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Santa Maria, RS, Brazil

Inconcebível. Inaceitável. Intolerável.

É assim que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que derruba a obrigatoriedade do diploma de jornalista, pode ser qualificada. Sob alegações infelizes que “garantiriam a livre expressão de todos”, a maioria dos ministros cometeu um deslize democrático grave: desregulamentou uma profissão conquistada com suor, aprendizado, técnica e aprimoramento.

Não basta ter talento, ter conhecimento humano das coisas e ser politizado para ser jornalista. É preciso aprender a ser jornalista dentro da academia, muito embora saibamos que é a prática que consolida um bom profissional. Mas, renegar a formação, a teoria, o exercício das atividades em laboratório, as minúcias da construção de um texto jornalístico, a vida acadêmica é o mesmo que ignorar a oferta de uma informação bem apurada, trabalhada, checada inúmeras vezes.

Até hoje, o papel dos jornalistas não foi nunca o de ser o dono da verdade. Mas um canal possível de argumentação e debate por onde se caminhou para chegar até ela. Um canal de diferentes vozes, construído a partir das fontes, da investigação, de tentativas exaustivas de descortinar o que não estava claro. Uma forma de conhecimento baseado na informação – como nos ensinou o sábio Adelmo Simas Genro – que transita entre o aprendizado científico e a arte.

Será que profissionais de outras áreas conseguirão chegar aos leitores obedecendo às regras de um texto noticioso, que prima pela clareza, concisão, objetividade, apuração precisa, checagem, isenção, distanciamento, bom português…? Terão embasamento aqueles que não tiveram a formação jornalística para selecionar esta ou aquela informação, saberão hierarquizar dados, compilá-los e depois ainda contextualizá-los? Farão a correlação entre outros acontecimentos, buscarão a memória dos fatos? Sairão à rua para entrevistar, fotografar, gravar, editar?

Terão consciência que um fato sempre tem mais que um lado, inúmeras versões? Serão sabedores que o texto jornalístico é carregado de signos, emblemas semióticos ligados aos nossos sentidos, valores-notícia que enquadram o acontecimento em parâmetros noticiáveis e de interesse público, conseguirão distinguir quando estão sendo manipulados? Terão a coragem de correr riscos e de expor a própria vida para obter uma informação velada, sigilosa?

Buscarão o equilíbrio entre as matérias, darão igual tratamento às fontes, evitando atribuir às suas informações distinções pessoais? Será que toda teoria que rege o nosso lead (a fórmula com a qual construímos o primeiro parágrafo de boa parte de nossos textos com as cinco perguntas clássicas: “o que?”, “quando?”, “onde?” “como” e “por quê?”) deixou de ser importante. Nunca a tive como uma fórmula ideal, mas a vejo como um método às vezes necessário para rotinizar a prática, enfim, para chegar direto ao ponto, para informar o leitor com a informação mais importante. Uma regra, assim como outras profissões as têm.

São tantas as técnicas que, aliadas ao talento e à capacidade de cada jornalista profissional, fazem de nossa profissão uma profissão específica, com terminologia própria, códigos únicos e preceitos exclusivos, como o de informar, de zelar pela sociedade, de ser uma esperança àqueles que não têm voz, de dar voz àqueles que têm o que dizer, de dizer o que não se pode dizer e de cobrar pelo que foi dito e nunca foi cumprido.

Por todas essas razões, a profissão irá exigir sempre uma formação acadêmica, que irá testar as habilidades de quem vê nessa paixão de comunicar, uma lógica, um porquê que não está apenas explicado no simples ato de escrever. Algo tão implícito que só se abre aos olhos quando nossos mestres nos ajudam a entender o quão complexa é essa arte de se emprestar como um veículo para que os fatos possam ser esclarecidos e contados na busca incessante de se chegar o mais próximo possível da verdade. E de levar o leitor até lá, e deixá-lo seguir sozinho adiante, para que ele, a partir do resultado de nosso trabalho, possa se tornar um cidadão mais bem informado.


