No dicionário, empreender significa conseguir ou tentar fazer algo, colocar em desenvolvimento. Seja por necessidade, sonho ou para mudar de vida, cada vez mais pessoas se tornam donas de seu próprio empreendimento.
Em Santa Maria, cerca de 10.600 microempreendedores individuais já atuam formalmente. A cidade ocupa o sexto lugar no ranking estadual, atrás de Porto Alegre, Caxias do Sul, Canoas, Pelotas e Gravataí, conforme os dados do Perfil do Microempreendeor Individual . Desde 2011 o programa do microempreendedor individual atua na formalização de empresas, por meio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
De acordo com Rômulo Machado, gestor de projetos do Sebrae, não há dados estatísticos em relação ao impacto econômico dos microempreendedores individuais (MEIs) na cidade. Porém, por mês, no momento em que o empreendedor paga seu boleto, cinco reais são destinados ao município. Se for levado em consideração que Santa Maria abriga cerca de 10 mil MEIs, são em média 53 mil reais designados à cidade.
Microempreendedor Individual (MEI), Microempresa e Pequena empresa |
Fonte: Sebrae |
Ser seu próprio patrão tem suas vantagens e desvantagens. Assim como trabalhar com produto, serviço ou atividade que goste e determinar seu ritmo de trabalho, ser empreendedor também requer mais responsabilidades. Os investimentos são importantes e podem determinar o sucesso do projeto. Além do fator econômico, tempo e disposição também contribuem muito para a consolidação do negócio.
A franquia Delivery Much é um exemplo de investimento. Com menos de três anos de mercado, a marca já está em mais de 100 cidades do país. Carlos Henrique Busatto atua na franquia de Uruguaiana e destaca que ter autonomia e liberdade de criação são os principais pontos positivos de ser empreendedor. “Todo dia é diferente do outro quando se está empreendendo, logo essa adrenalina aguça a vontade de fazer dar certo”.
A escolha da área em que se pretende trabalhar também é muito importante. Saber qual mercado e público atender garantem vida longa aos projetos. “Nosso crescimento tem sido dentro do planejado. Além disso, todo negócio é gerido por pessoas e o bom relacionamento com parceiros (restaurantes) e clientes (usuários) é fundamental, principalmente na área de serviços”.
O que, atualmente, é uma franquia de sucesso, com colaboradores e marca reconhecida em 14 estados do Brasil, começou dentro de uma sala da Incubadora Tecnológica de Santa Maria (ITSM), com base em projetos de pesquisa dos cursos de Engenharia e Ciência da Computação, em 2011.
A ITSM é um dos quatro ambientes de inovação instalados em Santa Maria, que oferecem suporte físico e serviços para auxiliar projetos a transformar ideias em negócios. A Incubadora Tecnológica do Centro Universitário Franciscano (Itec), Incubadora Pulsar e Santa Maria Tecnoparque são outros espaços que apoiam empreendimentos ainda em fase inicial.
Mas afinal, o que são incubadoras?
Quando alguém tem uma perspectiva de mudar algo, seja no mercado ou na comunidade em que vive, é necessário um apoio para tornar concreto aquilo que estava apenas no planejamento. Os espaços de inovação, que podem ser incubadoras tecnológicas, ambientes colaborativos, coworkings ou grupos de pesquisa, atuam como elos entre ideia e negócio. De acordo com uma pesquisa realizada em 2016 entre a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec) e o Sebrae, no Brasil existem 369 incubadoras em operação, que abrigam 5.125 empresas, dispostas em diferentes níveis de gradação.
O diretor da Incubadora Tecnológica do Centro Universitário Franciscano (Itec), Lissandro Dalla Nora, explica que as incubadoras estão um passo à frente em relação ao contexto dos demais ambientes de inovação. Esses espaços, segundo Dalla Nora, atendem projetos que já possuem uma estrutura pensada, em que os membros já sabem o mercado em que irão atuar, seu público, seu produto/serviço, mas ainda não sabem como se posicionar no mercado.“A incubadora é esse recorte do momento de um empreendedor. A incubadora é o ambiente que vai fornecer essa relação com o mercado, no aspecto administrativo, jurídico, contábil, e psicológico, no caso da Itec”, explica Dalla Nora.
A Itec é um ambiente ligado à Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão(PRPGPE) do Centro Universitário Franciscano e atua desde 2011 no suporte à projetos da comunidade santa-mariense e ligados à instituição. Hoje, 19 empresas compõem o espaço, em diferentes ramos. “O entendimento é que a diversidade de projetos no mesmo ambiente gera um poder competitivo para esses integrantes muito maior do que nós termos um ambiente focado”, afirma Dalla Nora.
Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), além da ITSM, a incubadora Pulsar também presta serviço no auxílio de novos empreendimentos. Ligada à Agência de Inovação e Transferência de Tecnologia (AGITTEC), a Pulsar atende projetos com base tecnológica, em que os membros tenham alguma ligação com a universidade.
A incubadora é um projeto de desenvolvimento institucional de fomento ao empreendedorismo. Ela faz parte de uma das coordenadorias da AGITTEC, que é um órgão ligado ao gabinete da reitoria. Conforme Gustavo Parcianello, coordenador da incubadora e um dos integrantes da AGITTEC, a agência nasceu da necessidade de atender as demandas relacionadas às tecnologias desenvolvidas dentro da instituição. “Além de ter evoluído de um órgão que auxilia na proteção e patenteação das tecnologias desenvolvidas aqui dentro, também se agregou a transferência dessas tecnologias e o fomento ao empreendedorismo”, esclarece Parcianello em relação a criação da AGITTEC.
Para além dos números
O crescimento no número de micro e pequenas empresas geram impactos na economia da cidade, mas, principalmente, promovem mudanças de pensamentos e atitudes.
Para Parcianello, o impacto que as novas empresas e os ambientes de inovação produzem na cidade só será percebido a longo prazo, pois ainda é necessário fomentar empresas e criar uma cultura empreendedora, embora, alguns resultados já sejam perceptíveis. “Vejo pessoas mudando, mais capacitadas, preparadas, disseminando uma cultura. Empreender é muito mais que abrir um négocio, é uma atitude a longo prazo na vida”, define.
Além do indicador financeiro, o impacto social que uma empresa gera na comunidade em que está instalada também é importante.
“Hoje nós temos o envolvimento de mais de 70 pessoas no nosso ambiente de inovação. Criamos uma rede de colaboração, que transpassa a questão financeira. Essa relação entre diversas ideias diferentes, de áreas do conhecimento diferentes vai capacitar todas essas pessoas que estão inseridas aqui com diferencial competitivo de mercado e isso vai dar um retorno muito mais social do que econômico a curto prazo e a longo prazo, não tenho dúvidas, vamos ter um retorno econômico para nossa região, porque teremos um ecossistema colaborativo e não mais exclusivo”, relata Dalla Nora.
Desenvolver uma ideia a partir de uma pauta social atual. Esta é a CLEO, que está instalada no Santa Maria Tecnoparque e atua desde maio de 2016. A empresa está desenvolvendo uma rede de relacionamentos focada no empoderamento feminino.
Criada durante a Startup Weekend Santa Maria, a empresa busca criar uma rede, em que as mulheres se sintam protegidas e possam escolher com quem vão desenvolver uma conversa, sem a necessidade de exposição.
Formada por quatro pessoas, Tatiana Massarollo, Maicon Luiz Anschau, Lidiane Bertê e Andressa Stocchero, o projeto foi desenvolvido a partir da motivação da temática do empoderamento feminino. “Acreditarmos que através da nossa ideia e do nosso negócio, podemos contribuir para a reflexão social sobre o papel da mulher e seus direitos. A CLEO está sendo desenvolvida para atender as demandas das mulheres modernas, de mulheres reais e mulheres atuais”, destaca Maicon Luiz Anschau, web desenvolvedor da CLEO .
Maricota e seu pão de mel
Fora dos ambientes de inovação, em um dos cômodos de sua casa, Cicenair Mendes – ou a Ciça – é uma MEI que atua motivada por um importante fator, o amor.
Quando ficou desempregada, em julho de 2016, Ciça pensou em ficar um tempo parada, mas apenas pensou. Durante um almoço, ao comentar que queria fazer algo para vender, uma amiga sugeriu que ela produzisse pão de mel. A amiga então passou a receita, mas Ciça perdeu a anotação. Após perguntar a outras pessoas e pesquisa na internet, Ciça encontrou alguém que pudesse lhe ajudar..
Mirian tinha uma receita de família e decidiu compartilhar com Ciça, desde que o segredo da fórmula não fosse revelado. No mesmo período, Ciça levou sua filha, Maria Clara, a mais uma consulta médica em Porto Alegre.
Maria Clara é uma menina de nove anos, que nasceu com um problema congênito chamado CIA(Comunicação Interatrial). A CIA ocorre quando existe um orifício entre as duas câmaras do coração chamadas átrios. Dessa forma, há um hiperfluxo de sangue para os pulmões. A cirurgia para correção desse problema deve ser feita ainda durante a infância, preferencialmente até os quatro anos de idade. Contudo, a família de Maria Clara descobriu a CIA há cerca de dois anos.
