“Surgiu da rua nossa união/ Um traz a lata, outro bate na mão/ O surdo marca a empolgação/ Vamos cantando com coração/ Nosso regime é alegria/ Ser feliz nosso ideal/ Não fique triste, é alto astral/ Eu Solzinho no carnaval”, samba que Antônio Carlos Flores, da Cadência Bonita do Samba, compôs para o Bloco do Eu Solzinho. Foi numa roda de música e cerveja que a pergunta surgiu: “Tá, mas o que nós vamos fazer no carnaval?” Muitos sorrisos, boa vontade e pouco ou quase nada de dinheiro conseguiram reunir as vibrantes camisetas amarelas do Bloco do Eu Solzinho nas quatro noites de carnaval, comemoradas no Bar do Pompeu, localizado no Parque Itaimbé.
Propondo o resgate da essência do carnaval, Leandro Rosa de Oliveira, 30 anos, um dos criadores e responsáveis pelo bloco, conta que não havia música ensaiada ou sequer convidados. “A gente não quer obrigar ninguém a fazer nada. A gente quer que o pessoal atravesse a cidade porque quer, que vá tocar porque quer. Quem quiser é muito bem-vindo sempre! Essa é a ideia do bloco, ser aberto, livre pra quem quiser participar, sem ter cobrança de abadá ou camiseta e coisa e tal”, explica.
A parceria com as escolas de samba
Além do público curioso do Bar do Pompeu, o Eu Solzinho fez conexão com as escolas de samba Unidos do Itaimbé, Barão do Itararé e com o bar Rockers. “Nossa ideia também era que as pessoas participassem mais do carnaval, fossem mais até as escolas de samba e valorizassem esses espaços. Acredito que fazer um carnaval significa, também, passar pelas quadras. O mestre da Vila Brasil chegou pra gente e disse: ‘vocês tão fazendo o mesmo que a gente fazia antigamente, a gente pegava a bateria e os estandartes e ia pra rua fazer carnaval e hoje a gente tá aí como escola’”, celebra Leandro Oliveira, do Eu Solzinho.
Evandro Medeiros, 30 anos, participante da Escola de Samba Unidos do Itaimbé, fala sobre a importância dessa parceria com o Bloco do Eu Solzinho: “Isso tudo nos rendeu bons frutos, principalmente amizades. Hoje um dos rapazes que conhecemos através do Bloco está fazendo parte da nossa bateria”, conta. Medeiros acredita que essa iniciativa é muito importante para o resgate do carnaval “de raiz”, uma vez que, com os blocos de rua, as crianças e jovens encontram uma alternativa de festejar fora dos clubes.”
Participação cinco vezes maior
AnaLu Bighelini, 26 anos, participou do bloco e abraçou a proposta desde o primeiro dia do carnaval do último ano. “Este ano tivemos uma participação cinco vezes maior, no mínimo. Então, consegui acompanhar a evolução desse grupo que planejou e pensou o carnaval. Nesse ano, na primeira noite, quando vimos o bar encher foi uma surpresa muito grande. Foi muita gente participando, as pessoas aderindo mesmo a ideia do bloco, de ser uma coisa popular, livre”, conta Analu. Leandro, organizador, complementa: “A gente não fez nenhuma camiseta pra vender, pra garantir que as pessoas estivessem lá. A gente não entrou em contato com ninguém pra garantir que tivesse uma bateria. A gente convidou vários amigos que a gente sabia que batucavam e contávamos que eles aparecessem”.
“Mistura de pessoas e de ideias que possam conviver pacificamente e fazendo festa”
A ideia do bloco é ir contra a maré. Conforme explica AnaLu Bighelini: “Retomar o que faziam anteriormente é também renovar o que nós estamos fazendo hoje. A questão é fazer uma festa popular legítima, que as pessoas possam ir e que exista essa mistura de pessoas e de ideias e que possam conviver pacificamente fazendo festa”.
A oferta de misturar pessoas de diferentes idades e ideias parece ter sido o que fez o Eu Solzinho brilhar. Flávio Simões, 67, faz parte de uma confraria de amigos que se encontram no Bar do Pompeu há muitos anos. Morador das proximidades do Parque Itaimbé, ele afirma que foi impossível não ser atraído pelos batuques. “Dava para ver a alegria das pessoas. Meus parentes, meus vizinhos… Não teve nenhuma confusão, era todo mundo brincando junto. O bloco vai crescer cada vez mais. Minha filha, de Pelotas, ligou para avisar que no próximo ano quer passar o carnaval aqui”, comemora Simões.
O Bloco do Eu Solzinho não estabelece nenhum tipo de hierarquia ou liderança, fazendo com que todos sejam vistos da mesma forma – basta querer participar. O nome do bloco, que parafraseia o álbum “Bloco do Eu Sozinho”, da banda Los Hermanos, não possui nenhuma ligação com marcas de cerveja ou partidos políticos. Em 2015, o bloco consagrou-se e estreitou relações com seu público, fortalecendo o carnaval de rua e a ideia de ocupar cada vez mais os espaços públicos de Santa Maria.E se Marcelo Camelo cantou que “Todo carnaval tem seu fim”, os carnavalescos do Bar do Pompeu responderam: que fim? O Sol nasce todos os dias!
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Vida longa ao samba e ao carnaval de rua!
Por Manuela Fantinel