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Patrício Dias

Patrício Dias

Leonardo aposta no entrosamento da equipe para enfrentar os adversários no retorno do clube ao futebol profissional. Foto: Patrício de Freitas

O Riograndense futebol clube, instituição com 107 anos e licenciada do futebol profissional desde 2017, começa a dar primeiros passos em direção ao retorno para as quatro linhas.  Na quadra sintética que faz parte do complexo esportivo do estádio dos Eucaliptos, o treinador Leonardo Ribeiro tenta dar forma a uma equipe que esteja à altura do desafio. Natural de Porto Alegre, mas com o coração Santa-mariense, Leonardo era o encarregado pela casamata Esmeraldina quando a equipe abandonou a segunda divisão do futebol estadual por falta de recursos: “Eu estava engasgado desde 2017 quando não conseguimos terminar um trabalho com 78% de aproveitamento.”

O novo elenco é formado por jovens de até 20 anos que trabalham duro para se colocarem à altura do desafio de trazer o Riograndense de volta aos trilhos do futebol profissional: “Todo treinador quer jogador pronto, o complicado é tu formar jogador, isso leva muito tempo. Mas o que eu prometo para o torcedor é que o meu time vai jogar com vontade para representar eles dentro do campo.” Completou o treinador.

Fotos de Patrício de Freitas

A equipe disputou dois amistosos no início de setembro, e terminou com o placar empatado nas duas ocasiões: 2×2 com a seleção de Caçapava do Sul e 1×1 com o Vasco de Lavras do Sul.

O tempo afastado do estádio Presidente Vargas não apagou as memórias do torcedor Nilton Cardoso. (Foto: Patrício Dias)

Dizem que não existem muros ou fronteiras que possam segurar o futebol e o amor, no amor pelo futebol isso não poderia ser diferente. Este é o caso do aposentado e motorista de aplicativo Nilton Cardoso, de 65 anos.

Nascido na cidade de Matosinhos, Portugal, foi em Santa Maria que ele encontrou a sua paixão esportiva: o Esporte Clube Internacional. O sentimento que começou nas arquibancadas, logo evoluiu para os bastidores do Presidente Vargas, onde ocupou diversos cargos na diretoria alvirrubra. Durante um café no centro da cidade, ele compartilhou detalhes de toda uma vida dedicada ao colorado. O carregado sotaque da terrinha transmite com o orgulho o sentimento de Nilton pelo clube da Baixada.

Agência Central Sul – Como começou a sua história com o Internacional de Santa Maria? 

Nilton Cardoso – A minha paixão pelo Internacional começou em 1982, quando vim para Santa Maria e fui morar em uma rua próxima ao Estádio Presidente Vargas. Eu cheguei na cidade de noite e, no outro dia de manhã, eu já fui me associar no Alvirrubro.  Já naquele ano eu assisti à histórica partida contra o Vasco da Gama. Eles vieram com a equipe completa e acabamos vencendo por 3 X 0 no Estádio Presidente Vargas.  Entre os seus titulares, o cruz-maltino tinha o Roberto Dinamite, um dos principais jogadores da seleção Brasileira naquela época e em todos os tempos. Em 1983 teve uma partida que também me marcou muito contra o Santo Ângelo, chovia muito e tinham apenas três torcedores no estádio, entre os três eu estava presente.

 

ACS – Quando você começou a participar dos bastidores do clube?

NC – O meu primeiro envolvimento com a diretoria do Internacional foi em 1992, durante a gestão do presidente Fabio Norberto Correa.  Depois disso, eu fiz parte de praticamente todas as diretorias até 2017.  Me orgulho muito de ter participado de todas as gestões do Heriberto Marquetto, uma lenda viva dentro do clube.

 

ACS – Enquanto outras cidades do interior estão se firmando no cenário estadual e, até mesmo, nacional, o futebol em Santa Maria parece estagnado ou  regredindo. A que fatores você atribui isso?

NC – Em primeiro lugar, a gente ouve dizer que Santa Maria não gosta de futebol. Não é verdade. Quando se faz um time bom aqui, nós lotamos o estádio.  Não é qualquer clube de interior que coloca o público do Inter de Santa Maria.  O problema é simples: aqui nós não temos indústrias grandes.  Não temos o aporte financeiro de outras equipes do interior. Por isso nós temos uma dificuldade enorme para fazer futebol. O Inter de Santa Maria mantém as portas abertas graças ao esforço de um grupo de abnegados que levam essa bandeira.

