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Animais a bordo: incoerências na lei

 A adoção de pequenos animais de estimação está cada vez mais em moda, especialmente para quem mora em apartamento ou casa pequena. Contudo, um dos grandes problemas é: o que fazer com o bichinho quando é preciso viajar? Se levá-los de carro já é um problema, de ônibus pode virar sinônimo de pesadelo.
 
 

 A solução foi, por muito tempo, levar o animal escondido dentro de uma mochila ou bagagem de mão. Mas isso, além de fazer mal para o bicho, pode vir a ocasionar desconforto aos passageiros, já que ele não pode ser monitorado. Para tentar regulamentar o transporte foi criada a lei estadual nº 4.938  para permitir a condução de animais de estimação de pequeno porte (cães e gatos). Porém, a lei parece estar trazendo mais problemas do que soluções.

Para cão-guia de deficientes visuais não há limite de peso ou tamanho, mas, para os demais, os requisitos são os seguintes: ter até oito quilos; levar atestado veterinário que certifique boas condições (prazo de 15 dias) e carteira de vacinação em dia. A lei estipula que em cada ônibus só podem ser levados dois animais e eles devem estar sedados. O artigo 13º estipula que o dono do animal deve pagar 50% do valor da passagem como tarifa para cada animal.

Entretanto, essa normativa não é seguida por todas as empresas. Uma funcionária da Viação São Pedro afirmou, em entrevista realizada no dia 25 de junho, que a empresa não cobra meia-passagem pelo animal transportado, mas que confere se o animal está com a vacina em dia, o atestado, se está no contêiner ideal. Entretanto, o bicho só pode viajar no bagageiro.

A médica veterinária Vandra Machado afirma que todos esses custos podem fazer com que haja redução de fluxo de animais em ônibus, aumentando a hospedagem na cidade. “Sai mais barato você pagar R$ 10,00 por dia e deixar o bichinho acomodado”. Andréia Araújo, dona de um hotel de animais, disse que o movimento aumentou 40% depois do surgimento da lei, reflexo do alto custo para viajar com o animal de estimação.         

O preço é elevado: supondo uma viagem para Porto Alegre, a passagem custa R$ 45,00, mais R$ 22,50 para o animal, além da vacina de raiva ao custo de R$ 60,00, e vermífugo a R$ 5,00. Para o transporte é preciso, ainda, ter contêiner: o de gato custa R$ 65,00 e, para um cão, pode sair até R$ 150,00. Para garantir que o animal é saudável paga-se cerca de R$ 50,00 para consulta veterinária. O valor final, portanto, fica em torno de R$ 250,00 para um gato e R$ 330,00 para um cão. Para a veterinária, viajar com o animal de estimação é muito desgastante: “é um estresse para o animal e para o dono, além do custo ser bem elevado”, conclui Vandra.

O coordenador de Tráfego da Planalto, Stefano Grosso Felice, diz que “o correto é levar um animal por pessoa e, no máximo, dois por viagem”. Mas essa restrição não consta na lei. Quando uma pessoa precisar viajar com dois animais, ele mesmo admite que é complicado por questões de espaço entre os bancos.

 

Dono tem direito de viajar com os animais

Segundo o artigo 4º, o animal deve ser levado junto aos passageiros e não pode ser colocado nas poltronas nem nos corredores. O bicho deve ficar confinado durante todo o período da viagem e o contêiner tem de ser alojado nos pés do passageiro.

Mesmo que a lei determine que o dono do animal deva transportá-lo junto, há casos em que outros passageiros do ônibus discordem do procedimento.  A médica veterinária Daniela Silveira conta que certa vez dois felinos de um cliente foram impedidos de embarcar no ônibus porque um passageiro não concordou com o procedimento. Então, a empresa disse que eles só poderiam viajar se fossem no bagageiro. Só que a proprietária optou por não viajar.

Felice desconhece esse fato. Ele justifica que a lei foi criada para o conforto dos passageiros que devem saber que o animal ao seu lado está em boas condições, vacinado e saudável. E acrescenta que isso não é uma questão de vontade do passageiro, mas de garantia por lei. “Se está dentro do procedimento que a lei manda, aí não tem como impedir”.

