Hoje a preocupação maior em relação ao vício do cigarro entre os jovens é o fato de que, mesmo com esclarecimentos e campanhas de riscos que o tabaco traz, cada vez mais adolescentes estão começando a fumar, enquanto os adultos largam o vício. A Organização Mundial da Saúde considera o tabagismo uma doença pediátrica, uma vez que jovens antes dos 19 anos se tornam dependentes do tabaco.
Conhecedores das estatísticas, os fabricantes de produtos derivados de tabaco desenvolvem estratégias de propaganda e marketing diversas para atrair adolescentes e jovens, com display cool para repor o seu mercado consumidor, já que, mais esclarecidos e maduros racionalmente, os adultos conseguiram largar o vício,analisa a professora Pauline Neutzling Fraga, do curso de Publicidade e Propaganda da Unifra.
A relação do cigarro com a publicidade começou com o cinema mudo. Os atores eram pagos para fumar nos filmes. Essa técnica, product placement (colocação de produto), introduz o produto direta ou indiretamente, por personagens, o manipulando. “Vários ícones ajudaram a vender o cigarro nos anos 60, como as músicas, os atores, por exemplo, James Dean, fumando nos filmes, músicos que fumava. Conforme a sociedade foi mudando e fomos descobrindo os males do cigarro, entidades de medicina começaram a preocupar-se com o vício , e passaram a se colocar contra a publicidade do cigarro. Nesse percurso, claro que a publicidade influenciou no consumo do tabaco, mas ela também ajuda a divulgar informações de saúde em relação ao vício”, destaca a professora.
Propagandas e campanhas com cunho voltado para os riscos do tabaco e esclarecer a população foram iniciadas. Em 1996 os comerciais de tabagismo poderiam ocorrer somente a partir das 21 horas; em 2000 foi proibido o patrocínio das marcas em eventos esportivos, lugar onde mais aparecia cigarro. Em 2002 foi restringida qualquer produção e comércio de produtos e alimentos na forma de cigarro que lembrasse o objeto, mesmo que a natureza não fosse esta.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou, em 2013, um levantamento afirmando que desde a época da restrição do cigarro, em 1989, até 2010 com a restrição da propaganda de cigarro – sendo restringida totalmente em 2000 em todas as mídias – constatou-se que 33% de brasileiros pararam de fumar após as restrições publicitárias do cigarro. A partir dos anos 90, com a popularização da internet, as pessoas passaram a ficar mais informadas diante do tabaco e seus males.
Segundo a professora, se vende junto com o cigarro uma ideologia, um comportamento mais cool, visto as fotografias de pessoas sempre bem sucedidas e descoladas fumando. “Vemos, por exemplo, um display (suporte físico onde acondiciona-se as caixas de cigarro), que são chamativas, fotografias bonitas, com jovens sempre bem apresentados, e há um grupo que é contra esse tipo de propaganda também”, afirma. O brinde, inclusive, é atrativo, os porta-carteiras, brilhosas ou neon, o que os publicitários chamam de “reserva de mercado”. As crianças visualizam aqueles brindes, obviamente elas não vão consumir o cigarro com cinco ou seis anos, mas quando tiverem idade para comprar – 18 anos – ela já vai ter uma relação positiva, de atração ao produto, pela memória dos display e brindes.
As estatísticas e a prevenção de doenças desencadeadas pelo vício
Hoje, o tabagismo é a principal causa de morte evitável, segundo a OMS. Para o médico Leandro Almeida Streher, essa doença afeta também pessoas que convivem com fumantes, os fumantes passivos. As crianças fumantes passivas são as maiores vítimas, pois apresentam uma grande chance de contrair problemas respiratórios (bronquite, pneumonia, bronquiolite) em relação àquelas cujos familiares não fumam. Além disso, quanto maior o número de fumantes no domicílio, maior o percentual de infecções respiratórias, nas crianças que vivem com fumantes, afirma o doutor. “Muitos adolescentes, com o objetivo de conquistar espaço na sociedade e de satisfazer a necessidade de pertencer e ser aceito pelo grupo, acabam fazendo escolhas equivocadas que podem inclusive prejudicar a própria saúde. A imagem do cigarro como “fruto proibido” estimula o desejo do adolescente e do jovem de ‘transgredir’, e suas principais motivações para fumar são o desejo de se afirmar como adulto e de se firmar no grupo”, ressalta Leandro.
