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Santa Maria, RS, Brazil

Psicanálise

O medo e a autocensura

Creio que estamos vivendo tempo estranhos, peculiares. Tenho acompanhado entrevistas com figuras públicas e, mesmo nas redes sociais, as pessoas tem sido incisivas nas ideias que tem expressado. Essa forma assertiva parece se impor ao mundo

“Atravessando desertos”: palestra abre o 8º Interfaces

O 8º Interfaces no Fazer Psicológico  teve início na tarde desta quarta-feira, 24, com a conferência ‘’Atravessar Desertos’’ do professor e psicanalista Edson Luiz André de Souza. O conferencista atua junto ao programa de pós-graduação em Psicanálise –

Foto:Steve Jonhson- Iso Republic

Creio que estamos vivendo tempo estranhos, peculiares. Tenho acompanhado entrevistas com figuras públicas e, mesmo nas redes sociais, as pessoas tem sido incisivas nas ideias que tem expressado. Essa forma assertiva parece se impor ao mundo real e das práticas sociais, parece existir um desejo de que se dê maior valor as palavras que as ações. E as palavras estão ásperas, brutas, sem desejo de diálogo. Cada comentário, ao final das reportagens nos jornais on-line, parece querer encerrar o assunto, como se só importasse dizer a frase de efeito ou a última palavra sobre um assunto qualquer. Difícil não se sentir agredida ao ler os comentários, não importa o assunto: uma entrevista, assassinatos, colunas tradicionais. Fico me perguntando que tipo de comunicação estamos construindo com toda essa avidez em expressar nossas opiniões com tanta veemência, com aquele tom que deseja calar o outro…
De mãos dadas ao desejo de encerrar o assunto figura um dos efeitos colaterais deletérios dessa onda de intolerância é a busca de proteção na autocensura. Estou lutando com ela agora, enquanto decido escrever, pois não quero nutrir esse movimento de agressividade gratuita, todavia não acredito que calar seja a melhor saída. Escrever é expressar, via de regra algo íntimo e pessoal, então é uma tour de force, um compromisso ético com a vida que queremos para todas as criaturas.
Em meio a isso, enquanto país, vivemos numa democracia e o direito da livre expressão é o direito que retroalimenta esse sistema político, um dos que garante sua sobrevivência. Que mundo resta quanto abrimos de nos expressar? Que mundo nutrimos quando deixamos o medo imperar?
Nesse ponto, não posso deixar de lembrar de Thomas Hobbes, um filósofo da ciência política. O medo é o tema central na obra Thomas e, a ideia de poder absoluto do Estado na figura do rei déspota, é a marca final do que esse sentimento pode produzir. O soberano é um sujeito dedicado a manter a ordem pela força, sem nenhum critério de justiça estabelecido, que não o de seu próprio e insondável desejo. Thomas tinha uma crença quase infantil nessa figura, um tipo de pai despótico e castrador como a única solução para nos proteger de nós mesmos, afinal para esse autor, a humanidade se movia pelo egoísmo e violência. Sem reduzir a obra de Thomas e, em tom de brincadeira, é uma pena que no século XVI não existia ainda a psicanálise, talvez essa ansiedade toda poderia ter sido melhor elaborada num divã, quem sabe?!
O que quero dizer é que me assusta a opção do medo que compra a segurança a qualquer preço, via de regra achando que nunca vai pagar essa dívida com a própria vida. Estamos flertando com um ambiente muito volátil das redes sociais, onde os desejos perversos viajam pelos bites numa velocidade incontrolável. Temos disponível uma ferramenta extraordinária que acaba dando vazão aos pesadelos, mas aos sonhos também. Espero que possamos usar esses canais para construir pontes ao contrário de fossos. Se é algo que faz parte da experiência humana é a capacidade de sentir e a possibilidade de perder. Espero, como quem gesta a própria esperança no verbo, que nossas opções se ampliem, bem como os divãs nos aliviem.

  

Paula Jardim Bolzan, historiadora e antropóloga, professora na UFN

 

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Edson Luiz André de Sousa durante a conferência de abertura do 8º Interfaces no Fazer Psicológico. Foto: Maria Luísa Viana. Lab. Fotografia e Memória

O 8º Interfaces no Fazer Psicológico  teve início na tarde desta quarta-feira, 24, com a conferência ‘’Atravessar Desertos’’ do professor e psicanalista Edson Luiz André de Souza. O conferencista atua junto ao programa de pós-graduação em Psicanálise – Clínica e Cultura e de pós-graduação em Psicologia Social  da UFRGS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul , onde coordena, com Maria Cristina Poli, o LAPPAP – Laboratório de Pesquisa em Psicanálise, Arte e Política, e desenvolve trabalhos em torno da articulação psicanálise e arte e pesquisa o tema das utopias.  Com um vasto trabalho em rede no Brasil e no Exterior é, também, analista-membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre.

A sala de conferências do prédio 17, no 10º andar do conjunto III do Centro Universitário Franciscano, contou com a presença de cerca de 100 estudantes. O público assistiu à apresentação do professor Edson Luiz  que utilizou de vídeos e imagens artísticas sobre as formas de expressão que alguns artistas escolheram para recortar situações diversas, evidenciando a representação das subjetividades. “Podemos pegar como metáfora essa questão da duplicação da imagem. Isso diz muito da nossa subjetividade. Será que a violência não é justamente quando nos cortam isso?”, provoca o palestrante.
O 8º Interfaces no Fazer Psicológico tem como foco a temática da violência na contemporaneidade e acontece até sexta, 26.

Ainda hoje:
17h às 19h30min – Psicocine 3: Relatos Selvagens
Debatedores: Prof. Félix Guazina e Acadêmica Tainara Moraes
19h30min às 20h – Intervalo
20h às 22h – Conferência: Trânsito e comportamento: suas implicações na contemporaneidade
Conferencista: Psic. Aurinez Rospide Schimitz
Coordenação: Prof. Felipe Schroeder de Oliveira
Local: Sala de Conferências, 10º andar, Prédio 17, Conjunto III.

Confira a programação completa do evento, aqui.

Santa Maria vai sediar um encontro inédito  entre profissionais e  entre  estudantes engajados com a Psicanálise. Com a temática “O Mal-Estar na Contemporaneidade”, o evento  propõe o exercício do pensar e articular discussões psicanalíticas para além da universidade, visto os seus limites para transmissão do que é possível na área. “Atos Psicanalíticos: O mal-estar na cultura contemporânea” acontecerá de 27 à 31 de outubro a partir das 18h e no dia 1˚ de novembro das 13:30h às 18:30h, na Biblioteca Pública Municipal de Santa Maria.
O encontro reunirá profissionais da Psicanálise como a mestre em Distúrbios da Comunicação Humana, Amanda Schreiner Pereira; o membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, Gustavo Müller; a especialista em Clínica Psicanalítica, Graziele Miolo Cezne, entre outros grandes nomes da área.

Para melhor compreensão do conteúdo a ser abordado, foram indicadas as leituras: “O mal-estar na cultura” e “El malestar em la cultura”, de Sigmund Freud, “O tempo e o cão: a atualidade das depressões”, de Maria Rita Kehl e “O mal-estar na psicanálise”, de Moustapha Safouan.

O credenciamento acontecerá diariamente, uma hora antes do início do evento. As vagas são limitadas e as inscrições já estão abertas. Para maiores informações e realização da inscrição, acesse o site do evento.