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Santa Maria, RS, Brazil

Relatos de aborto

 Mesmo considerado crime no Brasil, sabemos que há muitas mulheres que praticam o aborto. Em busca de mulheres que já fizeram o procedimento, reproduzimos relatos que detalham os motivos, a tomada de decisão e o procedimento.

A história de Marina*

Marina tem 26 anos e hoje está prestes a se casar. Porém, guarda esse segredo que leva sempre consigo. Quando questionada sobre como foi tomar essa atitude, relata que estava namorando há dois anos, mas em uma briga com o namorado atual, se reencontrou com o ex, com quem havia namorado durante quatro anos. Após esse encontro com o ex, ela sentiu enjôos. A menstruação atrasou. Resolveu, então, comprar um teste de gravidez na farmácia.

Como tudo indicava, o exame deu positivo. Só que o detalhe crucial era que ela já tinha voltado para o namorado e estava grávida do ex. Ela decidiu contar ao seu ex que estava grávida dele. Marina diz que foi contar para ele com alguma esperança de que poderiam reatar, porque era dele que ela gostava. Só que as coisas não aconteceram como deseja. Ele disse que não seria um filho o motivo para retomar o namoro e que tirar a criança seria o melhor para os dois. Decepcionada com a atitude do ex-namorado, diz que jamais iria criar seu filho sem o pai. Nessa situação, o aborto seria inevitável.

Marina perguntou para algumas amigas se não sabiam informações de alguém que poderia realizar o procedimento. Foi então que uma mulher que trabalhava como empregada doméstica na família disse conhecer alguém que poderia fazer. Ela falou que tinha uma amiga que já havia feito aborto e, então, pediu para ela explicar o endereço da casa. Marina foi até lá com uma amiga e disse que queria abortar.

Ela conta que a dona da casa era uma mulher mais velha. A casa dela tinha uma sala específica para a prática do aborto. Marina entrou lá e nem quis saber como seria o procedimento. Ela sentiu que a mulher usou um afastador e fez uma curetagem, raspando o útero.

O aborto custou em torno de R$ 500,00. Porém, o que parecia já ter um fim, ainda não tinha acabado. Uma surpresa estava por vir. Dias depois, continuou sentindo enjôos e tonturas. Só então, resolveu procurar um médico. Ele constatou que ela poderia estar grávida. Grávida? Como se tinha feito um aborto há pouco tempo?

Marina teve de contar para o médico que tinha feito um aborto e que era impossível estar grávida de novo. O ultra-som foi feito e realmente foi constatado que ainda existia uma vida ali. Porém outra surpresa foi revelada, o médico disse que ela estava esperando gêmeos, que no aborto ela tirou apenas um feto e que o outro bebê ainda estava vivo.

E o que foi feito depois disso? Marina voltou a mesma senhora e abortou a segunda criança. Ela diz que se essa história fosse hoje, pensaria melhor antes de tomar a atitude, mas que realmente na época não tinha como assumir essa responsabilidade sozinha.

 

A história de Fernanda*

Fernanda, 21 anos, jamais se imaginou vivendo em meio a uma indecisão tão grande entre a vida e a morte. Desde seus 12 anos ela conhecia Fabrício*. Namoraram durante vários desses quase nove anos de convivência, entre idas e vindas de um namoro nada tranquilo. Ambos eram extremamente ciumentos e não aguentavam uma rotina de casal por muito tempo.

Em 2008, os dois passaram por uma situação delicada. Em meio a uma de suas recaídas, Fernanda passou a noite com Fabrício e em menos de um mês, começou a sentir enjôos. Fernanda concluiu que estava grávida por meio de um teste de farmácia.

Ao procurar Fabrício para contar da gravidez, ela levou um susto, sua reação não poderia ser pior, o que causou inúmeras dúvidas sobre interromper ou não a gravidez. “Minha família é muito tradicional e conservadora, não poderia contar a eles sobre minha situação sem decepcioná-los. Como não tive o apoio de Fabrício, minha decisão estava tomada”, contou.

