letra. A guitarra de Leigh Stephens gritando riffs cortantes e solos agoniantes, pedindo por misericórdia, o baixo pulsante e a voz aguda quase (eu disse quase) irritante de Dickie Peterson e Paul Whaley espancando a pobre bateria, com batidas primais, quase ”George das selvas” e pratos chiando pelo espaço e tempo. Uma procissão de dores no reino do caos. Tudo ao mesmo tempo expirando musicalidade. Barulho também é música. Após sua estreia, o Blue Cheer, infelizmente, não seguiu a mesma linha e seu som perdeu a força.
Seguimos na onda das revoluções. Como dito na coluna anterior, os três primeiros discos do Velvet inventaram modas. Em seu segundo, já sem a influência de Andy Warhol e a presença de Nico, nossos heróis das ruas aumentam o barulho, distorção, cacofonia e coisas feias. E assim nasce o noise rock. É também um disco feio. Assim como foi o caso de Axis, parece ter sido lançado às pressas. Soa incompleto. Com apenas seis faixas, sentimos a falta de algo a mais. Todas elas diferem uma das outras. É confuso, mas faz sentido. Há uma ligação de sonoridade entre elas. Lou Reed cada vez mais inspirado na podridão e no sinistro. John Cale, em sua última participação na banda, nos presenteia pela primeira vez com sua voz em duas faixas, apresentando seu simpático sotaque galês. Na primeira delas, The Gift, recita um poema dos tempos de faculdade de Lou Reed, um conto macabro contando a trágica história de Waldo Jeffers, um simpático homem com saudades de sua namorada, há milhas de distância. Resolve então se mandar de presente pra ela. Resultado desastroso. Na outra, Lady Godiva’s Operation, canta pacificamente e num tom falado, descrevendo a cirurgia de troca de sexo da lendária figura histórica, enquanto os outros integrantes do grupo simulam com a voz barulhos de brocas e aparelhos cirúrgicos diversos. Também termina em tragédia. Tudo muito calmo, cacofônico, belo e feio. Mas o melhor está por vir…
Batidas primais e um riff que mais soa como uma corrida de karts pilotados por aviadores e, de repente, temos a inauguração do verão do amor. Você sabe… quando a juventude foi dominada pelas flores na cabeça, paz, amor e psicotrópicos. Muitos psicotrópicos. O curioso é que Surrealistic Pillow foi lançado em fevereiro daquele ano, em pleno inverno estadunidense. Mas não faz mal, o clima frio toma conta do álbum. E o quente também. Predominantemente acústico, com leves excursões por um território mais elétrico, Surrealistic conta com a estréia de Grace Slick e Spencer Dryden no grupo, substituindo a vocalista Signe Anderson e o baterista Skip Spence. E a banda atinge seu pico comercial e o ponto alto em sua discografia. Somebody to Love e White Rabbit logo se transformam em hinos de uma geração. O disco tinha tudo para soar confuso e desconexo pela quantidade de compositores nele presente. Mas não. Há uma conexão entre as faixas, ligadas pela brisa psicotrópica da época. É também o último momento de brilhantismo de Marty Balin, o fundador do grupo. Esse cara é uma pérola esquecida na história. Falo sério. Sua voz e sensibilidade na elaboração de melodias e arranjos deveriam ser mais valorizados. Balin interpreta com o coração as cinco composições de sua autoria no álbum. Após esse álbum, Grace Slick e Paul Kantner tomariam as rédeas da situação, aumentariam o peso no som do Jefferson Airplane, deixando Balin desconfortável com a mudança brusca, e sendo relegado ao mero papel de um vocalista secundário. Uma pena. Balin foi o compositor mais talentoso de todo o sexteto.
O famoso, mítico e pai de todas as crias, o popular ”disco da banana”. Aqui tudo muda. Não vendeu nada na época. Mas como disse Brian Eno, quem o comprou, formou uma banda. Magistral. Os três primeiros discos do Velvet inventaram modas. Aqui, todo o conceito do que podemos chamar de rock alternativo foi posto em prática. Acessível, mas nem tanto. Entre o pop, pela ótica de Lou Reed, e a vanguarda, influência maior de John Cale. O belo e o feio também. Produção levemente precária, músicos não muito técnicos, batidas robóticas, melodias e arranjos simplórios, e faixas que beiram aos sete minutos. Nenhum teor radiofônico. Músicas calmas e repetitivas numa espécie de mantra elétrico hipnótico. Atmosfera de sono, mas tudo muito agradável e nada sonolento. As letras de Lou Reed apresentam a visão suja das ruas e da vida decadente das grandes cidades. O anti-verão do amor. Drogas pesadas, prostituição, violência, morte e festinhas ruins. Só coisa linda. Produzido financeiramente por Andy Warhol, o artista plástico mais influente do século XX, ou ao menos o mais conhecido. Foi ele que quis que Nico, uma de suas protegidas, participasse do álbum, a contragosto da banda. Canta em três faixas com seu vocal grave falado característico. Não estraga nada a sonoridade do álbum. Ouça. E muito. Nem que seja como música ambiental.
