"Naquele momento eu agradeci por não haver fiscalização"
À venda no mercado informal de Santa Maria, o remédio Cytotec, indicado para tratamento de úlcera, ficou bastante conhecido por produzir contrações no útero e acarretar o aborto. A equipe de reportagem da Agência Centra Sul conversou com a estudante P.C., que utilizou o medicamento, adquirido nos camelôs da cidade, para fazer um aborto em casa.
ACS: Quantos anos você tinha na época em que fez o aborto?
P.C: Eu tinha 22 anos. Estava com mais ou menos dois meses de gravidez.
ACS – Você tinha informações sobre métodos contraceptivos?
P.C: Sim, mas estava namorando há oito meses e acabamos não usando camisinha algumas vezes. Me sinto muito estúpida.
ACS – Você mora com seus pais?
P.C: Sim, venho de uma família de classe média e conservadora. Sou a caçula e seria um choque muito grande para eles.
ACS – Quer dizer que se você tivesse o bebê poderia sustentá-lo?
P.C: Não gosto de pensar nisso. Mas meus pais poderiam me ajudar.
ACS: Quando você decidiu fazer o aborto?
P.C: Nem considerei o fato de ter a criança. Estava no meio da faculdade, com muitos projetos. Não poderia parar tudo. Meu namorado nunca soube. Só depois de feito, que fiquei com remorso, mas mesmo assim não contei.
ACS: Por que você não contou para seu namorado? Não era responsabilidade dele também?
P.C: Sim, era. Porém se mais alguém soubesse seria pior para mim. Já estava me culpando muito. Depois, terminei o namoro.
ACS: Você procurou clínicas para fazer o aborto?
P.C: Não. Tinha uma ‘amiga de uma amiga’ que havia feito em casa, usando remédios trazidos do Paraguai. Sabia que não era muito caro, e que tinha um prazo curto para fazer. Antes do aborto, procurei muito na Internet a respeito e vi casos horrorosos. Tive medo de morrer. Fiquei semanas sem dormir.
ACS: Onde você comprou o Cytotec?
P.C: Nos camelôs da Av. Rio Branco. A moça que me vendeu explicou como eu devia fazer. Naquele momento, eu agradeci por não haver fiscalização.
ACS: Você chegou à banca do camelô e facilmente comprou o remédio?
P.C: Cheguei, olhei umas mercadorias e perguntei em voz baixa para uma vendedora se vendiam remédio para aborto. Ela me chamou para um cantinho e perguntou se era para mim e de quantos meses eu estava grávida. Respondi. Ela me vendeu na hora.
ACS: Quanto custou o medicamento?
P.C: Trinta reais cada comprimido. Era necessário o consumo de três.
ACS: O Cytotec é vendido avulso ou em caixas? Você teve acesso à bula?
P.C: É vendido avulso, enrolado num papel de pão. Não recebi a bula quando comprei, mas encontrei na internet.
ACS: Você não teve receio de que fosse outra droga?
P.C: Sim. Mas eu tinha poucas opções.
ACS: Você fez o aborto em casa?
P.C: Sim, durante a noite. Demorou mais do que a moça do camelô falou. Fiquei um dia e meio com náuseas. Depois disso, comprei um teste de gravidez de farmácia. Deu negativo.
ACS: Você foi ao médico depois do aborto?
P.C: Fui a um ginecologista que minha mãe não conhecia. Meus exames estavam normais. Não contei ao doutor sobre o ocorrido e ele não fez pergunta alguma sobre isso.
ACS: Depois desta experiência, você é contra ou a favor da legalização do aborto no país?
P.C: Sou a favor da legalização em casos de estupro. Pessoas como eu, que têm informação, devem se prevenir. Soa hipócrita, mas é minha opinião atual.
ACS: Você é a favor da venda ilegal?
P.C: O que eu posso dizer disso?