O primeiro recurso utilizado para obter mais informações sobre o aborto foi a internet. Existem inúmeras páginas com dicas e informações sobre métodos, riscos e meios para se fazer um aborto. Uma das coisas que mais chamou a atenção de Fernanda foi o Orkut, uma rede de relacionamentos na internet em que através de um click é possível acessar uma lista de amigos e conhecidos, além de fóruns virtuais que tratem de temas de seu interesse. Foi onde ela encontrou várias informações sobre o aborto e suas consequências.

Navegando no Orkut, Fernanda se deparou com uma comunidade pró-aborto, que além de defender a causa, dava dicas de como realizá-lo. Entrou em contato com a administradora da comunidade por meio de um recado. Algumas horas depois, a menina já a havia adicionado em seu MSN. Quando a conversa ficou mais privada, a menina a orientou sobre o uso de Citotec, um remédio que causa o aborto e é comercializado de forma clandestina. A menina explicou que se ao tomar o remédio houvesse sangramento, ela deveria recorrer ao hospital.

Mas Fernanda achou o procedimento muito arriscado, pois queria o máximo de discrição possível. Ela estava esperando algo que não existia: um método abortivo seguro e secreto.

Fernanda estava extremamente nervosa e acabou desistindo da idéia do uso da medicação. Procurou novamente Fabrício para conversarem. Ainda não estava segura de sua posição com relação ao aborto e uma conversa poderia ser definitiva naquele momento. Ao contrário do esperado, Fabrício se comportou de uma maneira rude e indelicada, dizendo que não tinha interesse nenhum na criança.

Sem ter para onde recorrer, Fernanda acabou por procurar um médico que já conhecia por meio de amigas que já tinham passado pela mesma situação. Ela agendou uma consulta por telefone e no mesmo dia foi ao consultório. Sem muitos rodeios, falou que estava grávida e que não queria ter o filho. O médico não falou em aborto. Quem tomou a iniciativa foi ela e perguntou diretamente quanto ele cobrava para realizar o procedimento. O valor estabelecido foi de R$ 2.000. Naquela tarde, o médico receitou um medicamento que se usa para dilatar o útero e marcou a cirurgia para a manhã do dia seguinte. Fernanda já estava com quatro meses de gravidez, se esperasse mais tempo, j&aa
cute; se tornaria impossível realizar o procedimento. Ela foi para casa, tomou o remédio e dormiu. No outro dia foi sozinha para o hospital. Na ficha de entrada foi registrado uma curetagem. Chegando lá foi sedada e o médico, com a ajuda de enfermeiros, fez o procedimento. Ao deixar o hospital, sentiu-se tonta, como se estivesse usando algum tipo de alucinógeno. Mas não sentia dores. Foi para casa. Deitou-se. Não contou para ninguém. Nem sua mãe saberia do ocorrido.

O médico não pediu nenhum sigilo e não comentou sobre a ilegalidade de seus atos. Fernanda relata que é como se no hospital todos já compactuassem e considerassem normal a atitude. Ela também acredita que a polícia sabe que isso acontece e o fato de haver ou não uma lei contra isso é indiferente: “O procedimento é realizado, e todos da nossa cidade sabem que esta é a pura realidade. Se o médico a que eu recorri não tivesse me ajudado, eu poderia estar junto às mulheres que estão morrendo, ou passando por sérias complicações, após procedimentos caseiros”, completou. 

 

A história de Kethelyn*

O cabelo pintado e a bota preta de salto alto de bico fino caracterizam uma jovem mulher vaidosa. Quando Kethelyn*, de 15 anos, entrou na sala de espera, no lar onde ela morou a vida inteira, ela aparentava ter mais de 18 anos. O peso da vida todos esses anos foi o suficiente para que a adolescente adquirisse as mais frustrantes experiências.

Kethelyn contou que sua mãe é garota de programa e soropositiva. Sem condições de cuidar das filhas, ela entregou Kethelyn, de cinco anos, e sua irmã de dois anos,  a um lar de crianças e adolescentes carentes em Santa Maria.

Aos 12 anos, ela teve o primeiro namorado e iniciou sua vida sexual. Aos 15, ela já tinha passado por mais de 15 casas diferentes, morando com mais de 10 namorados. Kethelyn conta sua história já recuperada de uma época em que esteve enfraquecida pela fome e pelos vários relacionamentos abusivos em que se envolveu.

