Desde pequeno fui instigado pelo lado extra-campo do futebol de interior, as figuras anônimas vistas ao fundo de uma transmissão de televisão ou ouvidas em uma transmissão de rádio. O futebol no interior é um raro espetáculo onde as principais estrelas aparecem em segundo plano.
Quem são estes torcedores? Por que não seguem o fluxo em um estado dominado pela dupla GreNal? Como certa vez disse o compositor uruguaio Canário Luna a respeito dos torcedores de times pequenos: “Se a razão discute com eles, eles discutem com a razão”.
Para tentar entender um pouco deste sentimento, fui ao encontro de dois torcedores fanáticos pela dupla RioNal: pelo lado alviverde falou o torcedor Leonardo Pezzi
Fui até o estádio dos eucaliptos para encontrar o estudante de Educação Física com 21 anos e uma longa trajetória ao lado do clube ferroviário. Ele passou grande parte da sua vida entre a Ferroviários 78, barra brava do clube, e as atividades administrativas da diretoria jovem do Periquito.
Se a estrutura do estádio já demonstra os primeiros sinais de deterioração pela inatividade, na memória do torcedor as lembranças deste tempo permanecem intactas.
Caminhando pelas arquibancadas do estádio, o torcedor não esconde a emoção causada pelas lembranças. Começamos a nossa entrevista no pavilhão social.
Agência Central Sul – Qual foi o seu primeiro contato com o Riograndense?
Leonardo Pezzi – Na minha infância, eu acompanhava as partidas ao lado do meu pai e do seu grupo de amigos. Acabei transformando o Riograndense na minha segunda família, fui membro da diretoria jovem do clube na gestão da Lisete Frohlich. Passei muitos finais de semana limpando e pintando o estádio, participando de reuniões periodicamente, tudo isso como trabalho voluntário, jamais fui remunerado pelo clube.
ACS – O que você sente ao voltar aqui nos Eucaliptos depois de tanto tempo?
LP – São várias emoções. A primeira é a lembrança de vários momentos felizes que eu passei aqui, momentos tristes também. Porém, a emoção mais atual é a tristeza de ver como estão as coisas hoje. Esse estádio tinha um clima muito família. A acústica permitia ouvir os chutes na bola e os gritos dos jogadores. Em alguns casos, podíamos presenciar situações inusitadas, como uma mãe que estava discutindo com o treinador porque o seu filho estava no banco de reservas. Esse lugar tem muita história, aqui no canto esquerdo do pavilhão fica a estátua da Medianeira, padroeira do clube. Às vezes quando marcávamos gols os jogadores e torcedores agradeciam para ela. Também entre os torcedores mais antigos tem o folclore de que os gols vão sair sempre no sentido em que a locomotiva está passando.
ACS – Conta algumas histórias que tu viveu aqui nesse estádio.
LP – São várias histórias, a mais cômica foi durante um alagamento do gramado em um RioNal. A arbitragem queria encerrar a partida e então tivemos que enxugar a água com colchões velhos que estavam guardados no clube. A ideia inusitada deu certo, o gramado teve condições de jogo e acabamos vencendo por 2×1. Saiu em rede nacional e viramos um “meme” do futebol raiz no Brasil. Outro caso inusitado e que teve repercussão nacional foi quando um cachorro da brigada militar mordeu um jogador da equipe adversária na lateral do gramado. São histórias que marcam muito, assim como a eliminação sofrida frente ao Brasil de Pelotas na semi final da Divisão de acesso em 2013. Precisávamos de uma vitória simples e não conseguimos sair do 0x0, perdemos um pênalti naquela partida.
ACS – O Riograndense vinha fazendo boas participações na divisão de acesso, beliscou a promoção em diversas ocasiões. Porém, em 2016 houve o rebaixamento, e em 2017 a equipe abandonou o futebol profissional. Como você descreve essa queda em um espaço tão curto de tempo ?
LP – Eu, particularmente, coloco como problema de gestão. Os problemas de infraestrutura se agravaram e também pesou o lado financeiro. O clube foi perdendo quadro social, foi perdendo excelentes profissionais, que as vezes colocavam o amor acima de tudo pelo clube.
ACS – Existe a visão por parte dos santa-marienses, de que o clássico Rio-Nal acaba sendo um pequeno Gre-Nal dentro de Santa Maria. Pelo nome, o Internacional carrega a metade vermelha e o Riograndense acaba carregando a metade azul. Você concorda?
LP – Concordo em partes. Ambos os clubes tem torcedores próprios e identidades próprias muito fortes. O Riograndense sempre incentivou o público a vir ao estádio com a camisa do Riograndense, mas se ele viesse com camisa de Grêmio ou Inter também não haveria problemas.
ACS – O que te motiva a torcer para o clube da sua cidade ?
LP – Essa é uma pergunta difícil. Mas acredito que seja o vínculo. Aqui você tem voz, embora muitas vezes, como na situação atual, você não seja ouvido. Você ajuda o clube a crescer, você tem uma visibilidade de bastidores muito diferente e isso te leva a ter vínculo muito forte com o clube.
ACS – Qual a importância do Internacional de Santa Maria e do RioNal para a história do Riograndense?
LP – Uma importância total, não apenas para o Riograndense como para a cidade. Santa Maria precisa continuar tendo o RioNal, é algo sadio para a cidade, aumenta a competitividade. Nada como ter um clube para competir e crescer junto, se eles ganharam, nós também temos que ganhar e por ai vai.
ACS – Como você vem lidando com a ausência do Riograndense na sua rotina ?
LP – Nunca mais os domingos foram iguais. Eu posso traduzir o Riograndense como uma família, segue sendo uma família, mas hoje os membros estão bem afastados. Aquele domingo era sagrado para nós, se girava toda a semana pensando naquela partida, o churrasco com os amigos antes da partida, poder esquecer todos os problemas durante 90 minutos. Hoje isso faz muita falta, não apenas para mim, como para toda a torcida do Riograndense e até mesmo para Santa Maria. O Riograndense nunca vai deixar de existir. Assim como o meu pai me levou no estádio quando criança, eu tenho o sonho de levar os meus filhos e os meus netos no futuro.