A questão não é nova e durante dois meses, a equipe de reportagem da Agência Central Sul (ACS) investigou a prática de pirataria no comércio informal de Santa Maria, e tentou ouvir as autoridades responsáveis pela fiscalização, além dos comerciantes.
A rede local integra a realidade nacional de um modo idêntico. No Brasil, anualmente, 59 % dos DVD’s de filmes, shows e jogos vendidos são piratas. Quanto aos CD’s musicais não é diferente – 48 % são reproduções não autorizadas. O prejuízo chega a R$ 827 milhões em impostos não pagos. Os dados são do relatório da Associação Antipirataria Cinema e Música (APCM), publicados em 2010. Já em Santa Maria, segundo dados da Polícia Federal, a última operação de combate à pirataria foi planejada e realizada em 2009, quando foram apreendidas 15.604 mídias produzidas na cidade. Nos anos posteriores, não passaram de duas mil apreensões ao ano.
Em Santa Maria, produtos piratas são encontrados no Shopping Popular Independência. Dos 208 estandes destinados aos trabalhadores do comércio informal, cerca de 50 oferecem este tipo de produto. Em alguns, a pirataria é a única mercadoria disponível.
A equipe de reportagem foi até o Shopping Popular Independência e constatou que existe a reprodução de filmes na cidade. Durante conversas com alguns dos comerciantes, um deles afirmou que o lugar onde ele faz as cópias é em um endereço diferente de sua residência. Segundo o vendedor, trata-se de uma medida de segurança para evitar complicações legais.
Numa segunda visita ao local, a equipe foi em busca do filme recém lançado Meia Noite em Paris, do cineasta Woody Allen. Não encontramos o filme, porém em dois estandes, os vendedores anotaram o nome e se disponibilizaram a “baixar” pela internet. Um deles afirmou que em 20 dias estaria pronto.
Pelo Código Penal, a comercialização de produtos piratas é crime. Segundo os dois primeiros parágrafos do artigo 184 quem reproduzir, expor à venda ou distribuir obras sem autorização de seus autores pode ser processado, pagar multa e ser punido com até quatro anos de reclusão. No entanto, os vendedores admitem que os filmes e jogos piratas são o carro-chefe de suas vendas, mesmo sendo proibidos.
Quem fiscaliza?
A reportagem sofreu resistência durante a apuração a cerca dos processos de fiscalização existentes na cidade. A Receita Federal foi contatada no dia 08 de junho. Somente após muitas tentativas, a entrevista foi concedida no dia 28 de junho. Na Polícia Federal, os questionamentos referentes às estatísticas de apreensões foram informados três dias após a solicitação. Em meio à apuração, uma grande reportagem de três páginas foi publicada num jornal local de grande circulação. Nela constavam as declarações das autoridades envolvidas, que até o momento não haviam dado respostas esclarecedoras à equipe de reportagem da ACS. A estranheza ficou por conta da oficialidade das respostas à grande imprensa, antecipando os fatos. Um sinal que a situação é incômoda.
O secretário de Ação Comunitária Claudio Rosa se pronunciou oficialmente na RBSTV, afirmando que o regulamento seria votado em curto prazo. No entanto, em entrevista à equipe da ACS, no dia 06 de junho, ele não esclareceu a contradição relativa ao Decreto Executivo nº 65, que regulamentou a transferência dos comerciantes populares em 2010, e que não traz nenhuma restrição à venda de artigos piratas. Rosa afirmou que existe a restrição no documento, mas com “outras palavras”. Segundo o secretário, o regulamento oficial não foi votado. Ele afirma após as regras serem consolidadas, haverá um período de transição para que os informais se enquadrem à legislação. “Essa mudança vai ter acontecer. Até dia 15 de junho vão a Porto Alegre cerca de 30 comerciantes populares para conhecer o Shopping de Porto Alegre e ver a mudança de postura deles. Lá eles mudaram totalmente.”, exemplifica.
Os dados informados pelo secretário sobre a transição no Centro de Compras Populares (CPC) de Porto Alegre foram apurados. Verificou-se que o período de adaptação não existiu. Desde a inauguração do CPC em 08 de fevereiro de 2009 a venda de falsificações é proibida. A restrição consta no artigo 17 do Decreto Municipal nº 15.472 de 22 de janeiro de 2007.
