"Discursar sobre o que estava acontecendo corria o risco de ser o último discurso… tanques no lugar de debates de idéias".
A frase ilustra o início de uma jornada para quem for conferir a exposição "Direito à Memória e à Verdade – A Ditadura no Brasil: 1964 a 1985", que ficará no hall do Centro de Tecnologia da UFSM até 30 de maio. Em ordem cronológica, fatos e documentos da ditadura militar estão expostos em 80 metros de papel colorido e propõem uma viagem histórica entre as décadas de 60 e 80.
Provas de censura e tortura, fotos dos "terroristas comunistas", manifestos e passeatas fizeram parte dos 21 anos em que a sociedade pedia por democracia, liberdade, eleições diretas e respeito ao direitos do cidadão. Diorge Konrad, presidente da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (Sedufsm) e um dos organizadores da exposição, afirma que ela vem para Santa Maria no mês de maio para juntar-se a grandes acontecimentos, como 150 anos de Santa Maria, Fórum Mundial de Educação e Feira do Livro.
A professora de Medicina da UFSM, Marinel Dallagonl relembra: "é emocionante ver a história dessas pessoas e o que elas passaram". Ela ainda indigna-se com a carta de censura à peça Roda Viva (foto ao lado). "É impressionante os argumentos que eles usavam", diz a professora.
Um dos trechos da carta de censura dizia:
"O autor seria um débil mental? De nome Francisco Buarque de Holanda? Criou uma peça que não respeita a formação moral do espectador ferindo de modo contundente todos os princípios de ensinamentos moral e de religião herdados dos nossos antepassados (…) não esqueceram também da parte política e fazem severas críticas até mesmo isso de modo inteligente, provocando o telespectador para tomada de posição”(carta redigida em 21.06.1968)
O material da exposição foi entregue pelo Congresso Nacional em 2006, quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos completava 60 anos, agora ela passa por diversas cidades do Brasil. O calouro do curso de Letras, André Rodrigues, afirma que a seqüência e a representação dos fatos foi o que mais lhe chamou a atenção.
Entre os documentos expostos, está a explicação para a censura de músicas como Óculos Escuros, de Raul Seixas; Tiro ao Álvaro, de Adoniran Barbosa; e Partido Alto, de Cássia Eller. Estão também as fotos dos perseguidos políticos, entre eles o jornalista Vladimir Herzog. Ao chegar no final da jornada pode-se entender por que, hoje, vigora a democracia.
Para o professor Diorge Konrad, a democracia foi uma conquista de quem viveu nesse período e a imprensa livre de hoje deve muito a quem morreu lutando pela liberdade de expressão e de pensamento.
A luta pelo fim da censura
O fotógrafo Adalto Schuster trabalhou no Jornal A Razão de 1979 a 1991 e confessa que era difícil, mas muito mais emocionante trabalhar em anos de chumbo. Ele conta que em um protesto de 1980, o exército fechou os dois lados do Calçadão para que ninguém saísse e começou a bater nos estudantes e jornalistas. “Eu nunca queria deixar a máquina fotográfica com eles (exército), aí eles me colocavam num camburão e me levavam preso, a máquina ficava comigo, mas o filme eles tiravam”, conta Schuster.
O fotógrafo também conta que uma vez, quando fotografava outro protesto, viu que um dos militares se aproximava, retirou o filme e entregou só máquina e foi ameaçado – se saísse alguma foto no jornal toda a redação seria presa. O dono do jornal determinou que a foto fosse capa da edicão seguinte, por pura birra, relembra Schuster.
Neste 3 de maio, quando se comemora o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o professor Diorge Konrad acredita que os avanços foram muitos, mas entende que a imprensa livre tem que ter muita responsabilidade sobre o que fala e ainda acredita que a mídia de hoje não é neutra. “Concordo com toda a liberdade prevista para os meios de comunicação, eles podem falar o que quiserem de mim, só têm que provar a veracidade dos fatos”, explica Diorge, que também é professor de História e pesquisador da área de ditadura militar.
Fotos: Vinícius Freitas – Núcleo de Fotografia e Memória