O artigo 16 da lei traz o seguinte: “O animal deverá, obrigatoriamente, estar sedado ao embarcar e assim permanecer durante toda a viagem”. Numa viagem para Porto Alegre, de duração aproximada de quatro horas, teria de repetir a dos
e do sedativo quatro vezes, o que pode fazer mal ao animal e complicar o dono, que não pode retirá-lo do contêiner. A veterinária Daniela explica que o uso de sedativo faz com que aconteça o relaxamento dos esfíncteres: o animal defeca, urina e, muitas vezes, vomita. Contudo, se animal não pode ser retirado do contêiner durante a viagem, como dar o sedativo?

Outra incoerência da lei é que o dono precisa manter o animal higienizado durante toda a viagem e em silêncio, correndo o risco de ser expulso do ônibus caso o animal faça barulho. E não é raro o animal não dormir com o sedativo e sequer ficar tranquilo. Muitos deles só ficam calmos no colo do dono, o que não é permitido.

O responsável pela fiscalização de tráfego do DAER de Santa Maria, Luis Fernando Uflacker, explica que caso o animal ou o contêiner precise ser higienizado, o passageiro deve avisar ao motorista e parar no primeiro local onde possa ser feita a higiene. O dono deve descer, limpar e voltar para o ônibus. E, segundo ele, o animal não poderá viajar na presença de um passageiro que alegue ser alérgico ou não que pode estar em contato com animais, mas será necessário um atestado para comprovar esse fato.

Outra questão complicada é descobrir em que horários já foram vendidas passagens para animais. Se um ônibus já vendeu uma, ainda se pode conseguir comprar outra. Mas e no caso de alguém querer levar dois animais? Ligar para a Estação Rodoviária de Santa Maria não ajuda, pois o funcionário encarregado de responder disse que só na hora da compra da passagem é possível saber.

Na cópia da lei que o dono recebe quando compra a passagem consta o seguinte parágrafo: “As transportadoras providenciarão junto aos montadores de carroçarias para que, no prazo de até 1 (um) ano, os novos ônibus disponham de local isolado exclusivo para o transporte de animais”. A lei data abril de 2008 e até agora nada foi providenciado.

As veterinárias concordam que esses obstáculos impostos pela lei contribuem para que os donos levem seus animais escondidos, como faziam antes. O coordenador de tráfego da Planalto acrescenta que se o dono for pego, terá de descer com o animal do ônibus.

A advogada Denise Torres diz que a infração das cláusulas da lei não chega a ter caráter criminal, permanecendo na esfera civil. Sendo assim, a única consequência para quem não cumpre a lei é não poder transportar seu animal no ônibus.

Histórias de quem driblou a lei

Donos de cãezinhos contam suas histórias e relatam como têm driblado a lei para poder viajar com seus animais. Rafaela* conta que trouxe escondida sua cadelinha para Santa Maria. Temia que não a deixassem levar no ônibus por não ter as vacinas. Mas ela justifica: a cadelinha tinha apenas vinte dias, idade imprópria para tomar vacina. Ela explica que levou a filhote na mão até a estação rodoviária e escondeu na bolsa antes de entrar no ônibus. Já acomodada, tirou a cadela e tapou-a com um casaco. Quando voltou de Santa Maria à sua cidade, fez o mesmo procedimento e afirma ter sido tranquilo.

           

Luís* possui um cão da raça shih-tzo e relata que viaja com ele com frequência. Afirma que a viagem causa um pouco de estresse porque o animal, mesmo sedado, permanece inquieto. Luís diz que faz tudo que a lei exige para levar o cão no ônibus, mas, durante a viagem, acaba pegando ele no colo. A justificativa é que ele acha desnecessário pagar meia passagem para ter de viajar com o animal agitado aos seus pés, sendo que no colo ele fica calmo. Outro problema, ressalta, é a ignorância dos motoristas que não conhecem a lei. Luís diz que o motorista ameaçou: caso seu cão incomodasse qualquer passageiro, seria deixado na Polícia Rodoviária.         