Conta que passou fome. Não comia e dormia há três dias. Então, enquanto caminhava pela RST 287, um motoqueiro a abordou e perguntou se era garota de programa. Kethelyn conta que como estava passando necessidade, fez o programa. Ele a levou ao motel mais próximo e pagou R$ 100,00.

O dinheiro serviu para comprar um “XIS”, um refrigerante e uma carteira de cigarros, frutos do único programa que Kethelyn garante ter feito em sua vida, aos 14 anos.

Começo e fim de uma relação abusiva:

Eram onze horas da noite de um sábado. Kethelyn e sua prima de 14 anos estavam bebendo cerveja na praça Saldanha Marinho, no centro de Santa Maria. Ao passar por um grupo de meninos, um deles gritou: “ô baixinha, vem aqui!”. Sua primeira reação foi ignorá-lo. Mas depois de beber mais algumas cervejas, a ideia de se aproximar de Maurício* não parecia ser tão ruim assim. Ela foi até ele e pediu um isqueiro emprestado para acender seu cigarro. Depois disso, eles ficaram e foi assim que a história começou.

Ela conta que depois de dois dias, ele foi até a casa da tia, onde ele estava morando. Pediu para namorar comigo. E ela aceitou. Uma semana depois, foi morar com ele.

Kethelyn não tinha a aprovação da tia para namorar Maurício. Conta que sua tia acreditava que teria sido ele que em certa ocasião havia batido em uma de suas filhas no colégio.

No começo, Kethelyn avalia que Mauricio era um namorado bom, fiel e respeitoso. Três meses depois, a situação tomou rumos diferentes. Ela conta que o namorado era viciado em crack e que vendera muitos dos seus bens para manter o vício.

Kethelyn diz que apanhava e que não podia chorar ou expressar o que sentia. Quando descobriu que estava grávida, os dois tinham completado quatro meses de namoro. Contou a notícia para Mauricio. Ele não queria a criança e falou para a mãe, que concordou que era melhor interromper a gravidez. Mas, mesmo com 14 anos, ela disse que sabia que era crime e que não queria tirar a criança.

Ela relata que a ‘sogra’ e o namorado ofereceram um chá. Desconfia se tratar de chá com ingredientes abortivos, pois começou a sangrar logo depois de ingerir o líquido quente. No outro dia, ela foi ao médico, que após alguns exames, afirmou que ela ainda estava grávida.

Quando voltou para casa, ela e Mauricio se desentenderam. Ela estava sentido dores abdominais e começou a chorar. Kethelyn conta que ele se irritava muito quando chorava. E, como ainda não tinha fumado “pedra” naquele dia, começou a bater. “Ele me chutou tanto que quando eu estava no chão comecei a sangrar novamente”. Kethelyn perdeu a criança.

Hoje, ela tem um novo namorado. Já engravidou mais de cinco vezes. Alega que todas foram interrompidas por um aborto instantâneo. A adolescente acredita que o abuso físico possa ter machucado seu corpo, a impossibilitando de ter filho.

           

A história de Maria Helena*

Maria Helena, 15 anos, é amiga de Kethelyn. Ela tem dois filhos: um com três anos e outro com quatro meses. A adolescente não sabe quem é o pai de seus filhos. Todos foram concebidos durante sua ocupação noturna: a prostituição.

Na casa noturna em que ela se prostitui, o aborto é a saída que as adolescentes encontram para continuar trabalhando. Muitas delas têm a aprovação da família para se prostituir, pois os pais não têm como sustentá-las. Maria Helena conta que o dinheiro que conseguem todas as noites, em média de R$ 300,00 é ameaçado por uma gravidez. Clientes não querem contratar prostitutas grávidas. Então, o que a família das adolescentes não aprova, é a própria gravidez.

O método utilizado pelas adolescentes da casa noturna para interromper a gravidez é uma pílula branca, que Maria Helena desconhece o nome. Ela explica que a substância é adquirida por outras meninas da casa, não sabendo onde e nem como.

