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Santa Maria, RS, Brazil

Acesso a medicamentos é uma questão judicial

InvestigativoEstar doente não é o único problema que milhares de pessoas enfrentam. Além da enfermidade elas lutam pelo acesso à medicação, que na lei consta como obrigação dos poderes públicos.

O número crescente de processos revela uma assistência farmacêutica pública deficiente que gera problemas ao governo e ao usuário. A utilização responsável dos medicamentos por parte do paciente, o interesse médico e políticas públicas de prevenção poderiam amenizar a má distribuição dos remédios em Santa Maria.

Uma vez por semana, dezenas de pessoas formam uma extensa fila para buscar seus direitos. Em um dia mais de 50 processos são iniciados na Defensoria Pública do Estado. São cidadãos que procuram na DPE o acesso a medicamentos essenciais à saúde que não estão disponíveis na 4ª Coordenadoria Regional da Saúde (CRS).

A burocracia

 
Em comum elas têm a preocupação estampada no rosto, o cansaço na busca por direitos, e muitos papéis nas mãos. André Luiz, 37, anos, chegou cedo para ser atendido. O autônomo procura auxilio para a mãe, de 73 anos, que necessita de tratamento contínuo para o coração. Ele explica que na primeira vez que a justiça determinou o fornecimento do DIOVAN, não houve problemas. Agora foi renovado o pedido e o remédio veio errado, para efetuar a troca a 4ª CRS leva de vinte a trinta dias, prazo que não foi cumprido.

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“Não é a primeira vez que busco ajuda na justiça. Na Coordenadoria Regional de Saúde, prometem o medicamento, mas nunca chega”. Luiz ainda reclama da falta de atenção com o idoso na própria coordenadoria que deixa de fornecer documentos por descaso. “Eu tive que ir à CRS buscar a negativa do remédio, eles não entregaram para minha mãe”, conclui.

Em dezembro de 2009 Jacira Marques, 46 anos, entrou na justiça como procuradora da mãe, aposentada de 77 anos. A idosa necessita do EXELON, remédio que atua no combate ao Alzheimer. Mesmo efetuada a sentença o medicamento não chegou na 4ª Coordenadoria, em fevereiro de 2010 ativa-se novamente o processo. “Quando voltei a procurar a justiça e dei novo início ao processo, a CRS informou que já estava lá o remédio”, relata. Agora a dosagem da substância aumentou e novamente se dirige a defensoria, “É a terceira vez em um ano”. Outro problema que aponta a dona de casa é a falta de organização, segunda é o dia da Coordenadoria distribuir os remédios se não tem disponível só na terça- feira eles liberam a negativa. “só que segunda é o único dia que a defensoria atende esse tipo de processo ai temos que esperar uma semana, fazem de tudo pra gente desistir”, diz a dona de casa.

A queixa da Sra. Emilia Beviláqua, 67 anos é a mesma de muitas pessoas. O complicado para a idosa é ter que andar de um lado para o outro ouvindo respostas vagas e providenciando papéis. “Tem remédio que eu até compro, não consigo caminhar muito”, explica Emilia que muitas vezes chega às 5 da manhã para enfrentar a fila na 4ª coordenadoria de saúde. A aposentada é autora de uma ação que lhe garante remédios para os pulmões e coração.

Uma caixa com 60 comprimidos de CYMBALTA custa em média R $ 240,00. Esse valor é inviável para a dona de casa Cleci Ruviaro, 63 anos, que precisa tomar duas doses por dia para combater o diabetes. O salário de R$ 510,00 é muito pouco para manter essa medicação, explica Cleci que procura pela primeira vez a Defensoria pública, encaminhada pela própria coordenadoria.

A costureira Ledi Carnelosso, 58 anos, está há seis meses sem fazer o tratamento indicado pelo médico. Ledi utiliza o CONDROFLEX para dores nas articulações, no ano passado ela conseguiu seis caixas. Esse ano a costureira teve que recorrer a justiça para adquirir o medicamento que no mercado custa até R$178,00.

A Secretária Municipal de Saúde fornece muitos medicamentos essenciais e de uso contínuo, porém outros são distribuídos pela 4ª Coordenadoria Regional de Saúde, é o caso do PANTOPRAZOL. O município distribui similar como o OMEPRAZOL, porém esse medicamento não beneficia a mãe de Rosa de Fátima, 58 anos. A filha conta que o PANTOPRAZOL é um remédio para o estomago que não contém açúcar, ideal para diabéticos no caso da sua mãe de 84 anos. “Também tenho muita dificuldade de conseguir o CITALOPRAN para a depressão, minha mãe precisa muito deste também”, diz Rosa.