Não há muito o que falar sobre esse disco. Mais inovação. Jimi Hendrix não precisa de apresentações. Mudou a forma de se tocar guitarra e popularizou o uso da distorção no instrumento. Mas a grande mudança aqui está na junção de estilos musicais que formaram um som único e influente a partir da própria visão de Hendrix. Blues, soul, rock and roll, psicodelia, funk, e temos pela primeira vez na história da música pop os moldes de um som mais pesado que se popularizaria na década seguinte. O disco transborda peso e lisergia por todos os poros. A produção é crua até explodir os ouvidos. O grande talento esquecido de Hendrix também se encontra aqui em todas suas forças: suas composições, um pouco deixadas de lado em prol do peso. Mais sobre isso na próxima coluna. Aguarde!
Em seu disco mais famoso, os Beatles decidem investir numa produção mais esmerada. E a indústria musical nunca mais foi a mesma desde então. Os discos passaram a ser um elemento primário, com uma produção mais cuidada e faixas compostas e selecionadas especificamente como um conjunto, não mais como uma colcha de retalhos feita apenas para vender. Há também um conceito por trás do álbum, com os Beatles emulando uma banda fictícia, a Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, originando assim o álbum conceitual, que busca contar uma história ou um conceito através da ligação entre suas faixas. Mas deixe isso de lado e foque apenas no conjunto de canções. São especialmente mágicas. Nada mais a ser dito. Aqui, Paul McCartney assume a liderança. Por sua vez, John Lennon, naquela época em sua fase de ”homem mais preguiçoso da Inglaterra”, só contribuiu com três composições solo, mais duas em parceria com McCartney. Tenho um carinho especial por esse disco, repleto de canções que continuam a tradição de pedaços de torta de chocolate no catálogo dos Beatles. O maior destaque no disco é o contrabaixo de Paul, com suas linhas cada vez mais melódicas. Aqui soam como um fio condutor das canções, um narrador apresentando os personagens. E devo ser o único ser nesse planeta a amar de paixão a única composição de George Harrison no álbum, Within You Without You. Um exercício de pura música indiana, e tão viajandona quanto o resto do álbum, que faz todo mundo chiar de sono. Quem perde são eles.
A estreia do Pink Floyd, capitaneado por Syd Barrett, o louco maravilha. O universo da mente infantil de Barrett domina o álbum, com canções sobre gnomos, astronomia, gatos siameses, contos de fada e bicicletas. É o disco que inaugurou a psicodelia britânica. Pop, mas underground. Talvez o disco desses tempos psicodélicos menos datado que há. Não envelheceu nada. Mas também pode soar estranho para ouvidos menos acostumados com anormalidades. Por exemplo: você se acostumaria com um pseudo jazz de cocktail instrumental recheado de grunhidos, uivos, cacarejos, exemplos primários de beatbox e berros aleatórios, nas vozes dos próprios integrantes do grupo? Esteja avisado. Mesmo diferente do som posterior que faria o Pink Floyd famoso, as bases primordiais de seu som já estão aqui, como os teclados artesãos de Rick Wright e a batida econômica de Nick Mason. Depois Barrett cairia cada vez mais num poço de loucura e comportamento errático, causado pelo uso abusivo de substâncias alucinógenas, até ser expulso da própria banda que formou. Gravaria dois discos com a ajuda de seus antigos companheiros de banda e depois sumiria para sempre do mapa, até sua morte em 2006. É por isso, crianças, que não devemos utilizar substâncias estranhas. Frita cérebros e sabota mentes brilhantes. Já o Pink Floyd, permaneceria na cena underground até o longínquo ano de 1973. Mas aí é outra história…
O ponto de ruptura na obra dos quatro rapazes de Liverpool. É aqui onde morrem os meninos, e nascem os homens. Já demonstrando cansaço do sucesso mundial, os Beatles deixam de compor canções inocentes e adolescentes, e as substituem por um teor mais adulto. Os traços reflexivos de John Lennon desabrocham aqui, ao compor letras de natureza intimista sobre um affair, alienação social e até a própria vida. Paul McCartney também amadurece em questões sentimentais, compondo belíssimas e tristes canções de amor sob o ponto de vista de um adulto estabelecido, ao tratar de sua relação cada vez mais desgastada com Jane Asher, sua namorada na época. George Harrison também começa a revelar seus talentos como compositor. Musicalmente o disco segue uma linha acústica, mais ligada ao folk. Intimista e levemente triste. Há todo um clima cansado e de suavidade ao longo de sua meia hora de duração. Em Rubber Soul, nossos simpáticos cabeludos dão um passo adiante na sua inovação musical, cada vez mais peculiar ao longo dos trabalhos seguintes.
