Há muito tempo, havia uma tribo de índios guaranis onde hoje é o Rio Grande do Sul. O cacique da tribo ficara muito triste e solitário quando sua filha Caa-yarí partiu para acompanhar o esposo nas caçadas e nas guerras. Então, pediu a um amigo, Tupã, para lhe fazer companhia que, prontamente, atendeu seu pedido. Num determinado momento, Tupã apontou para uma árvore, a erva-mate, ensinando o velho cacique a confeccionar a cuia e a bomba e, por fim, a secar e a esmigalhar as folhas. Assim, surgiu o preparo do chimarrão, que passou a ser consumido por todos os outros índios da tribo e foi transmitido de geração em geração, tornando-se um hábito tradicional.
Esta é a sinopse do livro A Lenda da Erva-Mate, que poderia ser mais um exemplar folclórico para preencher as prateleiras infantis, se não contivesse um grande diferencial: a história é narrada na Língua Brasileira de Sinais, LIBRAS e também em Língua Portuguesa. Trata-se do primeiro exemplar de narrativa folclórica em Língua de Sinais do Brasil.
O material foi produzido pela professora do curso de Educação Especial – Habilitação Deficientes da Audiocomunicação, Melânia de Melo Casarin, juntamente com o professor de Desenho Industrial – Programação Visual, André Krusser Dalmazzo, e do acadêmico de Desenho Industrial, Ricardo Antunes Machado. O livro surgiu do projeto Mão Livre, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde há o desenvolvimento de pesquisas na área da produção de livros bilíngües.
Segundo os autores, existe uma parcela da sociedade que está à margem da informação, uma vez que os artefatos culturais que são produzidos não dão conta das especificidades de certos grupos. “O nosso objetivo era produzir um material literário que pudesse ser acessado pelas comunidades surdas, sem a necessidade da intervenção de outras pessoas para uma maior compreensão do material”, explica Dalmazzo.
“Na verdade nós só temos dez livros voltados para a comunidade surda no Brasil, o nosso é o décimo. Temos que ver o surdo como um sujeito cultural e não só como um sujeito doente, deficiente”, enfatiza Melânia.
O livro, que é uma adaptação da obra Mitos e Lendas do Rio Grande do Sul de Antônio Augusto Fagundes, apresenta um projeto visual bem elaborado, com um estudo aprofundado em Libras e no próprio design gráfico. Os ilustradores pesquisaram as características da fauna e da flora do Rio Grande do Sul e também a cultura dos índios guaranis. “Chegamos a ir a um zoológico fotografar os animais e pesquisamos sobre os costumes, o tipo físico e as habitações dos guaranis. Nos esforçamos ao máximo para que tudo corresponda à realidade, pois o discurso visual é importantíssimo para os surdos e queríamos tornar o lado visual tão importante quanto o textual”, finaliza Dalmazzo.
Embora tenha como público alvo a comunidade surda, A lenda da Erva-Mate pode despertar a curiosidade de outros segmentos sociais e, por isso, também foi escrito em Língua Portuguesa. “O livro foi reforçado visualmente para os surdos, mas ele é tão adequado para os surdos quanto para qualquer criança, uma vez que as que não tem problema auditivo, também adoram livros bem ilustrados. Pode interessar também a quem gosta da cultura gaúcha ou a quem aprecia ilustrações”, ressalta Machado.
O projeto existe desde 2002. Porém, a finalização do livro ocorreu em 2006 com lançamento na Feira do Livro de Porto Alegre e divulgação em cidades como Santa Maria, Pelotas e Passo Fundo. Segundo os autores, a resposta do público foi satisfatória e o material tem uma venda relativamente boa, uma vez que se trata de uma produção independente. “Vários professores de outras regiões já procuraram o livro para usá-lo como material didático para as crianças surdas”, comemora Melânia.
O trio planeja a publicação de outros materiais com enfoque folclórico e voltado para o mesmo público de A Lenda da Erva Mate. No momento, o grupo trabalha na adaptação do Mito do Lobisomem e já cogita novidades para o novo exemplar. “Pretendemos apresentar alguma atividade extra, como a criação de um espaço informativo aprofundando o tema do livro, para que não fique apenas a narração da história”, conclui Melânia.