O Judiciário

Juíza da 1ª Vara da Fazenda Pública Denise Terezinha Sassi explica essa relação entre o autor do processo, a justiça e poder público no dever de fornecer medicamentos. Os processos têm origem quando as pessoas procuram a farmácia do município e a 4ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) e não consegue obter o medicamento necessário para a enfermidade.

Geralmente o medicamento que a pessoa necessita integra a lista de fármacos essenciais e que devem ser fornecidos pelo estado ou pelo município ou pela união. Mesmo na ação contra um desses órgãos administrativos, os três são solidariamente responsável por fornecer o medicamento e arcar com a responsabilidade, caso contrário é seqüestrado de um dos poderes o valor e repassado para a pessoa comprar o medicamento, se não realizado o fornecimento no prazo estipulado pela justiça.

Um processo referente a medicamento não tem prazo definido, sendo a maioria de uso continuo o paciente tem seu processo tramitando ate a morte, uma vez dada à sentença é fornecido o medicamento e o processo é arquivado. Novamente a pessoa procura o fármaco e não encontrando então é ativado o processo. É uma cadeia que não termina nunca, esclarece a juíza.

O governo alega que na falta de medicamento não pode beneficiar um indivíduo em detrimento dos demais, mas um sempre vai ter que assumir a responsabilidade de fornecer. “O Estado, o Município e a União justificam que o problema está na falta de orçamento, o que não os exime da obrigação”, lembra a magistrada. O Estado diz que tal medicamento não está sobre sua responsabilidade e sim na lista do município, porém e de obrigação fornecer o remédio é de qualquer uma das esferas públicas.

Processos relacionados a medicamentos

Processos empilhados
relacionados a medicamentos

Hoje dos 11.600 processos que tramitam de responsabilidade da Dra. Denise 50% são de medicamentos. Esse número não inclui os processos arquivados no sistema do tribunal e que a qualquer momento se tornam ativos novamente. Não há um número preciso. É dever do Estado fornecer condições para a saúde pública, podem recorrer a justiça e fazer uso dos medicamentos do SUS qualquer pessoa que não tenha condições de adquirir o medicamento sem prejudicar seu sustento.

Se a obrigação desde o principio é da União o processo tramita na Justiça Federal. A juíza da Fazenda Pública do Estado lembra que hoje são comuns processos que solicitam muito mais do governo, como caso de oxigênio, alimentação especial, fraldas descartáveis. “Eu costumo dar como deferido, é um caso de direito a saúde, é dever do poderes públicos”, diz a juíza.

Esse é o caso da avó da pedagoga Carla Passos, 31 anos. Ela conta que em 2008 sua avó, hoje com 82 anos, entrou na Justiça para garantir o direito ao oxigênio, o processo levou um ano para sair a sentença. Agora Carla procura a defensoria para exigir que a 4ª Coordenadoria Estadual de Saúde forneça o SPIRIVA, remédio destinado para o tratamento de doenças pulmonares. Há três anos a idosa utiliza o medicamento que custa em média R $335,00, “Na Coordenadoria Estadual da Saúde eles nem sabem por que atrasou e põem a culpa nos fabricantes”, comenta Carla.

A responsabilidade do Estado

A 4ª coordenadoria Regional de Saúde (CRS) é responsável por repassar os medicamentos aos trinta e um municípios assistidos. Santa Maria é o único município a não se responsabilizar pela distribuição de remédios enviados pelo Estado. Ou seja, as pessoas adquirem o medicamento na própria Coordenadoria.

Os pacientes que necessitam que o Estado forneça medicamentos estão cadastrados em um sistema com suas informações médicas. Apesar de tentar melhorar o atendimento na Coordenadoria Claudete Lopes, delegada adjunta e farmacêutica, explica que a falta de medicamentos ocorre devido o aumento constante do número de pessoas que solicitam o benefício.

O Estado monitora os estoques com dois meses de atraso, mesmo que um remédio seja solicitado ele só chega ao município depois de 60 dias. “Nesse tempo o número de pedidos já aumentou, embora tenha muitos remédios sempre há medicamento faltando”, diz Claudete. Uma vez por mês a Coordenadoria recebe medicação administrativa, pessoas cadastradas que recebem o medicamento normalmente. Porém existe os medicamentos judicial, são remédios que não possuem data certa para chegar e são destinados a um paciente em específico que garantiu esse direito na justiça.

Para esse remédio estar disponível para outra pessoa tem que haver uma desistência formal, só assim é liberado o medicamento. Quanto um paciente ganha uma ação judicial ele recebe na 4ª Coordenadoria o tratamento para os próximos seis meses. Isso provoca uma má distribuição do medicamento. A pessoa, muitas vezes, suspende o tratamento ou falece e continua com aquela medicação estocada em casa. “São poucas pessoas que tem a responsabilidade de chegar à Coordenadoria e devolver o medicamento que não é utilizado”, alerta a delegada.

