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Santa Maria, RS, Brazil

Paola Saldanha

Consegui colocar uma bandeira LGBTQIA+ em um lugar de destaque

Jovem do olhar sensível para fazer leituras do cotidiano e dos sujeitos, co-criador do Maria Cult e repórter do Gay Blog Brasil, este é Deivid Pazatto. Santa-mariense de nascença, jornalista de formação e ativista LGBTQIA+ na

A solitude em tempos conectados

O celular despertou. Você acordou, destravou o alarme, deslizou a tela e começou a rolar o feed. Após alguns minutos, entre ver notificações, responder conversas e ver o que seus amigos fizeram na noite passada, você

O mundo está ficando de cabelos brancos

Se tornar velho é um processo que traz novidades. Por mais óbvio que possa parecer esse raciocínio, confesso que, particularmente, apenas me dei conta disso há pouco tempo. De alguma forma, sempre enxerguei meus avós ocupando este

Jovem do olhar sensível para fazer leituras do cotidiano e dos sujeitos, co-criador do Maria Cult e repórter do Gay Blog Brasil, este é Deivid Pazatto. Santa-mariense de nascença, jornalista de formação e ativista LGBTQIA+ na vida profissional e pessoal, está sempre se reinventando em sua trajetória. 

Gravação do programa Janela Audiovisual. Foto: Arquivo pessoal

Deivid foi bolsista pelo Programa Universidade para Todos (ProUni) na Universidade Franciscana (UFN), o jornalista relembra o início de sua trajetória como acadêmico em 2015 com muito entusiasmo: “Eu lembro que a gente tinha aulas, com cerca de 42 alunos, então era muita gente, fazíamos um auê aqui dentro do curso, os estúdios lotavam”. Ele ingressou na graduação focado em trabalhar com televisão, pois: “quando era criança sempre ficava na frente da TV e pensava que eu podia fazer aquilo da minha vida depois que eu saísse do ensino médio. Como poderia trabalhar na televisão? Foi aí que surgiu o jornalismo”.  

No começo da Universidade decidiu que queria se encontrar, por isso optou por fazer parte do Laboratório de Produção Audiovisual (LaProa), atual Laboratório de Produção Audiovisual dos Cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda (LabSeis), onde começou a desenvolver alguns projetos na televisão. Entre estas atividades está o Toca da Raposa, programa sobre variedades desenvolvido pelos acadêmicos. Participou ainda do programa ‘Janela Audiovisual’, ao lado de Paola Saldanha, onde os estudantes apresentavam alguns filmes produzidos na disciplina de Cinema. Também atuou como repórter da Agência CentralSul, onde era colunista e teve a oportunidade de produzir sua primeira reportagem com uma personalidade conhecida no país inteiro, o cantor de queernejo, gênero musical emergente no Brasil que traz o sertanejo na perspectiva do público LGBTQIA+; Gabeu, artista indicado ao Grammy Latino com o álbum ‘Agropoc’ (2021) na categoria ‘Melhor álbum de música sertaneja’. Ele também relembra sua participação no Jornal ABRA: “Eu lembro que fiz uma pauta sobre a parada LGBTQIA+ da cidade, que acabou sendo capa do ABRA. Então eu fiquei muito feliz porque eu consegui colocar uma bandeira LGBTQIA+ em um lugar de destaque”.

Um episódio que o marcou durante a graduação foi: “Em um dos últimos vestibulares que participei da cobertura, estava cobrindo pela rádio. Sempre é realizado algumas perguntas para a Reitora Iraní Rupolo. O professor Gilson, que era quem coordenava as atividades da rádio, me deu uma dica sobre qual assunto abordar. Eu formulei então o questionamento e quando o realizei percebi que todos os repórteres ficaram me olhando”. Ele comenta que na hora não entendeu, mas depois percebeu que foi uma pergunta chave que todos queriam fazer naquele momento.

Gravação de matéria para o telejornal Luneta. Foto: Arquivo pessoal

Teve também experiências como estagiário enquanto ainda estava cursando a graduação, entre elas estão seu estágio Agência Guepardo, que ficava localizada na Incubadora da UFN, onde teve a oportunidade de desenvolver um pouco mais de suas habilidades no Photoshop. Da mesma forma integrou a equipe do Diário de Santa Maria, onde atuou como repórter da editoria de política. “Esse tema é algo que eu sempre gostei desde pequeno. Pude vivenciar três meses nesta editoria onde trabalhavam, eu e a Jaqueline Silveira, que era editora na época, auxiliava ela em muitas atividades. Desde notas, sondagem, entrevistas com os candidatos, pois era na época de eleição. Eram mais de cinquenta políticos, entre deputados estaduais e federais da região central. Fui atrás do contato de todas as pessoas e fiz uma listagem para conseguirmos conversar com eles”, relata o jornalista.

