Entre idas e vindas, Santa Maria é conhecida por ser uma cidade universitária que forma acadêmicos em instituições de ensino e capacita-os para ingressar no mercado de trabalho após a entrega do diploma. A cidade recebe interessados em começar o ensino superior que moram em cidades vizinhas, na região sul e em outros estados. Entretanto, apenas a qualidade de ensino é ressaltada quando estes jovens se formam e decidem como irão seguir com suas carreiras. A ideia de permanecer e trabalhar na cidade é percebida em poucas falas quando o tema “futuro” é colocado em pauta.
Para os que permanecem na cidade, a tendência explorada é a capacitação para aprimorar conhecimento e se tornarem aptos para buscar empregos com salários mais altos. Para os que partem, a busca por oportunidades surge com a mudança de ares, explorando lugares e empresas que Santa Maria ainda não possui. O empreendedorismo surge como uma terceira via para aqueles que querem se diferenciar daqueles que fazem parte do mesmo mercado de trabalho. A seguir você confere três perspectivas diferentes de profissionais que compartilham suas experiências e percepções sobre a vida acadêmica e profissional em Santa Maria.
O Desafio do Mercado
Francinny Nunes, publicitária de 27 anos, natural de Quaraí, escolheu Santa Maria em 2015 pela proximidade de sua cidade natal e pela qualidade do ensino da Universidade Franciscana (UFN). Após um ano e meio de formada, sua perspectiva mudou drasticamente com a pandemia. “Faltam empregos e um plano de carreira para quem se forma em Comunicação. Santa Maria parece ter um prazo de validade para os estudantes. A maioria acaba indo embora assim que se formam, pois o mercado é limitado”, afirma Francinny.
Ela destaca que as oportunidades e salários como pessoa jurídica são muito melhores fora da cidade. Mesmo com os desafios impostos pela pandemia, a área de comunicação permanece pouco explorada em Santa Maria, onde muitos empreendimentos focam no marketing digital e em serviços terceirizados, como produção de eventos.
A publicitária recorda que, em 2015, as opções eram escassas: “Era Santa Maria ou Porto Alegre. Optei por Santa Maria por ser mais perto e porque passei de primeira no vestibular. O plano de estudo da UFN era ótimo, e jamais trocaria isso”. No entanto, após a formatura, as circunstâncias mudaram. “Permaneci em Santa Maria por um ano e meio, mas com a pandemia, pedi demissão e voltei para Quaraí, onde trabalho como PJ (pessoa jurídica) até hoje.”
Quando questionada sobre o que poderia tê-la feito ficar, ela responde: “Talvez se o mercado da comunicação fosse maior e mais valorizado, eu teria mudado de ideia. O que ganho como PJ hoje, jamais ganharia como CLT em Santa Maria”.
Ela ainda observa que a cidade não está preparada para a quantidade de estudantes que se formam anualmente. “Falta emprego, plano de carreira, entretenimento e cultura. Esse foi um dos pilares que me fez ir embora durante a pandemia e não querer voltar mais.”
A busca por pertencimento
Ana Paula Devitte Fontes, psicóloga de 28 anos, mudou-se para Santa Maria após o ensino médio, com o objetivo de cursar Psicologia na UFN. Após a formatura, em 2019, a pandemia complicou suas chances de emprego e ela retornou para Uruguaiana. “Acredito que sempre vi Santa Maria como um lugar transitório. Se tivesse encontrado melhores oportunidades, poderia ter permanecido mais tempo. A falta de um sentimento de pertencimento contribuiu para minha decisão de sair”, revela Ana Paula.
De acordo com o IBGE, com base nos dados coletados no Censo em 2022, Santa Maria tem a população jovem como dominante no município. Cerca de 22.869 dos habitantes têm a faixa etária de 20 a 24 anos.
A visão do comércio Santa-mariense
A evasão de jovens universitários em Santa Maria é considerada um fenômeno normal para Ademir José da Costa, presidente do Sindilojas região central. Ele destaca que em uma cidade, que possui 2 universidades e 8 faculdades, com uma população universitária significativa, a retenção de jovens formados representa um desafio constante. “A retenção não vai ocorrer muito. Sabemos que se a gente pudesse reter aqui metade dos jovens que formam, a cidade daria um pulo de qualidade, mas a gente não consegue. Então, é normal essa situação da juventude buscar outros voos.”, ressalta o empresário.