Disponibilizar o remédio que não é mais aproveitado é ser solidário com outras pessoas que necessitam de tratamento. “As pessoas deixam de usar, mudam de cidade ou não se apresentam para receber o medicamento, não conseguimos contato por endereço ou telefone. Isso é remédio parado e a Coordenadoria não tem controle se não for avisada”, justifica a farmacêutica.

Diariamente a 4ª CRS atente em média 140 pessoas, é um número expressivo, já que o local sofre com a falta de funcionário e o trabalho é exige cuidado. “Para atender um paciente demoramos em média quinze minutos, tem que conferir os papéis e pegar o medicamento correto. Na correria pode haver até troca de medicamento”, explica Claudete.

Para melhorar esse processo de distribuição são propostas alternativas, explica a delegada que atua a três anos na farmácia do Estado. Antes para a pessoa receber uma negativa deveria voltar outro dia. Hoje o documento é fornecido na hora e atesta que não há disponível ou que não é da responsabilidade do Estado o que foi requerido, esclarece Claudete.

Outro problema que atinge a Coordenadoria é a falta de espaço físico para distribuir a farmácia; os remédios encontram-se em um espaço restrito e inadequado como é o caso de medicamentos que necessitam temperatura especial. Só dois refrigeradores são considerados ideais, as outras são geladeiras comuns que abrigam muitos fármacos e impedem uma refrigeração adequada.

A Farmácia Municipal também segue a lista da RENAME e fornece os medicamentos básicos e controlados básicos, segundo a coordenadora de assistência farmacêutica do município Mirnan Noal. A maioria dos pacientes utiliza medicamentos como diazepan; fluoxetina; carbamazepina; aluperidol; clonazepan; sinvastatina; omeprazol; diclofenaco; paracetamol e amoxicilina.

No local ainda existe programas especiais, como de atenção à hipertensos, diabéticos, aos deficientes mentais e saúde da mulher. Mirnan explica que o município não tem disponível todos os medicamentos da RENAME. São escolhidos quais medicamentos serão adquiridos para Santa Maria conforme a demanda e o perfil da população. São remédios comprados com verba do município através de uma licitação realizada uma vez por ano. Nesse período que ocorre falta de medicamentos.

Os postos de saúde que agora funcionam como unidades básicas, somam 34 locais de atendimento à população e disponibilizam a medicação básica e não controlada. Mesmo com muitas portarias e políticas de melhoria muito precisa ser avançado quando falamos em saúde pública em Santa Maria.

Para a farmacêutica e professora Adriana Carpes é uma incoerência faltar na rede pública medicamentos considerados essenciais. São fármacos destinados ao tratamento de diabetes, hipertensão, artrite… Entre outros que constam na lista do RENAME. Adriana cita como responsável por essa má distribuição a falta de estrutura e organização farmacêutica. O município deixa de receber verbas por não ter uma política de medicação adequada. “Existem muitos programas para aperfeiçoar a distribuição de medicamentos, para garantir verba para a saúde, mas muitos deles esbarram na falta de controle e gerenciamento dos municípios”, relata.

importante adotar uma política de racionalização. O uso consciente do medicamento e a prevenção de doenças é o primeiro passo para a construção de uma saúde pública adequada, diz a professora. O médico precisa participar e ser instrumento dessa melhoria. “Hoje as pessoas vão ao médico e não saem sem serem medicadas, existe uma banalização do medicamento e da saúde”, conclui Adriana.

Desde 1998 a Política Nacional de Medicamentos (PNM) tem o dever de garantir acesso a remédios essenciais para população brasileira. No entanto, a política do SUS de distribuição de fármacos está viciada. Se em 2003, 5,8% da receita do Ministério da Saúde era voltado para aquisição de medicamentos, hoje o índice representa 13,2%. “Nossa cultura, além de avaliar que médico bom é aquele que receita medicamento, tem o hábito de medicar a si próprio e as pessoas de sua convivência”, relata à especialista. O medicamento receitado para um paciente específico é utilizado muitas vezes por toda família, na maioria dos casos sem indicação profissional.

Estudos apontam que o sistema farmacêutico do município é deficiente. O município precisa dar mais atenção desde o planejamento, aquisição, distribuição e prescrição de medicamentos pelo SUS. Nitidamente, os profissionais da saúde pública estão aptos para combater a doença e despreparados para promover a saúde, explica Adriana. Isso gera um novo problema na saúde pública. Hoje a assistência farmacêutica passa por decisões judiciais, é a medicalização da sociedade que cada dia busca mais medicamentos e gera um problema financeiro e de distribuição em todas as esferas dos governos, conclui a professora.

