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Santa Maria, RS, Brazil

ativismo digital

A partir de 1983, quando o futebol praticado por mulheres foi liberado por lei no Brasil, milhares de meninas buscam por oportunidades tendo que lutar todos os dias por um esporte mais igualitário

Emanuely Guterres e Lavignea Witt*

Por haver a chamada distinção de gênero em diversas atividades do cotidiano, as mulheres tiveram — e ainda têm — que enfrentar muitas dificuldades para exercer algumas delas, que são majoritariamente praticadas por homens. Um exemplo é o futebol. Segundo a Federação Internacional de Futebol (FIFA), o primeiro jogo oficial de futebol entre mulheres ocorreu em 23 de março de 1883, em Crouch End, na cidade de Londres, na Inglaterra. Naquela ocasião, os dois times foram classificados como Norte e Sul, representando as duas partes da cidade em que a partida era sediada. Porém, o futebol já era praticado por homens desde o século XVII. 

No Brasil, as mulheres começaram a conquistar seu lugar no futebol entre os anos de 1908 e 1909, quando foram datados os primeiros jogos de futebol com jogadores mistos — homens e mulheres juntos. Conforme noticiado pelo jornal A Gazeta, o primeiro jogo oficial no país entre mulheres ocorreu em 1921. As jogadoras eram dos bairros Tremembé e Cantareira, da cidade de São Paulo. 

Segundo o Jornal da USP, em 1941, as mulheres foram proibidas de jogar futebol ou qualquer outro esporte “incompatível com as condições da sua natureza”. O decreto-lei 3.199 de 14 de abril de 1941, foi criado na Era Vargas e vigente até 1983. Contudo, a proibição por lei não parou as jogadoras brasileiras, que continuaram jogando e resistindo ao Estado. Após mais de quarenta anos, em 1983, o decreto foi derrubado graças as muitas mulheres que defendiam que o esporte podia ser praticado por todos, sem exceção.

 

Equipe do Corinthians de Pelotas, na década de 1950. Foto: Divulgação via Futebol Feminino no Brasil.

Desde então, milhares de jovens mulheres buscam por seu espaço dentro do futebol tendo que enfrentar obstáculos que vão desde a dificuldade de inclusão no esporte até os vários tipos de assédio que enfrentam no dia a dia. Por ser praticado por mulheres, o futebol feminino no Brasil é categorizado por muitos como inferior, pois há muita comparação com o esporte praticado pelos homens. 

A Universa em Campo da Uol selecionou comentários de leitores postados em reportagens sobre o futebol feminino que mostram o machismo com relação às atletas, muitas vezes em questão da sexualização, e a qualidade do esporte praticado por elas. Abaixo, estão alguns dos comentários postados no site: 

“Acho o futebol feminino chato ao extremo. Não tem força física, habilidade e as goleiras aceitam tudo o que é chutado”

“Se tem uma coisa que é certa é que mulher não entende, não joga e não deve opinar em futebol. Não tem nada de machista. Certo é certo.”

“Ninguém gosta de futebol feminino. Mulher comentando futebol, então, é um desastre. Nesse caso sou machista: futebol é pra homem!”

Dificuldades no início de carreira

Após todas as contrariedades que impediam a realização do futebol entre mulheres e as dificuldades durante a busca por uma oportunidade, o esporte foi crescendo entre as jogadoras. Contudo, o cenário não é o ideal e as oportunidades são bem escassas, o que faz com que muitas meninas desistam de seu sonho. É o caso da ex-jogadora profissional Julia Pompeo, de 20 anos. Como a maioria das mulheres que iniciam sua carreira no futebol, Julia começou jogando somente com meninos em uma escolinha de futsal. Ela conta sobre as dificuldades de ser a única menina entre o time e os torneios que participava. “No início foi muito difícil, porque a gente jogava com outros times que também só tinham meninos e eles tinham aquele preconceito… Eu sentia muito isso, por exemplo, os meninos não iam até o final em uma disputa de bola, porque era menina”, relata.

Julia durante seu treino em 2018. Foto: Reprodução Instagram.

Com o passar do tempo, após conhecer outras meninas que também jogavam futebol, soube que poderia entrar em um time. Então, ingressou no time de futebol feminino do Sport Club Internacional, que era comandado por Duda Luizelli. Julia conta que essa oportunidade foi incrível para seu crescimento dentro do futebol, mas, após um ano dentro do time, rompeu o ligamento e teve que se afastar dos treinos. Após a sua recuperação, voltou a jogar mas desistiu do sonho, segundo ela, por falta de oportunidade. 

Em relação ao futebol masculino, as oportunidades de carreira dentro do esporte são bem diferentes, tendo em vista que a maioria dos clubes não investem em equipes femininas usando como justificativa o pouco retorno e visibilidade. 

Pensando em ajudar a mudar essa realidade, a Conmebol, em meio às mudanças que implementou em suas competições em meados de 2016, ordenou que os times que disputarem a Copa Libertadores e a Copa Sul-Americana terão de ter pelo menos uma equipe feminina. Sobre o requisito, o documento fala que “o solicitante (a disputar a competição) deverá ter uma equipe feminina ou associar-se a um clube que possua a mesma. Ademais, deverá ter ao menos uma categoria juvenil feminina, ou associar-se a um clube que possua a mesma”.

Além disso, os clubes deverão oferecer apoio técnico e toda a estrutura necessária para as equipes femininas, para que possam treinar e participar de torneios. Segundo Julia Pompeo, essa foi uma decisão muito importante pois mudou os rumos do futebol feminino no Brasil e em toda a América Latina, proporcionando uma maior visibilidade ao futebol feminino. 

