Geórgia Fröhlich e Fernando Cezar
Eles têm no Brasil a esperança de uma vida tranquila e a oportunidade de boas condições. Eles deixam rotina, costumes, familiares e amigos e trazem consigo muita bagagem de cultura e força de vontade. Buscam um lugar para sobreviver, um lugar para colaborar e ser feliz. Buscam um lugar de crescimento, que possam ser respeitados e acolhidos.
De acordo com o Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), o Brasil possui atualmente cerca de 9 mil refugiados reconhecidos, de 79 nacionalidades distintas. Os principais grupos são compostos por nacionais da Síria (2.298), Angola (1.420), Colômbia (1.100), República Democrática do Congo (968) e Palestina (376).
A incerteza do futuro e o medo com a realidade dos seus países fez com que o mundo atual vivesse em um cenário de imigração muito peculiar. Alguns são movidos pela necessidade de escapar da miséria; outros estão fugindo da violência e perseguição. Com jornadas perigosas estima-se, segundo a Anistia Internacional, que pelo menos 23 mil pessoas tenham perdido suas vidas tentando chegar à Europa desde 2000 entre crianças, adultos e idosos.
Além dos que cessam a sua peregrinação quando as fronteiras fecham-se na sua frente, há os que chegam ao seu destino, mas contam com a violação de seus direitos descobrindo que a segurança não está ao seu alcance.
O haitiano Frantzy Fanfan, 30 anos, está em Santa Maria desde 2014 e planeja ficar até dezembro de 2017 para concluir seus estudos. Membro da congregação dos Freis Capuchinhos do Rio Grande do Sul, buscou no Brasil a oportunidade de realizar a faculdade de Filosofia em seu pós-noviciado – tempo dedicado à renovação dos votos e ao estudo de filosofia e teologia.
Fanfan trabalha na Biblioteca do Centro Universitário Franciscano (Unifra) no período da manhã e estuda na instituição à tarde. Fluente em francês e créole (línguas oficiais de seu país), além de inglês e português, conta que pretende utilizar os aprendizados para ajudar a população haitiana.
“O povo daqui tem a capacidade de ser muito acolhedor. Os brasileiros que eu conheci vivem em uma realidade de hospitalidade total. Não é uma hospitalidade obrigada por leis. A gente percebe que o povo acolhe com o coração, tem sensibilidade”, diz o haitiano.
Frantzy mora em uma casa de formação de freis de Santa Maria e, apesar das dificuldades com a nova cultura, está muito feliz com os amigos, os estudos e o trabalho. “A crise econômica é mundial. O Brasil está com problemas, mas existem muitas coisas boas aqui”, salienta o frei que planeja, no seu retorno, ajudar os irmãos haitianos, seja no hospital ou na escola para poder dar apoio a Porto Príncipe – cidade arrasada pelo terremoto em 2010.
Com os olhos cheios de esperança e dedicação completa a missão de frei, Frantzy Fanfan tem uma rotina intensa, conciliando o trabalho, o estágio, a faculdade e os compromissos como pós-noviciado. Planeja voltar ao Brasil para visitar e afirma que nunca vai esquecer os aprendizados que teve aqui. “No início foi um pouco complicada a adaptação com a língua e a cultura, mas para quem tem vontade, nada é difícil. Se a gente correr atrás tudo fica razoável, nós podemos tudo”, comenta.
Uma lição de força de vontade e esperança. Uma cultura diferente que tem muito a acrescentar aos brasileiros, mas, as boas histórias que Frantzy Fanfan vai levar do Brasil não acontecem em todos os casos de imigração. Racismo e xenofobia – aversão a pessoas ou coisas estrangeiras – são atos corriqueiros no país, que atingem os imigrantes diariamente.
“A violência contra imigrante não é um fato isolado. Precisamos compreender toda a dinâmica de extrema vulnerabilidade e fragilidade do imigrante nesse processo e saber que a migração é um direito de todos, não é um delito”, afirma a professora Giuliana Redin, da Universidade Federal de Santa Maria.
Direitos Humanos e Mobilidade Humana Internacional
O Migraidh é um grupo de pesquisa e extensão, um projeto institucional que envolve professores, alunos e voluntários. A associação surgiu em 2013 por iniciativa da professora do Departamento de Direito da UFSM, Giuliana Redin. O grupo busca, através de pesquisas, compreender a realidade migratória para prestar assessoria aos refugiados. “Nós temos uma responsabilidade com o que pesquisamos. Nós estamos aqui em uma luta por direitos. Estamos aqui por uma ideia de coletividade e por isso nos sentimos tão bem em colaborar”, diz Luís Augusto Minchola, acadêmico da UFSM.
Coordenado pela professora Giuliana, o Migraidh apoia no processo de documentação e age diretamente com a adaptação dos imigrantes – em especial os senegaleses. Os alunos lideram os encontros semanais, que auxiliam no aprendizado da língua portuguesa, facilitando o processo de comunicação dos refugiados. “As aulas de português são uma resposta minha para a sociedade. Eu sinto que estou devolvendo o que recebo por estudar em uma universidade pública”, destaca Alessandra de Almeida, acadêmica da UFSM.