 

ACSExiste a visão por parte dos santa-marienses, de que o clássico Rio-Nal acaba sendo um pequeno Gre-Nal em Santa Maria. Pelo nome, o Internacional carrega a metade vermelha e o Riograndense, a metade azul.  Você concorda?

NC –  Não concordo. Já disputamos um campeonato estadual com o nome de Santa Maria Esporte Clube, e mudamos as cores, porém não houve o apoio esperado. Isso mostra que o problema não é o nome.

 

ACS – O que motiva você a torcer para o clube da sua cidade?

NC –  Eu sou apaixonado pelo futebol e por esse contato que tu só tem no estádio.  Eu não consigo torcer para outro clube. Santa Maria é a minha cidade. Essa é a minha gente e esse é o meu clube.  O Internacional mexe muito comigo. Eu botei três pontes de safena. Tenho evitado ir ao estádio e ainda não assisti nenhuma partida neste ano. O Internacional é a minha vida, é a minha paixão, é a minha cachaça.  Por isso eu estou afastado. Se eu começar a frequentar o estádio novamente, eu volto para lá (para a diretoria). E eu não tenho mais condições de saúde para me emocionar assim.

 

ACS – Qual a importância do Riograndense e do clássico Rio-Nal para o Internacional de Santa Maria?

NC –  A importância é enorme, o Riograndense tem que voltar. Ia ser fantástico ver o Riograndense retornar ao futebol profissional e disputarmos um clássico Rio-Nal pelo campeonato estadual, seria um sonho para Santa Maria.  Não podemos esquecer de que o Inter de Santa Maria e o Riograndense levam o nome da nossa cidade pelo estado.

 

O torcedor reviveu os velhos momentos no estádio dos eucaliptos. Ao fundo da foto, a arquibancada onde ficava localizada a torcida Ferroviários 78. ( Foto : Isadora Ruas/ especial )

Desde pequeno fui instigado pelo lado extra-campo do futebol de interior, as figuras anônimas vistas ao fundo de uma transmissão de televisão ou ouvidas em uma transmissão de rádio. O futebol no interior é um raro espetáculo onde as principais estrelas aparecem em segundo plano.

Quem são estes torcedores? Por que não seguem o fluxo em um estado dominado pela dupla GreNal? Como certa vez disse o compositor uruguaio Canário Luna a respeito dos torcedores de times pequenos:  “Se a razão discute com eles, eles discutem com a razão”.

Para tentar entender um pouco deste sentimento, fui ao encontro de dois torcedores fanáticos pela dupla RioNal: pelo lado alviverde falou o torcedor Leonardo Pezzi

Fui até o estádio dos eucaliptos para encontrar o estudante de Educação Física com 21 anos e uma longa trajetória ao lado do clube ferroviário. Ele passou grande parte da sua vida entre a Ferroviários 78, barra brava do clube, e as atividades administrativas da diretoria jovem do Periquito.

Se a estrutura do estádio já demonstra os primeiros sinais de deterioração pela inatividade, na memória do torcedor as lembranças deste tempo permanecem intactas.

Caminhando pelas arquibancadas do estádio, o torcedor não esconde a emoção causada pelas lembranças.  Começamos a nossa entrevista no pavilhão social.

 

Agência Central Sul – Qual foi o seu primeiro contato com o Riograndense?

Leonardo Pezzi –  Na minha infância, eu acompanhava as partidas ao lado do meu pai e do seu grupo de amigos. Acabei transformando o Riograndense na minha segunda família, fui membro da diretoria jovem do clube na gestão da Lisete Frohlich.  Passei muitos finais de semana limpando e pintando o estádio, participando de reuniões periodicamente, tudo isso como trabalho voluntário, jamais fui remunerado pelo clube.

 

ACS – O que você sente ao voltar aqui nos Eucaliptos depois de tanto tempo?

