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Santa Maria, RS, Brazil

A saúde e o jornalismo em Santa Maria

Foto: Juliano Dutra / Laboratório de Fotografia e Memória

No dia 07 de abril, comemorou-se o Dia do Jornalista, mas você sabe por quê? Ela tem a ver com João Batista Líbero Badaró, que além de jornalista, foi médico e político. Em 1829, um ano após sua chegada no Brasil, fundou o periódico “Observatório Constitucional”, que denunciava as extravagâncias de Dom Pedro I. Em 1830, Badaró sofreu um atentado atribuído ao imperador. A morte do defensor da liberdade de imprensa foi o estopim para manifestações contrárias ao absolutismo de D. Pedro I, que abdicou do trono em 07 de abril do ano seguinte. Cem anos depois, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) homenageou Badaró e oficializou a data como Dia do Jornalista. Neste mesmo dia, também é comemorado o Dia Mundial da Saúde, que foi instituído em 1948 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) “devido a preocupação de seus integrantes em manter o bom estado de saúde das pessoas em todo o mundo, e também alertar sobre os principais problemas que podem atingir a população mundial”.

Duas profissões que dependem do público para existir, duas profissões que caminham quase sempre de mãos dadas. Fazer jornalismo não é para todos. Muitos desistem da faculdade e do ofício, mas quem continua firme tem a oportunidade de aprender e muito com cada história contada e cada passo dado, seja dentro da universidade ou com trabalhos em campo. Nossa mente não para, e nem poderia. O mundo está em constante mudança, adaptando-se e recriando-se a todo o momento. Com o jornalismo não poderia ser diferente. Passamos por diversas transformações ao longo das últimas duas décadas. Há 20 anos, eram poucos os jornais que investiam na internet, jornalismo multimídia era algo impensado. Hoje, não vivemos mais sem isso em nosso feed de notícias, todos os dias.

O jornalista Claudemir Pereira é mediador entre estas duas áreas. Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria em 1983, atualmente é responsável pela assessoria de comunicação do Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo (HCAA). Já trabalhou como editor-chefe do extinto jornal A Razão até setembro de 2003, onde publicava diariamente uma coluna  sobre política e economia. Também desempenhou funções de colunista, chefe de reportagem e repórter. Atualmente é âncora diário do programa “Sala de Debate” na Rádio Antena1, além de titular e editor-chefe do site ClaudemirPereira.com.br.

Assessoria de Imprensa

A experiência em diversos setores do jornalismo fez com que aprendesse muito sobre os dois lados da moeda. Até metade de 2015, quando uma parte do hospital ainda atendia pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a responsabilidade de Claudemir era maior como assessor de imprensa, pois tinha o componente público que deveria ser comunicado à imprensa local por conta do interesse da população. Hoje, com a privatização do hospital, a ligação com a mídia é menor, mas ainda acontece. “Algumas informações relevantes são enviadas aos veículos de comunicação e, no direito deles, decidem se publicarão ou não. Por exemplo, a assembleia do dia 29 que geria os novos dirigentes do hospital. Assim que encerrou, enviei a notícia aos veículos de comunicação”, explica o jornalista.

Independente do assessorado, assessoria de imprensa é a mesma em qualquer lugar. A essência do trabalho é a mesma, o que muda são as peculiaridades do assessorado. Além disso, o jornalista precisa adaptar-se à situação em que se encontra e aprender as funções do ofício que exerce. Somente quando determinadas situações acontecem, o jornalista aprende, por exemplo, que o entrevistado tem o direito de não responder a determinadas perguntas, e isto serve para qualquer pessoa. Claudemir exemplifica dizendo que poucas pessoas sabem que podem pedir à assessoria do hospital para não divulgar informações de pacientes em caso de acidentes. “Desde que comecei a trabalhar no HCAA, Apenas dois pacientes exerceram este direito – que não é só do paciente, é de qualquer pessoa”, afirma. “As pessoas não sabem que tem esse direito, porque se soubessem, muitas pessoas fariam uso dele”.