Deivid trabalhou em seu Trabalho Final de Graduação (TFG) com a temática ‘Pabllo Vittar: a mídia hegemônica na construção do corpo Queer’, onde ele explicou mais a fundo sobre como compreender a construção do corpo queer e da cultura drag queen bem como as relações de poder que se estabelecem em produtos audiovisuais da mídia hegemônica. Pabllo Vittar surge como objeto de análise, por compreendermos a artista como um corpo queer, devido a sua arte drag queen e a performatividade de gênero, entre outros elementos que perpassam seu corpo. “Eu via que havia abordagens muito erradas de como ela era tratada pela imprensa. Em diversos meios de comunicação era colocada em situações desconfortáveis. Claro que algumas drags têm os seus pronomes já estipulados para serem usados. Mas quando a gente imagina uma está personificada no feminino e então se espera que alguns pronomes sejam usados”, relata o jornalista. 

Após formado em 2018,  ingressou no curso de Especialização de Estudo de Gênero na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) teve um tema similar ao de seu TFG, porém sendo desta vez voltado para o Município. ‘As referências culturais e estéticas na cena drag queen de Santa Maria (RS): Uma análise em um contexto de transição geracional’,  foi direcionado para a cidade no intuito de mostrar a cena Drag que teve uma época nas palavras de Deivid efervescente, onde: “Tinha alguns bares no Bairro Rosário que realizavam festas das drag queens, muito pelo fato de estar bombando aqui no Brasil. Então quis dar esse segmento para explorar um pouco mais o que era esta cultura no Município, por isso abordei estas as referências estéticas e culturais”. 

 Deivid Pazatto e Paola Saldanha na 1ª edição do Prêmio Maria Cult. Foto: Renan Mattos

Ele que a partir da cadeira de jornalismo cultural sentiu interesse sobre esta área do jornalismo, após formado idealizou, juntamente com a também egressa Paola Saldanha, um projeto voltado para o tema, porém com o foco local e independente, sendo este a Maria Cult. “A Maria nasceu para dar voz aos artistas independentes que estavam começando. Seja música, artes visuais, artes cênicas, entre outras áreas. Em janeiro de 2020 comecei a pensar em desenvolver alguma atividade jornalística, pois, já estava a praticamente um ano sem fazer nada. Construí um esboço e lancei a ideia para a Paola. Lembro que durante a faculdade a gente conversava sobre fazer alguma coisa juntos. Então realizamos algumas reuniões e fomos construindo o projeto”, explica Deivid. No dia 20 de janeiro realizamos o lançamento do Maria Cult no Instagram e Facebook, inicialmente era apenas uma agenda cultural, porém agora é um produto de jornalismo independente de Santa Maria. 

Durante sua trajetória também surgiu a oportunidade de trabalhar para o Gay Blog Brasil, maior portal de notícias LGBTQIA+ do país. “Eu lembro que estava mexendo no Linkedin, dia 20 de setembro, dia do gaúcho. Onde então vi uma vaga para esse trabalho remoto, na hora eu enviei meu currículo. No mesmo dia já realizei uma entrevista e no outro já estava trabalhando. Desde 2021 estou trabalhando no Gay Blog BR, por mais que seja um trabalho remoto, já tive a oportunidade de entrevistar muitas personalidades”, comenta ele. Suas matérias também tomaram proporções nacionais chegando até a serem replicadas em sites como UOL e Estadão. O namorado de Deivid, Lucas Yuri, relata que a trajetória dele até aqui é de alguém que: “Sabe onde quer chegar e os espaços que quer ocupar, levando sempre voz, visibilidade e oportunidades para todos os públicos”. 

Perfil produzido no 1º semestre de 2023, na disciplina de Narrativa Jornalística, sob orientação da professora Sione Gomes.

