CAPS, as demandas de um sistema invisível em Santa Maria
“Foram anos lutando contra mim e eu me superei. Comecei a me sentir pessoa, gente, porque antes eu me sentia um bicho. A partir daí eu vi que eu consegui fazer as coisas.” Esse foi um
“Foram anos lutando contra mim e eu me superei. Comecei a me sentir pessoa, gente, porque antes eu me sentia um bicho. A partir daí eu vi que eu consegui fazer as coisas.” Esse foi um
Na correria diária, são poucas as pessoas que conseguem ter a sensibilidade de olhar em volta e notar que existe uma vida paralela nas ruas da cidade. Fragilizadas pelas circunstâncias, as pessoas que têm como único
A Agência CentralSul de Notícias faz parte do Laboratório de Jornalismo Impresso e Online do curso de Jornalismo da Universidade Franciscana (UFN) em Santa Maria/RS (Brasil).
“Foram anos lutando contra mim e eu me superei. Comecei a me sentir pessoa, gente, porque antes eu me sentia um bicho. A partir daí eu vi que eu consegui fazer as coisas.”
Esse foi um dos relatos ouvidos durante a construção desta reportagem. Temos o intuito de apresentar, principalmente, o serviço desenvolvido nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), suas metodologias de atendimento, demandas, relação com o restante da rede de saúde mental e como se dá a relação dos usuários com esse sistema de saúde em Santa Maria.
Durante os meses de abril e maio, entre visitas e conversas, podemos conhecer o serviço de saúde mental do município, que conta com quatro centros: o CAPS II Prado Veppo, que atende pessoas com transtornos mentais graves; o CAPS Ad II Caminhos do Sol e o CAPS Ad II Cia do Recomeço, que são voltados para usuários dependentes de álcool e drogas; e o CAPSi II O Equilibrista, por onde passam crianças e adolescentes com transtornos psíquicos.
A realização das visitas aos locais, além de contribuírem para o esclarecimento de cada unidade, também serviram para que buscássemos respostas das demandas mencionadas pelas equipes dos CAPS e pelos próprios usuários. Junto com as unidades, conhecemos o funcionamento do centro de internação Paulo Guedes, localizado no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM). Também ouvimos profissionais do setor e usuários dos serviços psicossociais e participamos da Pré-Conferência de Saúde Mental, que ocorreu na Universidade Franciscana (UFN), com acadêmicos e professores da área de saúde que atuam na rede.
Durante esses dois meses, as visitas aos CAPS, à unidade Paulo Guedes e a entrevista com a coordenadora de Saúde Mental, Claudia Pinto, ocorreram por intermédio do Núcleo de Educação Permanente em Saúde (NEPeS). A primeira foi realizada no início do mês de abril e a partir daí mergulhamos nos Centros de Atenção Psicossocial.
Nesse período, podemos ver a dedicação dos profissionais em manter as atividades e oficinas, mesmo trabalhando com a equipe mínima reduzida. Logo nas primeiras visitas, ouvimos relatos das equipes das unidades sobre a carência de profissionais e o inchamento da rede que não consegue suprir a grande demanda de usuários. Evidenciamos a falta de estrutura e investimento nesses serviços por parte dos órgãos públicos.
Encontramos, ainda, a dificuldade de obtenção de respostas por parte da Coordenadoria de Saúde Mental e Secretaria de Saúde de Santa Maria. Entre os questionamentos sem respostas, está os valores dos aluguéis pagos pelos imóveis, que custam em média R$ 7,5 mil/mês, para cada unidade.
Os CAPS, que se localizam na região central da cidade, também trocam de endereço constantemente, devido as condições das residências. As alterações afetam, principalmente, os usuários das unidades Ad (álcool e drogas,) que precisam se adaptar as mudanças. Isso porque, esses centros atuam por meio de “territórios”, os quais estabelecem para onde cada usuário deve ir, a partir do local em que moram.
É importante saber que os centros constituem-se dentro da chamada Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), uma das estratégias desenvolvidas pela Política Nacional de Saúde Mental. A estrutura faz parte de uma implantação realizada no Sistema Único de Saúde, com o objetivo de atender, nos diferentes graus de complexidade, pessoas que demandam atendimentos voltados à saúde mental. Em Santa Maria a prefeitura é responsável por essas unidades.
CAPS, as demandas de um sistema invisível em Santa Maria (Acesse o link para ler a reportagem completa)
Na correria diária, são poucas as pessoas que conseguem ter a sensibilidade de olhar em volta e notar que existe uma vida paralela nas ruas da cidade. Fragilizadas pelas circunstâncias, as pessoas que têm como único abrigo as marquises de lojas da cidade, além de estarem em situação de desproteção, muitas vezes nem são percebidas por quem circula entre uma via e outra de Santa Maria.
Para entender um pouco mais sobre a realidade de quem vive na rua, conversei com o morador José Carlos Mainardi, 46, que está nas ruas há 13 anos. Desde a morte de sua esposa, em Porto Alegre, José veio para Santa Maria buscar uma nova vida e até um emprego na construção civil. No entanto, a instabilidade emocional frente à falta de trabalho e o fim do dinjheiro, levaram ao alcoolismo e à depressão.
José já tentou alguns tratamentos para vencer a luta contra a bebida, porém sem sucesso. Ele prefere dormir em bancos de praças do centro da cidade e conta com a generosidade de moradores da região central para sobreviver. Com uma mochila nas costas, José carrega tudo o que tem: roupas, documentos e seu título de eleitor.
Com segundo grau completo, o simpático senhor mostra discernimento e conhecimento sobre a realidade que o cerca, e conta como percebe a indiferença da sociedade em relação aos moradores de rua.
“As pessoas estão ocupadas demais para se preocuparem com o próximo. Julgam que somos vagabundos, que não queremos trabalhar, que não corremos atrás do nosso espaço. Mas só quem vive essa situação sabe como é difícil sair do fundo do poço. Só quem conhece a depressão e entende que alcoolismo é uma doença pode julgar, mas não, preferem atirar a pedra primeiro”, relata José.
O morador faz questão de ressaltar que sempre optou por fugir das drogas e da violência e só busca viver em paz. Quando pergunto sobre seus planos para o futuro, José lamenta, “é difícil criar planos quando não se consegue visualizar nem o próximo amanhecer. Aqui, a gente vale o que tem no bolso, se tiver cinco reais, vai valer só cinco reais”.
Por acreditar que é mais seguro estar distante das demais pessoas na mesma situação, José não procura a ajuda de albergues. “Quando junta mais de dois moradores de rua no mesmo espaço, já é considerado perigo a sociedade.Somos vistos como quadrilha”, acrescenta.
Com a voz embargada, destacou que apesar dos problemas financeiros e a disância da família, o principal drama vivido é ser ignorado e desconsiderado pela sociedade. “Eu existo, eu ainda existo, e só quero ser visto como um homem, como um cidadão, não sou um saco de lixo que o caminhão esqueceu de levar para o aterro, eu sei que existo, eu sinto que existo, e quero ser visto assim”, finaliza.
Por Thais Hoerlle, para a disciplina de Jornalismo Online