A preparação inadequada dos estudantes no ensino médio e na graduação contribui para essa evasão: “As universidades têm que formar gente olhando para o lado mais técnico. De maneira geral, as universidades estão formando gente para ser focada em concursos públicos. Isso tem que mudar. A cabeça das universidades tem que gerar empreendedores.”, afirma Ademir. Outro aspecto abordado é o imediatismo: “Os jovens, hoje em dia, buscam resultados rápidos sem ter paciência para esperar que seu negócio tenha êxito.” Ainda de acordo com ele, em Santa Maria, 80% dos empregos são gerados pelo comércio e serviços, limitando a oferta de salários mais altos, uma vez que a matriz industrial da cidade é pequena. Ele acredita que a retenção dos recém-formados depende da capacidade dos jovens de identificar setores promissores: “O jovem precisa pesquisar os setores que estão gerando mais oportunidades hoje, olhando para o futuro, pensando se o mercado não irá saturar de tudo isso.” Ele cita a informática e a tecnologia como áreas em alta, dada a crescente automação nas empresas. “Todos aqueles serviços que são possíveis de serem feitos por máquinas que facilitam a vida do ser humano vão estar sempre em tendência.”, afirma Ademir.
Atualmente, Santa Maria conta com cerca de 74 mil empregos privados, dos quais aproximadamente 45 mil são gerados pelo comércio e serviços. Ademir reconhece que isso traz desafios para a geração de empregos de qualidade. “Nesse sentido, a gente tem um problema da geração do emprego e da retenção das pessoas. As pessoas se graduam e querem trabalhar naquela área, sabe? Mas nem todos os cursos que têm em Santa Maria mantêm essas ofertas de emprego para todo mundo.”
Para Ademir, a retenção de jovens em Santa Maria não depende apenas de um ambiente econômico mais favorável, mas também de uma transformação na educação que prepare os estudantes para um mercado em constante evolução. A mudança de mentalidade e a busca por novas oportunidades podem ser o caminho para que a cidade não apenas retenha seus talentos, mas também prospere.
Desafios de uma profissional em busca de crescimento
Franciele de Oliveira é assistente financeira e tem 30 anos. Formada em Administração desde 2018, na Faculdade Integrada de Santa Maria (FISMA), veio de Formigueiro em busca de oportunidades. Embora tenha se adaptado à vida na cidade, ela também sentiu falta de oportunidades para os formados em sua área. “Profissionalmente, trocaria de cidade sem pensar duas vezes. Santa Maria parou no tempo. O mercado é escasso e as oportunidades são limitadas. O custo de vida alto torna a situação ainda mais complicada”, afirma. Segundo o site Expatistan, que calcula o custo de vida nas cidades do mundo, o custo mensal para uma única pessoa morar em Santa Maria é o valor de R$3.257,00. Apesar do aumento salarial anunciado em 2024, passando para R$1.412,00, a inexistência dos planos de carreira se torna um dos fatores para escolher sair da cidade, assim como a falta de benefícios oferecidos pelas empresas, como vale alimentação e plano de saúde.
Para Franciele, o empreendedorismo pode ser uma saída, mas enfrenta desafios como a alta concorrência e os custos iniciais elevados. “Faltam empresas que fomentem o crescimento profissional na cidade. O distrito industrial, que poderia ser uma solução, está subutilizado”, ressalta Franciele. Entre os assuntos citados pelos candidatos à prefeitura de Santa Maria nas eleições municipais de 2024, o apoio ao Distrito Industrial surge para atrair eleitores que criticam o descaso com o distrito, sendo um dos geradores de emprego da cidade.
Empreender pode ser uma via?
A vontade de sair de Santa Maria é um tema comum nas conversas dos jovens sobre o mercado de trabalho. Mateus Frozza, professor e coordenador do curso de Administração na Universidade Franciscana, além de mestre em Ciências Econômicas, ressalta que a cidade enfrenta um grande desafio para manter seus formandos. Segundo ele, há muitas oportunidades fora de Santa Maria. “Formamos muitos profissionais mas, com tantas opções disponíveis em outros lugares, é natural que os jovens queiram buscar novos caminhos”, explica.
Frozza observa que muitos recém-formados parecem descompromissados com as exigências do mercado, buscando flexibilidade e qualidade de vida em vez de empregos que exigem mais dedicação. “O que as empresas esperam são profissionais que valorizem a responsabilidade e o cumprimento de horários. Essa desconexão entre o que os jovens querem e o que o mercado oferece é uma barreira”. Enfatiza a importância de reconhecer as diversas oportunidades que surgem em torno das indústrias e serviços em Santa Maria, como contabilidade, marketing e finanças, áreas que ainda precisam de profissionais qualificados.
