As programações culturais de Santa Maria envolvem muito mais profissionais, participantes, público, tempo e preparo do que se imagina. Em 2020, frente à pandemia da Covid-19, o grande desafio de organizar um festival de cultura se tornou ainda maior.
Neste momento, há dúvidas latentes por parte de quem encabeça estas ações. Se adaptar ao formato à distância, adiamento ou, o tão evitado mas às vezes inevitável, cancelamento da edição anual são algumas delas.
Os festivais culturais são parte importante da manutenção da cidade, envolvendo instituições, governo, população e organizações, visto que movem a economia, são planejados com larga antecedência, envolvem muitos profissionais e marcam tradição.
Entre estes festivais, está a, tão querida pelos tradicionalistas, Tertúlia Musical Nativista, pelos amantes de leitura, a Feira do Livro, pelos cinéfilos, o Santa Maria Vídeo e Cinema (SMVC), e pelos bailarinos, o Santa Maria em Dança (SMD).
Além destes, é impossível pensar em cultura local e não lembrar dos shows e demais atrações do Viva Santa Maria, programação cultural alusiva ao aniversário da cidade, e o Viva o Natal, que atraem tanta gente à Praça Saldanha Marinho, à Locomotiva da Gare, ao Theatro Treze de Maio, entre outros cantos da Cidade Cultura.
Só quem está à frente destas organizações tem a real dimensão do alcance e movimento que estes festivais provocam.
Como tudo muda rapidamente neste novo momento da humanidade, não há como prever acontecimentos, mas, para quem coordena projetos, é preciso arriscar e tomar decisões.
E quais são os destinos destas programações, até agora?
Santa Maria Vídeo e Cinema
O SMVC está indo para a 14ª edição. Cada festival tem, em média, 250 espectadores por noite, assistindo aos filmes expostos. Pela Praça Saldanha Marinho, espiando e tendo a oportunidade de desfrutar de obras cinematográficas, são milhares incontáveis.
No ano passado, a competição teve mais de 50 diretores com obras inscritas, sem contar o restante das equipes.
O presidente Luiz Alberto Cassol coordena o SMVC ao lado de Alexandra Zanela, ambos residindo em Porto Alegre, e Luciano Ribas, em Santa Maria.
A competição de curtas e longas-metragens deste ano não foi cancelada. Por enquanto, os organizadores aguardam a regularidade da vida social.
Ao final do 13º SMVC, o tema Memória foi anunciado para 2020, dando um ano de antecedência aos candidatos.
“O tema não mudará, pois combina com este momento. Antes, falaríamos a respeito da história do Cinema de Santa Maria. Atualmente, a memória é discutida a todo tempo”, diz Cassol.
Em um período típico, o SMVC ocorre no mês de novembro. Nos dois primeiros meses deste ano, Luiz esteve em Santa Maria reservando datas do Centro de Convenções da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) para garantir o local de abertura da edição. Atualmente, as reuniões semanais entre os organizadores estão sendo realizadas pela internet.
“Neste momento, muitos detalhes já estariam prontos. Teríamos cartazes na rua, a praça reservada e as inscrições abertas, por exemplo”, conta o coordenador.
Para o cineasta, a edição será uma oportunidade de refletir a nova realidade, junto do audiovisual:
“O festival sempre foi muito ligado a questões atuais, aquilo que retumba… Então, neste ano, vamos refletir diante desta nova realidade, como as maneiras de apropriação”.
Segundo Cassol, transferir a programação para o ambiente virtual, como tantos outros do país e de fora, seria interessante, mas deixaria de lado o essencial ao SMVC. Há cerca de 10 anos, foi o primeiro festival de cinema do Brasil a realizar oficinas online, ele recorda:
“A praça e as o público, hoje, não o nosso diferencial, o contato humano. Não podemos abrir mão. Nossa singularidade é ir para a cidade, debater, promover seminários e oficinas presenciais, encontrar os pares… não encontrar as pessoas é o que mais me frustra. Só quando tivermos a praça, mesmo que só no ano que vem, é que promoveremos a próxima edição”.