 

*nomes fictícios

 

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 A adoção de pequenos animais de estimação está cada vez mais em moda, especialmente para quem mora em apartamento ou casa pequena. Contudo, um dos grandes problemas é: o que fazer com o bichinho quando é preciso viajar? Se levá-los de carro já é um problema, de ônibus pode virar sinônimo de pesadelo.
 
 

 A solução foi, por muito tempo, levar o animal escondido dentro de uma mochila ou bagagem de mão. Mas isso, além de fazer mal para o bicho, pode vir a ocasionar desconforto aos passageiros, já que ele não pode ser monitorado. Para tentar regulamentar o transporte foi criada a lei estadual nº 4.938  para permitir a condução de animais de estimação de pequeno porte (cães e gatos). Porém, a lei parece estar trazendo mais problemas do que soluções.

Para cão-guia de deficientes visuais não há limite de peso ou tamanho, mas, para os demais, os requisitos são os seguintes: ter até oito quilos; levar atestado veterinário que certifique boas condições (prazo de 15 dias) e carteira de vacinação em dia. A lei estipula que em cada ônibus só podem ser levados dois animais e eles devem estar sedados. O artigo 13º estipula que o dono do animal deve pagar 50% do valor da passagem como tarifa para cada animal.

Entretanto, essa normativa não é seguida por todas as empresas. Uma funcionária da Viação São Pedro afirmou, em entrevista realizada no dia 25 de junho, que a empresa não cobra meia-passagem pelo animal transportado, mas que confere se o animal está com a vacina em dia, o atestado, se está no contêiner ideal. Entretanto, o bicho só pode viajar no bagageiro.

A médica veterinária Vandra Machado afirma que todos esses custos podem fazer com que haja redução de fluxo de animais em ônibus, aumentando a hospedagem na cidade. “Sai mais barato você pagar R$ 10,00 por dia e deixar o bichinho acomodado”. Andréia Araújo, dona de um hotel de animais, disse que o movimento aumentou 40% depois do surgimento da lei, reflexo do alto custo para viajar com o animal de estimação.         

O preço é elevado: supondo uma viagem para Porto Alegre, a passagem custa R$ 45,00, mais R$ 22,50 para o animal, além da vacina de raiva ao custo de R$ 60,00, e vermífugo a R$ 5,00. Para o transporte é preciso, ainda, ter contêiner: o de gato custa R$ 65,00 e, para um cão, pode sair até R$ 150,00. Para garantir que o animal é saudável paga-se cerca de R$ 50,00 para consulta veterinária. O valor final, portanto, fica em torno de R$ 250,00 para um gato e R$ 330,00 para um cão. Para a veterinária, viajar com o animal de estimação é muito desgastante: “é um estresse para o animal e para o dono, além do custo ser bem elevado”, conclui Vandra.

O coordenador de Tráfego da Planalto, Stefano Grosso Felice, diz que “o correto é levar um animal por pessoa e, no máximo, dois por viagem”. Mas essa restrição não consta na lei. Quando uma pessoa precisar viajar com dois animais, ele mesmo admite que é complicado por questões de espaço entre os bancos.

 

Dono tem direito de viajar com os animais

Segundo o artigo 4º, o animal deve ser levado junto aos passageiros e não pode ser colocado nas poltronas nem nos corredores. O bicho deve ficar confinado durante todo o período da viagem e o contêiner tem de ser alojado nos pés do passageiro.

Mesmo que a lei determine que o dono do animal deva transportá-lo junto, há casos em que outros passageiros do ônibus discordem do procedimento.  A médica veterinária Daniela Silveira conta que certa vez dois felinos de um cliente foram impedidos de embarcar no ônibus porque um passageiro não concordou com o procedimento. Então, a empresa disse que eles só poderiam viajar se fossem no bagageiro. Só que a proprietária optou por não viajar.

Felice desconhece esse fato. Ele justifica que a lei foi criada para o conforto dos passageiros que devem saber que o animal ao seu lado está em boas condições, vacinado e saudável. E acrescenta que isso não é uma questão de vontade do passageiro, mas de garantia por lei. “Se está dentro do procedimento que a lei manda, aí não tem como impedir”.

