A vista vinha de uma criança, com cerca de seus nove anos, que acabara de ganhar o seu primeiro animal de estimação. É satisfatório pensar que ali a felicidade estava empregada na forma mais pura e bonita. O protótipo de filhote, que nas minhas mãos, lambia com o sentimento de amor novato, dormia a quase todo o momento em meu colo, ou em alguma almofada que estava por perto.
De cor preta, vira-lata, porte pequeno, exibia o charme com o seu sorriso desajeitado toda vez que eu, ou alguém da família chegava em casa, por muitas vezes, a felicidade era tanta, ao ponto dela mesma realizar suas necessidades de forma involuntária. O amor crescia a passos pequenos, cada dia mais.
O ano era 2014, recém tinha chegado da escola, logo perto do horário do almoço, o cansaço era visível no olhar, e a única coisa que eu mais gostaria, era do mesmo sorriso desajeitado, que na porta de casa, sempre me esperava. Abri a porta e logo a visão embaralhou-se, olhei para o sofá e logo de cara enxerguei a minha mãe, carregando no colo, o amor em forma de animal de estimação.
Os olhos desceram até onde se pode fazer o foco do que estava acontecendo, a pata esquerda tinha sido fraturada e semelhante a um balanço de pneu, balançava quase que sem parar. O som ao fundo, era misturado com gritos e ganidos intensos, a única solução era o veterinário mais próximo.
O carro naquele momento assemelhava-se a um cavalo que sofre chicotadas para acelerar os passos, a cirurgia já estava marcada por telefone, ao chegar lá, era só pedir a Deus e entregar nas mãos de quem poderia consertar aquela situação. Horas mais tarde a notícia do resultado vinha por telefone, era como um soco na boca do estômago, acabara não resistindo a anestesia, sofrendo um ataque do coração, quase que de imediato.
A tristeza estava plantada em todos que conviviam com aquele animal. A questão é, será que era para ser a hora dela?
Há alguns dias, estive relembrando esse momento junto da família, todos superados, mas com um toque de saudade dentro de cada coração. Eu nesse dia, tive que sair para o trabalho logo após o almoço. Ao sair da garagem dentro do carro, observei de longe um animal que vinha em minha direção. Como sempre minha mãe, senhora Divânia, deixa um pote de comida e água na porta de casa, era o mais provável de acontecer quando aquele animal chegasse mais perto.
O animal caminhava cada vez mais perto, mas algo estava errado, ele mancava como se algo o tivesse machucado, aproximando-se, consegui vê-lo, e a vontade de chorar veio segundos depois. O vira-lata assemelhava-se com o meu maior presente de anos atrás, e o problema que ele tinha, era o mesmo. Não sei dizer o que senti naquele momento, mas quando ele cruzou pelo carro, um olhar melancólico me hipnotizou, como se uma parte da minha infância fosse toda relembrada em questão de segundos, e o sentimento de saudade aflorar-se da forma mais bonita, um amor novato.
Texto: Kauan Costa
Crônica produzida durante o primeiro semestre de 2019 para a disciplina de Jornalismo II sob a orientação do professor Carlos Alberto Badke