Quatro décadas sem solução e respostas, esta é a realidade do prédio abandonado Edifício Condomínio Galeria Rio Branco, localizado na Av. Rio Branco, nº 465, no município de Santa Maria, RS. A construção começou em 1962; na época era comum famílias com posses se juntarem e construírem grandes imóveis. Porém, no caso do Galeria Rio Branco, a obra foi paralisada em 1973, devido à falta de recursos por parte de alguns investidores. De acordo com a Procuradora Geral do Município, Anny Gundel Desconzi, muitos outros prédios com as mesmas proporções pararam suas construções e encontram-se na mesma situação em função de uma grande crise imobiliária que atingiu o Brasil na década de 1970.
A edificação está na zona urbana, bem próxima à parte central da cidade, em um terreno de meio de quadra com duas frentes – a principal para a Avenida Rio Branco, e uma segunda para Rua Mariano da Rocha. Inicialmente o edifício possuía 44 condôminos. Na parte da avenida foram construídos 17 andares, conforme a previsão do projeto original: subsolo, térreo, sobreloja e 14 pavimentos para moradia. O bloco da Rua Mariano da Rocha deveria ter a mesma distribuição de andares, porém, a estrutura estava no 5º andar quando a obra parou. Ao longo dos anos, o térreo da construção foi utilizado para fins comerciais, mas hoje todas as peças estão interditadas e todos os acessos foram devidamente lacrados.
Ação judicial
Nos anos 1990, a Promotoria de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entrou com uma ação demolitória contra o Edifício Condomínio Galeria Rio Branco e também contra as pessoas físicas que faziam parte deste acordo. Com muitos proprietários falecidos, seus sucessores responderam ao caso, até que, em 2011, foi proferida uma ação de sentença demolitória.
A peculiaridade da situação foi que, caso os condôminos não tivessem recursos para realizar a demolição, a responsabilidade ficaria por conta do município de Santa Maria. Assim, quando o juiz responsável proferiu a sentença houve uma pequena confusão, uma vez que existiam dois autores no polo ativo da ação, o Ministério Público e a Prefeitura Municipal de Santa Maria, que entrou no meio do processo. Contudo, sabendo-se que o Ministério Público não pode ser condenado, a Prefeitura ficou como a legítima responsável.
Foi acordado que se por algum motivo o município optasse pela demolição da obra inacabada, poderia haver ressarcimento aos compradores da época. Todavia, após a sentença, os condôminos apresentaram um laudo apontando que o prédio poderia ser reaproveitado e não precisaria ser necessariamente demolido conforme apontado na ideia inicial, o que levou o município a recorrer após a sentença de demolição.
Com o prédio em pé, para diminuir parcialmente uma série de conflitos entre os moradores da Avenida Rio Branco, em 2008, responsáveis ergueram um muro que vai até o segundo andar. A medida foi tomada para tentar barrar o acesso de moradores de rua e adolescentes. Na mesma data, a Prefeitura Municipal de Santa Maria apresentou um relatório de vistoria. De acordo com o documento, o prédio apresenta plenas condições de revitalização, diante adequações segundo as novas normas e vigências técnicas. Inclusive, a obra já recebeu a vistoria da Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec), que também apresentou um laudo “a favor da revitalização”.
Também no ano de 2011 entrou em vigor, no Código Civil, um decreto de que bens abandonados poderiam ser trazidos ao Poder Público, mediante alguns requisitos. Conforme o atual Prefeito da Cidade, César Augusto Schirmer, Santa Maria resolveu fazer uso dessa vigência, entrando com um decreto de arrecadação de guarda de imóvel abandonado. No entanto, o Ministério Público entrou com uma ação civil pública, sustentando a nulidade deste decreto, apontando uma série de argumentações técnicas inexistentes, de todo modo, a interpretação do município foi que devido ao prédio estar abandonado a muito tempo, não havia necessidade de aguardar três anos, porém a juíza responsável pelo caso negou a legalidade, admitindo que o artigo não poderia contrariar o Código Civil.
No mesmo ano de 2011 a Prefeitura de Santa Maria expediu uma vistoria no prédio, feita pelo Engenheiro Civil, Eduardo Rizzatti (C.R.E.A 46743-D), residente da cidade de Santa Maria, que apresentou um laudo técnico, afirmando que o edifício está em condições de ser revitalizado.