O Caso Kiss

Como em qualquer profissão, existem exceções e casos isolados como aconteceu na tragédia da Boate Kiss, há quatro anos. O envolvimento, por conta da proximidade das proporções do acontecido foi inevitável, mas os 30 anos de experiência de Claudemir permitiram que ele fosse firme diante da situação, possibilitando que o trabalho prosseguisse. Ele explica que a questão do envolvimento emocional é normal e não se espera menos de ninguém, mas como profissional de comunicação “é necessário sublimar para seguir exercendo o trabalho, e isso se aprende com o tempo”. Durante os dias seguintes à tragédia a divulgação da lista de vítimas ficou concentrada apenas no HCAA, e foi a melhor forma encontrada de atender às demandas tanto da população quanto da imprensa. De acordo com o jornalista, a ação era organizada pois não eram apenas os jornalistas trabalhando: as autoridades e profissionais da saúde eram os responsáveis pela última palavra.

A saúde do jornalismo

Os profissionais da área, especialmente repórteres, não têm apenas “faro investigativo”. É como se esse faro fosse treinado especialmente para detectar o que há de negativo. Basta voltar ao início desta matéria e reler do motivo para 07 de abril ter sido instituído como Dia do Jornalista: um assassinato.

Claudemir comenta que é muito difícil que o busquem para dar informações positivas referentes ao hospital. “Não conheço nenhum jornalista que tenha me procurado para saber algo bom como os investimentos no centro cirúrgico, por exemplo, que vai melhorar o atendimento de milhares de pessoas por mês”, relata o jornalista. Por ter trabalhado como editor-chefe durante mais de 20 anos, ele compreende que é assim que funciona, quase como uma regra – e que talvez não mude, mas não o impede – e nem poderia ou deveria impedir – de enviar notícias boas à mídia da mesma forma.

Quando perguntado sobre o balanço do jornalismo específico da área de saúde feito na cidade, o jornalista responde que é sempre feito pelo viés negativo, e confessa que isso também se aplica a ele. Claudemir argumenta que, mesmo havendo tanto informações boas quanto ruins para noticiar, é sistemático que o jornalista procure por coisas ruins em vez de coisas boas; a regra jornalística também segue esta mesma linha. E ele aponta como ponto positivo a série de reportagens do Diário de Santa Maria (DSM) sobre os carroceiros, ainda que temas como pedágio, cobranças e Lava-Jato tenham mais ênfase.

“No informativo do hospital, eu procuro colocar notícias boas”, diz Claudemir. Ele comenta que adora dar notícias boas e sobre o cotidiano, como uma homenagem à unidade de enfermeiros técnicos do ICOR, que pode não chegar às páginas dos jornais ou postagens nos sites dos veículos ou portais. Outro exemplo que ele dá é sobre nascimento de trigêmeos e quadrigêmeos, lamentando que, nestes casos (em específico um parto de quadrigêmeos realizado em junho de 2015, em que os pais vieram de São Miguel do Oeste, SC), o que costuma interessar é apenas o nome e o peso das crianças, não toda boa história que poderia ser contada e receber destaque. Segundo Claudemir, “noticiar coisas boas pode ser feito, mas supostamente não é o que vende”. Não basta que a cobertura jornalística na área da saúde esteja precária pela incessante busca de informações negativas por parte dos jornalistas. Exercer esta profissão na cidade tornou-se um desafio nos últimos tempos.

Jornalismo em Santa Maria: ontem e hoje

Foto: Juliano Dutra / Laboratório de Fotografia e Memória

Com o encerramento das atividades do Jornal A Razão, veículo onde atuou até setembro de 2003 como editor-chefe, Claudemir alega que ficou ainda mais difícil de fazer jornalismo em Santa Maria. Com o DSM atuando praticamente sozinho no segmento de jornalismo impresso, falta uma vigia mútua e outro veículo impresso para fazer contraponto, o que é bom para ambos os lados. As rádios, por sua vez, apenas reproduzem o lado da fonte ou leem releases no ar, não procuram contar o outro lado da história. Mais uma vez, ele menciona a reportagem sobre os carroceiros e pergunta se alguma rádio foi atrás disso. “É preciso saudar quando uma matéria como esta é publicada”, diz ele. Outro viés para qual o jornalista aponta é a precariedade das redações.

