Ideias inovadoras podem ajudar a produção de energias limpas, isto é, aquelas que fazem uso dos recursos naturais. Para além das alternativas tradicionais como os processos com energia solar e eólica, consideradas de alto custo, há hoje em Santa Maria uma nova possibilidade: as bebidas apreendidas pela Receita Federal de Santa Maria e que antes tinham um destino que se tornou inviável ecologicamente, agora conta com a cooperação da Usina Piloto do Colégio Politécnico da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Para entender é preciso lembrar que o descarte, antes realizado na estação de tratamento de esgoto da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), teve de ser alterado devido à Lei nº12.305/2010 que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Nela é apresentada uma nova visão sobre o destino do lixo urbano, tendo como princípio a responsabilidade compartilhada entre governo, empresas e população.
Para além das questões envolvendo a forma do descarte dos resíduos líquidos, existia a preocupação em encontrar um destino ecologicamente sustentável e útil. Uma das possibilidades encontradas por estas instituições foi a destinação dos resíduos líquidos como matéria-prima dos projetos a serem desenvolvidos na Usina Piloto. Entre eles, destacou-se a produção do etanol a partir das bebidas alcoólicas e perfumes apreendidos.
O professor e coordenador da Usina Piloto de Etanol e do Laboratório de Energias Alternativas, Cícero Urbanetto Nogueira, conta que a ideia surgiu em uma conversa entre ele e o então delegado da Receita Federal em Santa Maria, Alexandre Rampelotto, durante o intervalo de uma aula de pós-graduação na UFSM. Segundo Nogueira, “o grande problema para movimentar a usina era a falta de matéria-prima para realização de testes”. A aproximação tornou possível o início das experimentações. Também para além das questões envolvendo a forma do descarte dos resíduos líquidos, já existia a preocupação em encontrar um destino ecologicamente sustentável e útil.
No próximo dia 6 de junho o projeto completará cinco anos de atividades e conta, hoje, com a colaboração de professores, funcionários, alunos, estagiários e bolsistas do laboratório. De acordo com o atual delegado da Receita Federal em Santa Maria, Araquém Ferreira Brum está em andamento a renovação do contrato entre as instituições, onde o prazo será estendido por mais cinco anos.
O processo e a utilização
O professor explica que o material, resíduo líquido, chega até a usina em um contêiner. O restante como embalagens, rótulos e caixas, são destinadas para as cooperativas de coletores de material reciclável do município. O transporte desse material é realizado pela Receita. A partir de um processo de destilação, chega-se ao álcool com graduação aproximada de 95°GL (quantidade em mililitros de álcool absoluto contida em mililitros de mistura hidroalcoólica), que será destinado ao abastecimento da frota de veículos oficiais ou reduzido à graduação de 70°GL, líquido e gel, para utilização em limpeza e/ou higienização. O resíduo resultante da produção de álcool alcança uma mistura composta de água, açúcar e outros elementos, e pode ser utilizado para fertilização das lavouras na área de produção do Colégio Politécnico.
Com o procedimento concluído é possível comprovar que 100% do resíduo da destruição de bebidas é aproveitado. Além do álcool combustível produzido, há também outras alternativas como o álcool gel ou líquido, que é utilizado para limpeza ou assepsia na UFSM e nas unidades da Receita Federal. De acordo com o delegado, os interesses entre as instituições se conciliaram muito bem, já que o descarte das bebidas era um problema, devido ao grande volume apreendido nos últimos anos: “essas bebidas são frutos do descaminho, entram irregularmente em território nacional, e também fazem parte de apreensões em destilarias que produzem de maneira irregular, sem fiscalização ou segurança em nível de saúde pública”, explica.
O processo de produção de etanol abriu espaço para o surgimento de novas pesquisas e experiências, como o processamento de álcool a partir de resíduos de arroz, mandioca, batata, batata doce, entre outros.
Controle e avaliação do processo
O monitoramento da iniciativa ocorre a partir de registros efetuados nas duas instituições. Na Receita Federal todo o procedimento, desde a apreensão das mercadorias até o destino final, é acompanhado por processos administrativos e registros em sistemas de controle. Quando aplicada a pena de perdimento, sendo o caso de destruição, a mercadoria é incluída em proposta que integrará um processo específico. As práticas que envolvem a destruição e destinação dos resíduos são documentados e registrados em uma ata que integrará o processo.
No âmbito da UFSM é efetuado o controle da quantidade de resíduos recebidos e a produção resultante, assim como a destinação do álcool obtido no processo. Os registros são repassados para a Delegacia da Receita Federal em Santa Maria através do Relatório de recebimento e consumo da usina piloto de etanol do Colégio Politécnico da UFSM. Deve-se destacar que a UFSM instalou um posto exclusivo para controle do abastecimento de veículos com o etanol.
Uma outra atividade na qual o projeto entre Receita Federal e o colégio Politécnico da UFSM está inserido é o Concurso Inovação na Gestão Pública Federal. O concurso está na sua vigésima edição e tem por objetivo valorizar os servidores públicos que através de pequenas ou grandes inovações, contribuem no aumento da qualidade dos serviços prestados à população e tornam mais eficientes as respostas do Estado diante das demandas da sociedade. A ideia de descarte adequado e todo o trabalho que envolve ambas instituições, são alguns dos motivos para que o projeto tenha se destacado e esteja entre os finalistas do concurso este ano. Para o delegado “isto é motivo de orgulho (…), uma iniciativa reconhecida em benefício da sociedade”, finaliza.
Por Eveline Grunspan e Francine Antunes. Reportagem desenvolvida na disciplina de Jornalismo Especializado II.