Após três anos de guarda de imóvel e sem nenhuma manifestação por parte dos atuais donos, o propósito da Prefeitura é fazer com que o imóvel seja incorporado ao patrimônio público. No primeiro semestre de 2016, a Prefeitura entrou na justiça com uma ação com um pedido de declaração de bem vago para então arrecadar o prédio. De acordo com o Advogado Ricardo Jobim, com base nas atuais leis urbanísticas, é provável que o terreno não seja do interesse de nenhuma construtora, embora não apresente risco de cair. Por conta dos recursos, a única alternativa que se tem é manter parte da estrutura e, a partir disso, entrar com uma modificação, com um pedido de correção do projeto, que, nesse caso, é considerado um projeto já existente. No entanto, o ex-prefeito de Santa Maria, César Augusto Schirmer, afirmou – em entrevista concedida quando ainda ocupava o cargo – que várias construtoras já demostraram interesse na obra.
Ainda conforme Jobim, que é o advogado da maior parte dos proprietários e sucessores da construção, seus clientes não demonstram nenhum tipo de interesse em reaver o imóvel, muitos nem residem mais em Santa Maria. Do ponto de vista do ex-prefeito Schirmer, a melhor solução é a revitalização do prédio, mesmo que não seja a solução mais rentável. O prédio faz parte da Av. Rio Branco, que se encontra no projeto de revitalização proposto em seu mandato.
O condomínio em meio à revitalização da Avenida Rio Branco
Em seu primeiro mandato, o ex-prefeito Cezar Schirmer tinha como proposta a revitalização da Avenida Rio Branco. Sua primeira iniciativa foi a retirada dos “camelôs” localizados no canteiro central da avenida. Para Schirmer – que era prefeito quando da revitalização da Vila Belga e da continuidade a um projeto para a revitalização da Estação da Gare, transformando-a em um espaço de convivência para a sociedade santa-mariense – Santa Maria tem um grande potencial. “A Av. Rio Branco, é a mais larga Avenida do Brasil, uma das mais bonitas, constituindo o segundo maior conjunto contínuo de artes”, disse Schirmer, que visava à destinação pública do prédio abandonado até o fim deste ano, data em que seu mandato se encerraria, caso não tivesse assumido a Secretaria de Segurança Pública do RS, a convite do governador José Ivo Sartori, no começo de setembro.
Em junho, Schirmer almejava que o sucessor do seu governo desse continuidade ao projeto de revitalização da Avenida. Na visão da Procuradora Geral do Município, Anny Desconzi, e do então Prefeito, o prédio tem um aspecto negativo perante o avanço arquitetônico da cidade, uma vez que a construção inacabada é talvez a maior mácula ao ambiente urbano do centro de Santa Maria, tanto visual e esteticamente, quanto do ponto de vista da segurança pública e estrutural.
“Nosso único interesse é dar uma destinação útil ao prédio. Há quatro anos, o município saiu em busca de parceiros, e a Caixa Econômica Federal foi a primeira organização a demonstrar interesse. A proposta era que ficassem com o térreo do Condomínio, para a instalação de uma agência, o que para o projeto de revitalização da avenida é muito valioso, nós mesmos temos várias secretarias locadas, com a revitalização nós poderíamos gerar uma grande economia” – garante a procuradora.
O relato de quem (con)vive com o problema
Mau cheiro, presença de morcegos dentre outros bichos e proliferação de possíveis focos de dengue são alguns dos problemas enfrentados por quem é vizinho da construção inacabada. O futuro do prédio é assunto polêmico entre a comunidade que se sente perturbada com a demora da justiça na solução do caso. Zulma Brum da Costa, 69, é moradora da Rua Francisco Machado, vizinha da construção. A dona de casa relata que a obra apresenta muita sujeira, água parada e bichos. “Já encontrei morcego dentro da minha casa e na casa dos meus vizinhos, isso tem que ser revisto, as autoridades precisam achar uma solução para este problema”, reivindica a moradora.
Já Divanir de Oliveira Ferraz, 54 anos, é empresária e seu estabelecimento fica ao lado do edifício. Ela afirma que o prédio atrapalha a ela e a toda região. Além do mau cheiro, o acúmulo de água leva umidade para dentro da sua loja. Outro ponto que lhe incomoda é a entrada de pessoas que não se intimidaram com a construção do muro e seguem invadindo a obra. Para a empresária, tanto faz demolir ou revitalizar “a melhor solução é resolver o problema”, desabafa.
Há quem não se importe com a construção, ou porque não reside próximo, ou porque poucas vezes frequenta a Av. Rio Branco, mas há um grande público que deseja ver o prédio tomar um rumo positivo para a população. As opiniões divergem e há inclusive moradores que só desejam ver o prédio demolido.
De acordo com uma pesquisa que perguntava qual a posição dos moradores do município de Santa Maria, em relação ao “elefante branco” da Av. Rio Branco aplicada com 50 pessoas de diferentes regiões e faixa etária, a conclusão foi de que 58% querem a revitalização do prédio, 39% são indiferentes sobre o futuro da construção, e 3% preferem a demolição.