O tabagismo integra o grupo dos transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa na Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. É considerado a maior causa isolada e evitável de mortes e doenças precoce em todo o mundo. Visto como uma epidemia, o cigarro causa dependência física, psicológica, e comportamental, semelhante ao que ocorre com dependentes de heroína e cocaína.
O tabagismo é responsável por 85% das mortes por doença pulmonar crônica (bronquite e enfisema), 30% por diversos tipos de câncer (pulmão, boca, laringe, faringe, esôfago, pâncreas, rim, bexiga, colo de útero, estômago e fígado), 25% por doença coronariana (angina e infarto) e 25% por doenças cerebrovasculares (acidente vascular cerebral). A dependência química ocorre por causa da nicotina nos produtos à base de tabaco. “Ao parar de fumar, os riscos de doença diminuem conforme o organismo vai se restabelecendo. Com 20 minutos desde a última tragada, a pressão sanguínea diminui e a pulsação cai, com 8 horas o nível de oxigênio no sangue pode alcançar ao de uma não-fumante. Após 10 anos de abstinência, o risco de desenvolver câncer de pulmão cai em até 50%”, explica o médico.
Somente na década de 1950 os trabalhos da literatura demonstraram, pela primeira vez, que o aparecimento do câncer do pulmão estava relacionado intimamente ao tabagismo. Nota-se que muitos escritores boêmios e com o vício morriam jovens. Segundo Leandro, parar de fumar perto dos 39 anos de idade reduz o risco excessivo de morrer por qualquer causa, em cerca de 90%. “O que não quer dizer que seja seguro fumar até os 40 anos de idade, uma vez que 20% dos que fumaram até os 40 anos morreram mais cedo do que os não fumantes. As vantagens de parar de fumar não se restringem aos indivíduos com menos de 40 anos de idade”.
O relato de Gisa, que largou o vício de 16 anos há onze meses
Gisa Drago é psicóloga, tem 32 anos e parou de fumar há 11 meses. Ela experimentou cigarro pela primeira vez com 16 anos, e com 17 já comprava carteiras. “Não me senti bem quando comecei a fumar, eu sabia que não era algo bom, mas quis experimentar, ver como era. Eu não tinha prazer nisso, mas foi indo e quando comecei a carregar a carteira que me viciei realmente”, relata. Ela nunca tinha ficado sem o tabaco. Há três anos ela sentiu que estava incomodando, que o corpo estava cansado da nicotina, da intoxicação. Há dois anos ela foi diminuindo a quantidade de fumos durante o dia, mas nunca conseguia ficar sem ele. Era uma dependência tanto física quando psicológica, segundo a psicóloga.
Gisa começou a sentir nojo do cheiro do tabaco e foi um processo de um ano até ela tomar a decisão de finalmente parar. Dia 30 de dezembro de 2014 ela comprou o adesivo de nicotina e decidiu que nunca mais fumaria. “Os primeiros meses foram horríveis! A pior coisa. Tive dores no estômago, crises de choro, dores no corpo todo, estresse. E com o adesivo eu ficava muito agitada, tinha insônia também”, relata Gisa que diz também não ter feito acompanhamento médico nem psicológico, nem anti depressivos, só o uso do adesivo. “E passei por toda a abstinência assim, que durou três meses”, afirma. Ela conta que hoje o cigarro não faz mais parte da sua vida e que não teve muita diferença fisica após largar o vício, mas agora os sentidos estão mais aguçados, ela sente mais o cheiro, o sabor dos alimentos. O exercício físico foi algo que ajudou também no processo, contou Gisa. “Foi uma decisão bem pessoal, já que eu não tinha sérios problemas de saúde por causa do cigarro. Uma passagem minha, mudança como pessoa, e hoje a minha vida está muito melhor. Como eu demorei 16 anos para tomar essa decisão, e eu tinha consciência do processo de abstinência, então não tive recaídas quanto ao vício”.