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Do preconceito ao abuso: Diego Hypólito não foi o único

Nos últimos dias, a comunidade LGBT passou por duas datas importantes no que confere o momento de reivindicarmos nossos direitos. Em 15 de maio, o dia do orgulho de ser travesti e transexual; já no dia 17, o dia internacional contra a LGTBfobia. Esse texto poderia ser uma reflexão sobre a importância dessas datas para a visibilidade da comunidade LGBT, mas, neste mês, outro assunto que envolve visibilidade e preconceito ganhou destaque: o ginasta olímpico Diego Hypólito se declarou homossexual. Mas o que tem demais nisso? O relato de alguém que sofreu homofobia no esporte e o impacto do preconceito na vida de um atleta.

Em uma entrevista especial para o site UOL, no início de maio, Hypólito contou sobre o seu processo de descoberta e aceitação como homossexual, acompanhado pelo medo e a culpa. O preconceito no esporte e das grandes marcas patrocinadoras levaram o ginasta a esconder e não aceitar a sua sexualidade por anos. “Eu tinha certeza que se um dia eu saísse do armário publicamente, perderia patrocínios e minha carreira seria prejudicada”, desabafa.

Após a declaração do ginasta, diversos sites de notícias publicaram trechos de sua entrevista. Instantaneamente, inúmeros comentários surgiram nas publicações. Entre apoio e admiração, um comentário, ou melhor, vários comentários que diziam: “ele foi o último a saber”, me chamaram a atenção. Durante anos, o ginasta foi muito questionado a respeito de sua sexualidade, e algumas pessoas até já “desconfiavam” ou “sabiam” que ele era/é homossexual. Entretanto, ele não foi o último a saber da sua sexualidade, mas as pessoas foram às últimas a entenderem que ele é mais uma vítima de homofobia no esporte.

Imagens: OpenClipart-Vectors/Pixabay

O preconceito no esporte é algo real e precisa ser combatido. O futebol é o exemplo mais forte do quanto se perpetua discriminação nesses espaços. O machismo e a LGBTfobia são muito presentes. Quem nunca ouviu, quando criança, que futebol era coisa de menino? Ou quando um juiz e jogadores são xingados de “viado” pela torcida? Em fevereiro deste ano, o jogador do Vasco, Felipe Bastos, usou palavrashomofóbicas para hostilizar jogadores e a torcida do Fluminense, com quem disputou a final da Taça Guanabara.

Casos como esses ganham maior destaque no futebol, pela forte influência que esse esporte tem no Brasil. O preconceito se perpetua em todas as modalidades, como no caso de Diego Hypólito. O esporte, de um modo geral, costuma ser hostil com a comunidade LGBT, e parte disso está enraizado em nossa cultura. Prova disso é utilizar termos pejorativos, de cunho LGBTfóbic, para agredir outra pessoa, como no exemplo já citado.

Enquanto o futebol é considerado “coisa de homem”, a ginástica é “coisa de mulher”. Esse reflexo de uma cultura machista, opressora e LGBTfóbica, atrapalha o crescimento do esporte no país. Muitos pais de meninos têm receio que seus filhos se arrisquem em acrobacias na ginástica, segundo uma entrevista do técnico Marcos Goto para o site UOL.

“Se meu filho fizer ginástica ele vai virar mulher”, relata. Em 2012, Goto era técnico do atleta Arthur Zanetti. Uma das apostas das olimpíadas daquele ano, Zanetti teve sua carreira desmoralizada após um vídeo íntimo vazado, com ocorreu com o também atleta Sérgio Sasaki. Exposto ao lado de outro homem, todo o seu trabalho foi colocado em xeque.

O preconceito que fez Hypólito esconder sua sexualidade por anos, e julgou o talento de Zanetti, também colocou em questionamento a participação de Tiffany Abreu como jogadora de vôlei. Em um caso recente, Tiffany, a primeira mulher trans a participar da Liga Feminina de Vôlei, foi vítima de transfobia. Durante um jogo, em março deste ano, após marcar um ponto para o seu time, o técnico do time do adversário, Bernardinho, foi flagrado pela transmissão da TV dizendo: “Um homem é f**da”. O insulto transfóbico não ficou restrito apenas a Bernardinho, mas também partiu de outras jogadoras. O desempenho de Tiffany foi criticado devido a fatores biológicos da atleta.

Além do preconceito, o anonimato da sexualidade no esporte abre uma brecha para casos de abuso. Em sua entrevista, Hypólito também relatou de abusos sofridos durante trotes por outros ginastas. “Já me deixaram pelado, junto com outros dois atletas, para escrever no nosso peito a frase “Eu”, “sou”, “gay”. Uma palavra em cada um para nos humilhar”. Em 2016, o técnico da seleção brasileira de ginástica, Fernando de Carvalho Lopes, foi acusado de abusar sexualmente de cerca de 40 atletas. Na ocasião, Hypólito prestou depoimento e relatou o bullying sofrido pela equipe do treinador que permitia ataques de cunho sexual.