O que é RENAME?

investigativo_remedios_rename.jpg O Ministério da Saúde estabeleceu políticas de medicamentos e assistência farmacêutica. A Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME- baseia-se nas prioridades nacionais de saúde e prevê um uso racional da medicação fornecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A RENAME segue orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e busca uma reestruturação farmacêutica. O medicamento deve atender as necessidades fundamentais em todos os momentos e em doses apropriadas. É um instrumento facilitador que orienta a assistência farmacêutica desde 1964. Na RENAME também estão medicamentos de média e alta complexidade que devem ser disponibilizado pelo SUS.

Segundo o Ministério da Saúde, os gestores estaduais e municipais, devem subsidiar a elaboração de suas relações de medicamentos. Para a população e usuários do SUS a RENAME expressa um compromisso com a disponibilização de medicamentos selecionados de acordo com as necessidades da população, segundo o ministro de Estado da saúde, José Temporão.

Onde ter acesso aos medicamentos do SUS:

  • 4ª Coordenadoria de Saúde
    4ª Coordenadoria de Saúde

    4ª Coordenadoria de Saúde

    Endereço: Rua André Marques, 675
    Centro – Santa Maria/RS
    Fones: (55) 3222.3101/ 3222-2929
    Atendimento das 08:00hrs às 18:00hrs.

  • Farmácia Municipal de Saúde
    Endereço: Rua Tuiuti, nº____
    Centro – Santa Maria/RS
    Fone: (55) 3921.7155
    Atendimento das 08:00hrs às 16:00hrs.
  • Farmácia do Pronto-Atendimento do Patronato
    Endereço: Rua Maurício Sirotsky Sobrinho, nº 70
    Patronato – Santa Maria/RS
    Fone: (55) 3226.5878

Unidades Básicas de Saúde do Município

  • Dom Antônio Reis: 55 3223-5588
    Rua Izidoro Grassi C/ A Rua Duque de Caxias, Bairro Medianeira
  • Floriano Rocha: 55 3212-1222
    Rua Benjamin Ávila, 12, Cohab Santa Marta.
  • Itararé: 55 3223-9920
    Rua Assis Brasil, 400, Bairro Itararé.
  • João Luiz Pozzobon:55 9156-8285
    Av. Osvaldo Cruz, 609, Bairro Km 3.
  • José Erasmo Crossetti: 55 3921-1097
    Rua Floriano Peixoto, 1752.
  • Joy Bets: 55 3222-1231
    Rua Castro Alves, 140.
  • Kennedy: 55 3921-1241
    Rua Vereador Dário Leal Da Cunha, S/N, B. Salgado Filho.
  • Oneyde de Carvalho: 55 3921-1242
    Rua Otacílio Pitan, S/N, Vila Lorenzi.
  • Policlínica do Rosário: 55 3921-1094 / 55 3217-3880 / 55 3217-9622
    Rua Serafim Valandro, 400.
  • Laboratório de Análises Clínicas: 55 3223-5901
    Rua Serafim Valandro, 400.
  • Programa de Redução De Danos: 55 3223-7038
    Rua 13 De Maio, 35.
  • Ruben Noal: 55 3214-2077
    Av. Paulo Lauda, 80 – Cohab Tancredo Neves.
  • Waldir Mozzaquatro: 55 3223-6608
    Rua Félix Manarim, S/N. – Vila Shirmer.
  • Walter Aita: 55 3226-8017
    Rua Luiz Petry, S/N. Cohab Fernando Ferrari – Camobi.
  • Wilson Paulo Noal: 55 3286-2457
    Rua Monte Carlo, S/N. Camobi
Lembre-se:

  • Para ter acesso aos medicamentos, é necessário ter um cadastro junto à Farmácia Municipal ou à 4ª CRS;
    Cartão do SUS

    Cartão do SUS

  • Para se cadastrar, é preciso apresentar o cartão do SUS, comprovante de residência, CPF e RG;
  • Os medicamentos são entregues somente mediante apresentação de uma prescrição médica;
  • Ao consultar com o seu médico, peça a ele que esclareça a qual unidade de saúde você precisa se encaminhar para obter o seu medicamento, pois cada uma dessas unidades fornece uma classe de medicamentos;
  • Caso o remédio que você necessite não tenha na unidade de saúde, procure os seus direitos junto à justiça;
  • Se você encerrou o seu tratamento, e/ou não necessita mais dos medicamentos que adquiriu, devolva os mesmos na unidade que você os retirou, assim outras pessoas também terão acesso a estes medicamentos.

