Ocorreu na tarde de sábado (23), em Santa Maria, o “Ato contra a redução da maioridade penal”. O Ato estava previsto para ser na Praça Saldanha Marinho mas, em função da chuva, foi transferido para a boate do DCE da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), na rua Professor Braga, 79.
O Teatro do Buraco, composto por Greice Morati, estudante de Relação Públicas na UFSM, e Gelton Quadros, ator, diretor e formado em Teatro pela UFSM, abriram o Ato com uma intervenção teatral: “Você não me conhece?”.
“Você não me conhece?” nos leva para a realidade de um menor de idade, negro, crescido numa família desestruturada, na periferia. O ator interpretou o policial e o menor infrator, contando a história de vida de um negro que veio de um meio criminalizado pela sociedade e todas as barreiras que são impostas a ele. “Eu acredito que o ser humano não nasce ruim, a sociedade torna ele ruim”, comentou Quadros sobre a construção da peça e o roteiro, que foi escrito por ele.
“Tu vai reclamar pra quem? Só que eu precisava comer! Só que os manos aí não deixam. Mano, aí ó! Veio o rancho. Encostam como quem não quer nada e tchau, viram tua marmita. Tu vai reclamar pra quem? A gente aguenta como pode, e foi isso que eu fiz, aguentei, mas a barriga berra! E o frio? Já passou frio? Voltei pra rua, vendi raspadinha, vendi suco no asfalto. Alguém aqui já vendeu suco no asfalto? Eu tinha um trampo massa, vendendo jornal, mas aí chega o filho do dono e vem com ‘quem é esse neguinho aí? Não que eu tenha preconceito, mas tem que ver da onde vem esse tipo de gente!’. Eu tenho a cor do medo, do desassossego, da desconfiança” – o ator traz cenas e diálogos que chocam, fazem refletir sobre o preconceito impregnado na sociedade e a discriminação que nasce com a cor.
Debate fez parte da programação
Após a encenação, Alice Carvalho, estudante de Psicologia e integrante do DCE-Unifra e da Juventude Negra Feminina (JUNF), e Leandro Augusto Sassi, Juiz de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria, participaram de um debate acerca do assunto, mediado por Rafaela da Cruz Mello, da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SM.
O juiz se colocou contra a redução e considera que essa medida é “tratar da consequência e não da causa”. Para ele é dever do Estado e da família garantir à criança e ao adolescente desenvolvimento, saúde, liberdade e educação, segundo o Artigo da Maioridade, número 227. Para Sassi o Estado não consegue arcar com esses deveres nem garantir os direitos do jovem e o pune, então não precisa mais se preocupar. “A problemática do Ato Constitucional da prática de delitos por adolescentes está diretamente ligada à falta de estrutura. Hoje, 57% dos jovens que cometeram delitos pararam de estudar antes dos 14 anos e 8% são analfabetos, então estamos no século 21 com adolescentes analfabetos”, argumenta o juiz. Segundo Sassi fica clara a inter-relação entre a falta de oportunidade com a marginalização desses jovens.
A integrante da JUNF problematizou a questão do genocídio do povo negro. Hoje, para cada jovem branco que morre, temos 18 jovens negros que são mortos. Ela também ressaltou o caso do menino Eduardo de Jesus, 10 anos, que foi morto pela PM no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro. “Deveríamos estar discutindo empregabilidade, educação, descriminalização desses grupos, a redução é uma ação violenta do Estado contra a juventude pobre e negra”, disse Alice.
Outras pautas
A legalização da maconha, a guerra às drogas, o preconceito e machismo contra a mulher negra no Brasil também foram pautas do Ato. Geanine Escobar, integrante da JUNF, declamou adaptações de vários poemas sobre juventude, além de outras intervenções artísticas, como a apresentação poética das meninas do Levante Popular da Juventude, e uma apresentação musical do Coletivo de Resistência Artística Periférica (CO-RAP). Este foi um dos vários eventos que os grupos organizadores pretendem realizar na cidade para problematizar os temas e trazer um espaço de reflexão.