Quando começou a chamar a atenção da sociedade, em meados dos anos 70, a homossexualidade foi diretamente relacionada à AIDS. Na época a nomenclatura trazia o prefixo “ismo”, o que referenciava a homossexualidade como doença. Nos dias de hoje a população já começa a aceitar que optar por um (a) parceiro (a) do mesmo sexo é muito mais que uma escolha, mas ainda assim, há preconceito e intolerância vindos de todas as partes do globo.
Em março de 2014, a Uganda, um dos 37 países do continente africano, que discrimina a relação entre pessoas do mesmo sexo, aprovou a lei que decreta prisão perpétua para homossexuais moradores do país. Por conta dessa atitude tomada pelo governo Ugandês, que aprova as demais represálias da população contra gays, o país, que não conta com uma economia ascendente, está perdendo ajuda financeira de países europeus, como a Suécia, que agora deixará de enviar o auxílio de 1 milhão de dólares. Com isso, não só quem é homossexual sofre com as medidas do governo, mas também toda sociedade, independente da opção sexual.
Até que ponto o Estado pode intervir nas escolhas pessoais do cidadão? De acordo com o sociólogo e professor do Centro Universitário Franciscano Guilherme Howes, o Estado deve respeitar a individualidade de cada um. “Eu tenho uma posição muito própria a respeito disso. Acho que a individualidade do sujeito referente sobre tudo a sua sexualidade, sofre uma interferência do Estado bastante grande. […]O Estado regula a nossa sexualidade”, afirma.
Juntamente com o Estado, há princípios religiosos que colocam a homossexualidade como perversão, indo contra as leis da natureza e da vida moral. O sociólogo explica que nascemos seres humanos e construímos nossa identidade sexual ao longo da nossa existência. “Quando as pessoas não gostam da identidade ou querem desconstruir a identidade gay, [por exemplo], elas remetem a um fator natural, a ideia do desde sempre, homem é homem, mulher é mulher e não pode ser diferente disso. Isso não é verdade”, explica.
Para a pastora da Igreja Evangélica Ministério Crescer em Cristo Sara Kormives, não é possível desconstruir o que não existe. Ela aponta que na visão de homem e de mundo existe apenas homem e mulher e não um terceiro gênero. “Na nossa visão não existe a construção de um terceiro gênero, a não ser por escolha de comportamento”, afirma.
De acordo com o sociólogo, a relação entre pessoas do mesmo sexo já perpassa séculos. Os cidadãos da antiguidade ou da renascença, por exemplo, só se relacionavam com outros homens e isso porque somente um homem estava à altura de um estatuto humano de outro homem. Segundo Howes, só um homem era merecedor do amor puro e digno de outro homem, o que não acontecia com as mulheres. O professor explica que as mulheres nessa época estavam abaixo do estatuto, portanto não merecedoras do amor de um homem.
Segundo Howes, esse status mudou com a chegada do Iluminismo – também conhecido como Século das Luzes, um movimento cultural europeu do século 18, que buscou mobilizar o poder da razão, com o intuito de reformar a sociedade – onde se construiu outros padrões de sexualidade. “Levou-se alguns séculos para que se descontrua um (padrão) e se construa outro”, declara.
Segundo a pastora, a visão da Igreja Evangélica a respeito da homossexualidade tem como parâmetro a bíblia. De acordo com essa visão, a homossexualidade é um desvio de conduta. “Assim ela [homossexualidade] é enquadrada na bíblia, como esse desvio, alguma coisa que está fora desse padrão pré-estabelecido por Deus. Não é algo que Deus criou assim”, afirma.
Para a pastora, o argumento utilizado por homossexuais de que a opção sexual não é questão de escolha, mas sim algo que está intrínseco àquele ser humano, não é válido, pois não é confirmado cientificamente.
De acordo com Sara, não existe descriminação em relação às pessoas, mas sim ao comportamento, quando esse é visto pela bíblia como um desvio. “As pessoas nunca são descriminadas por aquilo que elas escolhem ou por aquilo que elas fazem. Quando a gente olha o ser humano pela bíblia, você vai ver que o homem se desviou de Deus , da presença de Deus. Não foi o homossexual, foi o ser humano”, declara.
Quando o preconceito começa em casa
Lucas** tem 22 anos, é formado em Ciências da Computação e mora em Santa Maria, com amigos que conheceu em um intercâmbio para Portugal. Lucas é homossexual. Ele recorda que desde o início da adolescência já sentia que não tinha os mesmo interesses que os garotos da sua idade. Lucas se assumiu aos 18 anos e afirma nunca ter tido problemas por conta de sua orientação sexual, a não ser por parte da família. “Todos os meus problemas começaram na minha família. Se não fosse eles, eu teria me assumido muito mais cedo do que eu me assumi”.
