Hoje, ao acordar, a primeira coisa que fiz foi ir em direção à cozinha. Ora, não é nada redundante afirmar que este é o percurso padrão de boa parcela das pessoas, afinal de contas comer é uma necessidade fisiológica, e convenhamos, de manhã cedo bate aquela fome…. A questão é: você sabe o que tem ingerido ultimamente? Ou melhor, sem precisar ir tão “longe”, você sabe o que comeu no café da manhã de hoje?
É provável que não façamos vista grossa para alimentos cotidianos. Eu mesmo, hoje, degustei um pequeno pedaço de pão de centeio acompanhado de uma pequena quantia de margarina. É claro que também não faltou o costumeiro copo de leite de vaca. Café da manhã simples e prático. O que eu e você provavelmente não sabíamos é que eu ingeri, neste meu pequeno desjejum, alimentos geneticamente modificados.
Calma, não se assuste. Pode parecer, à primeira vista, algum roteiro de filme da década de 70. Aquelas ideias malucas de “coisas modificadas que ganham vida e tomam controle do seu corpo”. Mas, trata-se apenas de ciência, ciência e alimentos transgênicos. Relaxa que eu vou te explicar.
Você provavelmente já assistiu “X-Men”. A famosa série da Marvel que ganhou o mundo com a sua história de humanos mutantes com superpoderes pode perfeitamente servir como plano de fundo e explicar o que é um alimento transgênico.
Pense em um humano qualquer – pode ser você mesmo. Imagine que esta pessoa foi picada por um mosquito. Após, passou a sofrer efeitos colaterais, como febre, vertigem e desmotivação. Provavelmente a picada do mosquito infectou essa pessoa com algum vírus ou bactéria, debilitando-a. Imagine, agora, que milhares de pessoas foram vítimas da mesma espécie e tiveram sintomas iguais. Bom, se todas estas pessoas não tiverem tratamento médico adequado, é provável que possam falecer. Mas aí temos outro problema: precisamos de muitos profissionais da área da saúde, muitos medicamentos e igualmente leitos para que todos tenham recuperação e tratamento adequado. Mas tudo isso envolve muito dinheiro, seja público ou privado. Quer dizer, a não ser que todos estes homens ou mulheres fossem mutantes, e assim como os X-Men, tivessem algum poder especial para combater esse mosquito antes de serem picados, ou simplesmente possuíssem enorme resistência ao vírus ou bactéria do inseto.
Agora, pense novamente em tudo que foi escrito, mas substitua humanos por “frutas”, “legumes” ou “verduras”. O mosquito seria a metáfora para explicar a ação de pragas ou pesticidas em alguma plantação, e as questões financeiras são os problemas que cotidianamente o agricultor tem de lidar quando sua plantação é destruída pelos “mosquitos”. A grande questão da história é que, infelizmente, os X-Men só existem na ficção. Entretanto, alimentos que sofreram mutações laboratoriais para obter “superpoderes” e resistir a pragas e pesticidas são uma realidade e, para estes, é dado o nome de produtos transgênicos.
Agora que você já sabe o que é um alimento transgênico, deve estar se perguntando acerca da confiabilidade dos mesmos. Para isso, contamos com o auxílio de uma profissional da alimentação para nos explicar melhor. Conversamos com a professora Cátia Stork, do curso de nutrição do Centro Universitário Franciscano. De acordo com Cátia, o debate sobre os benefícios e malefícios de alimentos transgênicos é extenso, de modo que não há como se ter certeza plena acerca do seu consumo.
Os argumentos favoráveis são de que esses alimentos possuem valor nutricional maior do que outros que não sofreram esse processo. “Ele vai aumentar o teor de alguma vitamina especifica, de algum composto fotoquímico, destinado para pessoas com deficiência desse nutriente”, destaca Cátia.
Outro ponto benéfico desse tipo de alimento, segundo a professora, é que a produção pode ocorrer em escala maior, já que os transgênicos são colhidos com maior rapidez e com menor perda por serem resistentes a pragas e agrotóxicos. Uma boa solução, em tese, para a fome que o mundo passa.
Já os pontos contrários dão conta de que o consumo foi modificado para resistir a agrotóxicos, o que pode causar sérios prejuízos à saúde, além da biodiversidade. Adiante, pesquisas carecem de informações que deem conta de benefícios plenos dos transgênicos, servindo o próprio ser-humano como cobaia. Questionada sobre o fato de podermos ou não utilizar alimentos geneticamente modificados com segurança, Cátia foi sucinta: “Se for para um benefício nutricional, sou a favor. Mas com relação à resistência de agrotóxicos já fico em dúvidas, pois carece de estudo. É complicado se posicionar sem ter embasamento cientifico suficiente”, pondera a nutricionista
Pesquisa feita com roedores levantou riscos de câncer
Em setembro de 2012, uma pesquisa francesa, publicada pelo renomado periódico internacional Food and Chemical Toxicology (revista que publica artigos originais sobre os efeitos tóxicos de alimentos e medicamentos em humanos e animais), revelou os resultados de um estudo feito com ratos de laboratório, onde se constatou que após longo consumo de milho transgênico os roedores passaram a sofrer de câncer com três vezes mais frequência.