Em atividade há mais de um ano, os comerciantes do shopping estão devidamente instalados e nenhuma fiscalização ocorreu.
Segundo dados da Polícia Federal, a última operação planejada foi em 2009, com a apreensão de 15.604 mídias produzidas na cidade. Nos anos posteriores não passaram de duas mil apreensões ao ano. Conforme o Delegado Julber Vaz do Santos, independente da quantidade de CD`s ou DVD`s apreendidos, a pessoa autuada em flagrante será processada. Porém, o caminho para instaurar esse processo é longo. “O procedimento é apreender os CD`s, porque são piratas, mas a pessoa não será presa por causa disso”. Apesar de ser crime e violar os direitos autorais, as mídias devem passar por uma perícia que determina o valor de tributos que o país deixo u de receber. Após, é concedido o direito a ampla defesa para o processado. “Se a mesma pessoa for pega várias vezes, aí sim, serão vários processos e conforme o número de cópias ela será presa” esclarece o delegado.
As ações da Receita Federal
Dentre as atribuições da Receita Federal está a de atuar no combate à pirataria. Em Santa Maria, o Delegado Alexandre Rampelotto é quem responde pelo setor. Ele conta que no ano de 2010 foram apreendidos três milhões de reais em produtos piratas. Neste ano houve um aumento, já que foram receptados produtos que correspondem a um valor superior somente no primeiro semestre de 2011.
Entre as apreensões de produtos fabricados irregularmente estão óculos, roupas, calçados e medicamentos. Mas as principais irregularidades são as de DVDs e CDs piratas. Os produtos costumam vir do Paraguai e de Rivera, no Uruguai, onde a entrada é facilitada porque as fronteiras são secas. As cidades são co-irmãs.
Para impedir a chegada de mercadorias ilegais, a Receita Federal criou em 13 de setembro de 2010, o Núcleo Operacional de Repressão ao Contrabando e Descaminho, que conta com uma equipe exclusiva para este serviço. Conforme Alexandre as duas irregularidades se diferenciam. O contrabando diz respeito a mercadorias que são trazidas do exterior e que possuem a importação proibida. Já o descaminho é quando um produto pode ser importado, mas acaba sendo trazido sem a adoção dos procedimentos necessários como o pagamento do imposto e a declaração de importação.
O Núcleo Operacional também atua na fronteira norte do Estado até a metade Sul. “Conduzimos as operações através de ações de inteligência, procurando atuar para impedir a chegada dos produtos piratas ao mercado nacional, no caso, em Santa Maria. Temos notado que essa forma de atuação está sendo mais efetiva do que se fossemos pontualmente em um determinado estabelecimento” explica Alexandre.
As interceptações acontecem normalmente em veículos de passeio, ônibus e em carregamentos. Além das investigações, outra forma para se chegar até os infratores é através de denúncias. Nestes casos, além da equipe de inteligência, a Receita Federal conta com o apoio da Polícia Rodoviária Federal. “Seguidamente acontece de a Polícia Rodoviária abordar um veículo em um posto e ele estar com mercadorias produzidas ilegalmente. Então deslocamos uma equipe para fazer a apreensão da mercadoria nestes locais” explica o delegado. Também auxiliam nestas ocorrências a Polícia Federal, Brigada Militar e Polícia Civil.
Quanto aos DVDs e CDs produzidos de forma ilegal na própria cidade, Alexandre não soube informar no momento da entrevista se houveram registros. Segundo ele, o mais importante não é saber onde os produtos são fabricados, mas sim fazer a apreensão dos mesmos. Entretanto, o delegado afirma que durante as interceptações são recolhidos muitos CDs e DVDs virgens e que como os mesmos chegam de forma ilegal, pode indicar que estejam sendo destinados à fabricação de produtos irregulares.
Denuncie
Você pode ajudar a combater a pirataria no site APCM (http://www.apcm.org.br/denuncie.php)
Por: Alice Bollick, Andressa Scherer, Dinis Cortes e Leandro Passos Rodrigues
Fotos: Hálisson Barcelos, Arquivo ACS