Quando penso em inimigos, em especial nas nefastas circunstâncias que estamos (e até mesmo fomos impostos), lembro de uma passagem de “Assim Falou Zaratustra”, de Nietzsche. Na descrição exausta do Zoroastrismo, é dito:
Mas o pior inimigo que podes encontrar será sempre tu mesmo; espreitas a ti mesmo nas cavernas e florestas.
Ó solitário, tu percorres o caminho para ti mesmo! E teu caminho passa diante de ti mesmo e dos teus sete demônios!
A passagem, que provoca uma reflexão e ação sobre a nossa própria conduta no mundo, sobre a nossa existência e a relevância da alma para progredir, encontramo-nos abruptamente com o nosso pior inimigo: nós mesmos.
O efeito lupa da pandemia, que fez com que parte de nós trabalhássemos de casa, sentados na cadeira, olhos cansados na tela e dedos beirando à loucura do ato de digitar, encontramo-nos, mesmo que rodeados, com nós mesmos.
É como se tivéssemos um espelho de altura e largura imensuráveis em nossa frente: ao fixarmos o olhar, o reflexo põe-se a devolver, indiscretamente, a contemplação.
Quem somos?
É a pergunta hermética cravada em cada canto que a mente alcança. Quem nós somos quando vejo a minha espécie não fazendo jus à tradicional distinção entre racionalidade e irracionalidade?
É ubíquo o sentimento de tristeza ao vermos aglomerações, festas clandestinas, a máxima irresponsabilidade para com o outro?
Ponho-me novamente a pensar, quase na lógica de Zaratustra: é verídico que a linha que me diferencia minha espécie é uma suposta racionalidade autodenominada?
Minha alma e meu espírito se entristecem, de tal forma que o próprio ato de esperança, ação e reforma sociais, frente ao inimigo biológico, acaba no estado diminuto. Um choro preso, sufocado, sem esperança ou mesmo vontade.
Minha mente torna-se errática: então, somos racionais ou não?
A prova se concretiza: não sou capaz de vencer meus impulsos primários para o bem-comum?
De que sou feito, então?
Žižek, filósofo esloveno, dá-nos, talvez, um possível caminhos para as inquietações. Segundo ele, o que fornece concreto para a ação não é mais uma resposta simples. É, então, a capacidade de fazermos perguntas que não fazíamos antes.
A pergunta que talvez devêssemos fazer para a ação necessária ao vencimento do obstáculo atual é: quem é nosso pior inimigo?
Por Erick Kader Callegaro Correa, coordenador do curso de Letras da UFN.