Sempre fui uma pessoa do jornalismo, apesar de ter demorado para perceber. Algo sobre o tempo no jornalismo sempre me incomodou. Adianto que o incômodo era totalmente enquanto leitora. A posteriori, como jornalista, as coisas mudaram em partes.
Fui uma leitora de revistas quinzenais que demoravam para chegar nas bancas próximas de casa. A leitura era um momento especial e aguardado na rotina. Da espera pela nova edição, a conclusão da leitura e recomeço do ciclo. Na mesma época, as publicações começaram a disponibilizar o conteúdo na internet. Muitas amigas sabiam que não havia necessidade de “gastar dinheiro” com versões impressas, pois em poucos dias o mesmo texto estaria disponível online. Porém, para mim sempre foi muito mais do que o consumo das matérias por um instante. A leitura nunca expirava ao fim dos quinze dias. Em diversos momentos me peguei folheando revistas “antigas” e “ultrapassadas”.
Nos primeiros períodos do curso de Jornalismo senti o incômodo voltando e pensava “por que faremos o que faremos?”. Claro que a tendência natural é se culpar, questionar o que há de errado em nós e duvidar das próprias escolhas. “Será que eu sirvo pra isso?”.
Só consegui entender o que sentia quando, no terceiro semestre, tive contato com o conceito da “estrela de sete pontas”, do Felipe Pena. Foi no jornalismo literário e na ideia de perenidade que me encontrei. Ali sim havia um propósito para o que eu sentia e o que me levou a escolher a profissão.
Mas o que é perenidade hoje? O que fazemos – ou deixamos de fazer -, o que contamos e o que vivemos irá permanecer? Que ações merecem o cuidado do olhar de quem vê a narrativa do hoje sendo relevante no futuro?
Houve um tempo que, com certa frequência, se ouvia dizer que os erros são mais lembrados que os acertos. Hoje, infelizmente, acredito que tão pouco lembramos dos dois. Não há mais hoje. Cada mísero momento do presente é ignorado na busca por um futuro. Uma posteridade que nunca chega, pois ela se aniquila quando muda o nome de Hoje para Agora.
Então, por que fazemos o que fazemos? Por onde andam e por quanto tempo vão permanecer as histórias que queremos contar?
Enquanto isso, em Santa Maria, pessoas pedem justiça para que a “Kiss” não se repita. Em outros lugares, 242 é só um número. Daniela Arbex escreveu sobre a nossa história. Sobre várias delas. Através do mosaico construído por Arbex, sabemos que o dia 27 de janeiro de 2013 se repete todos os dias e noites. Obrigada, Daniela.
O que faz nossa memória? O que é preciso em um acontecimento para que ele seja inesquecível? Se na esfera privada é difícil identificar, talvez no coletivo seja impossível identificar ou criar uma fórmula capaz de impedir o esquecimento. A nossa memória também é política?
Pelo mundo todo pessoas gritam “Marielle, presente!”, mas por quanto tempo serão ouvidos? Mesmo antes do assassinato da vereadora deixar de ser “factual” alguns diziam que é necessário superar. “Daqui alguns dias ninguém mais lembrará”. Lembraremos. Espero.
O que Gay Talese pensaria sobre os conceitos de “Fama e anonimato” em tempos de Instagram?
Tantos livros sobre a Segunda Guerra Mundial, tantas denúncias sobre os horrores causados pelo Nazismo. E para quê? Mesmo com todos os relatos, alguns mal informados e “maus”, tentam distorcer a realidade. Não importa o quando tentem, puxem, estiquem e virem do avesso. Essa história só se dobra para a direta.
Em 2015, a jornalista Svetlana Aleksiévitch ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Entre as obras de Svetlana está o livro “Vozes de Tchernóbil” que conta as histórias de quem viveu e morreu na zona afetada pelo acidente nuclear. São relatos de dor, descaso, superação, lições para o futuro e esquecimento. Muito esquecimento, afinal para quantos de nós essas vozes chegaram? Você ouviu alguma delas por aí? Algumas delas estão na série “Chernobyl”, disponível no serviço de streaming da HBO.
O mesmo parece acontecer com “Hiroshima”, de John Hersey, que na data de publicação mostra a realidade não antes revelada aos americanos sobre os danos causados pela bomba que “salvou suas vidas”. O livro mudou a perspectiva da população americana sobre o ataque nuclear. Mas hoje alguém ainda se importa? Ou estamos há anos percorrendo um caminho sombrio que parece levar para o mesmo destino? Resta saber quem contará os próximos capítulos.
Em meio ao caos instaurado ao redor do mundo, uma jovem democracia que sofre nas mãos de velhos padrões, o meio ambiente que opera no cheque especial, etc. De todas as perguntas sem respostas, há aquela que se destaca. Por que fazemos o que fazemos?
Será que vamos dar conta de tornar as narrativas do hoje perenes até o futuro? Ou vamos perder a perenidade do nosso tempo para suprir a necessidade de ser instantâneo?
Arcéli Ramos é jornalista egressa da UFN. Repórter da Agência Central Sul em 2015. Com pesquisas na área jornalismo literário e linguagem, hoje também estuda “Pesquisa de tendências”. É colaboradora na New Order, revista digital na plataforma Medium, e produz uma newsletter mensal