 

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 Mesmo considerado crime no Brasil, sabemos que há muitas mulheres que praticam o aborto. Em busca de mulheres que já fizeram o procedimento, reproduzimos relatos que detalham os motivos, a tomada de decisão e o procedimento.

A história de Marina*

Marina tem 26 anos e hoje está prestes a se casar. Porém, guarda esse segredo que leva sempre consigo. Quando questionada sobre como foi tomar essa atitude, relata que estava namorando há dois anos, mas em uma briga com o namorado atual, se reencontrou com o ex, com quem havia namorado durante quatro anos. Após esse encontro com o ex, ela sentiu enjôos. A menstruação atrasou. Resolveu, então, comprar um teste de gravidez na farmácia.

Como tudo indicava, o exame deu positivo. Só que o detalhe crucial era que ela já tinha voltado para o namorado e estava grávida do ex. Ela decidiu contar ao seu ex que estava grávida dele. Marina diz que foi contar para ele com alguma esperança de que poderiam reatar, porque era dele que ela gostava. Só que as coisas não aconteceram como deseja. Ele disse que não seria um filho o motivo para retomar o namoro e que tirar a criança seria o melhor para os dois. Decepcionada com a atitude do ex-namorado, diz que jamais iria criar seu filho sem o pai. Nessa situação, o aborto seria inevitável.

Marina perguntou para algumas amigas se não sabiam informações de alguém que poderia realizar o procedimento. Foi então que uma mulher que trabalhava como empregada doméstica na família disse conhecer alguém que poderia fazer. Ela falou que tinha uma amiga que já havia feito aborto e, então, pediu para ela explicar o endereço da casa. Marina foi até lá com uma amiga e disse que queria abortar.

Ela conta que a dona da casa era uma mulher mais velha. A casa dela tinha uma sala específica para a prática do aborto. Marina entrou lá e nem quis saber como seria o procedimento. Ela sentiu que a mulher usou um afastador e fez uma curetagem, raspando o útero.

O aborto custou em torno de R$ 500,00. Porém, o que parecia já ter um fim, ainda não tinha acabado. Uma surpresa estava por vir. Dias depois, continuou sentindo enjôos e tonturas. Só então, resolveu procurar um médico. Ele constatou que ela poderia estar grávida. Grávida? Como se tinha feito um aborto há pouco tempo?

Marina teve de contar para o médico que tinha feito um aborto e que era impossível estar grávida de novo. O ultra-som foi feito e realmente foi constatado que ainda existia uma vida ali. Porém outra surpresa foi revelada, o médico disse que ela estava esperando gêmeos, que no aborto ela tirou apenas um feto e que o outro bebê ainda estava vivo.

E o que foi feito depois disso? Marina voltou a mesma senhora e abortou a segunda criança. Ela diz que se essa história fosse hoje, pensaria melhor antes de tomar a atitude, mas que realmente na época não tinha como assumir essa responsabilidade sozinha.

 

A história de Fernanda*

Fernanda, 21 anos, jamais se imaginou vivendo em meio a uma indecisão tão grande entre a vida e a morte. Desde seus 12 anos ela conhecia Fabrício*. Namoraram durante vários desses quase nove anos de convivência, entre idas e vindas de um namoro nada tranquilo. Ambos eram extremamente ciumentos e não aguentavam uma rotina de casal por muito tempo.

Em 2008, os dois passaram por uma situação delicada. Em meio a uma de suas recaídas, Fernanda passou a noite com Fabrício e em menos de um mês, começou a sentir enjôos. Fernanda concluiu que estava grávida por meio de um teste de farmácia.

Ao procurar Fabrício para contar da gravidez, ela levou um susto, sua reação não poderia ser pior, o que causou inúmeras dúvidas sobre interromper ou não a gravidez. “Minha família é muito tradicional e conservadora, não poderia contar a eles sobre minha situação sem decepcioná-los. Como não tive o apoio de Fabrício, minha decisão estava tomada”, contou.