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InvestigativoEstar doente não é o único problema que milhares de pessoas enfrentam. Além da enfermidade elas lutam pelo acesso à medicação, que na lei consta como obrigação dos poderes públicos.

O número crescente de processos revela uma assistência farmacêutica pública deficiente que gera problemas ao governo e ao usuário. A utilização responsável dos medicamentos por parte do paciente, o interesse médico e políticas públicas de prevenção poderiam amenizar a má distribuição dos remédios em Santa Maria.

Uma vez por semana, dezenas de pessoas formam uma extensa fila para buscar seus direitos. Em um dia mais de 50 processos são iniciados na Defensoria Pública do Estado. São cidadãos que procuram na DPE o acesso a medicamentos essenciais à saúde que não estão disponíveis na 4ª Coordenadoria Regional da Saúde (CRS).

A burocracia

 
Em comum elas têm a preocupação estampada no rosto, o cansaço na busca por direitos, e muitos papéis nas mãos. André Luiz, 37, anos, chegou cedo para ser atendido. O autônomo procura auxilio para a mãe, de 73 anos, que necessita de tratamento contínuo para o coração. Ele explica que na primeira vez que a justiça determinou o fornecimento do DIOVAN, não houve problemas. Agora foi renovado o pedido e o remédio veio errado, para efetuar a troca a 4ª CRS leva de vinte a trinta dias, prazo que não foi cumprido.

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“Não é a primeira vez que busco ajuda na justiça. Na Coordenadoria Regional de Saúde, prometem o medicamento, mas nunca chega”. Luiz ainda reclama da falta de atenção com o idoso na própria coordenadoria que deixa de fornecer documentos por descaso. “Eu tive que ir à CRS buscar a negativa do remédio, eles não entregaram para minha mãe”, conclui.

Em dezembro de 2009 Jacira Marques, 46 anos, entrou na justiça como procuradora da mãe, aposentada de 77 anos. A idosa necessita do EXELON, remédio que atua no combate ao Alzheimer. Mesmo efetuada a sentença o medicamento não chegou na 4ª Coordenadoria, em fevereiro de 2010 ativa-se novamente o processo. “Quando voltei a procurar a justiça e dei novo início ao processo, a CRS informou que já estava lá o remédio”, relata. Agora a dosagem da substância aumentou e novamente se dirige a defensoria, “É a terceira vez em um ano”. Outro problema que aponta a dona de casa é a falta de organização, segunda é o dia da Coordenadoria distribuir os remédios se não tem disponível só na terça- feira eles liberam a negativa. “só que segunda é o único dia que a defensoria atende esse tipo de processo ai temos que esperar uma semana, fazem de tudo pra gente desistir”, diz a dona de casa.

A queixa da Sra. Emilia Beviláqua, 67 anos é a mesma de muitas pessoas. O complicado para a idosa é ter que andar de um lado para o outro ouvindo respostas vagas e providenciando papéis. “Tem remédio que eu até compro, não consigo caminhar muito”, explica Emilia que muitas vezes chega às 5 da manhã para enfrentar a fila na 4ª coordenadoria de saúde. A aposentada é autora de uma ação que lhe garante remédios para os pulmões e coração.

Uma caixa com 60 comprimidos de CYMBALTA custa em média R $ 240,00. Esse valor é inviável para a dona de casa Cleci Ruviaro, 63 anos, que precisa tomar duas doses por dia para combater o diabetes. O salário de R$ 510,00 é muito pouco para manter essa medicação, explica Cleci que procura pela primeira vez a Defensoria pública, encaminhada pela própria coordenadoria.

A costureira Ledi Carnelosso, 58 anos, está há seis meses sem fazer o tratamento indicado pelo médico. Ledi utiliza o CONDROFLEX para dores nas articulações, no ano passado ela conseguiu seis caixas. Esse ano a costureira teve que recorrer a justiça para adquirir o medicamento que no mercado custa até R$178,00.

A Secretária Municipal de Saúde fornece muitos medicamentos essenciais e de uso contínuo, porém outros são distribuídos pela 4ª Coordenadoria Regional de Saúde, é o caso do PANTOPRAZOL. O município distribui similar como o OMEPRAZOL, porém esse medicamento não beneficia a mãe de Rosa de Fátima, 58 anos. A filha conta que o PANTOPRAZOL é um remédio para o estomago que não contém açúcar, ideal para diabéticos no caso da sua mãe de 84 anos. “Também tenho muita dificuldade de conseguir o CITALOPRAN para a depressão, minha mãe precisa muito deste também”, diz Rosa.