Sob a vista dos morros que compõem a paisagem santa-mariense, histórias se iniciam, findam ou se renovam. Entre os sonhos e aspirações cultivados nesta terra, muitos partem a cada ciclo que se encerra.  Apesar das idas e vindas, Santa Maria tem uma identidade e cultura para chamar de sua, que é uma mistura – e consequência – do contínuo movimento de pessoas e ideias. No intuito de captar as múltiplas vozes presentes em Santa Maria, a Maria Cult busca dar cara, nome e voz às mais diversas produções artísticas que fogem da captação dos meios entendidos como mais tradicionais. 

Petrius Dias entrevistando Paola Saldanha.
Imagem: Alexsandro Pedrollo de Oliveira.

A última entrevistada da quarta temporada do Provoc[A]rte é Paola Saldanha, co-fundadora do coletivo Maria Cult, que se constitui como uma agenda e produtora de conteúdo cultural no centro do Estado. Um papo sobre jornalismo independente e cultura local. 

O Provoc[A]rte vai ao ar nesta terça-feira (04), às 19h, com reprise às 22h, na UFN TV, pelo canal 15 da NET, e reprisa no sábado, às 19h, e no domingo, às 19h30min. E também pode ser visto na TV Câmara, canal aberto 18.2, na sexta-feira e sábado, a partir das 20h.

Paola Saldanha é co-fundadora do coletivo Maria Cult.
Imagem: Alexsandro Pedrollo de Oliveira

A quarta temporada do programa tem como tema “Arte Coletivo”. Os nove episódios estão disponíveis  no canal do YouTube do LabSeis. O programa é produzido pelo Lab Seis, laboratório de produção audiovisual dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Universidade Franciscana (UFN). A equipe é formada por Beatriz Ardenghi e Petrius Dias no roteiro e apresentação, João Pedro Ribas na produção e na divulgação nas redes sociais, Gabriel Valcanover na edição, com suporte dos técnicos Alexsandro Pedrollo na gravação e Jonathan de Souza na finalização, e coordenação e direção da professora Neli Mombelli.

Texto por Petrius Dias

O celular despertou. Você acordou, destravou o alarme, deslizou a tela e começou a rolar o feed. Após alguns minutos, entre ver notificações, responder conversas e ver o que seus amigos fizeram na noite passada, você levanta. Prepara o café, tira uma foto da mesa, publica e, então, faz sua refeição. Ao sair de casa, coloca o celular no bolso. Na parada do ônibus confere as visualizações do seu último post. Durante o trajeto do ônibus, os olhos quase não acompanham o passar das informações que percorrem a tela. Na fila do banco, o sinal cai e uma sensação estranha faz você se sentir angustiado, ansioso. Por alguns minutos você está desconectado, sozinho. Mas será que antes disso você já não estava só?

A solidão é um tema que faz parte das nossas discussões. Seja uma reportagem na televisão, uma matéria de jornal, pesquisas acadêmicas, livros ou até no cerne de um comentário feito por algum amigo ou familiar. Fazemos parte de uma espécie gregária, ou seja, vivemos em grupo, em que é necessário para o nosso desenvolvimento e evolução viver em coletividade. Portanto, discutir nossa relação com os demais e conosco mesmo, nossos movimentos de aproximação e isolamento, fazem parte das nossas reflexões sobre a vida em sociedade.

Antes de nos sentirmos pertencentes a um grupo, é necessário sentirmos pertencentes a nós mesmos (Imagem: Getty Images)

Ao longo do tempo novos fatores e questões retomam esse assunto e nos últimos anos é possível observar que a solidão ganhou uma perspectiva de análise, ligada a uma nova forma de estabelecimento de vínculos, o virtual. Por meio das mídias sociais e dos avanços tecnológicos dos dispositivos móveis, vivemos um momento em que estamos a um toque de distância de qualquer pessoa, podendo ter centenas, milhares de seguidores e criar diversas conexões.

Segundo os dados disponibilizados pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) em 2018, o Brasil já chegou há mais de 42 milhões de domicílios com acesso à internet, totalizando mais de 120 milhões de usuários. O departamento ainda destacou que as principais atividades feitas online estão ligadas à comunicação, correspondendo 90%  a serviços de mensagens e 77% a mídias sociais.

A partir das nossas próprias experiências, somadas aos dados dessa pesquisa, sem dúvidas, podemos afirmar que nunca estivemos tão conectados assim uns com outros. Entretanto, uma das questões emergentes desse cenário é o quanto realmente estamos estabelecendo conexões reais com as outras pessoas e, principalmente, com nós mesmos.

