As tardes inteiras no ginásio da escola e, por vezes, o almoço deixado de lado para aproveitar o maior tempo possível, foram motivo de brigas constantes em casa. Basquete, futsal, tênis, atletismo. Fora do ambiente escolar, ainda reservava um tempinho para a natação.
O esporte, desde sempre, foi sua maior paixão. Na hora de fazer vestibular, adivinhe? Educação Física! No entanto, mal ela sabia que no alto de seus 19 anos começaria a praticar aquele que seria o esporte da sua vida, o kung fu. Esporte, porque ela mesma prefere referi-lo assim, apesar de também ser denominado como uma arte marcial, luta ou filosofia oriental. Caroline Silveira Moraes, nascida em Santa Maria (RS), já foi aluna, atleta e, hoje, aos 32 anos, trabalha como professora de Artes Marciais.
Graduada nas confederações de Muay Thai, Boxe e Kung Fu, Caroline é procurada todos os dias por jovens, mulheres, filhos e pais, que buscam encontrar diferentes propósitos na prática da luta. Há quem se preocupa com condicionamento físico e qualidade de vida, quem pretende participar de competições ou mesmo os que encontram na academia um local de interação social, de relaxamento para corpo e a mente.
“Não há mais, hoje em dia, um padrão entre os praticantes. Uns procuram pela filosofia da arte marcial, pela promessa de emagrecimento ou por serem “viciadinhos” em Ultimate Fighting Championship (UFC)”, relata, com bom humor, a professora.
Caroline explica que a intensa midiatização de eventos esportivos, como o UFC, deve ser encarada sob duas óticas. Esta popularização muito contribui para a difusão do MMA como prática esportiva, rompendo pensamentos preconceituosos que associam luta à violência, além de renderem lucros a academias e professores. Muito importante também é o que a prática pode oportunizar a crianças e jovens inseridos em meios de alta vulnerabilidade social.
Através do esporte e de projetos sérios, é possível facilitar o acesso à educação e a ajudar na formação de cidadãos idôneos e responsáveis. Por outro lado, o “modismo” leva muitas pessoas sem suporte técnico e psicológico a darem aulas ou praticarem modalidades de forma equivocada. Ela conta que há alunos que chegam com comportamento agressivo, que querem aprimorar técnicas para reforçar a virilidade e instigar medo nos colegas. E é aí que entra um dos trabalhos mais delicados para o professor.
O primeiro contato com lutas, Caroline teve aos 19 anos. Motivada pelo pai, um fã de Bruce Lee, procurou uma academia e começou a frequentar as aulas. Em pouco tempo, já havia se destacado e, dividindo as aulas da faculdade e os treinos de Kung Fu, decidiu focar em competições. Com cerca de um ano de treino, participou do primeiro campeonato de Kung Fu. Curiosamente, o evento foi no dia do seu aniversário e o presente foi sair com o título de Campeã Gaúcha na categoria 60 Kg.
Em seguida, foi a conquista de campeã brasileira na modalidade e uma das lembranças mais marcantes de sua vida: “Meu pai foi sempre aquele que me apoiou. Meio contra a vontade da mãe e da vó, que diziam que não queriam me ver apanhando ou batendo em alguém, não desisti. Participei deste brasileiro um mês antes de meu pai falecer. Ao sair do ringue, corri até o orelhão mais próximo e contei a novidade. Meu pai disse: ‘Tu é uma guerreira, vencendo ou perdendo, eu tinha certeza que daria o teu melhor´. Ao chegar em casa, ele, que estava doente e há meses na cama, pediu que o vestisse para tirar uma foto com o meu cinturão. Foi uma emoção única!”
Daí em diante, uma série se títulos a levaram a São Paulo para integrar a Seleção Brasileira de Kung Fu. Já tricampeã brasileira e, conquistando nos Estados Unidos, o título de campeã pan-americana, uma lesão no quadril interrompeu o sonho de disputar um campeonato mundial.
Todos os esforços até ali pereceram ser em vão. As dietas, os treinos, a concentração, a busca de patrocínios, o preconceito de ser mulher e praticar um esporte estigmatizado como masculino. Superada a fase de aceitação, retornou a Santa Maria. Dentro do que era possível, se tratou, decidiu investir em cursos de outras modalidades de luta e especializações, como a de medicina esportiva.
A ex-atleta, professora e técnica, dá aulas em academias, clubes e clínicas. Prepara aulas especializadas, direcionadas para mulheres, crianças e para idosos, onde ensina a prática do Tai Chi Chuan, um estilo do Kung Fu, e treina uma equipe focada em competições, da qual já renderam alguns títulos para a cidade. Segundo ela, há uma grande diferença entre ser atleta e ser professora.
“É muito diferente. Já fui atleta, entendo as dificuldades e o que significa, é uma questão bem pessoal cada um. Agora, ser professora, exige mais. As pessoas precisam acreditar em ti, confiar em ti, psicologicamente e tecnicamente. É preciso buscar por fora outros fundamentos e se atualizar sempre. Tu, enquanto professora, serves de guia, de exemplo e muitas vezes de amparo”, explica.
Caroline ainda acrescenta que fundamentos como o respeito pelos adversários, o equilíbrio emocional e, acima de tudo, a compreensão do espírito esportivo devem ser trabalhados em qualquer esporte. “Quem pratica esporte está do mesmo lado, passa pelas mesmas dores e alegrias, mas sempre um está mais preparado e sai vitorioso. O esporte é também confraternização”, conclui.
E vivendo do esporte e pelo esporte, Caroline não quer parar tão cedo. Pretende, pois, continuar incentivando a prática, estudando e desenvolvendo projetos sociais. Recentemente, trabalhou em uma escola do estado com um grupo de crianças com altas habilidades. O esporte proporcionou a ela muito mais que viagens dentro e fora do país e uma coleção de medalhas. “O fato é que o esporte forma caráter, sim. Não existe, por exemplo, tu seres humilde enquanto atleta e arrogante no resto. É um sentimento único, construído através do espírito esportivo que nos torna mais solidários e humanos”, relata, emocionada, Caroline Silveira Moraes.
Saiba mais, sobre o currículo e as atividades da professora Caroline, no blog Triadsparta
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Textos e fotos: Carolina Oliveira, Daiane Spiazzi, Franciele Marques, Ricardo Hoffmann e Pâmela Matge
Edição: Gilson Piber
Edição de web: Daniela Hinerasky