O Judiciário

Juíza da 1ª Vara da Fazenda Pública Denise Terezinha Sassi explica essa relação entre o autor do processo, a justiça e poder público no dever de fornecer medicamentos. Os processos têm origem quando as pessoas procuram a farmácia do município e a 4ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) e não consegue obter o medicamento necessário para a enfermidade.

Geralmente o medicamento que a pessoa necessita integra a lista de fármacos essenciais e que devem ser fornecidos pelo estado ou pelo município ou pela união. Mesmo na ação contra um desses órgãos administrativos, os três são solidariamente responsável por fornecer o medicamento e arcar com a responsabilidade, caso contrário é seqüestrado de um dos poderes o valor e repassado para a pessoa comprar o medicamento, se não realizado o fornecimento no prazo estipulado pela justiça.

Um processo referente a medicamento não tem prazo definido, sendo a maioria de uso continuo o paciente tem seu processo tramitando ate a morte, uma vez dada à sentença é fornecido o medicamento e o processo é arquivado. Novamente a pessoa procura o fármaco e não encontrando então é ativado o processo. É uma cadeia que não termina nunca, esclarece a juíza.

O governo alega que na falta de medicamento não pode beneficiar um indivíduo em detrimento dos demais, mas um sempre vai ter que assumir a responsabilidade de fornecer. “O Estado, o Município e a União justificam que o problema está na falta de orçamento, o que não os exime da obrigação”, lembra a magistrada. O Estado diz que tal medicamento não está sobre sua responsabilidade e sim na lista do município, porém e de obrigação fornecer o remédio é de qualquer uma das esferas públicas.

Processos relacionados a medicamentos

Processos empilhados
relacionados a medicamentos

Hoje dos 11.600 processos que tramitam de responsabilidade da Dra. Denise 50% são de medicamentos. Esse número não inclui os processos arquivados no sistema do tribunal e que a qualquer momento se tornam ativos novamente. Não há um número preciso. É dever do Estado fornecer condições para a saúde pública, podem recorrer a justiça e fazer uso dos medicamentos do SUS qualquer pessoa que não tenha condições de adquirir o medicamento sem prejudicar seu sustento.

Se a obrigação desde o principio é da União o processo tramita na Justiça Federal. A juíza da Fazenda Pública do Estado lembra que hoje são comuns processos que solicitam muito mais do governo, como caso de oxigênio, alimentação especial, fraldas descartáveis. “Eu costumo dar como deferido, é um caso de direito a saúde, é dever do poderes públicos”, diz a juíza.

Esse é o caso da avó da pedagoga Carla Passos, 31 anos. Ela conta que em 2008 sua avó, hoje com 82 anos, entrou na Justiça para garantir o direito ao oxigênio, o processo levou um ano para sair a sentença. Agora Carla procura a defensoria para exigir que a 4ª Coordenadoria Estadual de Saúde forneça o SPIRIVA, remédio destinado para o tratamento de doenças pulmonares. Há três anos a idosa utiliza o medicamento que custa em média R $335,00, “Na Coordenadoria Estadual da Saúde eles nem sabem por que atrasou e põem a culpa nos fabricantes”, comenta Carla.

A responsabilidade do Estado

A 4ª coordenadoria Regional de Saúde (CRS) é responsável por repassar os medicamentos aos trinta e um municípios assistidos. Santa Maria é o único município a não se responsabilizar pela distribuição de remédios enviados pelo Estado. Ou seja, as pessoas adquirem o medicamento na própria Coordenadoria.

Os pacientes que necessitam que o Estado forneça medicamentos estão cadastrados em um sistema com suas informações médicas. Apesar de tentar melhorar o atendimento na Coordenadoria Claudete Lopes, delegada adjunta e farmacêutica, explica que a falta de medicamentos ocorre devido o aumento constante do número de pessoas que solicitam o benefício.

O Estado monitora os estoques com dois meses de atraso, mesmo que um remédio seja solicitado ele só chega ao município depois de 60 dias. “Nesse tempo o número de pedidos já aumentou, embora tenha muitos remédios sempre há medicamento faltando”, diz Claudete. Uma vez por mês a Coordenadoria recebe medicação administrativa, pessoas cadastradas que recebem o medicamento normalmente. Porém existe os medicamentos judicial, são remédios que não possuem data certa para chegar e são destinados a um paciente em específico que garantiu esse direito na justiça.

Para esse remédio estar disponível para outra pessoa tem que haver uma desistência formal, só assim é liberado o medicamento. Quanto um paciente ganha uma ação judicial ele recebe na 4ª Coordenadoria o tratamento para os próximos seis meses. Isso provoca uma má distribuição do medicamento. A pessoa, muitas vezes, suspende o tratamento ou falece e continua com aquela medicação estocada em casa. “São poucas pessoas que tem a responsabilidade de chegar à Coordenadoria e devolver o medicamento que não é utilizado”, alerta a delegada.