O coordenador também supõe que, na próxima edição, serão vistos muitos filmes feitos durante a pandemia, refletindo acerca desta fase e, também, adaptando a produção audiovisual aos obstáculos do período de isolamento:
“Acredito que veremos produções a partir de recursos adaptáveis, como celular, câmera fotográfica, locação interna, de casa e equipes menores. O audiovisual não será mais o mesmo”.
A previsão dos organizadores é que a 14ª edição seja cancelada ou transferida para o início de 2021.
Tertúlia Musical Nativista
A Tertúlia Musical Nativista, que já havia tido a edição de 2019 transferida para junho este ano, foi adiada novamente.
Previsto para os dias 14 a 17 de maio, o festival já não tem prazo para ocorrer. O festival nativista já é consagrado no Estado e atrai artistas de todos os cantos do Rio Grande e de fora.
A 26 Tertúlia Musical, de 2018, teve mais de mil trabalhos inscritos. Destes, 44 foram apresentados no palco da Associação Tradicionalista Estância do Minuano. O público da edição chegou a 3 mil espectadores.
A equipe é constituída por 40 membros e conta com mais de 15 empresas prestadoras de serviços.
O festival deste ano já está pronto, organizado de maneira presencial e aguardando a possibilidade de estabelecer uma data.
Embora a dúvida sobre a data, a próxima edição do festival é garantida devido aos recursos públicos, já que o projeto ocorre através de Leis de Incentivo municipais, por meio de incentivos fiscais ou direto do governo.
Coordenador do festival há quatro anos, Carlinhos Lima afirma que a vontade é da equipe é de realizar a programação ainda neste ano, mas não há como garantir:
“A Tertúlia depende de recursos públicos. Como temos dificuldades para a área de Cultura desde o ano passado, as projeções são incertas”.
Por isso, os ingressos não são cobrados. Os CDs e DVDs produzidos a partir dos vencedores da competição são distribuídos gratuitamente. Lima explica que o objetivo não é gerar lucros.
Conforme o coordenador, a cada ano, no mínimo 20 novos trabalhos são divulgados e artistas se lançam:
“Nosso maior dano se resume ao prejuízo de quem é sustentado pela produção cultural, como artistas e prestadores de serviços. Esta situação nos frustra porque, desta forma, a cultura perde. Os objetivos do festival, de preservação da identidade cultural tradicionalista, são prejudicados”.
Santa Maria em Dança
Um dos maiores festivais de dança do país, o SMD ocorre anualmente desde 1994, com edições ininterruptas. A média de inscritos, há mais de cinco anos, não baixa de 2.500. No ano passado, mais de 3 mil bailarinos subiram ao palco.
O festival é auto-suficiente através de patrocínios, parceiros culturais e cobrança de ingressos e inscrições. A comissão organizadora é composta por bailarinos e ex-bailarinos.
Paulo Xavier, idealizador e coordenador do festival, explica que o trabalho para alguns dias dura todo o ano e é mantido há 25 anos ininterruptamente.
A programação ocorre, tipicamente, no mês de setembro mas, neste ano, foi adiada para outubro.
A 26º edição tem os apoios culturais mantidos, ainda de acordo com Xavier. Mas os tantos inscritos do Brasil e de fora tem receio de participar da competição ainda neste ano, devido à pandemia provocada pela Covid-19.
“Para este ano, tínhamos mais de 350 inscritos da Argentina e Uruguai. O público de longe lota hotéis durante todos os dias do festival e contribui com a economia local”.
As inscrições desta edição foram abertas ainda em fevereiro e a primeira fase encerraria ainda em junho. O SMD ocorreria, tipicamente, em setembro. Hoje, a previsão é de 20 a 22 de novembro.
O coordenador explica que a organização do festival será retomada conforme os grupos e escolas de dança retomarem suas atividades. Por isso, a programação será formatada se adaptando à realidade atual, como a supressão de noites.
“Não terá o mesmo número de participantes, mas estamos cientes e tranquilos em relação a isto. Estamos bem organizados e podendo olhar para a situação com tranquilidade. Com tanta experiência, conseguimos valorizar as vitórias e enfrentar as dificuldades”.