Marcelo Barcelos  é jornalista formado pela Unifra e editor de Impresso e On-line da Gazeta de Caçapava do Sul

(www.gazetadecapava.com.br )

 

 

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É assim que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que derruba a obrigatoriedade do diploma de jornalista, pode ser qualificada. Sob alegações infelizes que “garantiriam a livre expressão de todos”, a maioria dos ministros cometeu um deslize democrático grave: desregulamentou uma profissão conquistada com suor, aprendizado, técnica e aprimoramento.

Não basta ter talento, ter conhecimento humano das coisas e ser politizado para ser jornalista. É preciso aprender a ser jornalista dentro da academia, muito embora saibamos que é a prática que consolida um bom profissional. Mas, renegar a formação, a teoria, o exercício das atividades em laboratório, as minúcias da construção de um texto jornalístico, a vida acadêmica é o mesmo que ignorar a oferta de uma informação bem apurada, trabalhada, checada inúmeras vezes.

Até hoje, o papel dos jornalistas não foi nunca o de ser o dono da verdade. Mas um canal possível de argumentação e debate por onde se caminhou para chegar até ela. Um canal de diferentes vozes, construído a partir das fontes, da investigação, de tentativas exaustivas de descortinar o que não estava claro. Uma forma de conhecimento baseado na informação – como nos ensinou o sábio Adelmo Simas Genro – que transita entre o aprendizado científico e a arte.

Será que profissionais de outras áreas conseguirão chegar aos leitores obedecendo às regras de um texto noticioso, que prima pela clareza, concisão, objetividade, apuração precisa, checagem, isenção, distanciamento, bom português…? Terão embasamento aqueles que não tiveram a formação jornalística para selecionar esta ou aquela informação, saberão hierarquizar dados, compilá-los e depois ainda contextualizá-los? Farão a correlação entre outros acontecimentos, buscarão a memória dos fatos? Sairão à rua para entrevistar, fotografar, gravar, editar?

Terão consciência que um fato sempre tem mais que um lado, inúmeras versões? Serão sabedores que o texto jornalístico é carregado de signos, emblemas semióticos ligados aos nossos sentidos, valores-notícia que enquadram o acontecimento em parâmetros noticiáveis e de interesse público, conseguirão distinguir quando estão sendo manipulados? Terão a coragem de correr riscos e de expor a própria vida para obter uma informação velada, sigilosa?

Buscarão o equilíbrio entre as matérias, darão igual tratamento às fontes, evitando atribuir às suas informações distinções pessoais? Será que toda teoria que rege o nosso lead (a fórmula com a qual construímos o primeiro parágrafo de boa parte de nossos textos com as cinco perguntas clássicas: “o que?”, “quando?”, “onde?” “como” e “por quê?”) deixou de ser importante. Nunca a tive como uma fórmula ideal, mas a vejo como um método às vezes necessário para rotinizar a prática, enfim, para chegar direto ao ponto, para informar o leitor com a informação mais importante. Uma regra, assim como outras profissões as têm.

São tantas as técnicas que, aliadas ao talento e à capacidade de cada jornalista profissional, fazem de nossa profissão uma profissão específica, com terminologia própria, códigos únicos e preceitos exclusivos, como o de informar, de zelar pela sociedade, de ser uma esperança àqueles que não têm voz, de dar voz àqueles que têm o que dizer, de dizer o que não se pode dizer e de cobrar pelo que foi dito e nunca foi cumprido.

Por todas essas razões, a profissão irá exigir sempre uma formação acadêmica, que irá testar as habilidades de quem vê nessa paixão de comunicar, uma lógica, um porquê que não está apenas explicado no simples ato de escrever. Algo tão implícito que só se abre aos olhos quando nossos mestres nos ajudam a entender o quão complexa é essa arte de se emprestar como um veículo para que os fatos possam ser esclarecidos e contados na busca incessante de se chegar o mais próximo possível da verdade. E de levar o leitor até lá, e deixá-lo seguir sozinho adiante, para que ele, a partir do resultado de nosso trabalho, possa se tornar um cidadão mais bem informado.


Marcelo Barcelos  é jornalista formado pela Unifra e editor de Impresso e On-line da Gazeta de Caçapava do Sul

(www.gazetadecapava.com.br )