Disponibilizar o remédio que não é mais aproveitado é ser solidário com outras pessoas que necessitam de tratamento. “As pessoas deixam de usar, mudam de cidade ou não se apresentam para receber o medicamento, não conseguimos contato por endereço ou telefone. Isso é remédio parado e a Coordenadoria não tem controle se não for avisada”, justifica a farmacêutica.

Diariamente a 4ª CRS atente em média 140 pessoas, é um número expressivo, já que o local sofre com a falta de funcionário e o trabalho é exige cuidado. “Para atender um paciente demoramos em média quinze minutos, tem que conferir os papéis e pegar o medicamento correto. Na correria pode haver até troca de medicamento”, explica Claudete.

Para melhorar esse processo de distribuição são propostas alternativas, explica a delegada que atua a três anos na farmácia do Estado. Antes para a pessoa receber uma negativa deveria voltar outro dia. Hoje o documento é fornecido na hora e atesta que não há disponível ou que não é da responsabilidade do Estado o que foi requerido, esclarece Claudete.

Outro problema que atinge a Coordenadoria é a falta de espaço físico para distribuir a farmácia; os remédios encontram-se em um espaço restrito e inadequado como é o caso de medicamentos que necessitam temperatura especial. Só dois refrigeradores são considerados ideais, as outras são geladeiras comuns que abrigam muitos fármacos e impedem uma refrigeração adequada.

A Farmácia Municipal também segue a lista da RENAME e fornece os medicamentos básicos e controlados básicos, segundo a coordenadora de assistência farmacêutica do município Mirnan Noal. A maioria dos pacientes utiliza medicamentos como diazepan; fluoxetina; carbamazepina; aluperidol; clonazepan; sinvastatina; omeprazol; diclofenaco; paracetamol e amoxicilina.

No local ainda existe programas especiais, como de atenção à hipertensos, diabéticos, aos deficientes mentais e saúde da mulher. Mirnan explica que o município não tem disponível todos os medicamentos da RENAME. São escolhidos quais medicamentos serão adquiridos para Santa Maria conforme a demanda e o perfil da população. São remédios comprados com verba do município através de uma licitação realizada uma vez por ano. Nesse período que ocorre falta de medicamentos.

Os postos de saúde que agora funcionam como unidades básicas, somam 34 locais de atendimento à população e disponibilizam a medicação básica e não controlada. Mesmo com muitas portarias e políticas de melhoria muito precisa ser avançado quando falamos em saúde pública em Santa Maria.

Para a farmacêutica e professora Adriana Carpes é uma incoerência faltar na rede pública medicamentos considerados essenciais. São fármacos destinados ao tratamento de diabetes, hipertensão, artrite… Entre outros que constam na lista do RENAME. Adriana cita como responsável por essa má distribuição a falta de estrutura e organização farmacêutica. O município deixa de receber verbas por não ter uma política de medicação adequada. “Existem muitos programas para aperfeiçoar a distribuição de medicamentos, para garantir verba para a saúde, mas muitos deles esbarram na falta de controle e gerenciamento dos municípios”, relata.

importante adotar uma política de racionalização. O uso consciente do medicamento e a prevenção de doenças é o primeiro passo para a construção de uma saúde pública adequada, diz a professora. O médico precisa participar e ser instrumento dessa melhoria. “Hoje as pessoas vão ao médico e não saem sem serem medicadas, existe uma banalização do medicamento e da saúde”, conclui Adriana.

Desde 1998 a Política Nacional de Medicamentos (PNM) tem o dever de garantir acesso a remédios essenciais para população brasileira. No entanto, a política do SUS de distribuição de fármacos está viciada. Se em 2003, 5,8% da receita do Ministério da Saúde era voltado para aquisição de medicamentos, hoje o índice representa 13,2%. “Nossa cultura, além de avaliar que médico bom é aquele que receita medicamento, tem o hábito de medicar a si próprio e as pessoas de sua convivência”, relata à especialista. O medicamento receitado para um paciente específico é utilizado muitas vezes por toda família, na maioria dos casos sem indicação profissional.

Estudos apontam que o sistema farmacêutico do município é deficiente. O município precisa dar mais atenção desde o planejamento, aquisição, distribuição e prescrição de medicamentos pelo SUS. Nitidamente, os profissionais da saúde pública estão aptos para combater a doença e despreparados para promover a saúde, explica Adriana. Isso gera um novo problema na saúde pública. Hoje a assistência farmacêutica passa por decisões judiciais, é a medicalização da sociedade que cada dia busca mais medicamentos e gera um problema financeiro e de distribuição em todas as esferas dos governos, conclui a professora.