A família viajava à capital do estado periodicamente, para o controle da doença. Porém, em outubro do ano passado, em uma das consultas, o médico informou aos pais de Maria Clara que a cirurgia deveria ser feita o quanto antes.
A notícia que já havia preocupado a família se intensificou com a informação de que os custos não são arcados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e o valor da cirurgia estava orçado em 40 mil reais. “O médico disse que era para se preparar com 10 mil a mais, porque havia os pré operatórios, hospedagem, etc. Aquilo me caiu o chão, eu pensei ‘e agora, o que que eu faço’”, relembra Ciça.
Nesse momento, aquilo que antes havia ficado apenas como uma possível atividade, se tornou a possibilidade de pagar a cirurgia da Maria Clara, os pães de mel.
Inicialmente, Ciça e Maria Clara saíam com uma caixa – que suportava cerca de 80 pães – e vendiam no centro da cidade, em clínicas e na universidade. “Comecei a olhar na internet, e disse ‘Maria, vamos enfeitar esses pães para chamar a atenção, porque as pessoas comem pelos olhos’. Comecei a comprar umas decorações, forminhas diferentes”, recorda.
Enquanto mostra os materiais com os quais trabalha, Ciça narra os momentos em que começou a experimentar novas formas de fazer e decorar os doces e os caminhos que os pães de mel a levara. Em janeiro deste ano, Ciça passou a destinar um terço da venda de cada pãozinho à cirurgia de Maria Clara e desde dezembro do ano passado, uma campanha lançada na internet buscava ajuda para alcançar o valor necessário para a cirurgia.
Ao formalizar a microempresa, após conversas entre maria Clara e Ciça, ficou decidido que o empreendimento ganharia o nome de Maricota Pão de Mel, já que o apelido de Maria Clara é Maricota. O apelido nasceu de uma junção entre o nome da menina e de sua avó, Cota. “O apelido nasceu porque as duas não param de conversar quando estão juntas”, explica Ciça.
Sem perder qualquer oportunidade, a família foi a uma excursão de veraneio e levou os pães para serem vendidos na praia. Durante a viagem, a família conheceu um senhor, que residia em Santa Maria, e sugeriu que eles tentassem vender durante os rodeios da Estância do Minuano.
Após acertar os valores para conseguir vender durante o rodeio, Ciça e Maria Clara passaram a transitar entre os acampamentos das invernadas e as arquibancadas, oferecendo os doces. O final de semana chuvoso não trouxe muitas esperanças as duas, mas após os anúncios feitos através dos alto falantes sobre a história de Maria Clara, a venda dos pães superou as expectativas.
Ao final, Ciça e Maria Clara haviam vendido todos os doces, e durante todo o rodeio a família conseguiu reunir mais de 30 mil reais – entre vendas e doações “A gente não tava acreditando no que estava acontecendo naquele final de semana. Deus fez o milagre da multiplicação dos pães”, afirma Ciça.
Após o rodeio, Ciça passou a trabalhar com encomendas, muitas delas, de pessoas que estavam no rodeio. Com duas horas de sono, indo dormir às 3h e levantando às 5h, Ciça atendia aos pedidos de pão de mel.
O valor quase atingido se mostrou longe, novamente, no último orçamento feito ao final de março. De 40 mil a cirurgia teve um salto para 65.700 reais. “O SUS não cobre em nenhum lugar do país. Entramos na justiça para tentar conseguir”, salienta Ciça.
Já quando Maria Clara, ou melhor, Maricota, está em casa, Ciça lembra que, segundo a filha, ela é sócia do negócio e Maricota a dona do empreendimento. Maricota confirma e ainda afirma que os clientes também são dela. Com bom humor e agilidade, Maricota mostra como são os processos de produção dos pães e como os vende com a mãe.
Sem perder as esperanças, Ciça e Maria Clara mantém a campanha aberta para doações e a empresa a espera de pedidos. “Vamos tentar fazer coisas novas. E depois da cirurgia, vamos seguir”, frisa Ciça.
Muito mais que números, tabelas e documentos, um empreendimento pode ser o caminho para uma mudança de vida ou investimento de impacto social. Além do fator financeiro, investir em dedicação e trabalhar naquilo que satisfaz é melhor método de se obter sucesso.
Esta reportagem foi produzida durante a disciplina de Jornalismo Especializado, do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Franciscano, no primeiro semestre de 2017.