Investimentos no futebol feminino nos últimos anos

Durante a Copa do Mundo de 2019, realizada na França, onde mobilizou milhares de brasileiros para assistir à seleção feminina, a Fifa revelou que irá realizar um investimento de US$ 1 bilhão na categoria e, mesmo com a pandemia do coronavírus, irá manter o mesmo valor. Segundo o site Rainhas do Drible, a ideia de Gianni Infantino, presidente da Fifa, não é somente realizar o investimento, mas também dobrar o valor da premiação e aumentar as equipes de 24 para 32, para o próximo Mundial em 2023. Contudo, segundo a Forbes, o investimento não é o suficiente para alavancar a categoria feminina de futebol: “Progresso e melhorias vão requerer mais do que só investimentos. A modalidade feminina precisa planejar o futuro em nível nacional e internacional ou correr o risco de virar uma modalidade olímpica”.

Além da falta de oportunidades, a questão dos investimentos também é um fardo que o futebol feminino carrega. Uma situação inusitada que aconteceu em outubro de 2020 chamou a atenção das mídias para esse problema. Pela segunda rodada do Campeonato Paulista de futebol, em 21 de outubro de 2020, na Arena Barueri, o time do São Paulo goleou o Taboão da Serra por 29 a 0.

São Paulo goleia Taboão da Serra por 29 a 0. Foto: Reprodução.

Apesar de o placar chamar muita atenção, um depoimento dado pela capitã do time do Taboão da Serra serviu para mostrar a dura realidade que os times femininos enfrentam no dia a dia quanto a estrutura dos clubes. Segundo Nini, o time do interior de SP possui pouco investimento e não possui nenhum apoio do clube. 

“Em pouca coisa o clube nos ajuda. É mais a vontade da comissão técnica mesmo. Ninguém tem salário, ninguém tem condução. A gente não tem roupa de treino, não tem apoio nenhum do clube. A gente simplesmente usa o nome do clube para participar do Campeonato Paulista porque acredita que é uma oportunidade para as meninas mais novas”, relatou a capitã à FPF TV. 

Com os olhares voltados para o futebol feminino durante a Copa do Mundo, muitos temas surgiram. Um levantamento realizado pelo EXTRA no ano de 2019, mostra que os 20 clubes participantes da série A (até então) investiam no máximo 1% de seus orçamentos no futebol feminino. O Santos liderava a tabela sendo o time que mais investiu. O Flamengo investe cerca de R$ 1 milhão, o que equivalia na época ao salário de um mês do Gabigol. Diante dessa situação, com o baixo incentivo e investimento a prática futebolística se torna quase impossível para as jogadoras. Levando assim, a esperança de o futebol se tornar um esporte igualitário em questão de investimentos e oportunidades. 

Questão salarial das jogadoras no Brasil

Além da falta de investimentos em equipamentos, lugares para treinos e preparação física, uniformes, entre outros, o futebol feminino também é financeiramente afetado na questão da disparidade salarial.  

Segundo o site de notícias da UOL, os contratos de jogadoras de futebol que atuam no Brasil possuem a duração de um ano. Isso quando existe realmente um contrato de trabalho, pois a grande maioria trabalha informalmente. Assim como é raro encontrar clubes que ofereçam carteira assinada às jogadoras. O Corinthians, por exemplo, começou a assinar os contratos de suas jogadoras a partir de 2019. 

A negociação, diferentemente dos times masculinos, não é feita a partir da compra de passes das jogadoras. Os contratos de trabalho são firmados entre clube e atleta de forma direta, sem necessidade de compra de transferência. Com a grande visibilidade proporcionada pela Copa do Mundo de 2019, os negócios mudaram consideravelmente, tanto em questão de contratos como de salário, mas a realidade ainda é difícil. 

Ainda segundo a UOL, as jogadoras que atuam na primeira divisão do Brasileiro, ganham em média até dois salários mínimos por mês. Ainda que muitos clubes tenham investido um pouco mais no futebol praticado por mulheres, o salário não passa dos R$3 mil. Valores insignificantes perto da folha salarial do futebol masculino. No São Paulo, por exemplo, o total de investimentos em 2019 chegou a menos de dois salários do jogador Daniel Alves, que equivale a R$1,5 milhão. 

Além disso, com a pandemia e o futebol paralisado em março, foi o suficiente para alastrar uma enorme crise financeira nos clubes, que afetou todas as categorias de jogadoras. Alguns clubes fizeram até redução dos salários dos jogadores profissionais para tentar amenizar a situação, assim como de jogadoras, mas muitas foram dispensadas durante esse período de crise mais acentuada. 

Em abril de 2020, a Confederação Nacional de Futebol (CBF) destinou cerca de R$150 mil para equipes da série A1 e R$50 mil para equipes da série A2, para tentar ajudar na folha salarial das jogadoras. Contudo, dos 52 clubes beneficiados, seis — Audax, Juventus, Autoesporte-PB, Santos Dumont-SE, Atlético-GO, Sport e Vitória — demoraram para repassar os valores para as jogadoras, que eram de R$ 500 a R$ 1000, o que resultou em piora do cenário para as jogadoras. Com a volta dos campeonatos na metade do ano, a situação foi sendo normalizada aos poucos. 

Em setembro de 2020, após anunciar as novas dirigentes para as coordenações de competições femininas, o presidente da CBF Rogério Caboclo, anunciou também que a entidade definiu a igualdade entre os valores das premiações entre as seleções masculinas e femininas. A equidade já havia sido adotada na convocação da equipe feminina para o Torneio Nacional da França. Em coletiva, o presidente afirmou que não há mais diferença de gênero em relação à remuneração na CBF. 