O fato de Hypólito revelar sua sexualidade, apesar de não ter obrigação, é de extrema importância para a visibilidade e representatividade LGBT no meio esportivo. Ao lado do ginasta e de Tiffany, outros atletas se unem para formar uma rede na luta contra o preconceito. Ian Matos (saltos ornamentais), Marta (futebol) , Rafaela Silva (judô), Larissa França (vôlei), Mayssa Pessoa (handebol) entre outros, mostram o talento e o orgulho da comunidade LGBT e servem de inspiração para novos atletas. Precisamos expor os casos de LGBTfobia no esporte quantas vezes forem necessárias para que isso acabe. Basta!

No mês contra a LGBTfobia, mais uma data histórica…

Ontem, 23, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para criminalizar a LGBTfobia no Brasil. Até agora, seis, dos 11 ministros, votaram a favor de enquadrar o discurso de ódio e a violência contra a população LGBT na Lei do Racismo (Lei 7.716/89). As duas ações em votação tratam da omissão do Congresso, que há 18 anos discute o tema, mas não define uma lei para punir os agressores.

O debate que ocorre no STF desde  fevereiro, já tinha os votos favoráveis dos ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Na tarde de ontem, a ministra Rosa Weber e o ministro Luiz Fux votaram a favor da criminalização. O julgamento foi suspenso e será retomado no dia 5 de junho para o voto dos outros cinco ministros. Essa é a terceira vez que a votação é suspensa, desde 13 de fevereiro, data em que a sessão foi iniciada. 

Em 18 anos de omissão do Congresso para criminalizar a LGBTfobia, de 2000 a 2018, 4.151 LGBT foram assassinados no país, segundo dados do Grupo Gay da Bahia. Assim que o julgamento for concluído, qualquer tipo de agressão ou discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros será crime no Brasil. A decisão do STF é uma grande vitória para uma população que vive em meio a governo conservador presidido por um LGBTfóbico.

Ver também: Não podemos esquecer de criminalizar a LGBTfobia

 

Deivid Pazatto é jornalista egresso da UFN. Foi repórter da Agência Central Sul e monitor do Laboratório de Produção Audiovisual (Laproa) durante a graduação. É militante do movimento LGBTQ+, aborda questões pertinentes sobre essa temática em seus textos.

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Nos últimos dias, a comunidade LGBT passou por duas datas importantes no que confere o momento de reivindicarmos nossos direitos. Em 15 de maio, o dia do orgulho de ser travesti e transexual; já no dia 17, o dia internacional contra a LGTBfobia. Esse texto poderia ser uma reflexão sobre a importância dessas datas para a visibilidade da comunidade LGBT, mas, neste mês, outro assunto que envolve visibilidade e preconceito ganhou destaque: o ginasta olímpico Diego Hypólito se declarou homossexual. Mas o que tem demais nisso? O relato de alguém que sofreu homofobia no esporte e o impacto do preconceito na vida de um atleta.

Em uma entrevista especial para o site UOL, no início de maio, Hypólito contou sobre o seu processo de descoberta e aceitação como homossexual, acompanhado pelo medo e a culpa. O preconceito no esporte e das grandes marcas patrocinadoras levaram o ginasta a esconder e não aceitar a sua sexualidade por anos. “Eu tinha certeza que se um dia eu saísse do armário publicamente, perderia patrocínios e minha carreira seria prejudicada”, desabafa.

Após a declaração do ginasta, diversos sites de notícias publicaram trechos de sua entrevista. Instantaneamente, inúmeros comentários surgiram nas publicações. Entre apoio e admiração, um comentário, ou melhor, vários comentários que diziam: “ele foi o último a saber”, me chamaram a atenção. Durante anos, o ginasta foi muito questionado a respeito de sua sexualidade, e algumas pessoas até já “desconfiavam” ou “sabiam” que ele era/é homossexual. Entretanto, ele não foi o último a saber da sua sexualidade, mas as pessoas foram às últimas a entenderem que ele é mais uma vítima de homofobia no esporte.

Imagens: OpenClipart-Vectors/Pixabay

O preconceito no esporte é algo real e precisa ser combatido. O futebol é o exemplo mais forte do quanto se perpetua discriminação nesses espaços. O machismo e a LGBTfobia são muito presentes. Quem nunca ouviu, quando criança, que futebol era coisa de menino? Ou quando um juiz e jogadores são xingados de “viado” pela torcida? Em fevereiro deste ano, o jogador do Vasco, Felipe Bastos, usou palavrashomofóbicas para hostilizar jogadores e a torcida do Fluminense, com quem disputou a final da Taça Guanabara.