LP – São várias emoções. A primeira é a lembrança de vários momentos felizes que eu passei aqui, momentos tristes também.  Porém, a emoção mais atual é a tristeza de ver como estão as coisas hoje. Esse estádio tinha um clima muito família. A acústica permitia ouvir os chutes na bola e os gritos dos jogadores. Em alguns casos, podíamos presenciar situações inusitadas, como uma mãe que estava discutindo com o treinador porque o seu filho estava no banco de reservas. Esse lugar tem muita história, aqui no canto esquerdo do pavilhão fica a estátua da Medianeira, padroeira do clube. Às vezes quando marcávamos gols os jogadores e torcedores agradeciam para ela. Também entre os torcedores mais antigos tem o folclore de que os gols vão sair sempre no sentido em que a locomotiva está passando.

 

ACS – Conta algumas histórias que tu viveu aqui nesse estádio.

LP – São várias histórias, a mais cômica foi durante um alagamento do gramado em um RioNal. A arbitragem queria encerrar a partida e então tivemos que enxugar a água com colchões velhos que estavam guardados no clube.  A ideia inusitada deu certo, o gramado teve condições de jogo e acabamos vencendo por 2×1.   Saiu em rede nacional e viramos um “meme” do futebol raiz no Brasil.  Outro caso inusitado e que teve repercussão nacional foi quando um cachorro da brigada militar mordeu um jogador da equipe adversária na lateral do gramado.  São histórias que marcam muito, assim como a eliminação sofrida frente ao Brasil de Pelotas na semi final da Divisão de acesso em 2013.  Precisávamos de uma vitória simples e não conseguimos sair do 0x0, perdemos um pênalti naquela partida.

 

ACS – O Riograndense vinha fazendo boas participações na divisão de acesso, beliscou a promoção em diversas ocasiões.  Porém, em 2016 houve o rebaixamento, e em 2017 a equipe abandonou o futebol profissional.  Como você descreve essa queda em um espaço tão curto de tempo ?

LP –  Eu, particularmente, coloco como problema de gestão. Os problemas de infraestrutura se agravaram e também pesou o lado financeiro. O clube foi perdendo quadro social, foi perdendo excelentes profissionais, que as vezes colocavam o amor acima de tudo pelo clube.

 

ACS – Existe a visão por parte dos santa-marienses, de que o clássico Rio-Nal acaba sendo um pequeno Gre-Nal dentro de Santa Maria. Pelo nome, o Internacional carrega a metade vermelha e o Riograndense acaba carregando a metade azul.  Você concorda?

LP –  Concordo em partes. Ambos os clubes tem torcedores próprios e identidades próprias muito fortes. O Riograndense sempre incentivou o público a vir ao estádio com a camisa do Riograndense, mas se ele viesse com camisa de Grêmio ou Inter também não haveria problemas.

 

ACS – O que te motiva a torcer para o clube da sua cidade ?

LP –  Essa é uma pergunta difícil. Mas acredito que seja o vínculo. Aqui você tem voz, embora muitas vezes, como na situação atual, você não seja ouvido.  Você ajuda o clube a crescer, você tem uma visibilidade de bastidores muito diferente e isso te leva a ter vínculo muito forte com o clube.

 

ACS – Qual a importância do Internacional de Santa Maria e do RioNal para a história do Riograndense?

LP –  Uma importância total, não apenas para o Riograndense como para a cidade.  Santa Maria precisa continuar tendo o RioNal, é algo sadio para a cidade, aumenta a competitividade. Nada como ter um clube para competir e crescer junto, se eles ganharam, nós também temos que ganhar e por ai vai.

 

ACS – Como você vem lidando com a ausência do Riograndense na sua rotina ?

LP –  Nunca mais os domingos foram iguais. Eu posso traduzir o Riograndense como uma família, segue sendo uma família, mas hoje os membros estão bem afastados.  Aquele domingo era sagrado para nós, se girava toda a semana pensando naquela partida, o churrasco com os amigos antes da partida, poder esquecer todos os problemas durante 90 minutos.  Hoje isso faz muita falta, não apenas para mim, como para toda a torcida do Riograndense e até mesmo para Santa Maria.  O Riograndense nunca vai deixar de existir. Assim como o meu pai me levou no estádio quando criança, eu tenho o sonho de levar os meus filhos e os meus netos no futuro.