Caminhando por uma estrada de terra, à minha direita algumas casas de madeira que ficam um pouco abaixo do nível da estrada, todas elas cercadas com arame, pedaços de madeira e telhas. Em um dos pátios, um cachorro, amarrado a uma corrente, me acompanha com os olhos. Do outro lado, a alguns metros de distância, trilhos enferrujados de uma antiga ferrovia. Enquanto imagino para onde aqueles trilhos levam, eu vejo, logo a frente, alguns meninos jogando taco, “três pra trás entrega os taco”, aquilo me fez lembrar minha infância.
Naquele local, onde o trem nunca chega, mas também onde a esperança nunca morre, conheci Amanda, que não para um minuto de se mexer, de sorriso fácil e chiclete sempre na boca. Sonha em ser veterinária. Para uma menina tão nova, mostra uma desenvoltura em se comunicar que dá inveja em qualquer jornalista ou apresentador. Também conheci Kauã, que sempre frisa que seu nome é com k e sem n no final. Além deles, Gabriel, que em uma das nossas conversas me disse querer ser policial: “quero prender as pessoas que fazem mal”, e Kaila, que quando crescer quer ser como Dandara, mulher guerreira e a frente do seu tempo. Kaila, apesar da pouca idade, enfrenta as dificuldades da vida como uma guerreira, como Dandara um dia fez.
Todos com menos de 10 anos de idade, sonham, imaginam, enquanto a vida passa lentamente na frente dos seus olhos e os trilhos enferrujam um pouco mais. A realidade dessas crianças é dura, me faz ter vontade de pegar uma a uma pela mão e levá-las dali, descobrir com elas onde esses trilhos vão dar, mas não posso. Estou só de passagem. O que posso fazer? Dar um pouco de carinho, atenção, arrancar um sorriso dos seus rostos em vez de lágrimas. E aprender que, por mais que passemos a vida inteira atrás de “algo”, no fim percebemos que o que procuramos não importa, só o que deixamos aos outros, além das coisas simples e boas que fazemos ao longo do caminho.
Escrevo essas palavras na minha última visita, me despeço com algumas lições e lembranças na mochila. Ao olhar para trás, torço uma última vez para o trem chegar, mas ele não chega. Então sigo em frente, na esperança de que as crianças que conheci naquele lugar encontrem algo além dos trilhos e sejam tudo o que elas quiserem ser.
Fabian Lisboa é acadêmico de jornalismo na UFN e escreveu este texto a partir de sua experiência na disciplina de Projeto de Extensão em Comunicação Comunitária II, em que atuou junto à ONG Estação dos Ventos.