Ele bem sabe que fazer jornalismo dá trabalho e sai caro. Para melhorar seu site, contratou outro jornalista. Salvo raras exceções, ele vê o jornalismo realizado na cidade atualmente como um reprodutor das fontes. Isso é ruim, mas não é um problema exclusivo da profissão. “Não é um problema do jornalismo em si, e sim da educação de uma forma geral, e se reflete em todas as profissões”. Entretanto, com os jornalistas (acadêmicos e/ou recém-formados – ou não), ocorre por conta de seu despreparo, por não buscarem se informar sobre os assuntos antes de entrevistas com as fontes, impossibilitando que estas sejam contestadas mesmo quando são contraditórias e negam o óbvio.

Como editor-chefe, Claudemir conta sobre a sabatina que realizava com os jornalistas. Eram perguntas diversas como o nome de vereadores da cidade, o prefeito anterior ao Valdeci Oliveira. A primeira pergunta que fazia nesse teste era a seguinte: qual o último nome que aparecia nos créditos do Jornal Nacional? Na época, a resposta era Armando Nogueira, então diretor geral de jornalismo da Rede Globo. “Eram dez perguntas, média de menos de cinco acertos. Apenas uma pessoa respondeu corretamente à todas”, relembra. “São coisas do cotidiano, não dá para parar e pensar nas respostas”. Levando em consideração a média de acertos dos candidatos, ele tem total razão ao dizer que pequenas coisas demonstram que a pessoa está bem informada. No ponto de vista de Claudemir, muitos jornalistas locais pecam nesse aspecto.

Mídia tradicional x Mídia Digital

No dia 03 de abril, seu site completou 12 anos. A migração da mídia tradicional para a online não se deu da noite para o dia. Diferente de jornalistas atuais, que vão direto para o jornalismo digital, Claudemir percebeu que era inevitável fazer essa transição. Ele apoia e incentiva quem quer começar a empreender na área de jornalismo digital, mas sua experiência permite uma ressalva forte que deve ser levada em conta – e muito bem pensada antes dos primeiros passos: o caminho é difícil, principalmente se considerar a monetização do empreendimento. Somente depois de seis anos desde a abertura do site, Claudemir sente-se privilegiado por conseguir manter-se financeiramente apenas com o site (se perder todos seus empregos formais), mas não respira aliviado. Quanto à média de leitores mensais, acredita que tenha estabilizado em cerca de 30 mil leitores únicos.

O jornalismo digital é uma revolução da qual não podemos e nem conseguiremos fugir. Como tantos outros, Claudemir acredita que chegará m momento que tudo será digital. “É só uma questão de tempo. Quanto maior a cidade, menos tempo” e compara Baliza (distrito próximo a Erechim, onde nasceu) com Santa Maria. Naquela região, é possível que demore mais para que o jornalismo digital predomine, mas uma cidade como Erechim, que é três vezes menor que aqui, já tem um portal – que fomenta e agiliza a distribuição de notícias locais.

A mídia tradicional está começando a se dar conta de como as mídias digitais estão reinventando e agilizando a maneira de fazer jornalismo. Em Santa Maria, Paulo Ceccim tem essa visão para o Diário. “Ele é ligado nas novas mídias, inclusive ‘roubou’ um dos meus jornalistas contratados para o jornal porque é um bom profissional, então tudo bem”, brinca Claudemir. A resistência de alguns veículos de comunicação à transição para o jornalismo digital é morte anunciada que acontecerá a qualquer momento, e mais uma vez ele faz menção à precariedade das rádios, que estão estáticas dentro de suas frequências por “acreditarem que perderão anunciantes e audiência, para mencionar algumas coisas e investem apenas no veículo tradicional”, aponta o jornalista. Ele também acredita que os mesmos que manda na mídia tradicional, vão acabar mandando na internet. “Eles têm condições, tem o capital. Em algum momento, se darão conta disso.

Jornalismo multimídia

Na migração de frequências para endereços na rede, as rádios são as que mais se beneficiam e melhor se adaptam à era digital: antes, era apenas o som. Agora, pode ter som e imagem, a baixo custo. As emissoras de televisão não acrescentam nada, pois já são som e imagem. E quanto aos jornais? “Os impressos precisam ter tudo: texto, som e imagem. Como as rádios, também saem ganhando, mas como é um processo diferente. Estou com o site há 12 anos e iniciativas como esta são mais demoradas”, responde Claudemir.