O primeiro recurso utilizado para obter mais informações sobre o aborto foi a internet. Existem inúmeras páginas com dicas e informações sobre métodos, riscos e meios para se fazer um aborto. Uma das coisas que mais chamou a atenção de Fernanda foi o Orkut, uma rede de relacionamentos na internet em que através de um click é possível acessar uma lista de amigos e conhecidos, além de fóruns virtuais que tratem de temas de seu interesse. Foi onde ela encontrou várias informações sobre o aborto e suas consequências.

Navegando no Orkut, Fernanda se deparou com uma comunidade pró-aborto, que além de defender a causa, dava dicas de como realizá-lo. Entrou em contato com a administradora da comunidade por meio de um recado. Algumas horas depois, a menina já a havia adicionado em seu MSN. Quando a conversa ficou mais privada, a menina a orientou sobre o uso de Citotec, um remédio que causa o aborto e é comercializado de forma clandestina. A menina explicou que se ao tomar o remédio houvesse sangramento, ela deveria recorrer ao hospital.

Mas Fernanda achou o procedimento muito arriscado, pois queria o máximo de discrição possível. Ela estava esperando algo que não existia: um método abortivo seguro e secreto.

Fernanda estava extremamente nervosa e acabou desistindo da idéia do uso da medicação. Procurou novamente Fabrício para conversarem. Ainda não estava segura de sua posição com relação ao aborto e uma conversa poderia ser definitiva naquele momento. Ao contrário do esperado, Fabrício se comportou de uma maneira rude e indelicada, dizendo que não tinha interesse nenhum na criança.

Sem ter para onde recorrer, Fernanda acabou por procurar um médico que já conhecia por meio de amigas que já tinham passado pela mesma situação. Ela agendou uma consulta por telefone e no mesmo dia foi ao consultório. Sem muitos rodeios, falou que estava grávida e que não queria ter o filho. O médico não falou em aborto. Quem tomou a iniciativa foi ela e perguntou diretamente quanto ele cobrava para realizar o procedimento. O valor estabelecido foi de R$ 2.000. Naquela tarde, o médico receitou um medicamento que se usa para dilatar o útero e marcou a cirurgia para a manhã do dia seguinte. Fernanda já estava com quatro meses de gravidez, se esperasse mais tempo, j&aa
cute; se tornaria impossível realizar o procedimento. Ela foi para casa, tomou o remédio e dormiu. No outro dia foi sozinha para o hospital. Na ficha de entrada foi registrado uma curetagem. Chegando lá foi sedada e o médico, com a ajuda de enfermeiros, fez o procedimento. Ao deixar o hospital, sentiu-se tonta, como se estivesse usando algum tipo de alucinógeno. Mas não sentia dores. Foi para casa. Deitou-se. Não contou para ninguém. Nem sua mãe saberia do ocorrido.

O médico não pediu nenhum sigilo e não comentou sobre a ilegalidade de seus atos. Fernanda relata que é como se no hospital todos já compactuassem e considerassem normal a atitude. Ela também acredita que a polícia sabe que isso acontece e o fato de haver ou não uma lei contra isso é indiferente: “O procedimento é realizado, e todos da nossa cidade sabem que esta é a pura realidade. Se o médico a que eu recorri não tivesse me ajudado, eu poderia estar junto às mulheres que estão morrendo, ou passando por sérias complicações, após procedimentos caseiros”, completou. 

 

A história de Kethelyn*

O cabelo pintado e a bota preta de salto alto de bico fino caracterizam uma jovem mulher vaidosa. Quando Kethelyn*, de 15 anos, entrou na sala de espera, no lar onde ela morou a vida inteira, ela aparentava ter mais de 18 anos. O peso da vida todos esses anos foi o suficiente para que a adolescente adquirisse as mais frustrantes experiências.

Kethelyn contou que sua mãe é garota de programa e soropositiva. Sem condições de cuidar das filhas, ela entregou Kethelyn, de cinco anos, e sua irmã de dois anos,  a um lar de crianças e adolescentes carentes em Santa Maria.

Aos 12 anos, ela teve o primeiro namorado e iniciou sua vida sexual. Aos 15, ela já tinha passado por mais de 15 casas diferentes, morando com mais de 10 namorados. Kethelyn conta sua história já recuperada de uma época em que esteve enfraquecida pela fome e pelos vários relacionamentos abusivos em que se envolveu.