O assédio dentro dos campos 

Um dos problemas dentro do futebol feminino brasileiro é a questão do assédio. Além de sofrerem pelo assédio moral, ao serem questionadas sobre a sua qualidade dentro dos campos, as jogadoras também enfrentam o assédio sexual durante a prática futebolística. 

A ex-jogadora Julia Pompeo afirma que nunca sofreu assédio sexual físico, mas algumas situações já a incomodaram dentro de campo. “Sempre foi algo psicológico. Se eu colocava uma legging pra jogar bola, sempre tinha os olhares dos meninos. Algumas vezes já fomos treinar entre 11h e 12h da manhã, um horário com temperatura mais quente, e jogávamos sem a camiseta, somente de top. Os meninos que estavam esperando para usar a quadra no próximo horário ficavam debochando ou gritando palavras de assédio”, relata. 

Sobre os comentários pejorativos, a jogadora profissional Elena Mueller, afirma que as mulheres que jogam futebol inevitavelmente precisam ouvir falas machistas, desnecessárias, tentando minimizá-las e fazendo comparações, muitas vezes por falta de conhecimento da própria pessoa em relação ao futebol. 

Elena reitera que essas situações acontecem e cabe às próprias jogadoras enfrentarem de cabeça erguida. “Bater no peito, falar eu jogo futebol sim, eu sou mulher e jogo futebol. A mulher tem tanta capacidade como o homem para jogar futebol. O que eu sempre digo em relação a preconceito, é que a gente não se cale. Que se alguém fizer uma brincadeira que não for legal, que digamos que isso não deve existir. Na maioria das vezes os homens não sabem as dificuldades que a gente passa no futebol feminino, então o principal ponto é não se calar”, declara a jogadora. 

A inconveniência não vem somente dentro de campo. Podemos citar como exemplo, uma situação recente que aconteceu em dezembro de 2020. Durante o chamado programa “Dupla em debate” da Rádio Grenal, o comentarista Roberto Moure, sugeriu que as atletas do Internacional deveriam usar “fio dental” para jogarem. 

Durante o programa, o comentarista disse que as jogadoras que teriam as ‘pernas mais bonitas’ deveriam usar shorts mais curtos para jogar. “Uma sugestão para essas meninas, principalmente do Internacional, que querem usar o calçãozinho ali parecendo o Diego Barbosa. Peçam para confeccionar calções mais curtos, que fica horrível o que vocês estão fazendo. Ah! Mas as pernas são mais bonitas que as dos homens, não tenho dúvidas”.

Os comentários constrangem o apresentador, Flávio Dal Pizzol, que pede desculpas à sua companheira Heloíse Bordin, que era convidada do programa durante o ocorrido. Após o comentário sexista, Moure pediu retratação e disse não haver qualquer intenção de ferir ou ofender as jogadoras, pedindo desculpas pelo seu comentário. A Rádio Grenal também se manifestou, através de uma mensagem, sobre a situação:

“A rádio Grenal completará nove anos de existência em maio de 2021 e, desde a sua estreia, dirigida por uma mulher, que foi uma das primeiras comunicadoras a cobrir futebol no Brasil, a nossa diretora Marjana Vargas, a rádio Grenal foi a primeira emissora de rádio a contar com uma mulher atuando nas jornadas esportivas como repórter de campo. A rádio Grenal detém o título de primeira rádio FM a transmitir uma partida de futebol com equipe exclusivamente formada por mulheres, o que aconteceu na final do Gaúchão feminino do ano passado. A rádio Grenal é apaixonada pelo futebol e apaixonada pelo respeito e pela igualdade de direitos e oportunidades que devem unir a humanidade”, destacou a nota. 

Além das jogadoras e das jornalistas esportivas, as profissionais que atuam de outras maneiras dentro de campo também sofrem com as adversidades. A árbitra assistente Luiza Reis, conta que não sofreu com situações de assédio mas que foi muito ofendida em uma ocasião quando errou um lance em um jogo. “Eu comecei a ser muito criticada nas minhas redes sociais pessoais, não por ter errado o lance, mas por ser mulher e ter errado o lance. Então isso foi uma situação em que fiquei bem chateada. Hoje já faz um tempo, já consigo lidar melhor com isso”, relata Luiza. A árbitra ainda destaca que muitas pessoas que frequentam os estádios acabam insultando os árbitros, o que é uma atitude errada. 

Com essa e tantas outras situações de assédio que acontecem no dia a dia das mulheres que jogam futebol — que muitas vezes não são divulgadas pela mídia — muitas meninas publicaram manifestações na internet em apoio às vítimas. 

Do campo para as arquibancadas 

A batalha das mulheres pelo espaço no futebol não é vista somente no campo. Assim como em qualquer competição, a presença do torcedor serve como incentivo aos atletas, porém quando se trata da presença da mulher nas arquibancadas isso se torna mais uma  luta pelo seu direito de ocupar espaços considerados masculinos. 

Diante dessa movimentação na própria torcida do futebol feminino vem ganhando cada vez mais apoio de torcedoras que já trazem a tradição de acompanhar os times masculinos de seus clubes. Revelando que é o momento de acabar de vez com qualquer discriminação de gênero quando o assunto é futebol.

Um vídeo que chocou as redes sociais em 2018, foi considerado o primordial para a criação de novos movimentos e coletivos de torcedoras que exigiam respeito às mulheres no mundo do esporte. A gravação mostra uma torcedora com a camisa do Palmeiras sendo agredida e expulsa de um vagão no metrô por vários torcedores do Corinthians. 