Mesmo com um desfalque na mídia tradicional e online com o fechamento d’A Razão, existem portais com notícias locais. Há poucas semanas, foi informado sobre o lançamento do Folha de Santa Maria – que anunciou recentemente em uma rede social que Alexandre Maccari, professor nos cursos de História e Jornalismo da Unifra, juntou-se ao seu time de colunistas. Claudemir, que era sócio do Portal Bei, comemora e vê a notícia de maneira positiva, desejando boa sorte ao empreendimento jornalístico. “Espero que tenha fôlego. Se o mercado [de notícias online] crescer, eu cresço junto”.

Com o jornalismo sendo repaginado sem amarras nas telas de smartphones e tablets e mesmo tendo todos os recursos básicos à mão, manter um site ou portal não é grátis e tampouco barato, dependendo do tamanho do veículo em questão. É preciso arranjar alternativas para monetizar o jornalismo digital e pagar não só os jornalistas que se dedicam inteiramente ao setor, mas também outros profissionais – como os de TI – que trabalham na área. Um exemplo é a Zero Hora, que está trabalhando com o método de 5 notícias grátis por dia para não-assinantes. O Diário também passa a implementar um sistema parecido. São vários os meios que podem ser usados como financiamento: publicidade no site, assinatura online e aplicativos com anunciantes para smartphones e tablets. Parece fácil, mas é apenas mais um passo longe da zona de conforto. “É preciso fornecer conteúdo diferenciado, além daquilo que já dá para poder cobrar. Não é fácil de fazer isso. Os ‘grandões’ podem, mas pequenos empreendedores do campo jornalístico não têm como”, finaliza Claudemir Pereira.

Com a análise de um profissional que trabalha diária e diretamente na área da saúde, afirmando que a saúde do jornalismo santa-mariense está debilitada por diversos motivos,  essa reportagem é encerrada. Ainda que se trabalhe rodeados de acontecimentos ruins, que precisam chegar ao conhecimento do maior número possível de pessoas, o jornalista Claudemir mostrou que um outro caminho e um outro olhar é possível.

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Foto: Juliano Dutra / Laboratório de Fotografia e Memória

No dia 07 de abril, comemorou-se o Dia do Jornalista, mas você sabe por quê? Ela tem a ver com João Batista Líbero Badaró, que além de jornalista, foi médico e político. Em 1829, um ano após sua chegada no Brasil, fundou o periódico “Observatório Constitucional”, que denunciava as extravagâncias de Dom Pedro I. Em 1830, Badaró sofreu um atentado atribuído ao imperador. A morte do defensor da liberdade de imprensa foi o estopim para manifestações contrárias ao absolutismo de D. Pedro I, que abdicou do trono em 07 de abril do ano seguinte. Cem anos depois, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) homenageou Badaró e oficializou a data como Dia do Jornalista. Neste mesmo dia, também é comemorado o Dia Mundial da Saúde, que foi instituído em 1948 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) “devido a preocupação de seus integrantes em manter o bom estado de saúde das pessoas em todo o mundo, e também alertar sobre os principais problemas que podem atingir a população mundial”.

Duas profissões que dependem do público para existir, duas profissões que caminham quase sempre de mãos dadas. Fazer jornalismo não é para todos. Muitos desistem da faculdade e do ofício, mas quem continua firme tem a oportunidade de aprender e muito com cada história contada e cada passo dado, seja dentro da universidade ou com trabalhos em campo. Nossa mente não para, e nem poderia. O mundo está em constante mudança, adaptando-se e recriando-se a todo o momento. Com o jornalismo não poderia ser diferente. Passamos por diversas transformações ao longo das últimas duas décadas. Há 20 anos, eram poucos os jornais que investiam na internet, jornalismo multimídia era algo impensado. Hoje, não vivemos mais sem isso em nosso feed de notícias, todos os dias.

O jornalista Claudemir Pereira é mediador entre estas duas áreas. Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria em 1983, atualmente é responsável pela assessoria de comunicação do Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo (HCAA). Já trabalhou como editor-chefe do extinto jornal A Razão até setembro de 2003, onde publicava diariamente uma coluna  sobre política e economia. Também desempenhou funções de colunista, chefe de reportagem e repórter. Atualmente é âncora diário do programa “Sala de Debate” na Rádio Antena1, além de titular e editor-chefe do site ClaudemirPereira.com.br.