Se você abrir uma nova guia no seu navegador agora e pesquisar “redes sociais+solidão”, irá encontrar inúmeros artigos e reportagens, denotando que institutos e pesquisadores já realizam investigações sobre essa relação. Entre esses nomes está o de  Sherry Turkle, professora de Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia no Massachussets Institut of Technology (MIT) e doutora em Psicologia da Personalidade. Desde a década de 80 ela estuda os impactos subjetivos da tecnologia. Quando Sherry ingressou no MIT propôs um outro olhar sobre a ligação dos indivíduos com a tecnologia. A pesquisadora trouxe uma reflexão sobre como esses dispositivos ultrapassam a ideia de uma simples ferramenta de comunicação, mas alteram a forma de nos relacionar com os outros, conosco mesmo e com o meio em que vivemos.

Durante os mais de 20 anos de estudos, e quatro livros lançados sobre a temática, Sherry vem avançando sua reflexão acerca do nosso comportamento até o universo online, com as mídias sociais. Há uma preocupação não ligada, diretamente, ao avanços dos meios de comunicação, mas a forma como estamos utilizando esses dispositivos. Estamos perdendo nossa habilidade de estarmos sozinhos e de nos sentirmos bem nessa condição, tornando a solidão cada vez mais evidente.

Há alguns anos, o ambiente virtual proporcionava uma interação temporária. Após algum tempo conectados, fazíamos logout e voltávamos a nossa rotina no espaço físico. Atualmente, o real e o online ocupam o mesmo espaço em nosso dia a dia. Há situações em que o cibernético se sobrepõe ao offline. Conforme Sherry, um dos fatores pelos quais as pessoas preferem o contato virtual está ligado ao poder que temos, literalmente, nas nossas mãos de nos apresentarmos aos outros. Estamos no controle do que iremos mostrar, de que forma iremos fazer isso, realizando um recorte de nós mesmos. Trabalhamos como editores, utilizando filtros, escrevendo e reescrevendo textos antes de responder a mensagens. “Podemos acabar nos escondendo uns dos outros, mesmos que estejamos conectados uns dos outros constantemente”, enfatiza a estudiosa.

Imagem de Jose Antonio Alba por Pixabay

Assim, nos tornamos mais vulneráveis no contato real com outras pessoas. No mundo concreto não temos tempo para editar o retorno, tudo ocorre em tempo real, as respostas são instantâneas. E são nesses momentos que realmente conhecemos o outro e nós mesmos, nos momentos em que gaguejamos, ficamos sem respostas, tropeçamos nas palavras. Além disso, o contato físico é vital para nós, seres gregários. Um abraço, um beijo, um aperto de mãos libera hormônios importantes, como a ocitocina – ligada a sensação de segurança e bem estar, estimulada ainda no útero materno. O toque, o afeto são importantes para nossa saúde corporal e mental.

Com isso, cada vez mais isolados dos vínculos físicos, sentimos a necessidade de receber atenção de alguém, e as redes sociais surgem como uma forma de nos mostrarmos a muitas pessoas, de não nos sentirmos sozinhos, de que estamos sendo ouvidos. Assim, a demanda pelo compartilhamento de nossas experiências para serem validadas cresce. Nos pequenos momentos em que nos percebemos sozinhos, sentimos uma sensação desconfortável, de ansiedade, abandono e o celular surge como uma ferramenta que irá nos salvar da terrível companhia de nós mesmos.

O estar sozinho ganhou um peso negativo na sociedade conectada. Estabelecemos nosso próprio isolamento. Os momentos em que estamos sozinhos deveriam ser momentos de autoconhecimento e auto reflexão, de nos conhecermos melhor, desfrutar da nossa companhia. Essa perda de habilidade acaba também respingando na forma como nos relacionamos com os outros, pois buscamos em nossas conexões pessoas, apenas, para suprir nossa sensação de solidão. “Esperamos mais da tecnologia e menos do outro[…]A tecnologia nos atrai mais quando estamos vulneráveis. E nós somos vulneráveis. Estamos sozinhos, mas receamos a intimidade”, disse Sherry Turkle durante uma palestra no TED Talks.

Confesso que conheci o termo solitude há poucos anos, mas o conceito já era familiar. Alegria e prazer em estar sozinho, sem sentimento de falta, mas de realização, plenitude. Desfrutei somente da minha companhia inúmeras vezes. Lembro que há algum tempo isso era incrível, me sentia bem, contemplava dos mais simples momentos até grandes reflexões só. Entretanto, experimentar essa mesma sensação tem sido cada vez mais difícil e percebo que outras pessoas também passam pelo mesmo. Li inúmeros relatos, inclusive, nas mídias sociais, sobre esse sentimento de desconexão, de não se sentir mais pertencente a um grupo ou espaço, ligado ou não ao isolamento físico, mas a sensação de estar deslocado, a solidão.