Apesar de o placar chamar muita atenção, um depoimento dado pela capitã do time do Taboão da Serra, serviu para mostrar a dura realidade que os times femininos enfrentam no dia a dia quanto a estrutura dos clubes. Segundo Nini, o time do interior de SP possui pouco investimento e não possui nenhum apoio do clube. 

“Em pouca coisa o clube nos ajuda. É mais a vontade da comissão técnica mesmo. Ninguém tem salário, ninguém tem condução. A gente não tem roupa de treino, não tem apoio nenhum do clube. A gente simplesmente usa o nome do clube para participar do Campeonato Paulista porque acredita que é uma oportunidade para as meninas mais novas”, relatou a capitã à FPF TV. 

Com os olhares voltados para o futebol feminino durante a Copa do Mundo, muitos temas surgiram. Um levantamento realizado pelo EXTRA no ano de 2019, mostra que os 20 clubes participantes da série A (até então) investiam no máximo 1% de seus orçamentos no futebol feminino. O Santos liderava a tabela sendo o time que mais investiu. O Flamengo investe cerca de R$ 1 milhão, o que equivalia na época ao salário de um mês do Gabigol. Diante dessa situação, com o baixo incentivo e investimento a prática futebolística se torna quase impossível para as jogadoras. Levando assim, a esperança de o futebol se tornar um esporte igualitário em questão de investimentos e oportunidades. 

Questão salarial das jogadoras no Brasil

Além da falta de investimentos em equipamentos, lugares para treinos e preparação física, uniformes, entre outros, o futebol feminino também é financeiramente afetado na questão da disparidade salarial.  

Segundo o site de notícias da UOL, os contratos de jogadoras de futebol que atuam no Brasil possuem a duração de um ano. Isso quando existe realmente um contrato de trabalho, pois a grande maioria trabalha informalmente. Assim como é raro encontrar clubes que ofereçam carteira assinada às jogadoras. O Corinthians, por exemplo, começou a assinar os contratos de suas jogadoras a partir de 2019. 

A negociação, diferentemente dos times masculinos, não é através da compra de passes das jogadoras. Os contratos de trabalho são firmados entre clube e atleta de forma direta, sem necessidade de compra de transferência. Com a grande visibilidade proporcionada pela Copa do Mundo de 2019, os negócios mudaram consideravelmente, tanto em questão de contratos como de salário, mas a realidade ainda é difícil. 

Ainda segundo a UOL, as jogadoras que atuam na primeira divisão do Brasileiro, ganham em média até dois salários mínimos por mês. Ainda que muitos clubes tenham investido um pouco mais no futebol praticado por mulheres, o salário não passa dos R$3 mil. Valores insignificantes perto da folha salarial do futebol masculino. No São Paulo, por exemplo, o total de investimentos em 2019 chegou a menos de dois salários do jogador Daniel Alves, que equivale a R$1,5 milhão. 

Além disso, com a pandemia e o futebol paralisado em março, foi o suficiente para alastrar uma enorme crise financeira nos clubes, que afetou todas as categorias de jogadoras. Alguns clubes fizeram até redução dos salários dos jogadores profissionais para tentar amenizar a situação, assim como de jogadoras, mas muitas foram dispensadas durante esse período de crise mais acentuada. 

Em abril de 2020, a Confederação Nacional de Futebol (CBF) destinou cerca de R$150 mil para equipes da série A1 e R$50 mil para equipes da série A2, para tentar ajudar na folha salarial das jogadoras. Contudo, dos 52 clubes beneficiados, seis — Audax, Juventus, Autoesporte-PB, Santos Dumont-SE, Atlético-GO, Sport e Vitória — demoraram para repassar os valores para as jogadoras, que eram de R$500 à R$1000 reais, piorando ainda mais o cenário para as jogadoras. Com a volta dos campeonatos na metade do ano, a situação foi sendo normalizada aos poucos. 

Em setembro de 2020, após anunciar as novas dirigentes para as coordenações de competições femininas, o presidente da CBF Rogério Caboclo, anunciou também que a entidade definiu a igualdade entre os valores das premiações entre as seleções masculinas e femininas. A equidade já havia sido adotada na convocação da equipe feminina para o Torneio Nacional da França. Em coletiva, o presidente afirmou que não há mais diferença de gênero em relação à remuneração na CBF. 

O assédio dentro dos campos 

Um dos maiores problemas dentro do futebol feminino brasileiro é a questão do assédio. Além de sofrerem pelo assédio moral, ao serem questionadas sobre a sua qualidade dentro dos campos, as jogadoras também enfrentam o assédio sexual durante a prática futebolística. 

A ex-jogadora Julia Pompeo afirma que nunca sofreu assédio sexual físico, mas algumas situações já a incomodaram dentro de campo. “Sempre foi algo psicológico. Se eu colocava uma legging pra jogar bola, sempre tinha os olhares dos meninos. Algumas vezes já fomos treinar entre 11h e 12h da manhã, um horário com temperatura mais quente, e jogávamos sem a camiseta, somente de top. Os meninos que estavam esperando para usar a quadra no próximo horário ficavam debochando ou gritando palavras de assédio”, relata. 

Sobre os comentários pejorativos, a jogadora profissional Elena Mueller, afirma que as mulheres que jogam futebol inevitavelmente precisam ouvir falas machistas, desnecessárias, tentando minimizá-las e fazendo comparações, muitas vezes por falta de conhecimento da própria pessoa em relação ao futebol. 