Assessoria de Imprensa

A experiência em diversos setores do jornalismo fez com que aprendesse muito sobre os dois lados da moeda. Até metade de 2015, quando uma parte do hospital ainda atendia pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a responsabilidade de Claudemir era maior como assessor de imprensa, pois tinha o componente público que deveria ser comunicado à imprensa local por conta do interesse da população. Hoje, com a privatização do hospital, a ligação com a mídia é menor, mas ainda acontece. “Algumas informações relevantes são enviadas aos veículos de comunicação e, no direito deles, decidem se publicarão ou não. Por exemplo, a assembleia do dia 29 que geria os novos dirigentes do hospital. Assim que encerrou, enviei a notícia aos veículos de comunicação”, explica o jornalista.

Independente do assessorado, assessoria de imprensa é a mesma em qualquer lugar. A essência do trabalho é a mesma, o que muda são as peculiaridades do assessorado. Além disso, o jornalista precisa adaptar-se à situação em que se encontra e aprender as funções do ofício que exerce. Somente quando determinadas situações acontecem, o jornalista aprende, por exemplo, que o entrevistado tem o direito de não responder a determinadas perguntas, e isto serve para qualquer pessoa. Claudemir exemplifica dizendo que poucas pessoas sabem que podem pedir à assessoria do hospital para não divulgar informações de pacientes em caso de acidentes. “Desde que comecei a trabalhar no HCAA, Apenas dois pacientes exerceram este direito – que não é só do paciente, é de qualquer pessoa”, afirma. “As pessoas não sabem que tem esse direito, porque se soubessem, muitas pessoas fariam uso dele”.

O Caso Kiss

Como em qualquer profissão, existem exceções e casos isolados como aconteceu na tragédia da Boate Kiss, há quatro anos. O envolvimento, por conta da proximidade das proporções do acontecido foi inevitável, mas os 30 anos de experiência de Claudemir permitiram que ele fosse firme diante da situação, possibilitando que o trabalho prosseguisse. Ele explica que a questão do envolvimento emocional é normal e não se espera menos de ninguém, mas como profissional de comunicação “é necessário sublimar para seguir exercendo o trabalho, e isso se aprende com o tempo”. Durante os dias seguintes à tragédia a divulgação da lista de vítimas ficou concentrada apenas no HCAA, e foi a melhor forma encontrada de atender às demandas tanto da população quanto da imprensa. De acordo com o jornalista, a ação era organizada pois não eram apenas os jornalistas trabalhando: as autoridades e profissionais da saúde eram os responsáveis pela última palavra.

A saúde do jornalismo

Os profissionais da área, especialmente repórteres, não têm apenas “faro investigativo”. É como se esse faro fosse treinado especialmente para detectar o que há de negativo. Basta voltar ao início desta matéria e reler do motivo para 07 de abril ter sido instituído como Dia do Jornalista: um assassinato.

Claudemir comenta que é muito difícil que o busquem para dar informações positivas referentes ao hospital. “Não conheço nenhum jornalista que tenha me procurado para saber algo bom como os investimentos no centro cirúrgico, por exemplo, que vai melhorar o atendimento de milhares de pessoas por mês”, relata o jornalista. Por ter trabalhado como editor-chefe durante mais de 20 anos, ele compreende que é assim que funciona, quase como uma regra – e que talvez não mude, mas não o impede – e nem poderia ou deveria impedir – de enviar notícias boas à mídia da mesma forma.

Quando perguntado sobre o balanço do jornalismo específico da área de saúde feito na cidade, o jornalista responde que é sempre feito pelo viés negativo, e confessa que isso também se aplica a ele. Claudemir argumenta que, mesmo havendo tanto informações boas quanto ruins para noticiar, é sistemático que o jornalista procure por coisas ruins em vez de coisas boas; a regra jornalística também segue esta mesma linha. E ele aponta como ponto positivo a série de reportagens do Diário de Santa Maria (DSM) sobre os carroceiros, ainda que temas como pedágio, cobranças e Lava-Jato tenham mais ênfase.