Se Rubber Soul foi o marco divisório na música dos Beatles, o mesmo pode se dizer de Pet Sounds para os Beach Boys. Adeus carros, garotas, diversão e sol. Olá reflexões, agruras, fantasias, decepções, tristezas e aceitações do amor. Mais uma vez sob a ótica adulta. O álbum todo é um conceito envolvendo as relações. As letras, escritas por Tony Asher, passam por todas essas sensações que só o temível amor pode causar em qualquer um. Musicalmente, é uma obra-prima para os ouvidos. A atmosfera de sonho e melancolia te transportam para o próprio álbum. Você parece estar lá vivendo tudo aquilo transposto nas letras. Brian Wilson, cada vez mais louco e inspirado, atingiu aqui o ápice de sua genialidade, compondo melodias e arranjos cada vez mais elaborados, barrocos, luminosos. Ele teria superado isso no projeto seguinte dos Beach Boys, Smile, mas aí ele endoideceu de vez e tudo foi por água abaixo. É uma pena. Mas Pet Sounds é o seu autêntico legado para o mundo, em meio a uma coleção de grandes pérolas de relativa beleza no cancioneiro popular. Esse álbum é pura magia top. Até sonhei com ele.
Os Byrds foram pioneiros em muitos estilos musicais. Após o lançamento de seu álbum de estreia, Mr. Tambourine Man, abrindo portas para um novo som que dominaria muito as rádios americanas, o folk rock, ou folk eletrificado, com o intocável e cristalino timbre de uma guitarra Rickenbacker 12 cordas, e o segundo disco, Turn Turn Turn, inferior e lançado às pressas para aproveitar o sucesso do primeiro álbum, os Byrds mergulham na psicodelia. Era 1966, bicho, e as coisas estavam mudando. Todo mundo estava se tornando psicodélico, aderindo à moda e ficando doidão. Revoluções na mente, xará. Isso não quer dizer que o álbum seja datado. Muito ao contrário de outras obras da época, em especial americanas, os Byrds viajaram em seu som, mas sem perder a musicalidade típica da banda. Fifth Dimension soa fresco, como se tivesse sido gravado ontem. Há um tom de melancolia perneando o álbum. E a Rickenbacker 12 cordas de Roger McGuinn correndo solta, com solos inspirados em música indiana e no jazz de John Coltrane. Aqui também inicia a fixação de Roger McGuinn por temas espaciais e de ficção científica.
Depois da ruptura, a evolução. Aqui os Beatles dão um passo à frente e gravam seu álbum mais experimental desde sempre. Guitarras ao contrário, efeitos sonoros de bolhas, festinhas, submarino e água, gaivotas loucas e lirismo. John Lennon continua na sua tendência de ser descoladão, compondo sobre a arte de dormir, cutucando seu parceiro musical com comentários jocosos e soando como um Maomé super platinado das montanhas embaixo de gaivotas lisérgicas. Paul McCartney amadurece ainda mais seu lirismo, e nos joga palavras sobre solidão, a beleza do nascer do sol e mais ocasionais dores de amor. Já George Harrison evolui como compositor, ao falar do horripilante hábito de não conseguir se expressar, uma sabotagem da nossa própria mente, e também ao criticar seriamente o aumento do imposto de renda proposto pelo governo britânico na época. Sim, é um disco tipicamente britânico. Musicalmente é um esplendor de psicodelia e, vejam só, música popular britânica. Um disco que veio para ficar. Eternamente no túnel do tempo…
A estreia do primeiro supergrupo da história se destaca pela força de suas melodias. Na verdade, os quatro discos do trio formado por Eric Clapton na guitarra, naquela época ‘’Deus’’, Jack Bruce no baixo e Ginger Baker na bateria, são bastante melódicos. A diferença é que nesse primeiro, o peso está mais presente que nos posteriores. Aliás, a banda era mais conhecida pelos seus shows, com intermináveis improvisos, em especial da parte de Clapton. Isso não significa que devemos ignorar seus discos. Nesse primeiro há todo um clima de pub londrino de um sábado às 23 horas da noite. Muito enevoado e bêbados decadentes berrando e quebrando canecas na cabeça um dos outros. E o peso que caracterizou o som da banda, influência direta no heavy metal, acredite se quiser.