Elena reitera que essas situações acontecem e cabe às próprias jogadoras enfrentarem de cabeça erguida. “Bater no peito, falar eu jogo futebol sim, eu sou mulher e jogo futebol. A mulher tem tanta capacidade como o homem para jogar futebol. O que eu sempre digo em relação a preconceito, é que a gente não se cale. Que se alguém fizer uma brincadeira que não for legal, que digamos que isso não deve existir. Na maioria das vezes os homens não sabem as dificuldades que a gente passa no futebol feminino, então o principal ponto é não se calar”, declara a jogadora. 

A inconveniência não vem somente dentro de campo. Podemos citar como exemplo, uma situação recente que aconteceu em dezembro de 2020. Durante o chamado programa “Dupla em debate” da Rádio Grenal, o comentarista Roberto Moure, sugeriu que as atletas do Internacional deveriam usar “fio dental” para jogarem. 

Durante o programa, o comentarista disse que as jogadoras que teriam as ‘pernas mais bonitas’ deveriam usar shorts mais curtos para jogar. “Uma sugestão para essas meninas, principalmente do Internacional, que querem usar o calçãozinho ali parecendo o Diego Barbosa. Peçam para confeccionar calções mais curtos, que fica horrível o que vocês estão fazendo. Ah! Mas as pernas são mais bonitas que as dos homens, não tenho dúvidas”.

Os comentários constrangem o apresentador, Flávio Dal Pizzol, que pede desculpas à sua companheira Heloíse Bordin, que era convidada do programa durante o ocorrido . Após o comentário sexista, Moure pediu retratação e disse não haver qualquer intenção de ferir ou ofender as jogadoras, pedindo desculpas pelo seu comentário. A Rádio Grenal também se manifestou, através de uma mensagem, sobre a situação:

“A rádio Grenal completará nove anos de existência em maio de 2021 e, desde a sua estreia, dirigida por uma mulher, que foi uma das primeiras comunicadoras a cobrir futebol no Brasil, a nossa diretora Marjana Vargas, a rádio Grenal foi a primeira emissora de rádio a contar com uma mulher atuando nas jornadas esportivas como repórter de campo. A rádio Grenal detém o título de primeira rádio FM a transmitir uma partida de futebol com equipe exclusivamente formada por mulheres, o que aconteceu na final do Gaúchão feminino do ano passado. A rádio Grenal é apaixonada pelo futebol e apaixonada pelo respeito e pela igualdade de direitos e oportunidades que devem unir a humanidade”, destacou a nota. 

Além das jogadoras e das jornalistas esportivas, as profissionais que atuam de outras maneiras dentro de campo também sofrem com as adversidades. A árbitra assistente Luiza Reis, conta que não sofreu com situações de assédio mas que foi muito ofendida em uma ocasião quando errou um lance em um jogo. “Eu comecei a ser muito criticada nas minhas redes sociais pessoais, não por ter errado o lance, mas por ser mulher e ter errado o lance. Então isso foi uma situação em que fiquei bem chateada. Hoje já faz um tempo, já consigo lidar melhor com isso”, relata Luiza. A árbitra ainda destaca que muitas pessoas que frequentam os estádios acabam insultando os árbitros, o que é uma atitude errada. 

Com essa e tantas outras situações de assédio que acontecem no dia a dia das mulheres que jogam futebol — que muitas vezes não são divulgadas pela mídia — muitas meninas publicaram manifestações na internet em apoio às vítimas. 

Do campo para as arquibancadas 

A batalha das mulheres pelo espaço no futebol não é vista somente no campo. Assim como em qualquer competição, a presença do torcedor serve como incentivo aos atletas, porém quando se trata da presença da mulher nas arquibancadas isso se torna mais uma  luta pelo seu direito de ocupar espaços considerados masculinos. 

Diante dessa movimentação na própria torcida do futebol feminino vem ganhando cada vez mais apoio de torcedoras que já trazem a tradição de acompanhar os times masculinos de seus clubes. Revelando que é o momento de acabar de vez com qualquer discriminação de gênero quando o assunto é futebol. 

Um vídeo que chocou as redes sociais em 2018, foi considerado o primordial para a criação de novos movimentos e coletivos de torcedoras que exigiam respeito às mulheres no mundo do esporte. A gravação mostra uma torcedora com a camisa do Palmeiras sendo agredida e expulsa de um vagão no metrô por vários torcedores do Corinthians. 

Torcedoras buscam apoio em coletivos para frequentar os estádios com tranquilidade. Fotomontagem: Lance!

Na época os clubes divulgaram uma nota condenando as agressões, mas para algumas torcedoras palmeirenses era necessário mais posicionamento. Foi assim, que uma das administradoras se reuniu com outras palmeirenses e criaram o movimento VerDonnas. Em 2019, esse movimento já era composto por nove administradoras e mais quatro grupos com uma média de 250 mulheres cada. 

Logo em seguida, o Movimento Alvinegras foi criado por corinthianas para apoiar e organizar mulheres que queiram acompanhar o seu time pelos estádios. E no mesmo embalo as santistas do Bancada das Sereias, também em busca de respeito, criaram o movimento após se questionarem sobre as dificuldades enfrentadas por elas mesmas no estádio.

De uma manifestação nas redes sociais, nasceu também o movimento São PraElas, das são-paulinas. As torcedoras desenvolveram a hashtag #saopaulinasuniformizadas no Twitter, com o intuito de protestar contra o fato da Underarmour, fornecedora dos uniformes de jogo do time que não fabricava nenhuma peça feminina. 

Embora a presença das mulheres nos estádios ainda seja vista como uma vivência passiva, de acompanhantes, este quadro vem mudando. As rivalidades ficam apenas em campo, a vontade de poder frequentar os jogos, gritar e torcer é maior entre elas. Toda a organização derivada das tradicionais torcidas do futebol masculino também refletem na torcida do futebol feminino.