Lucas conta que teve uma formação religiosa evangélica. Antes de se assumir, mantinha pensamentos de que não poderia ser gay, que era pecado. “Eu já sabia que era gay a muito tempo e tentava mudar isso dentro de mim. Chegou o ponto que eu tentei [mudar] todos os dias e não consegui”, lembra.
Na época, a mãe de Lucas, que estava casada com um pastor, começou a ficar intrigada com o fato de o filho sair muito para a balada, o que ele não fazia antes. Nesse meio tempo Lucas começou a namorar um rapaz e relata que tinha receio que a família fosse descobrir. O padrasto resolveu investigar o que Lucas estava fazendo e mexeu em seu computador pessoal.
“Minha mãe descobriu que eu era gay e surtou, não sabia como reagir, só chorava pelos cantos”, relata. Lucas e a mãe ficaram uma semana sem se falar. Passado esse período, Lucas decidiu que estava na hora de conversar com a mãe sobre o assunto. Lucas assegurou para a mãe que a orientação sexual não ia mudar o fato de ele ser um “ótimo filho”, mas mesmo assim, ela não aceitou a escolha. “Ela preferia ter um filho sem nada, mas que fosse heterossexual. […]Ela queria que eu mudasse.”, define.
Daquele momento em diante os conflitos só aumentaram. Um dia quando voltava da balada, o padrasto o impediu de entrar em casa. No outro dia a mãe o colocou para fora de casa. “Joguei tudo o que eu tinha dentro de uma mala e saí. Sentei na praça na frente de casa. Não sabia o que ia fazer. Ai caiu a ficha e eu comecei a chorar muito”, recorda.
Lucas destaca que o padrasto foi uma “aberração” em sua vida. “Todos os problemas que eu já tive na minha vida, grande parte deles foi por causa dele (o padrasto)”. Lucas comenta que os dois vivam em conflito, que trocavam agressões verbais e físicas. De acordo com Lucas, o padrasto não parecia por em prática os ensinamentos bíblicos. “Eu não via nenhum evangelho nele do tipo amar as pessoas. Ele sempre quis me bater, me quis fora de casa, queria que eu me ferrasse”, assegura.
Um mês após ter saído de casa, Lucas embarcou em um intercâmbio, mas ficou sem dinheiro. Sem ter muitas opções de para quem pedir ajuda, entrou em contato com a mãe para que ela lhe ajudasse. Porém, o padrasto interferiu novamente na relação de Lucas com a mãe. Por meio de uma rede social, o padrasto foi enfático quanto ao que queria para Lucas: “Teus problemas só estão começando. Eu quero que tu se ferre. Se tu precisa de dinheiro vai dar o c* para conseguir dinheiro, porque tua mãe não vai ficar sofrendo por causa tua e se alguma coisa acontecer com ela tenha certeza que tu é o responsável”, relata.
Ao voltar para Santa Maria, Lucas marcava encontros em cafés para ver a mãe. Ele conta que tinha medo de convidar a mãe para conhecer o lugar onde estava morando, por conta do padrasto. “Eu não queria que ela soubesse onde eu estava morando por medo. Esse cara me bateu algumas vezes dentro de casa”, descreve.
Por conta da escolha de Lucas, o laço que ele tinha com a mãe se desfez. “Eu defino meu sentimento por ela não mais de amor de mãe e também sem nenhum ódio, talvez desprezo”. Hoje, a mãe não mora mais em Santa Maria e eles se só falam por telefone em ligações mensais.
Lucas me contou sua história de forma muito espontânea, sem hesitar. Parecia como uma conquista poder falar sobre sua sexualidade. Mas de acordo com Lucas, falar dessa forma sobre seus problemas é um modo de conseguir lidar com eles. “Talvez o fato de tratar com tanta naturalidade ou tentar esquecer esses problemas, me fazem tornar esse assunto simplista, coisa que não é“. Porém, mesmo por todos os obstáculos pelos quais Lucas passou, hoje ele avalia que tudo foi um aprendizado. “Essa época da vida, as dificuldades que eu passei foram como uma escola para mim, escola de maturidade”. Lucas destaca que o único preconceito que sofreu por conta da orientação sexual veio da família. “A partir do momento que eu saí de casa não tive problemas com as pessoas saberem sobre a minha sexualidade”, assegura.
“Hoje minha vida é excelente”. comemora Lucas.
**O nome foi alterado para preservar a identidade da fonte