Viva Santa Maria e Feira do Livro
Maio é o mês da tradicional celebração pelo aniversário da Cidade Cultura. Para tal, não faltam shows e atrações diversas promovidas pela prefeitura municipal.
Viva Santa Maria é o nome da festa, que, em 2020, além de driblar os obstáculos, apoiou cerca de 150 artistas que foram contratados para agregar à programação a distância.
Para a secretária de Cultura de Santa Maria, Rose Carneiro, a ação foi uma grata surpresa:
“Passando da metade de março a cidade simplesmente “fechou”. Precisamos organizar o aniversário bem em cima da hora, mas a recepção foi muito boa. Em tudo isto, estamos reaprendendo a pensar fora dos padrões e a fazer produção cultural de forma inédita”.
Somando as visualizações das lives de toda a semana de festival, mais de meio milhão de espectadores puderam, de casa e protegidos, prestigiar, destaca a secretária.
Com os artistas direto do Palco da Cultura, o Theatro Treze de Maio, a produção cultural pôde ser movimentada.
“Conversando com os artistas, eles destacam a diferença entre um show com público presente e com plateia vazia. É meio estranho, principalmente para os do público infantil, porque as apresentações são repletas de interatividade. Assim, precisaram imaginar a reação dos espectadores”.
A secretária enxerga o presente com boa perspectiva e o futuro com otimismo:
“Penso que, daqui em diante, não voltemos aquele normal de mensurar os resultados de um festival pelo número de público, isso perde o sentido. Agora, pensamos na sobrevivência do planeta, na sustentabilidade e na humanidade. Esta maneira não é melhor nem pior, é apenas diferente”, avalia Rose.
Feira do Livro
A Feira do Livro, que ocorreria de 24 de abril a 9 de maio, ocorre de 1º a 10 de outubro. As reuniões e de planejamento estão sendo feitas há cerca de dois meses.
Embora por tempo limitado, a edição será, como de costume, repleta de atrações, novidades e convidados, é o que garante a secretária:
“Vamos propor, em breve, uma nova Feira do Livro, em novo formato, combinando com os tempos atuais”.
Por enquanto, o que pode ser revelado é que tudo será adaptado. Embora não possa ser igual, a programação de palco, cultural, os lançamentos de livros de escritores de Santa Maria e região e as tradicionais bancas de livros estão sendo pensadas para um novo formato. Ela garante que os propósitos da feira se manterão.
Rose, embora tenha adentrado à secretaria de cultura do município ainda neste ano, atua com a feira desde 2011, com grande bagagem como produtora cultural. Para ela, o momento é uma oportunidade de inovar e pensar fora da caixa.
Por mais que ainda não tenha detalhes divulgados, já é possível perceber que o festival será bem conectado. A secretária mencionou lives e podcasts como fortes possibilidades de levar a cultura da feira ao público.
Uma forma de venda de livros ainda não foi definida, mas é cogitada e será melhor engendrada junto da Câmara do Livro.
Dentro do possível, parte da programação será presencial, com medidas de cautela bem planejadas, mas ainda é cedo para tantos detalhes. Como a secretária conclui: “tudo pode acontecer”.
Os festivais agora
Como estão programados os festivais, até o momento:
47ª Feira do Livro
- Formato: on-line
- Quando: previsão do final de setembro ao início de outubro
- Situação: confirmada
- Onde: plataformas ainda indefinidas
- Informações: pelo site ou pela página
27ª Tertúlia Musical Nativista
- Formato: indefinido
- Quando: sem previsão
- Situação: festival confirmado, data pendente
- Onde: sem previsão
- Inscrições: encerradas
- Informações: pelo site da prefeitura municipal
14º Santa Maria Vídeo e Cinema
- Formato: presencial
- Quando: sem data definida
- Situação: pendente
- Onde: na Praça Saldanha Marinho
- Inscrições: sem data definida
- Informações: pela página
26º Santa Maria em Dança
- Formato: presencial
- Quando: de 20 a 22 de novembro
- Situação: pendente
- Onde: no Centro de Convenções Park Hotel Morotin
- Inscrições: sem data definida
- Informações: pela página
Por: Gabriele Bordin