Ativismo digital também realizado pelas jornalistas 

Jornalistas da Gaúcha ZH compartilhando a campanha #DeixaElaTrabalhar. Foto: Reprodução

A repórter Bruna Dealtry, durante uma cobertura ao vivo de uma partida de futebol em 2019, pelo canal Esporte Interativo, foi interrompida por um torcedor que a beijou à força, em frente a câmera. O caso ocorreu no Rio de Janeiro, na partida entre o Vasco e o Universidad do Chile, pela Libertadores da América. Em choque e constrangida, a jornalista apenas diz “não foi legal” e segue a transmissão.

Por coincidência, naquela mesma semana em Porto Alegre tinha também ocorrido um caso parecido. Um torcedor do Inter insultou e agrediu fisicamente a jornalista Renata Medeiros, da Rádio Gaúcha, durante a cobertura de Inter e Grêmio.  

Esses dois casos ilustram o que muitas mulheres, tanto da área do esporte ou de outros ambientes de trabalho, recebem pelo simples fato de serem mulheres. Foi diante disso, que criaram uma nova campanha com o objetivo de jogar luz sobre este problema e clamar pelo respeito às profissionais.

Foi o movimento #DeixaElaTrabalhar, com um grupo de 50 jornalistas mulheres de todo o país que desenvolveram um vídeo com relatos desses assédios sofridos. As jornalistas relataram comentários violentos e ameaças de estupro de torcedores no estádios e nas redes sociais. 

Confira o vídeo da campanha:

 

[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=omrrIFeCTLQ ” title=”https:%2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch?v%3DomrrIFeCTLQ%20″]

 

O principal intuito da campanha era chamar a atenção para as agressões que as profissionais sofrem não somente nos estádios, mas também nas redações, em suas redes pessoais, na rua ou em onde for. A campanha apesar de criada por jornalistas não se limitava somente a esta editoria, o movimento abraçava todas as esferas, sendo uma maneira de incentivar o relato sofrido e a busca pelos espaços.

Após a campanha, diversos clubes se posicionaram sobre o caso, o Atlético-MG entrou em campo para o clássico contra o Cruzeiro com faixas chamando a atenção para a violência contra a mulher. A responsável pela lei que criminaliza a violência doméstica e familiar, Maria da Pena M. Fernandes, esteve no gramado do Independência e foi homenageada pelo clube, além de torcedoras apresentarem variados cartazes com dizeres “Meu lugar é aqui”, nas arquibancadas. O Corinthians jogou contra o Mirassol com a marca #RespeitaAsMinas estampadas no uniforme e entrou junto ao campo com as atletas do time feminino. 

O assédio entre as jornalistas já acontecia antes mesmo da união entre elas para denunciar os abusos e assédios. Em 2016, depois que uma repórter do portal G1 ser assediada no meio de uma entrevista coletiva pelo cantor Biel, um grupo de jornalistas mulheres criaram a campanha #JornalistasContraOAssédio. Na época o cantor chamou a repórter de “gostosinha” e disse que “quebraria no meio” se eles tivessem relações sexuais. Hoje a campanha se transformou em um coletivo que denuncia as diversas formas de assédio. 

Casos deste teor acontecem nos grandes estádios e também nos pequenos. A jornalista esportiva do Diário de Santa Maria, Janaína Wille, integrou o Radar Esportivo da Rádio Universidade onde realizava programas de rádio sobre esporte e transmissões do futebol americano e da divisão de acesso. 

Janaína relata que trabalhar nessa área é comum ouvir comentários direcionados tanto as atletas quanto as profissionais. A jornalista diz nunca ter sofrido nenhum assédio, porém passou por casos desconfortáveis como quando por conta de sua simpatia ao entrevistar e conversar com a torcida, muitas vezes era mal interpretada, pelo simples fato de ser uma mulher. “Muitas vezes aconteceu de sair um gol e o torcedor querer me abraçar, me tocar, sem nenhuma permissão, até aquele “chega pra lá””, comenta a jornalista. 

Esse tipo de comportamento não ocorre somente pelos torcedores, a comunicadora conta ter passado uma experiência desconfortável com um determinado dirigente, onde em entrevista o homem foi extremamente grosseiro e assim que, entrevistado por outra jornalista, teve um comportamento diferente. Uma atitude completamente machista, deixando claro que a outra jornalista o agradava mais.

A jornalista enfatiza que se sente privilegiada em trabalhar com jovens de mente aberta e que possuem respeito pelas profissionais, que embora nunca tenha passado por casos graves enquanto trabalhava, acredita que o primeiro passo é dado pela mídia, reconhecendo esses casos de assédio, ofensa e abuso. “É importantíssimo escancarar esses casos para as pessoas verem que não pode ser impune esses tipos de agressões”, diz Janaina. 

Embora Santa Maria seja uma cidade do interior, onde o futebol não possui tanto engajamento como nas cidades capitais, assédios como esse não são impunes como parecem. Bem como relatou Janaina, o primeiro passo para combater é por nas redes, noticiar nos jornais, deixar a sociedade ciente. Nenhuma mulher mais irá deixar de ir aos jogos ou muito menos, uma jornalista deixará de cumprir sua profissão por conta de homem que não sabe se comportar.

Marta: o maior símbolo do futebol brasileiro feminino

Na imagem, Marta em um amistoso pela Seleção Brasileira Feminina. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

Tanto Marta como Pelé são jogadores de grande magnitude e possuem uma importância histórica muito grande para o futebol brasileiro. Contudo, Marta já ultrapassou Pelé em algumas categorias de premiações. 