“No informativo do hospital, eu procuro colocar notícias boas”, diz Claudemir. Ele comenta que adora dar notícias boas e sobre o cotidiano, como uma homenagem à unidade de enfermeiros técnicos do ICOR, que pode não chegar às páginas dos jornais ou postagens nos sites dos veículos ou portais. Outro exemplo que ele dá é sobre nascimento de trigêmeos e quadrigêmeos, lamentando que, nestes casos (em específico um parto de quadrigêmeos realizado em junho de 2015, em que os pais vieram de São Miguel do Oeste, SC), o que costuma interessar é apenas o nome e o peso das crianças, não toda boa história que poderia ser contada e receber destaque. Segundo Claudemir, “noticiar coisas boas pode ser feito, mas supostamente não é o que vende”. Não basta que a cobertura jornalística na área da saúde esteja precária pela incessante busca de informações negativas por parte dos jornalistas. Exercer esta profissão na cidade tornou-se um desafio nos últimos tempos.

Jornalismo em Santa Maria: ontem e hoje

Foto: Juliano Dutra / Laboratório de Fotografia e Memória

Com o encerramento das atividades do Jornal A Razão, veículo onde atuou até setembro de 2003 como editor-chefe, Claudemir alega que ficou ainda mais difícil de fazer jornalismo em Santa Maria. Com o DSM atuando praticamente sozinho no segmento de jornalismo impresso, falta uma vigia mútua e outro veículo impresso para fazer contraponto, o que é bom para ambos os lados. As rádios, por sua vez, apenas reproduzem o lado da fonte ou leem releases no ar, não procuram contar o outro lado da história. Mais uma vez, ele menciona a reportagem sobre os carroceiros e pergunta se alguma rádio foi atrás disso. “É preciso saudar quando uma matéria como esta é publicada”, diz ele. Outro viés para qual o jornalista aponta é a precariedade das redações.

Ele bem sabe que fazer jornalismo dá trabalho e sai caro. Para melhorar seu site, contratou outro jornalista. Salvo raras exceções, ele vê o jornalismo realizado na cidade atualmente como um reprodutor das fontes. Isso é ruim, mas não é um problema exclusivo da profissão. “Não é um problema do jornalismo em si, e sim da educação de uma forma geral, e se reflete em todas as profissões”. Entretanto, com os jornalistas (acadêmicos e/ou recém-formados – ou não), ocorre por conta de seu despreparo, por não buscarem se informar sobre os assuntos antes de entrevistas com as fontes, impossibilitando que estas sejam contestadas mesmo quando são contraditórias e negam o óbvio.

Como editor-chefe, Claudemir conta sobre a sabatina que realizava com os jornalistas. Eram perguntas diversas como o nome de vereadores da cidade, o prefeito anterior ao Valdeci Oliveira. A primeira pergunta que fazia nesse teste era a seguinte: qual o último nome que aparecia nos créditos do Jornal Nacional? Na época, a resposta era Armando Nogueira, então diretor geral de jornalismo da Rede Globo. “Eram dez perguntas, média de menos de cinco acertos. Apenas uma pessoa respondeu corretamente à todas”, relembra. “São coisas do cotidiano, não dá para parar e pensar nas respostas”. Levando em consideração a média de acertos dos candidatos, ele tem total razão ao dizer que pequenas coisas demonstram que a pessoa está bem informada. No ponto de vista de Claudemir, muitos jornalistas locais pecam nesse aspecto.

Mídia tradicional x Mídia Digital

No dia 03 de abril, seu site completou 12 anos. A migração da mídia tradicional para a online não se deu da noite para o dia. Diferente de jornalistas atuais, que vão direto para o jornalismo digital, Claudemir percebeu que era inevitável fazer essa transição. Ele apoia e incentiva quem quer começar a empreender na área de jornalismo digital, mas sua experiência permite uma ressalva forte que deve ser levada em conta – e muito bem pensada antes dos primeiros passos: o caminho é difícil, principalmente se considerar a monetização do empreendimento. Somente depois de seis anos desde a abertura do site, Claudemir sente-se privilegiado por conseguir manter-se financeiramente apenas com o site (se perder todos seus empregos formais), mas não respira aliviado. Quanto à média de leitores mensais, acredita que tenha estabilizado em cerca de 30 mil leitores únicos.