O que é RENAME?

investigativo_remedios_rename.jpg O Ministério da Saúde estabeleceu políticas de medicamentos e assistência farmacêutica. A Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME- baseia-se nas prioridades nacionais de saúde e prevê um uso racional da medicação fornecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A RENAME segue orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e busca uma reestruturação farmacêutica. O medicamento deve atender as necessidades fundamentais em todos os momentos e em doses apropriadas. É um instrumento facilitador que orienta a assistência farmacêutica desde 1964. Na RENAME também estão medicamentos de média e alta complexidade que devem ser disponibilizado pelo SUS.

Segundo o Ministério da Saúde, os gestores estaduais e municipais, devem subsidiar a elaboração de suas relações de medicamentos. Para a população e usuários do SUS a RENAME expressa um compromisso com a disponibilização de medicamentos selecionados de acordo com as necessidades da população, segundo o ministro de Estado da saúde, José Temporão.

Onde ter acesso aos medicamentos do SUS:

  • 4ª Coordenadoria de Saúde
    4ª Coordenadoria de Saúde

    4ª Coordenadoria de Saúde

    Endereço: Rua André Marques, 675
    Centro – Santa Maria/RS
    Fones: (55) 3222.3101/ 3222-2929
    Atendimento das 08:00hrs às 18:00hrs.

  • Farmácia Municipal de Saúde
    Endereço: Rua Tuiuti, nº____
    Centro – Santa Maria/RS
    Fone: (55) 3921.7155
    Atendimento das 08:00hrs às 16:00hrs.
  • Farmácia do Pronto-Atendimento do Patronato
    Endereço: Rua Maurício Sirotsky Sobrinho, nº 70
    Patronato – Santa Maria/RS
    Fone: (55) 3226.5878

Unidades Básicas de Saúde do Município

  • Dom Antônio Reis: 55 3223-5588
    Rua Izidoro Grassi C/ A Rua Duque de Caxias, Bairro Medianeira
  • Floriano Rocha: 55 3212-1222
    Rua Benjamin Ávila, 12, Cohab Santa Marta.
  • Itararé: 55 3223-9920
    Rua Assis Brasil, 400, Bairro Itararé.
  • João Luiz Pozzobon:55 9156-8285
    Av. Osvaldo Cruz, 609, Bairro Km 3.
  • José Erasmo Crossetti: 55 3921-1097
    Rua Floriano Peixoto, 1752.
  • Joy Bets: 55 3222-1231
    Rua Castro Alves, 140.
  • Kennedy: 55 3921-1241
    Rua Vereador Dário Leal Da Cunha, S/N, B. Salgado Filho.
  • Oneyde de Carvalho: 55 3921-1242
    Rua Otacílio Pitan, S/N, Vila Lorenzi.
  • Policlínica do Rosário: 55 3921-1094 / 55 3217-3880 / 55 3217-9622
    Rua Serafim Valandro, 400.
  • Laboratório de Análises Clínicas: 55 3223-5901
    Rua Serafim Valandro, 400.
  • Programa de Redução De Danos: 55 3223-7038
    Rua 13 De Maio, 35.
  • Ruben Noal: 55 3214-2077
    Av. Paulo Lauda, 80 – Cohab Tancredo Neves.
  • Waldir Mozzaquatro: 55 3223-6608
    Rua Félix Manarim, S/N. – Vila Shirmer.
  • Walter Aita: 55 3226-8017
    Rua Luiz Petry, S/N. Cohab Fernando Ferrari – Camobi.
  • Wilson Paulo Noal: 55 3286-2457
    Rua Monte Carlo, S/N. Camobi
Lembre-se:

  • Para ter acesso aos medicamentos, é necessário ter um cadastro junto à Farmácia Municipal ou à 4ª CRS;
    Cartão do SUS

    Cartão do SUS

  • Para se cadastrar, é preciso apresentar o cartão do SUS, comprovante de residência, CPF e RG;
  • Os medicamentos são entregues somente mediante apresentação de uma prescrição médica;
  • Ao consultar com o seu médico, peça a ele que esclareça a qual unidade de saúde você precisa se encaminhar para obter o seu medicamento, pois cada uma dessas unidades fornece uma classe de medicamentos;
  • Caso o remédio que você necessite não tenha na unidade de saúde, procure os seus direitos junto à justiça;
  • Se você encerrou o seu tratamento, e/ou não necessita mais dos medicamentos que adquiriu, devolva os mesmos na unidade que você os retirou, assim outras pessoas também terão acesso a estes medicamentos.