Segundo a ESPN, enquanto Pelé ganhou três Copas do Mundo para o Brasil e foi eleito o maior da história, Marta, apesar de possuir títulos nacionais de menos peso, ainda sim supera o ‘Rei’ em prêmios individuais. Marta já ultrapassou Pelé como melhor artilheiro da história da seleção brasileira, chegando a 100 gols, enquanto Pelé tem 95. A jogadora também superou Pelé em número de gols em Copas. Ela com 15 gols e ele com 12.

Até então foram seis prêmios de melhor do mundo da Fifa, 17 gols em Copas do Mundo, sendo a maior artilheira da história dos Mundiais entre homens e mulheres. Foram 107 gols pela seleção brasileira, o que também faz dela a maior artilheira que já vestiu a camisa amarela. A então conhecida como “Rainha do Futebol”, ultrapassou barreiras para chegar até onde chegou e se tornar tão influente no futebol feminino. 

Em 2020, a camisa 10 da seleção, Marta, tentou sua quinta Olimpíada em busca do tão sonhado ouro inédito. A jogadora se aproximou do título em 2004 e 2008, quando o Brasil perdeu para os Estados Unidos na final. 

Durante as décadas de proibição e falta de investimentos, o futebol feminino sofreu muito para conquistar espaço, mas foi nos pés de Marta que as portas começaram a se abrir. O país não tinha sequer um Campeonato Brasileiro para as mulheres competirem, porém aquele que se tornaria no futuro um ícone dos gramados, encantava o mundo com seus dribles e gols em campo. Hoje, os maiores especialistas já afirmam que ela é a maior de todos os tempos. 

A visibilidade que não existia antes, fez com que Marta se tornasse uma grande referência para tantas outras mulheres que também sonham com um futuro promissor nos campos de futebol. Depois de ganhar o prêmio da Fifa pela sexta vez em 2019, Marta ganhou homenagem na sede da CBF e foi capa das principais publicações nacionais e internacionais. 

No país do futebol, também é o país do carnaval e em 2020 a atleta foi tema de uma escola de samba no Rio de Janeiro, a Inocentes de Belford Roxo, do grupo de acesso, levando a jogadora como tema do enredo na Sapucaí. 

Assim como muitas jovens espalhadas pelo Brasil inteiro, Marta também iniciou seus passos quando era uma simples criança e jogava futebol entre os meninos de Dois Riachos. Marta jogou em um time da cidade, até ser banida do campeonato por ser “boa demais”. A jogadora já relatou em diversas entrevistas ter ouvido o termo “aqui não é lugar para meninas”, vindas de um treinador que não quis a colocar o time no campeonato até ter certeza que Marta não jogaria na equipe. 

Com 14 anos, Marta realizou um teste no Vasco, jogou nas categorias de base e logo chegou à seleção, ainda na adolescência. A jovem enfrentou logo cedo as dificuldades do futebol feminino, quando o clube cruzmaltino encerrou as atividades do time feminino e ela por conta disso, se viu na necessidade de procurar outra equipe para seguir seu caminho. 

Marta foi para Minas Gerais, temporariamente, porém com o sucesso que fez na Copa do Mundo em 2013, a então jogadora recebeu a proposta de jogar em um time na Suécia. Diferente de Pelé, a jogadora não pode seguir os mesmos passos fazendo carreira e se tornando uma ídola absoluta de um único clube. A realidade do esporte feminino não permitiu isso na época e os clubes foram se formando e acabando, tudo por conta da falta de investimento. 

Foi assim que Marta fez parte de diversos clubes, jogando na Suécia, nos Estados Unidos, passou um tempo no Santos no “dream team” das Sereias da Vila, até retornar para a Suécia no Rosengard e depois voltar ao país do futebol feminino para no Orland Pride. Marta conquistou Champions League, Campeonato Sueco, Libertadores, Copa do Brasil, Liga America pelos clubes, além de dois ouros em Pan-Americanos, três em Copa América e duas medalhas de prata olímpicas.

A história da craque dos campos femininos é tão importante e notória para a cultura da sociedade brasileira, tendo em vista a existência de alguém tão gigantesca no esporte. Isso tudo gera ainda mais um apoio a todas aquelas meninas que sonham com uma carreira que ainda sofre tanto com o preconceito e com a desvalorização. 

Marta foi e ainda é um grande ícone a ser seguido, a jogadora mostrou que é possível de fato chegar tão longe em um esporte que ainda é visto pela maioria como apenas destinado aos homens. 

Novas perspectivas do futebol feminino no Brasil

O futebol feminino cresce a cada dia e busca pelo seu espaço. Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA.

Apesar dos salários discrepantes comparados aos homens, as condições precárias e a pouca valorização, foi em 2019 que o futebol feminino ficou marcado como um ano de mudanças significativas para a modalidade. 

Mulheres do mundo todo lutam por melhores condições de trabalho dentro do futebol. Essa luta finalmente parece estar atingindo os efeitos que elas sempre mereceram. A visibilidade da categoria, enfim, começa a existir. 

Em 2019, a sétima edição consecutiva do Campeonato Brasileiro recebeu transmissão gratuita pela internet. Foram 52 participantes na competição, muito por conta da exigência dos clubes aderirem ao Programa Governamental de Refinanciamento de Dívidas do Futebol Brasileiro – Profut.

O calendário rentável da modalidade no país foi uma exigência que garante a sobrevivência desses clubes ao longo da temporada e facilita também o processo de criação de um público fiel.