O jornalismo digital é uma revolução da qual não podemos e nem conseguiremos fugir. Como tantos outros, Claudemir acredita que chegará m momento que tudo será digital. “É só uma questão de tempo. Quanto maior a cidade, menos tempo” e compara Baliza (distrito próximo a Erechim, onde nasceu) com Santa Maria. Naquela região, é possível que demore mais para que o jornalismo digital predomine, mas uma cidade como Erechim, que é três vezes menor que aqui, já tem um portal – que fomenta e agiliza a distribuição de notícias locais.

A mídia tradicional está começando a se dar conta de como as mídias digitais estão reinventando e agilizando a maneira de fazer jornalismo. Em Santa Maria, Paulo Ceccim tem essa visão para o Diário. “Ele é ligado nas novas mídias, inclusive ‘roubou’ um dos meus jornalistas contratados para o jornal porque é um bom profissional, então tudo bem”, brinca Claudemir. A resistência de alguns veículos de comunicação à transição para o jornalismo digital é morte anunciada que acontecerá a qualquer momento, e mais uma vez ele faz menção à precariedade das rádios, que estão estáticas dentro de suas frequências por “acreditarem que perderão anunciantes e audiência, para mencionar algumas coisas e investem apenas no veículo tradicional”, aponta o jornalista. Ele também acredita que os mesmos que manda na mídia tradicional, vão acabar mandando na internet. “Eles têm condições, tem o capital. Em algum momento, se darão conta disso.

Jornalismo multimídia

Na migração de frequências para endereços na rede, as rádios são as que mais se beneficiam e melhor se adaptam à era digital: antes, era apenas o som. Agora, pode ter som e imagem, a baixo custo. As emissoras de televisão não acrescentam nada, pois já são som e imagem. E quanto aos jornais? “Os impressos precisam ter tudo: texto, som e imagem. Como as rádios, também saem ganhando, mas como é um processo diferente. Estou com o site há 12 anos e iniciativas como esta são mais demoradas”, responde Claudemir.

Mesmo com um desfalque na mídia tradicional e online com o fechamento d’A Razão, existem portais com notícias locais. Há poucas semanas, foi informado sobre o lançamento do Folha de Santa Maria – que anunciou recentemente em uma rede social que Alexandre Maccari, professor nos cursos de História e Jornalismo da Unifra, juntou-se ao seu time de colunistas. Claudemir, que era sócio do Portal Bei, comemora e vê a notícia de maneira positiva, desejando boa sorte ao empreendimento jornalístico. “Espero que tenha fôlego. Se o mercado [de notícias online] crescer, eu cresço junto”.

Com o jornalismo sendo repaginado sem amarras nas telas de smartphones e tablets e mesmo tendo todos os recursos básicos à mão, manter um site ou portal não é grátis e tampouco barato, dependendo do tamanho do veículo em questão. É preciso arranjar alternativas para monetizar o jornalismo digital e pagar não só os jornalistas que se dedicam inteiramente ao setor, mas também outros profissionais – como os de TI – que trabalham na área. Um exemplo é a Zero Hora, que está trabalhando com o método de 5 notícias grátis por dia para não-assinantes. O Diário também passa a implementar um sistema parecido. São vários os meios que podem ser usados como financiamento: publicidade no site, assinatura online e aplicativos com anunciantes para smartphones e tablets. Parece fácil, mas é apenas mais um passo longe da zona de conforto. “É preciso fornecer conteúdo diferenciado, além daquilo que já dá para poder cobrar. Não é fácil de fazer isso. Os ‘grandões’ podem, mas pequenos empreendedores do campo jornalístico não têm como”, finaliza Claudemir Pereira.

Com a análise de um profissional que trabalha diária e diretamente na área da saúde, afirmando que a saúde do jornalismo santa-mariense está debilitada por diversos motivos,  essa reportagem é encerrada. Ainda que se trabalhe rodeados de acontecimentos ruins, que precisam chegar ao conhecimento do maior número possível de pessoas, o jornalista Claudemir mostrou que um outro caminho e um outro olhar é possível.