Souberou Diene é um dos senegaleses que participam das aulas semanais no Migraidh. Em busca de vida melhor, ele deixou família e amigos para conseguir ajudá-los com o dinheiro que recebe no trabalho aqui. “Eu deixei a minha vida lá no Senegal por uma vida melhor. Estou conseguindo ajudar. Todos os meses mando dinheiro para o meu pai, a minha mãe, a minha esposa e a minha filha. Ser imigrante é muito difícil, porque ficar longe da família é muito ruim”, diz Souberou.
O senegalês está em Santa Maria há pouco mais de um ano e pretende voltar para o Senegal em 2017. Nesse período Souberou trabalhou como servente de obra e mora junto com outros 5 senegaleses que conheceu aqui. Souberou diz que a ajuda do Migraidh é fundamental, e foi assim desde a chegada no Brasil. “Eu gosto das pessoas de Santa Maria, muitas delas ajudam. As pessoas do Migraidh entendem as dificuldades que a gente passa.”
Entre sorrisos simpáticos e fluência na língua portuguesa, Souberou sente-se feliz em Santa Maria. “Vou levar daqui conhecimento. Quando eu voltar para o Senegal tenho que fazer algo muito importante para o meu país com tudo que aprendi aqui”, comenta.
Os envolvidos com o Migraidh sabem que ainda há muito a ser feito, mas ao verem a diferença que fazem na vida de cada senegalês sentem-se úteis e no caminho certo. “Santa Maria deveria comemorar a chegada de pessoas de outras partes do mundo, elas tem muito a contribuir com a nossa formação cultural e educacional”, declara Amanda da Cruz, acadêmica da UFSM.
“É muito tocante quando um imigrante nos mostra fotos de familiares que ficaram lá. Como a foto da filha de um deles que já está fazendo um ano e ele ainda não a conheceu”, relata Giuliana, que lamenta a falta de programas voltados à questão migratória em Santa Maria. “A ideia é que sejam implementadas questões institucionais no município e que essas pessoas tenham a oportunidade de estudar e viver em boas condições”, comenta.
“A migração não é um problema de segurança e não pode ser considerada como um”, afirma a professora Giuliana.
Segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), todos os imigrantes devem usufruir, pelo menos, dos mesmos direitos e da mesma assistência básica que qualquer outro estrangeiro residindo legalmente no país. Incluindo assim, direitos fundamentais que são inerentes a todos os indivíduos. Os refugiados gozam dos direitos civis básicos, incluindo a liberdade de pensamento, a liberdade de deslocamento e a não sujeição à tortura e a tratamentos degradantes.
De igual modo, os direitos econômicos e sociais que se aplicam aos refugiados são os mesmos que se aplicam a outros indivíduos. Todos devem ter acesso à assistência médica. Os adultos devem ter direito a trabalhar e nenhuma criança deve ser privada de escolaridade.
Com direitos assegurados em qualquer parte do mundo os imigrantes refugiados teriam condições de recomeçar suas histórias, com qualidade de vida e dignidade. Poderiam assim, juntar-se novamente a suas famílias, seja retornando ao seu país de origem ou os agregando à nova cultura. Uma troca de experiências e vivências poderia ser responsável pelo crescimento de ambas as partes e fazer da ‘multiculturalidade’ um impulso para o desenvolvimento social e econômico.
Contudo, casos como o de Alan Kurdi, menino refugiado sírio de três anos cujo afogamento na Turquia virou símbolo da crise migratória continuam acontecendo. A tentativa de chegar a outro país para escapar de guerras, perseguições e pobreza é um caminho árduo, desafiador e incerto. Famílias são separadas, torturadas, ignoradas. A busca pela vida segue seus dias com olhos que veem esperança, com entusiasmo que procura oportunidade e com sonhos de quem quer apenas cumprir seus deveres e garantir seus direitos.
A aceitação dos brasileiros cai quando o assunto é acolher refugiados na própria casa
Segundo pesquisa realizada pela ONG Anistia Internacional, a receptividade do público a refugiados foi medida em 27 países, e o Brasil ficou em 18º lugar no ranking elaborado pela consultoria GlobeScan.
O chamado Refugees Welcome Index (Índice de Receptividade a Refugiados, em tradução livre) listou os países em uma escala de 0 a 100, onde 0 significa que todos os entrevistados recusariam a entrada de refugiados e 100, a aceitação desses imigrantes no próprio bairro ou casa.
O índice do Brasil foi 49, à frente apenas de Argentina (48), África do Sul (44), Nigéria (41), Turquia (39), Quênia (38), Polônia (36), Tailândia (33), Indonésia (32) e Rússia (18).
Os países mais receptivos ao acolhimento de refugiados entre os 27 pesquisados foram China (índice 85), Alemanha (84) e Reino Unido (83).
Globalmente, uma pessoa em cada 10 abrigaria refugiados na própria casa. O número chega a 46% na China, 29% no Reino Unido e 20% na Grécia, mas cai para 1% na Rússia e na Indonésia. 17% do total de entrevistados disseram que recusaria a entrada de refugiados em seus países.