No mesmo ano, o futebol feminino ficou marcado graças ao grande evento da temporada, a Copa do Mundo. A competição contou com 24 países participantes e chegou a sua oitava edição, acontecendo em Junho, na França. No início do ano, em carta, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, afirmou que a competição mudaria a forma como o futebol feminino seria visto no planeta.

A primeira edição da competição, foi disputada em 1898 e desde então vem conseguindo superar as dificuldades que enfrenta, assim como os importantes progressos recentes na modalidade. A expectativa em 2019 é que a competição fosse um divisor de águas na modalidade, promovendo a igualdade das condições dos gramados.

O primeiro fator motivador na Copa do Mundo de 2019, foi a venda dos ingressos ser efetuada com sucesso, esgotando a abertura e as semifinais assim que abertas as vendas. A França adquiriu esse sucesso por conta dos preços, trabalhando valores atrativos com pacotes de três jogos a partir de 25 euros e partidas avulsas a partir de nove euros, além de usar o título da seleção masculina para atrair o público a reviver tal emoção.

No Brasil, a competição foi um marco histórico, tendo em vista a luta todos os anos pela seleção feminina em receber de fato a visibilidade que merecia. O evento recebeu, pela primeira vez, atenção da mídia nacional. Numa manobra inédita, a Rede Globo deu espaço na sua programação aberta para todos os jogos disputados pela Seleção Brasileira, enquanto o SporTV transmitiu o torneio na íntegra, em seus canais fechados.

Foi também o ano dos patrocinadores surgirem. A Nike, empresa de material esportivo, fechou contrato com 14 países participantes da Copa, incluindo a Seleção Brasileira, lançando pela primeira vez uniformes exclusivamente para as mulheres que disputaram o Mundial. Além disso, houve lançamentos em roupas da Adidas que publicou um manifesto a favor da equiparação de pagamentos entre homens e mulheres no esporte. 

A Copa do Mundo de 2019 e a atenção dada pela mídia nacional, foram fatores iniciantes para uma maior visibilidade no esporte. Visibilidade essa que gera apoio a novas jogadoras e mulheres que querem viver no meio desta modalidade, mostrando que sim elas podem e devem impor seu espaço. 

Como um exemplo disso, em 2020 foi possível presenciar no jogo entre Juventus e Dínamo de Kiev, a primeira partida da Champions League a ser controlada por uma árbitra mulher, a Stéphanie Frappart. 

No Brasil foi possível comemorar conquistas como essa, já em 2021 a FIFA anunciou um trio de arbitragem feminina para o Mundial de Clubes de 2020, que será realizado em fevereiro devido a pandemia do coronavírus. A árbitra Edina Alves é a única mulher entre outros seis homens compondo a lista de árbitros da competição. Com ela a brasileira, Neuza Back e a argentina, Mariana de Almeida vão ocupar o posto de bandeirinha no torneio ao lado de outros dez assistentes. 

Também honrando a camisa da seleção, só que no futsal – esporte próximo ao futebol só que realizado em uma quadra fechada, a atleta Amandinha, é indicada ao prêmio de melhor jogadora do mundo pelo “Futsal Planet” e pode ganhar o título pela sétima vez.

Embora sejam poucas vitórias comparadas a tudo que o futebol masculino possui atualmente, sem ter feito tanto esforço quanto o feminino, é importante ressaltar que tudo que vem sendo realizado para esse crescimento está tendo resultados. 

A visibilidade gera conhecimento, coloca a vista o rosto de cada jogadora e seu potencial, dando a ela oportunidades de crescer com apoio e assim ter uma maior estrutura em seu trabalho. É como se um fator fosse movido pelo outro e somente assim esse ramo funcionasse. 

Para as jovens que estão recém iniciando sua carreira como a atleta Cauane, almejam a melhor perspectiva possível, acreditando no crescimento e desenvolvimento do futebol feminino. Para ela, a transmissão em rede nacional da Copa do Mundo Feminina em 2019 foi um marco fundamental para esse objetivo, mostrando o quanto o esporte é importante para a sociedade. “ As atletas merecem reconhecimento, após tantos anos de luta e dedicação, onde precisaram enfrentar e vencer tantos tipos de preconceito”.

O país do futebol deveria focar seu olhar mais naqueles que fazem pela bandeira, pela nacionalidade e pela paixão, dando assim o mesmo valor independente de gênero, raça, etnia ou qualquer outro aspecto que possa ser usado para justificar um esporte que pode e é praticado por todos.

Foi por conta do cenário convicto, que mulheres como a jogadora, Elena Mueller, que decidiu voltar a jogar em 2017 e 2018. De maneira positiva e colocando fé nos seus sonhos que hoje a atleta trabalha esse sentimento de apoio e orientação em uma mentoria. Ela orienta várias meninas que querem se tornar profissionais na gestão de carreira, gestão de imagem e gestão de relacionamento. 

“Hoje em dia, por exemplo, a internet está aí, ao acesso de todo mundo, então tende a crescer muito mais a partir do momento que as gurias tiverem essa noção de usar as ferramentas. …, aproveitar as oportunidades que estão acontecendo e surgindo cada vez mais, desde competições, visibilidade, porque tudo isso vem com o tempo”, relata Elena.   

O que se espera pelas atletas, pelas torcedoras, pelas comunicadoras e por todos aqueles que admiram o trabalho realizado em campo pelas mulheres, um futuro mais igualitário, valorizando o seu potencial e promovendo as mesmas oportunidades entre todos em um esporte que é tão fascinante e une o mundo inteiro.

 *Reportagem produzida para a disciplina de Jornalismo Investigativo sob a orientação do professor Maurício Dias