Além disso, o professor sugere que o empreendedorismo pode ser uma saída viável para aqueles que não se veem inseridos nas profissões tradicionais. “Se os jovens olharem para o que está sendo demandado, como a criação de conteúdo e serviços digitais, poderão encontrar caminhos promissores”, analisa. Ele argumenta que, assim como a diferenciação de produtos no mercado, os profissionais também devem se destacar em suas áreas para garantir sua relevância.
Frozza destaca que a cidade, com suas universidades e instituições de ensino, tem um potencial incrível para formar líderes e inovadores. “Os jovens precisam enxergar que a educação vai além do diploma; é uma ferramenta para se tornarem agentes de mudança em Santa Maria”. Para ele, criar um ambiente de colaboração entre estudantes, empresários e instituições pode ser a chave para revitalizar a economia local e manter os talentos na região.
Assim, para o professor, manter os jovens em Santa Maria vai além de apenas oferecer empregos. É uma oportunidade de mudar a forma de pensar e de se preparar para o mercado. Estar disposto a buscar novas chances e a inovar pode realmente ajudar a cidade a se desenvolver. Se os jovens se dedicarem a isso, Santa Maria não só poderá reter seus talentos, mas também crescer e ter um futuro mais promissor.
Entre permanência e partida
Uma pesquisa exploratória realizada por nossa equipe de reportagem revelou aspectos importantes sobre a intenção de permanência de universitários em Santa Maria após a graduação. De 43 entrevistados, 70% não são naturais da cidade e vieram para cursar o ensino superior. No entanto, 24 desses estudantes afirmaram não ter planos de permanecer no município após se formarem, enquanto outros 19 estudantes responderam que pretendem continuar em Santa Maria.
Entre os motivos mais citados pelos que desejam deixar a cidade, destacam-se a falta de oportunidades para desenvolvimento profissional e a ausência de mercado de trabalho em diversas áreas. Um dos participantes ressaltou que, apesar das boas opções de ensino, “as condições para o desenvolvimento pós-graduação são limitadas e as áreas de trabalho estão ficando escassas”. A pesquisa questionou o que teria que mudar para que os jovens permanecessem na cidade: a necessidade de mais cursos de pós-graduação, maior número de oportunidades de emprego e incentivo ao empreendedorismo tiveram destaque entre as respostas. Também foram citadas melhorias no transporte público, condições mais acessíveis para jovens inexperientes e ajustes nos valores de serviços. “Seria necessário que a cidade se desenvolvesse em áreas socioculturais e abrisse mais espaços para a juventude”, afirmou outro participante.
Por outro lado, o questionário também apontou os motivos daqueles que planejam permanecer em Santa Maria após a formatura. Para muitos, a cidade oferece condições favoráveis e uma estrutura que outras localidades, especialmente interioranas, não conseguem proporcionar. Um dos participantes comentou que Santa Maria é uma cidade “que proporciona oportunidades melhores, mesmo com muitos profissionais na minha área, é uma cidade que ‘abraça’ todos”. Ele destacou que, em comparação com sua cidade natal, o município é mais desenvolvido e oferece melhores condições de vida.
Outros estudantes mencionaram a variedade de opções de entretenimento, comércio e lazer. “Aqui tem mais atrativos não só na área de trabalho, mas em outros aspectos, como entretenimento e lazer”, comentou um entrevistado. Outro participante reforçou a vantagem do custo de vida na cidade, mencionando que “Santa Maria possui um potencial grande e um custo de vida bom para os padrões atuais”. Para alguns, o desejo de permanecer está ligado ao fato de já estarem bem adaptados à vida na cidade. “Me adaptei à cidade, não quero voltar para a minha antiga, e já tenho um lugar fixo para morar, sem pagar aluguel”, declarou um participante. Outros planejam ficar até se estabilizarem financeiramente, para então decidir sobre o futuro.
Os dados mostram que, embora muitos estudantes planejem partir após a graduação, uma parcela significativa encontrou em Santa Maria um lugar para viver, construir uma carreira e desenvolver laços com a cidade.
Acompanhe a seguir o debate sobre o tema.
Reportagem produzida por Aryane Machado, Michélli Silveira e Luíza Maicá Gervásio na disciplina de Narrativa Multimídia, no 2º semestre de 2024, sob orientação da professora Glaíse Bohrer Palma.