As mídias sociais podem ser grandes pontes de ligação e estabelecimento de diferentes conexões. O ponto crucial aqui é busca pelo equilíbrio. Inclusive, é possível visualizar um movimento de diálogo entre as pessoas sobre a solidão. Em grupos de conversas, tweets, posts no Facebook e Instagram o questionamento sobre o próprio uso dessas redes vem ganhando espaço. Não será com um toque que uma chave virará e tudo passará a ser diferente, mas precisamos iniciar um processo de percepção, reflexão e ação. Nossa relação com as mídias sociais e dispositivos de comunicação ainda é recente. Não podemos abandonar a solitude, pois os movimentos de interiorização são importantes para nosso autoconhecimento e para uma boa qualidade de nossas conexões com os demais.

 

 

Paola Saldanha é egressa do curso de Jornalismo da UFN. Acredita em uma narrativa com protagonismo de diferentes vozes e espaços, uma leitura plural de vidas plurais

Quanto mais adiamos pensar na velhice, mais perto dela ficamos sem nos preparar (Imagem: Getty Images)

Se tornar velho é um processo que traz novidades. Por mais óbvio que possa parecer esse raciocínio, confesso que, particularmente, apenas me dei conta disso há pouco tempo. De alguma forma, sempre enxerguei meus avós ocupando este espaço: o de avós e de pessoas idosas. Recentemente, após tentar argumentar mais uma vez com meu avô sobre algumas mudanças que seriam necessárias na rotina dele, ouvi um desabafo. Somente ali percebi que eu estava tentando impor algo sem levar em consideração que, para ele, aquilo não era tão simples e natural quanto eu, millennium apressada e ansiosa, pensava ser. 

Para meu avô, assim como para outras pessoas que chegam à terceira idade, envelhecer carrega complexidades. Ocupação de um novo espaço, aceitação, crises, dúvidas, reconhecimento também fazem parte desse processo. Há alguns anos, chegar a velhice era um privilégio; hoje é uma realidade desafiadora. Diferentes recortes sociais, econômicos, culturais e de saúde cobram das esferas familiar e pública ações de atenção a essa faixa etária. Como vamos viver a velhice dos nossos pais, tios, avós? Como vamos viver a nossa velhice?  O mundo está ficando de cabelos brancos e o que vamos fazer em relação a isso?

A realidade evidencia que a pirâmide etária do mundo passa por uma inversão. Conforme projeções divulgadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), o mundo dobrará o número de pessoas com 60 anos ou mais até 2030. A entidade afirma que a população idosa é a que apresenta um crescimento mais rápido entre todos ou demais grupos, correspondendo a um avanço de 3% ao ano. Esse aumento no número de pessoas na terceira idade está ligado a dois principais fatores: a queda no número de natalidade e o progresso da medicina.

No que diz respeito ao primeiro aspecto, há uma relação de proporcionalidade entre o aumento da porção de idosos e a redução da taxa de natalidade, pois enquanto o número de crianças diminui, a população segue em desenvolvimento e envelhecendo. Esse encolhimento do índice de nascimento é fruto de uma mudança de estilo de vida da população mundial ao longo das últimas décadas. 

A saída das famílias do campo para a cidade impactou a rotina e o modelo das famílias tradicionais. Urbanização da população, aumento no número de ingresso nas áreas trabalhistas fora do lar, expansão do mercado, maiores jornadas de trabalho e a conquista do espaço da mulher nos negócios diminuiu a disponibilidade de tempo para o cuidado com os filhos. A prioridade das gerações atuais se volta mais para o desenvolvimento pessoal e profissional, os paradigmas em relação à constituição de família mudaram. Além disso, a evolução dos métodos contraceptivos permitiu organização e planejamento para a chegada de uma criança.[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Há alguns anos a ONU já promove ações que visam discutir e pensar estratégias para uma melhoria na qualidade de vida da população idosa. Em 1982 foi realizada a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, na Áustria, que gerou o Plano de Ação para o Envelhecimento. O documento foi composto por 66 recomendações para os países membros da organização, com o objetivo de proporcionar o bem estar da terceira idade. [/dropshadowbox]

Ainda em relação a métodos e medicamentos, o segundo fator de destaque para o aumento significativo no número de idosos é a evolução da farmacologia e dos avanços tecnológicos na área da saúde. A velhice traz com ela alterações das funcionalidades, sendo comum nessa faixa etária doenças crônicas múltiplas, mas que encontra nas novas descobertas na ciência e com a o desenvolvimento de novas tecnologias ferramentas para o controle das doenças e prolongamento da vida. Contudo, a promoção de serviços básicos de saúde ainda não supre a demanda crescente. A população que inspira maior atenção ainda enfrenta escassez ou restrição de recursos.

