Subir nos trens em movimento, abrir as comportas dos vagões e saquear a carga que se espalha pelos trilhos são delitos freqüentes em Santa Maria, no interior do RS. |
Entre janeiro e abril de 2006, foram registrados 13 casos deste tipo, todos em área urbana onde as pessoas que moram nas redondezas aproveitam para juntar os produtos. Para muitos moradores, a única opção para deslocamento é a passagem pela ferrovia. A doméstica Honorina Chequin da Silva mora em frente à invasão do Morro do Ferroviário, na zona norte de Santa Maria, e, para seguir até a Rua Euclides da Cunha, que dá acesso ao centro da cidade, precisa atravessar os trilhos. No entanto, tem dias em que ela não gostaria de passar pelo local. “Esse soja está aqui já faz três dias. Com o sol, piora ainda mais, o cheiro fica horrível”, lamenta Honorina. Em meio ao rastro de grãos e ao forte cheiro de soja em decomposição, ela descreve ainda que não conhece os responsáveis pela abertura dos vagões, mas já presenciou pessoas em cima dos trens em movimento por inúmeras vezes. A poucos metros dali, a rua Euclides da Cunha cruza com a ferrovia. Quando o asfalto e os trilhos juntam-se aparecem os primeiros grãos de soja, indicando o lugar onde o vagão foi aberto. Entretanto, esse crime já se tornou tão corriqueiro que nem a polícia e a concessionária da ferrovia, a América Latina Logística (ALL), têm conhecimento de todos os saques. “Os moradores reclamam do cheiro, mas não denunciam quando os saques acontecem”, declara o coordenador de operações da ALL, Ângelo Kury Deves, que diz não ter informações sobre os últimos saques. Segundo dados da 1º Delegacia de Polícia Civil, este tipo de delito não acontecia com tanta freqüência e não há nenhuma denúncia sobre atuais roubos de cargas. É na região norte da cidade que os trens de carga com destino ao Porto de Rio Grande, no sul do Estado, passam pelo perímetro urbano de Santa Maria. Os grãos que são transportados pela ferrovia até o Porto são os principais alvos dos saqueadores.
Crescimento desordenado da cidade se reflete nos saques Conforme o Escritório da Cidade, órgão municipal responsável pelo planejamento urbano e fiscalização, todas as residências localizadas a no mínimo 15 metros da ferrovia estão em situação irregular. Como a Prefeitura Municipal não fiscaliza as novas construções, famílias da região norte têm a própria ferrovia como saída de suas casas. “O que acontece é que devido a problemas sociais há mais pessoas morando muito próximo da ferrovia. Essas pessoas vão invadindo e isso gera problemas de furtos. Muitos sobem nos vagões ou despejam os produtos no chão. Infelizmente, a comunidade vai lá e recolhe o produto. Eles provavelmente não abrem os vagões, porém, incentivam os saques”, justifica o coordenador de operações da ALL, Ângelo Kury Deves. Os produtos recolhidos são usados para consumo próprio, na alimentação de animais ou são vendidos. Quem junta a carga jogada ilegalmente nos trilhos deveria responder por apropriação indevida, mas não é comum acontecer um processo porque o material é perecível. Entretanto, nem todos os moradores recolhem os grãos. O catador José Osmar Dias, que passava com sua carroça ao lado dos trilhos, reclama do desperdício do soja: “Esse mau cheiro não dá pra continuar. Isso é um desatino aqui para todos os moradores. Se vocês continuarem seguindo a linha vão sentir o cheiro ruim”, desabafa Dias.
Investir em segurança é a solução O longo percurso da ferrovia e a dificuldade de saber quando os ladrões vão agir são justificativas das autoridades para os roubos nas ferrovias. Porém, a Polícia Civil sabe que as pessoas que abrem os vagões moram nas redondezas, já que quando uma viatura se aproxima é comum encontrar sacas de soja abandonadas na região. A solução da ALL veio com o acompanhamento dos trens. “Antes, todos os trens eram saqueados. Hoje não, porque investimos em sistemas de segurança e em uma equipe que vai ao local do saque juntar a carga”, explica Deves, que informa gastar em torno de R$ 30 mil mensais com seguro para as cargas e empresas de segurança. A ALL não divulga a quantidade de furtos que sofre e como age para combatê-los para evitar que essas informações cheguem aos bandidos. E a técnica parece ter surtido efeito. No primeiro semestre de 2006, a empresa teve um lucro líquido de R$ 98 milhões, um crescimento 97% superior ao mesmo período do ano passado.
Fotos: Núcleo de Fotografia e Memória – Comunicação Social – UNIFRA
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