Gestar um texto exige paciência, atenção, cuidados, reflexões… Exige escuta e olhar atentos, penso eu. Precisa de afagos, de carinho, de lapidação mental e, depois, precisa de muita lapidação na sua escritura. Um processo de escrever, deletar, reescrever, deletar, substituir palavras, buscar outras até encontrar aquela que diz e nos diz. É um processo de experimentação e aprendizagem, um processo de revisão dos fatos, das ideias, dos pensamentos e também da vida.
Viver é dever inicia sua gestação com o ver e ouvir. Ver uma entrevista de Djavan a Pedro Bial agora, em abril. Uma entrevista apenas! Mas o chamamento para o título tirou-me de um lugar confortável em que eu estava. Pensei que, depois de um longo ano de 2018, eu precisava entender que a vida é para ser vivida. Mas o cenário dessa entrevista e uma música ficaram tocando em meus pensamentos por algum tempo. Ouvir os pensamentos, as ideias e pensar que realmente o que vale é Viver como um Dever. VIVER É DEVER, afirma Djavan. Sim, Viver, assim, com V maiúsculo é dever, eu afirmo! Mesmo que este viver de Djavan seja um refinado discurso político sobre os fatos que estão “à flor da pele” de nosso mundo e, talvez, fiquem ofuscados por outros tantos discursos que nos bombardeiam o pensamento constantemente, ouvi a parte que me dizia muito: viver é dever. Tomei posse e a transformei para expor os meus sentidos.
Viver é dever, sim! De um discurso político refinado à ideia de que precisamos muito mais Viver do que sobreviver, nasceu esse texto. E para nascer, ele passou por diferentes fases, afagos, lapidações e cuidados, por escolhas daquilo que, para mim, hoje, é Viver e Viver como um Dever, não como uma consequência natural da vida. Viver intensamente as emoções, os sentimentos, as pessoas, os momentos e, acima de tudo, dar importância ao que realmente importa, ao que nos faz bem, ao que nos agrega e nos faz melhores… Afinal, “Tudo vai mal, muito sal/ Nada vai bem para ninguém/ Nessa pressão, quem há de dar a mão?/ Pra que o mundo saia lá do fundo pra respirar/ E não morrer […]”
Viver é ir e continuar indo, sem receios, pois logo ali podemos nos deparar com aquela queda que nos paralisa e nos deixa ofegantes, ansiosos, apreensivos, apenas sobrevivendo e talvez a um instante da morte.
De mão dadas com alguns e muitas vezes sós, precisamos ir, ou até mesmo voar. Voar para um outro lugar onde se possa respirar, sair da pressão para rever nossos desejos, nossas necessidades, reinventar-nos e reViver nossos sonhos. Pois se “nada vai bem para ninguém”, procuremos o outro lado dessa situação, procuremos “o sol que se espalha no ar”, a mão que nos acode, ampara, afaga e nos segura firmes para não nos deixar cair.
Sim, VIVER É DEVER, assim como voar para outros mundos e sonhar para sair lá do fundo, para respirar, para fugir da pressão e não morrer ou deixar-se matar. É preciso ouvir a canção, a voz do coração e seguir… “uma vida para ser bem vivida tem que se dar/ Acudir, amparar, prestar mais atenção/ Pois viver é dever, se negar é pior, merecer cada mão”.
E no meio de tantos deveres e obrigações (e até dores) lembrei que mais do que levar a vida é preciso vivê-la. Viver, é nosso dever, eu repito (o meu é, mas será que é seu também?) (Viver é dever é uma das faixas do álbum Vesúvio lançado por Djavan em 2018)
Najara Ferrari Pinheiro é graduada em Letras(FIC) e Comunicação Social (UFSM), mestre em Estudos da Linguagem (UFSM) e doutora em Ciências da Comunicação (Unisinos). Escreve para a ACS.