Santa Maria, RS (ver mais >>)

Santa Maria, RS, Brazil

Moro

Lava Jato: vazamentos podem ter envolvimento de ex-procurador

Há uma semana, publiquei aqui uma hipótese improvável. Os vazamentos da Lava Jato, no site The Intercept Brasil, poderiam ser obra de alguém que esteve presente nas conversas ou teve acesso a elas, mas estava insatisfeito. Agora, um grupo

Há uma semana, publiquei aqui uma hipótese improvável. Os vazamentos da Lava Jato, no site The Intercept Brasil, poderiam ser obra de alguém que esteve presente nas conversas ou teve acesso a elas, mas estava insatisfeito.

Agora, um grupo fechado no WhatsApp revela um nome. Diogo Castor de Mattos, paranaense de 32 anos, seria o ex-procurador da República descontente, homem que teria (até onde se sabe) a confiança de Deltan Dallagnol, acesso às importantes informações e aos chats.

Diogo Castor de Mattos ao lado de Deltan Dallagnol em foto publicada no dia 6 de março no Facebook do, então, procurador da Lava Jato. A saída seria por estafa física e mental. Foto: Reprodução/Facebook.

Seus irmãos, os advogados Analice e Rodrigo Castor de Mattos, donos de um escritório, estariam sendo investigados por extorsão, em casos de delações premiadas. Só um dos clientes de seu irmão Rodrigo teria pago 30 milhões de reais à banca. Diogo, por tabela, também estaria sob a lupa.

Em abril, o Conselho Nacional do Ministério Público aceitou pedido do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, para instaurar reclamação disciplinar contra ele. Mas não consta, até agora, algo ilegal que tenha sido comprovado contra o procurador.

“Trata-se de fake news o conteúdo que vem sendo compartilhado por meio de grupos de WhatsApp e publicados em alguns blogs que mencionam a atuação do procurador da República Diogo Castor de Matos como suposto autor de hackeamento de mensagens atribuídas à força-tarefa Lava Jato em Curitiba”, afirma nota da Lava Jato divulgada hoje.

O assunto Diogo Castor Mattos foi tratado de forma isolada em pelo menos nove reportagens e artigos de diversas fontes diferentes, como o ConjurO Estado de S.PauloO GloboFolha de S. PauloDiário do Centro do Mundo, entre outros. Mas o quebra-cabeça tem muitas peças soltas ou que não se encaixam totalmente.

O esquema, que chegaria ao TRF-4, envolveria ainda Maurício Gotardo Gerum, subprocurador e primo dos advogados. Diogo teria pedido afastamento da operação, também em abril deste ano, por “estafa física e mental“. Em nota, a força-tarefa “agradece a Diogo Castor pelos cinco anos em que se dedicou, com excepcional esforço, às investigações da Lava Jato.”

No dia 11 de abril de 2018, no plenário do STF, o ministro Gilmar Mendes chegou a falar em corrupção na Lava Jato, o que fez a força tarefa emitir nota, defendendo o procurador da República.

Ricardo Mendes é jornalista investigativo e consultor internacional. Autorizou que a ACS reproduzisse seus textos publicados originalmente na sua página na plataforma Medium.

Não vou escrever um texto de muitos parágrafos, porque o que há para ser dito pode ser resumido em algumas poucas palavras. Haverá muito que ler hoje e surgirá muito mais nos próximos dias, como nos revela o jornalista Glenn Greenwald, um dos fundadores do The Intercept Brasil.

O pacote que ele publica das conversas entre procuradores da Lava Jato e Moro saiu de um aplicativo chamado Telegram, inventado por Nikolai e Pavel Durov. Ele é uma espécie de WhatsApp menos popular aqui no Brasil, embora muito mais potente. Um dos destaques da ferramenta russa é a sua capacidade de autodestruir mensagens em chats secretos.

Pavel Durov, inventor do Telegram, em evento de tecnologia em Berlim, 2013. Foto: CC BY 2.0, Wikipedia.

O autor das mensagens pode, por exemplo, programar quantos segundos o texto ficará ativo antes de virar “pó” na internet. As mensagens também são encriptadas. O foco do Telegram é privacidade e segurança e isto já gerou problemas legais na Rússia, no Irã e em outros lugares do mundo. Mas não há relatos de que o aplicativo, ou algum hacker, tenha vazado informações de conversas.

Uma possibilidade bastante concreta, é que um dos participantes dos grupos tenha documentado os chats por algum motivo e os entregou ao The Intercept. Outra, menos provável, é que os usuários não tenham conversado em um chat secreto nem destruído as mensagens. Mas, ainda assim, restaria a dificuldade de extraí-las do app.

Pergunta: quem entregou as mensagens para o The Intercept? Resposta provável: uma pessoa que estava em todos os chats.

Moro, Dallagnol e D’artagnan

O Ministro da Justiça e ex-juiz Sérgio Moro, assim como Deltan Dallagnol, procurador da Lava Jato, transformaram um sistema jurídico que deveria investigar e julgar (separadamente) em um rito sumário de condenação. A questão é que um precedente assim, tão explícito, coloca todos os brasileiros em risco de ir para a guilhotina. Quem serão os próximos?

Se não há verdade possível, sobra a mentira com todas as suas variáveis e dissimulações. Os chats vazados, pela riqueza de detalhes, colocam a Justiça no lugar que não deveria estar, sob uma desconfortável lupa. As conversas entre procuradores não só são imorais como também demonstram a falta de ética e, pior, a esculhambação generalizada.

As autoridades e organizações da sociedade civil têm um desafio enorme pela frente. Cobrar dos envolvidos explicações e a exemplar punição, tanto quanto possível. Ministros do Supremo Tribunal Federal já acreditam na anulação de sentenças de Moro. Seria o mínimo necessário para restabelecer algum fiapo de credibilidade.

Celebrado como o quarto mosqueteiro da obra de Alexandre Dumas, D’Artangn não deve ser confundido com o homem de carne osso Charles de Batz-Castelmore. Capitão da guarda de Luís XIV, ele que cuidou do cárcere de Nicolas Fouquet, espécie de ministro das finanças do rei — nos castelos de Angers, de Vincennes, na Bastilha e em Pignerol. Moro e Dallagnol , definitivamente, não são heróis.

Ricardo Mendes é jornalista investigativo e consultor internacional. Autorizou que a ACS reproduzisse seus textos publicados originalmente na sua página na plataforma Medium.