Casos como esses ganham maior destaque no futebol, pela forte influência que esse esporte tem no Brasil. O preconceito se perpetua em todas as modalidades, como no caso de Diego Hypólito. O esporte, de um modo geral, costuma ser hostil com a comunidade LGBT, e parte disso está enraizado em nossa cultura. Prova disso é utilizar termos pejorativos, de cunho LGBTfóbic, para agredir outra pessoa, como no exemplo já citado.

Enquanto o futebol é considerado “coisa de homem”, a ginástica é “coisa de mulher”. Esse reflexo de uma cultura machista, opressora e LGBTfóbica, atrapalha o crescimento do esporte no país. Muitos pais de meninos têm receio que seus filhos se arrisquem em acrobacias na ginástica, segundo uma entrevista do técnico Marcos Goto para o site UOL.

“Se meu filho fizer ginástica ele vai virar mulher”, relata. Em 2012, Goto era técnico do atleta Arthur Zanetti. Uma das apostas das olimpíadas daquele ano, Zanetti teve sua carreira desmoralizada após um vídeo íntimo vazado, com ocorreu com o também atleta Sérgio Sasaki. Exposto ao lado de outro homem, todo o seu trabalho foi colocado em xeque.

O preconceito que fez Hypólito esconder sua sexualidade por anos, e julgou o talento de Zanetti, também colocou em questionamento a participação de Tiffany Abreu como jogadora de vôlei. Em um caso recente, Tiffany, a primeira mulher trans a participar da Liga Feminina de Vôlei, foi vítima de transfobia. Durante um jogo, em março deste ano, após marcar um ponto para o seu time, o técnico do time do adversário, Bernardinho, foi flagrado pela transmissão da TV dizendo: “Um homem é f**da”. O insulto transfóbico não ficou restrito apenas a Bernardinho, mas também partiu de outras jogadoras. O desempenho de Tiffany foi criticado devido a fatores biológicos da atleta.

Além do preconceito, o anonimato da sexualidade no esporte abre uma brecha para casos de abuso. Em sua entrevista, Hypólito também relatou de abusos sofridos durante trotes por outros ginastas. “Já me deixaram pelado, junto com outros dois atletas, para escrever no nosso peito a frase “Eu”, “sou”, “gay”. Uma palavra em cada um para nos humilhar”. Em 2016, o técnico da seleção brasileira de ginástica, Fernando de Carvalho Lopes, foi acusado de abusar sexualmente de cerca de 40 atletas. Na ocasião, Hypólito prestou depoimento e relatou o bullying sofrido pela equipe do treinador que permitia ataques de cunho sexual.

O fato de Hypólito revelar sua sexualidade, apesar de não ter obrigação, é de extrema importância para a visibilidade e representatividade LGBT no meio esportivo. Ao lado do ginasta e de Tiffany, outros atletas se unem para formar uma rede na luta contra o preconceito. Ian Matos (saltos ornamentais), Marta (futebol) , Rafaela Silva (judô), Larissa França (vôlei), Mayssa Pessoa (handebol) entre outros, mostram o talento e o orgulho da comunidade LGBT e servem de inspiração para novos atletas. Precisamos expor os casos de LGBTfobia no esporte quantas vezes forem necessárias para que isso acabe. Basta!

No mês contra a LGBTfobia, mais uma data histórica…

Ontem, 23, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para criminalizar a LGBTfobia no Brasil. Até agora, seis, dos 11 ministros, votaram a favor de enquadrar o discurso de ódio e a violência contra a população LGBT na Lei do Racismo (Lei 7.716/89). As duas ações em votação tratam da omissão do Congresso, que há 18 anos discute o tema, mas não define uma lei para punir os agressores.

O debate que ocorre no STF desde  fevereiro, já tinha os votos favoráveis dos ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Na tarde de ontem, a ministra Rosa Weber e o ministro Luiz Fux votaram a favor da criminalização. O julgamento foi suspenso e será retomado no dia 5 de junho para o voto dos outros cinco ministros. Essa é a terceira vez que a votação é suspensa, desde 13 de fevereiro, data em que a sessão foi iniciada. 

Em 18 anos de omissão do Congresso para criminalizar a LGBTfobia, de 2000 a 2018, 4.151 LGBT foram assassinados no país, segundo dados do Grupo Gay da Bahia. Assim que o julgamento for concluído, qualquer tipo de agressão ou discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros será crime no Brasil. A decisão do STF é uma grande vitória para uma população que vive em meio a governo conservador presidido por um LGBTfóbico.

Ver também: Não podemos esquecer de criminalizar a LGBTfobia

 

Deivid Pazatto é jornalista egresso da UFN. Foi repórter da Agência Central Sul e monitor do Laboratório de Produção Audiovisual (Laproa) durante a graduação. É militante do movimento LGBTQ+, aborda questões pertinentes sobre essa temática em seus textos.