O artigo 16 da lei traz o seguinte: “O animal deverá, obrigatoriamente, estar sedado ao embarcar e assim permanecer durante toda a viagem”. Numa viagem para Porto Alegre, de duração aproximada de quatro horas, teria de repetir a dos
e do sedativo quatro vezes, o que pode fazer mal ao animal e complicar o dono, que não pode retirá-lo do contêiner. A veterinária Daniela explica que o uso de sedativo faz com que aconteça o relaxamento dos esfíncteres: o animal defeca, urina e, muitas vezes, vomita. Contudo, se animal não pode ser retirado do contêiner durante a viagem, como dar o sedativo?

Outra incoerência da lei é que o dono precisa manter o animal higienizado durante toda a viagem e em silêncio, correndo o risco de ser expulso do ônibus caso o animal faça barulho. E não é raro o animal não dormir com o sedativo e sequer ficar tranquilo. Muitos deles só ficam calmos no colo do dono, o que não é permitido.

O responsável pela fiscalização de tráfego do DAER de Santa Maria, Luis Fernando Uflacker, explica que caso o animal ou o contêiner precise ser higienizado, o passageiro deve avisar ao motorista e parar no primeiro local onde possa ser feita a higiene. O dono deve descer, limpar e voltar para o ônibus. E, segundo ele, o animal não poderá viajar na presença de um passageiro que alegue ser alérgico ou não que pode estar em contato com animais, mas será necessário um atestado para comprovar esse fato.

Outra questão complicada é descobrir em que horários já foram vendidas passagens para animais. Se um ônibus já vendeu uma, ainda se pode conseguir comprar outra. Mas e no caso de alguém querer levar dois animais? Ligar para a Estação Rodoviária de Santa Maria não ajuda, pois o funcionário encarregado de responder disse que só na hora da compra da passagem é possível saber.

Na cópia da lei que o dono recebe quando compra a passagem consta o seguinte parágrafo: “As transportadoras providenciarão junto aos montadores de carroçarias para que, no prazo de até 1 (um) ano, os novos ônibus disponham de local isolado exclusivo para o transporte de animais”. A lei data abril de 2008 e até agora nada foi providenciado.

As veterinárias concordam que esses obstáculos impostos pela lei contribuem para que os donos levem seus animais escondidos, como faziam antes. O coordenador de tráfego da Planalto acrescenta que se o dono for pego, terá de descer com o animal do ônibus.

A advogada Denise Torres diz que a infração das cláusulas da lei não chega a ter caráter criminal, permanecendo na esfera civil. Sendo assim, a única consequência para quem não cumpre a lei é não poder transportar seu animal no ônibus.

Histórias de quem driblou a lei

Donos de cãezinhos contam suas histórias e relatam como têm driblado a lei para poder viajar com seus animais. Rafaela* conta que trouxe escondida sua cadelinha para Santa Maria. Temia que não a deixassem levar no ônibus por não ter as vacinas. Mas ela justifica: a cadelinha tinha apenas vinte dias, idade imprópria para tomar vacina. Ela explica que levou a filhote na mão até a estação rodoviária e escondeu na bolsa antes de entrar no ônibus. Já acomodada, tirou a cadela e tapou-a com um casaco. Quando voltou de Santa Maria à sua cidade, fez o mesmo procedimento e afirma ter sido tranquilo.

           

Luís* possui um cão da raça shih-tzo e relata que viaja com ele com frequência. Afirma que a viagem causa um pouco de estresse porque o animal, mesmo sedado, permanece inquieto. Luís diz que faz tudo que a lei exige para levar o cão no ônibus, mas, durante a viagem, acaba pegando ele no colo. A justificativa é que ele acha desnecessário pagar meia passagem para ter de viajar com o animal agitado aos seus pés, sendo que no colo ele fica calmo. Outro problema, ressalta, é a ignorância dos motoristas que não conhecem a lei. Luís diz que o motorista ameaçou: caso seu cão incomodasse qualquer passageiro, seria deixado na Polícia Rodoviária.         

 

*nomes fictícios