Conta que passou fome. Não comia e dormia há três dias. Então, enquanto caminhava pela RST 287, um motoqueiro a abordou e perguntou se era garota de programa. Kethelyn conta que como estava passando necessidade, fez o programa. Ele a levou ao motel mais próximo e pagou R$ 100,00.

O dinheiro serviu para comprar um “XIS”, um refrigerante e uma carteira de cigarros, frutos do único programa que Kethelyn garante ter feito em sua vida, aos 14 anos.

Começo e fim de uma relação abusiva:

Eram onze horas da noite de um sábado. Kethelyn e sua prima de 14 anos estavam bebendo cerveja na praça Saldanha Marinho, no centro de Santa Maria. Ao passar por um grupo de meninos, um deles gritou: “ô baixinha, vem aqui!”. Sua primeira reação foi ignorá-lo. Mas depois de beber mais algumas cervejas, a ideia de se aproximar de Maurício* não parecia ser tão ruim assim. Ela foi até ele e pediu um isqueiro emprestado para acender seu cigarro. Depois disso, eles ficaram e foi assim que a história começou.

Ela conta que depois de dois dias, ele foi até a casa da tia, onde ele estava morando. Pediu para namorar comigo. E ela aceitou. Uma semana depois, foi morar com ele.

Kethelyn não tinha a aprovação da tia para namorar Maurício. Conta que sua tia acreditava que teria sido ele que em certa ocasião havia batido em uma de suas filhas no colégio.

No começo, Kethelyn avalia que Mauricio era um namorado bom, fiel e respeitoso. Três meses depois, a situação tomou rumos diferentes. Ela conta que o namorado era viciado em crack e que vendera muitos dos seus bens para manter o vício.

Kethelyn diz que apanhava e que não podia chorar ou expressar o que sentia. Quando descobriu que estava grávida, os dois tinham completado quatro meses de namoro. Contou a notícia para Mauricio. Ele não queria a criança e falou para a mãe, que concordou que era melhor interromper a gravidez. Mas, mesmo com 14 anos, ela disse que sabia que era crime e que não queria tirar a criança.

Ela relata que a ‘sogra’ e o namorado ofereceram um chá. Desconfia se tratar de chá com ingredientes abortivos, pois começou a sangrar logo depois de ingerir o líquido quente. No outro dia, ela foi ao médico, que após alguns exames, afirmou que ela ainda estava grávida.

Quando voltou para casa, ela e Mauricio se desentenderam. Ela estava sentido dores abdominais e começou a chorar. Kethelyn conta que ele se irritava muito quando chorava. E, como ainda não tinha fumado “pedra” naquele dia, começou a bater. “Ele me chutou tanto que quando eu estava no chão comecei a sangrar novamente”. Kethelyn perdeu a criança.

Hoje, ela tem um novo namorado. Já engravidou mais de cinco vezes. Alega que todas foram interrompidas por um aborto instantâneo. A adolescente acredita que o abuso físico possa ter machucado seu corpo, a impossibilitando de ter filho.

           

A história de Maria Helena*

Maria Helena, 15 anos, é amiga de Kethelyn. Ela tem dois filhos: um com três anos e outro com quatro meses. A adolescente não sabe quem é o pai de seus filhos. Todos foram concebidos durante sua ocupação noturna: a prostituição.

Na casa noturna em que ela se prostitui, o aborto é a saída que as adolescentes encontram para continuar trabalhando. Muitas delas têm a aprovação da família para se prostituir, pois os pais não têm como sustentá-las. Maria Helena conta que o dinheiro que conseguem todas as noites, em média de R$ 300,00 é ameaçado por uma gravidez. Clientes não querem contratar prostitutas grávidas. Então, o que a família das adolescentes não aprova, é a própria gravidez.

O método utilizado pelas adolescentes da casa noturna para interromper a gravidez é uma pílula branca, que Maria Helena desconhece o nome. Ela explica que a substância é adquirida por outras meninas da casa, não sabendo onde e nem como.

 

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