Coordenado por Gilles-Eric Seralini – professor da Universidade de Caen, na França, o estudo também observou que ratos alimentados com o milho transgênico morreram antes do previsto. Dos detalhes da pesquisa, destaca-se que o roedor alimentado com milho transgênico veio há falecer um ano antes do que a outra cobaia, que estava comendo produtos sem modificações genéticas.
Em outubro do mesmo ano, porém, uma comissão francesa rejeitou os resultados colhidos por Seralini. Segundo o Alto Conselho de Biotecnologia do país, o câncer que adquiriu os roedores da pesquisa não possui ligação alguma com o milho transgênico ao qual consumiram. Para o conselho – que pediu um estudo independente do caso-, o método aplicado por Seralini e sua equipe seria inadequado. O pesquisador rebateu, afirmando que o milho utilizado em suas pesquisas – de procedência de uma empresa chamada “Monsanto”, uma transnacional que produz transgênicos – deveria ser banido da França. Pontuou, porém, que vê com bons olhos a recomendação de se realizar um estudo independente do caso.
Em dezembro de 2009, Seralini – que faz parte de um grupo de pesquisas sobre segurança alimentar, o Criigen – já havia publicado um estudo semelhante, igualmente utilizando ratos como cobaia. Na época – utilizando a mesma metodologia, quando também alimentava os roedores com milho transgênico -, constatou-se que os animais sofreram de graves danos nos fígados e rins, assim como efeitos no coração, baço e glândulas supra-renais.
Brasil é segundo colocado mundial no cultivo de transgênicos
Segundo dados de um relatório feito pelo Isaaa (Serviço Internacional para Aquisição de Biotecnologia Agrícola) em 2014, o Brasil é o segundo país no mundo em área de cultivo de alimentos transgênicos, o que representa 23% do total mundial, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, que contabiliza 40%.
O relatório – que diz respeito ao ano de 2013 – também revelou que os alimentos transgênicos representam 170 milhões de hectares de cultivo no mundo, destes, 40,3 milhões são do Brasil. O país também é o que mais cresce em produção, o que culminou em um amento de 10% quando comparado à coleta de dados referente ao ano de 2012.
A efeito de curiosidade, em 1996 a produção de transgênicos no mundo era de apenas 1,7 milhões de hectares. Os países em desenvolvimentos são os que representam a maior parte em termos percentuais.
Retrocesso informacional
Apesar dos constantes debates inconclusos acerca dos perigos ou não de alimentos transgênicos, uma coisa é fato: o consumidor merece dispor de informações do alimento que vai consumir. Apesar de óbvio, em maio do ano passado um retrocesso: projeto de Lei que elimina a rotulagem de alimentos transgênicos foi aprovado.
Tendo o deputado ruralista Luiz Carlos Heinze (PP-RS) como autor, o Projeto de Lei 4148/2008, que tramitava na Câmara dos Deputados desde 2008, recebeu o voto favorável de 320 congressistas, antes 135 contrários. Como justificativa do parlamentar, Heinze afirmou que o projeto é necessário, pois, segundo ele, alimentos transgênicos são seguros. Além disso, afirma que a proposta não omite informações do consumidor.
A afirmação, porém, carece de maior embasamento, ao passo em que não há nenhum estudo que comprove de forma integral que alimentos geneticamente modificados são seguros ou não. Além disso, o consumidor só irá dispor da informação nos rótulos de comida se a presença de elementos transgênicos for maior que 1%. O projeto, porém, agora precisa ser aprovado pelo Senado Federal.
Ao passo em que países como Portugal proíbem o uso de transgênicos por falta de comprovação de se é ou não seguro, os parlamentares brasileiros aprovas medidas que omitem informações do consumidor.
As vantagens ou desvantagens que contornam os transgênicos podem ser ainda mais ampliadas conforme se estende o debate sobre o assunto. No passo em que novas pesquisas são realizadas a todo momento deve o consumidor ficar atento ao que consome, sempre na busca por uma qualidade de vida melhor.
Por Patrese Lehnhart, Iuri Patias e Lucas Schneider. Matéria produzida para a disciplina de Jornalismo Especializado II.