Por Alessandra Cichoski*
Houve um burburinho na reunião de pauta: o pessoal estava discutindo sobre quem cobriria a Inocência Mata. Todos se entreolharam receosos, estranharam a ideia e riram. Quem encontraria a Inocência? A única coisa certa, é que ela estaria por aquelas redondezas, naquela noite. A questão era conseguir encontrá-la em um momento onde, normalmente, ela é perdida.
O repórter que permitiu aventurar-se com a pauta, logo começou suas pesquisas: A Inocência já esteve em vários lugares do mundo, sempre esbanjando pureza, simplicidade e ingenuidade. Assim, ele criou uma imagem em sua cabeça, “Ela deve ser loira, alta, magra, linda e bem sucedida”.
Obcecado com a imagem que construiu, conclui suas pesquisas e resolveu, finalmente, ir atrás dela. Assim, ele passou pelo Núcleo de Fotografia, pela Agência de Notícias, pela Rádio, por todos os corredores, por tudo. Sempre com a mesma pergunta, “Vocês viram a Inocência?”, e sempre risadas e deboches como resposta.
Cansado de tanto escárnio, resolveu descansar. Sentou-se na mesa da diretora da TV e logo viu um bilhete que dizia “No Salão do Júri, às 19h, Inocência Mata”. Apavorado, logo pensou “A Inocência será julgada! Preciso encontrá-la antes que determinem sua sentença!”. Saiu em disparada, rumo ao Salão do Júri.
Foi o primeiro a chegar. Observou que, aos poucos, as pessoas foram se acomodando, conversando e sorrindo. O fundo do Salão do Júri se encheu rapidamente, sobrando apenas alguns lugares na frente. Contudo, o que mais impressionou o repórter, foi a concentração do pessoal do Núcleo de Fotografia, que já estava a postos, à espera da Inocência, prontos para pegar o melhor ângulo.
Quando a Inocência chegou, “de cara” quebrou com o padrão de estereótipo que o repórter havia imaginado. Foi uma surpresa. Ela era baixa, gordinha, negra, cabelo chanel, seu batom combinava com a armação de seus óculos e o esmalte da unha, em tom rosa envelhecido. Sempre sorridente, aparentava estar à vontade. Enfim, o repórter estava frente a frente com a Inocência. A luz da câmera já estava acesa e em instantes eles entrariam no ar…
Ela começou a falar, e falava de tal forma a misturar continentes e línguas. Às vezes, dava para acompanhar, outras, o repórter sentia como se algo tivesse sido implantado em sua mente. Algo que o impedia de raciocinar, ou até mesmo de compreender a pureza daquelas palavras.
Aquela junção de dialetos declarados com a maior simplicidade e pureza fez com que o repórter se sentisse despreparado e, de súbito, tomado por uma espécie de distúrbio: “Inocência Mata. Mata? Inocência Mata? Mata!”. Largou o microfone, atordoado, saiu do Salão em transe, sem se dar conta de que, àquela altura, já havia perdido a Inocência.
*Acadêmica do curso de jornalismo/Unifra. Texto produzido na disciplina de Produção Criativa de Texto, ministrada pela professora Silvia Niederauer. A crônica foi inspirada na palestra da Professora Inocência Mata, titular do Departamento de Língua e Cultura Portuguesa, da faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.