Os avanços da engenharia e o futuro da construção
Para o Engenheiro Civil da Prefeitura Municipal de Santa Maria, Leonardo Viero, caso a opção “escolhida” seja a demolição do prédio, a implosão via “blaster” ou explosivos estaria completamente descartada, tendo em vista a proximidade de outras edificações. O engenheiro afirma que não há uma melhor solução, e sim a que seja possível de se executar, caberá assim ao gestor definir o melhor custo benefício e colocá-lo em prática, antes que a única solução seja a demolição total da estrutura existente.
No entanto, dentro das opções que podem ser adotadas, Viero considera a revitalização um caminho positivo, Neste caso, um projeto de recuperação e restauração das estruturas se faz necessário para garantir segurança e boa funcionalidade. Ele ainda afirma que é necessário levar em consideração os laudos existentes e novos que possam surgir, atendendo inclusive à legislação vigente quanto à prevenção de incêndio e à acessibilidade, após sua conclusão. Para o engenheiro, a demolição do prédio é uma alternativa menos viável, uma vez que – devido à estrutura antiga do condomínio – seja necessário realizar praticamente um “desmonte”, andar por andar, iniciando pelo topo da estrutura, já que ela é muito firme e consistente.
Reportagem produzida por Yasmin Lima e Gabriela Iensen, para a disciplina Jornalismo Investigativo (Jornalismo -Unifra), com orientação da professora Carla Torres.
A PROPOSTA DOS CANDIDATOS À PREFEITURA PARA O DESTINO DO PRÉDIO
A ACS buscou ouvir as propostas dos candidatos à prefeitura de Santa Maria acerca do futuro do prédio da Rio Branco. Alcir Martins (PSOL) comenta que o prédio abandonado na Av. Rio Branco não está pautado no debate eleitoral, mas considera de extrema importância discutir esses projetos e obras, uma vez que o partido tem uma visão democrática sobre as questões urbanas.. “No ano passado teve uma ocupação importante, liderada pelo Tito, que mostrou a problemática de moradias na cidade, chamou a atenção dos laudos técnicos sobre a viabilidade da obra apontaram que é possível concluí-la“. Alcir afirma ter analisado os laudos da Caixa Econômica Federal para ver as destinações possíveis e os custos de continuidade da obra. Com base neles, defende que o assunto se torne um debate público, com possibilidade de a obra ser direcionada para moradias ou sedes de movimentos sociais culturais. “Também pode ser um espaço de economia solidária, onde as pessoas possam ir lá para discutir negócios. É uma das nossas propostas para o prédio. O ‘abandonadão’ vai virar ‘ocupadão’. É um compromisso nosso”, finaliza.
O candidato do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), Paulo Weller, entende que a questão urbana da cidade é diretamente ligada à especulação imobiliária. Para ele, a prefeitura deve levar em conta o problema da moradia, que é precária na cidade.”A prefeitura tem o órgão para fiscalização técnica do uso desses prédios, tomar posse dos prédios e dar espaços para o uso da população”, explica. ” Existe uma parte do edifício que é viável de ser concluída, mas a parte detrás está embargada. Então nós desconstruiríamos a parte que está comprometida, e manteríamos a parte frontal, transformando-o em moradia ou em espaço cultural, como o Museu de Arte de Santa Maria“, diz. Paulo afirma que, se eleito, vai criar um conselho popular com as entidades que trabalham com a questão de moradia e abrir as opções de uso do prédio. “O déficit que temos de residências na cidade há anos é problemática, e é preciso mudar a administração pública para alterar isso“, diz ele, afirmando ainda que usar o prédio para secretarias da Prefeitura , como a gestão do prefeito Cezar Schirmer queria, não é lógico diante do problema de moradias que Santa Maria tem.
O candidato a prefeito Werner Rempel (PPL), comenta que, “a primeira coisa que eu tenha a ressaltar é que o prédio não é inviável. A estrutura dele foi analisada a pedido do Ministério Público e ele não precisa ser demolido. Acho ótima a ideia de termos mais uma possibilidade de o poder público ter mais um patrimônio. O que se deve fazer é analisar se é viável para o município e estudar uma alternativa de desapropriação. Sendo do município, cabe a ele fazer o que bem entender, até vender. Isso são tudo possibilidades a serem estudadas, e eu ainda não tenho uma solução completa para a questão do prédio”.
Os candidatos Jorge Pozzobom (PSDB), Valdeci Oliveira (PT), Marcelo Bisogno (PDT), Fabiano Pereira (PSB) e Jader Maretoli (SD) não responderam até o fechamento da matéria.
Por Amanda Souza e Pedro Cardoso (ACS)