As problemáticas enfrentadas ligadas ao acesso a serviços e medicamentos estão dentro de uma questão maior, a relação teoria e prática. Há alguns anos a ONU já promove ações que visam discutir e pensar estratégias para uma melhoria na qualidade de vida da população idosa. Em 1982 foi realizada a primeira Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, na Áustria, que gerou o Plano de Ação para o Envelhecimento. O documento foi composto por 66 recomendações para os países membros da organização, com o objetivo de proporcionar o bem estar da terceira idade. 

Em 2002, a II Assembleia Mundial Sobre o Envelhecimento foi realizada na Espanha. O segundo encontro atualizou o Plano de Ação para o Envelhecimento, exigindo não apenas dos chefes de Estado, mas da sociedade em geral, o comprometimento com a readequação à realidade demográfica e com investimento na implementação de políticas para o envelhecimento.

No Brasil, programas foram desenvolvidos a fim de criar normas e garantir direitos sociais para a terceira idade, entre eles a Política Nacional do Idoso, de 1994 – criada a partir das recomendações da ONU -, e o Estatuto do Idoso, em 2003. Os documentos são importantes ferramentas para a aplicação de estratégias nos âmbitos econômico, social e cultural. Contudo, é possível observar que o país ainda não trata com prioridade essa questão. As diretrizes assinadas não demonstram tanta efetividade frente a uma realidade cada vez mais emergente.

[dropshadowbox align=”none” effect=”lifted-both” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Conforme dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), o disque 100 recebeu mais de 37 mil denúncias no ano passado. Isso significa que o número de casos de violência contra idosos é ainda maior, levando em consideração que há casos não denunciados. Negligência, violência psicológica, abuso financeiro e violência física são os tipos de agressões mais comuns.[/dropshadowbox]

Sem um suporte de qualidade do Estado, os idosos também enfrentam a falta de preparo familiar com a velhice. A nossa sociedade, como já dito anteriormente, não pensa e discute sobre o envelhecer. No dia a dia, a convivência com familiares idosos indica que falta uma educação voltada a compreender esse processo tão natural. Em casos, infelizmente, não tão raros, a violência se faz presente nos lares dessa população. Conforme dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), o disque 100 recebeu mais de 37 mil denúncias no ano passado. Isso significa que o número de casos de violência contra idosos é ainda maior, levando em consideração que há casos não denunciados. 

Negligência, violência psicológica, abuso financeiro e violência física são os tipos de agressões mais comuns. Mais da metade das ocorrências tem os filhos como culpados, correspondendo a 52,9%, sendo a casa o principal cenário das violações, com 78,35%.  Ainda que o documento divulgado pelo MMFDH não apresente as motivações dos casos, sem dúvidas é possível apontar a falta de humanidade e sensibilidade perante a esse grupo. Imersos em uma rotina que exige números, tempo, produção, compreender o envelhecimento se mostra fora de pauta. 

Envelhecer é uma ação natural. As alterações causadas pelo tempo indicam que estamos vivos, que o ciclo da vida transcorre normalmente. Ficar velho é um processo orgânico que atinge todos os indivíduos, mas que como tantos outros, evitamos dialogar e refletir. A ideia de ficar velho ronda nossos pensamentos quase de forma temerosa. Para começar, o termo “velho” carrega uma conotação negativa. A palavra é associada àquilo que não possui mais utilidade, que está ultrapassado. Ninguém quer um equipamento velho, uma roupa velha, um produto velho. Portanto, “ficar velho” ganhou um tom preocupante. Não estamos preparados para envelhecer, tampouco lidar com o envelhecimento de nossos familiares e pessoas próximas.

 

Paola Saldanha é egressa do curso de Jornalismo da UFN. Acredita em uma narrativa com protagonismo de diferentes vozes e espaços, uma leitura plural de vidas plurais