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Santa Maria, RS, Brazil

Najara Pinheiro

A leveza de ser

Há um clima de cansaço crônico pairando no ar. Um clima de fog denso e de dias cinzentos que pesam o ar e obscurecem os pensamentos. É na política, é no trabalho, é na vida… as

Viver é Dever

Gestar um texto exige paciência, atenção, cuidados, reflexões… Exige escuta e olhar atentos, penso eu. Precisa de afagos, de carinho, de lapidação mental e, depois, precisa de muita lapidação na sua escritura. Um processo de escrever,

Há um clima de cansaço crônico pairando no ar. Um clima de fog denso e de dias cinzentos que pesam o ar e obscurecem os pensamentos. É na política, é no trabalho, é na vida… as reclamações superam os sorrisos e o riso solto, os golpes emergem rapidamente, os tapetes são retirados, muitas mãos se somam  não só para gerar quedas nem liberar a poeira, mas para remexer na já existente, para acomodar melhor a poeira e os dejetos ali depositados. Para dar espaço a  outros, a novos rejeitos e a mais ocultações.

É assim, de poeira, de fogs, de brumas, de dejetos e de ocultações que parecem estar revestidos o tempo, o espaço e os dias. Um sombreamento gradual. As pessoas, (Elas mesmas!), aquelas que se deixam encobrir por essas sombras e por esses movimentos cinzentos, (re)organizam os trajetos e (re)orientam seus passos. Desviam-se de uns, aproximam-se de muitos outros. Um ir e vir de jogos de poder e interesses entrelaçados. Talvez não entendam ou não processem que ao se deixarem envolver estão entregando-se a um sistema que parece muito mais engolir do que encobrir, muito mais aprisionar do que libertar, muito mais afastar do que aproximar.

Há, sim, um cansaço permanente nas vozes e nos sentimentos das pessoas. Daquelas que ainda não se deixaram engolir… O corpo revela: caem os ombros, o olhar se perde, mas poucos entendem que aqueles que estão no meio do fog podem se queimar!  Não é fogo, é fumaça sufocante.

Esse quadro está sendo esboçado há tempos com crayon, com traços sutis que se acumulam e revelam-se, inesperadamente, nesse  acúmulo de linhas. Voltar é quase impossível!  Entrou na bruma, é para se ocultar! (não adianta a chuva para molhar… essa bruma é densa demais… seria, pois,  resultante de uma chuva ácida?)

As mãos que ajudaram a remover os tapetes já estão distantes e a  caminhada nesse percurso encoberto fica cada vez mais só. Solitária mesmo! Quem precisa de mãos, afinal? Quem tira tapete de um, tira de todos, quem oculta poeira aqui, oculta ali também… É assim que o cansaço se instala em quem fica de fora

Retirar o tapete já não adianta mais, não há mais mãos para ajudar a sair desse cinza que encobre o tempo, o espaço e os dias. E aqueles que não se deixaram envolver e encobrir, esses, talvez tenham um cansaço permanente, mas a consciência leve e o sorriso constante em seu interior. Ainda resta aos que estão cansados, a leveza do/de ser!

 

 

 

Najara  Ferrari Pinheiro é graduada em Letras(FIC) e Comunicação Social (UFSM), mestre em Estudos da Linguagem (UFSM) e doutora em Ciências da Comunicação (Unisinos).  Escreve para a ACS.

Foto: Valéria Boelter

Gestar um texto exige paciência, atenção, cuidados, reflexões… Exige escuta e olhar atentos, penso eu. Precisa de afagos, de carinho, de lapidação mental e, depois, precisa de muita lapidação na sua escritura. Um processo de escrever, deletar, reescrever, deletar, substituir palavras, buscar outras até encontrar aquela que diz e nos diz. É um processo de experimentação e aprendizagem, um  processo de revisão dos fatos, das ideias, dos pensamentos e também da vida.

Viver é dever inicia sua gestação com o ver e ouvir. Ver uma entrevista de Djavan a Pedro Bial agora, em abril.  Uma entrevista apenas!  Mas o chamamento para o título tirou-me de um lugar confortável em que eu estava. Pensei que, depois de um longo ano de 2018, eu precisava entender que a vida é para ser vivida. Mas o cenário dessa entrevista e uma música ficaram tocando em meus pensamentos por algum tempo. Ouvir os pensamentos, as ideias e pensar que realmente o que vale é Viver como um Dever. VIVER É DEVER, afirma Djavan. Sim, Viver, assim, com V maiúsculo é dever, eu afirmo! Mesmo que este viver de Djavan seja um refinado discurso político sobre os fatos que estão “à flor da pele” de nosso mundo e, talvez, fiquem ofuscados por outros tantos discursos que nos bombardeiam o pensamento constantemente, ouvi a parte que me dizia muito:  viver é dever. Tomei posse  e a transformei  para expor os meus sentidos.

Viver é dever, sim! De um discurso político refinado à ideia de que precisamos  muito mais Viver do que sobreviver, nasceu esse texto. E para nascer, ele passou por diferentes fases, afagos, lapidações e cuidados, por escolhas daquilo que, para mim, hoje, é Viver e Viver como um Dever,  não como uma consequência natural da vida. Viver intensamente as emoções, os sentimentos, as pessoas, os momentos e, acima de tudo, dar importância ao que realmente importa, ao que nos faz bem, ao que nos agrega e nos faz melhores… Afinal, “Tudo vai mal, muito sal/ Nada vai bem para ninguém/ Nessa pressão, quem há de dar a mão?/ Pra que o mundo saia lá do fundo pra respirar/ E não morrer […]”

Viver é ir e continuar indo, sem receios, pois logo ali podemos nos deparar com aquela queda que nos paralisa e nos deixa  ofegantes, ansiosos, apreensivos, apenas sobrevivendo e talvez a um instante da morte.

De mão dadas com alguns e muitas vezes sós, precisamos ir, ou até mesmo voar. Voar para um outro lugar onde se possa respirar, sair da pressão  para rever nossos desejos, nossas necessidades, reinventar-nos e reViver nossos sonhos.  Pois se “nada vai bem para ninguém”,  procuremos  o outro lado dessa situação, procuremos “o sol que se espalha no ar”, a mão que nos acode, ampara, afaga e nos segura firmes para não nos deixar cair.

Sim, VIVER É DEVER, assim como voar para outros mundos e sonhar para sair lá do fundo, para respirar, para fugir da pressão e não morrer ou deixar-se matar. É preciso ouvir a canção, a voz do coração e seguir… “uma vida para ser bem vivida tem que se dar/ Acudir, amparar, prestar mais atenção/ Pois viver é dever, se negar é pior, merecer cada mão”.

E no meio de tantos deveres e obrigações  (e até dores) lembrei que mais do que  levar a vida é preciso vivê-la. Viver, é nosso dever, eu repito (o meu é, mas será que é seu também?) (Viver é dever é uma das faixas do álbum Vesúvio lançado por Djavan em 2018)

 

 

Najara  Ferrari Pinheiro é graduada em Letras(FIC) e Comunicação Social (UFSM), mestre em Estudos da Linguagem (UFSM) e doutora em Ciências da Comunicação (Unisinos).  Escreve para a ACS.