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Orwell

E se Orwell visse o século XXI?

Em 1948, quando o jornalista e escritor britânico George Orwell concluiu o famoso romance 1984, ele mostrou para o mundo um futuro desconfortável e claustrofóbico. Hoje o livro 1984 é um clássico da literatura mundial. Os

1984 – a atualidade do filme de Orwell

 O filme 1984 é uma adaptação do livro homônimo escrito por Eric Arthur Blair, mais conhecido pelo seu pseudônimo, George Orwell. O longa-metragem foi realizado no mesmo ano do título da ficção, dirigido por Michael Radford,

Em 1948, quando o jornalista e escritor britânico George Orwell concluiu o famoso romance 1984, ele mostrou para o mundo um futuro desconfortável e claustrofóbico.
Hoje o livro 1984 é um clássico da literatura mundial. Os conceitos abordados nesse distópico romance serviram até mesmo para batizarem um certo reality show, fato esse que deve estar fazendo Orwell dar piruetas em seu túmulo.
No livro, o escritor mostra como uma sociedade oligárquica coletivista é capaz de reprimir qualquer um que se rebelar contra ela. Para isso, o governo, ou o Grande Irmão, mantém a população completamente desinformada. Ninguém sabe exatamente em que ano estão, quem venceu e quem perde as guerras. É tanta desinformação que a mentira se torna a única verdade.
Hoje, já no século XXI, o advento da internet aumentou o ciclo de informação. Ao contrário do que Orwell afirmou em seu livro, o futuro está abarrotado de informação e cada ser humano é uma ilha cercada de notícias por todos os lados. Hoje recebemos e produzimos notícias, muitas vezes sabendo de tudo sem saber bem o porquê.
Mas, e se fosse possível construir uma máquina do tempo, dessas que o H.G. Wells imaginou em seu livro e com ela buscássemos George Orwell para visitar o nosso futuro pós-1984? O que será que esse escritor diria?
O autor, que também escreveu o clássico A Revolução dos Bichos, poderia ficar estupefato diante do excesso de informação, mas também poderia comprovar definitivamente que qualidade não é quantidade. Há informação onipresente no facebook, nos portais da internet, nos ínfimos 140 caracteres do twitter, no rádio, na TV, nas revistas e nos jornais, tudo é mastigado em poucas palavras para o público evitar o trabalho hercúleo que é pensar.
O escritor iria perceber que o futuro é governado pela ditadura da efemeridade e que a maioria dos indivíduos são um pouco o Winston Smith, o personagem que no romance é um simplório funcionário que se limita a cumprir a sua fatídica função sem questionamentos, sem saber porque, por quem e para quem. Talvez Orwell iria afirmar até que essa sociedade de controle é muito diferente da imaginada por ele, por outro lado, é muito próxima de um admirável mundo novo concebido por outro escritor. Mas aí, nesse caso, já é outra história.

 O filme 1984 é uma adaptação do livro homônimo escrito por Eric Arthur Blair, mais conhecido pelo seu pseudônimo, George Orwell. O longa-metragem foi realizado no mesmo ano do título da ficção, dirigido por Michael Radford, o elenco conta com a presença do ator John Hurt e Suzanna Hamilton, que interpretam o casal que se envolve romanticamente em um mundo onde o sexo e outros prazeres são considerados crime para o Estado que governa o mundo.

A imagem de poder no filme é representada pelo ditador onipresente chamado de Grande Irmão, que, através de câmeras em vários pontos escondidos da cidade, observa a tudo e a todos, sempre na tentativa de manter a ordem.

Muitas pessoas defendem que uma boa ficção-científica deve ser um retrato filosófico sobre a sociedade de sua época. Neste caso, tanto o livro quanto o filme conseguem estabelecer um questionamento rico e engajado sobre a sociedade em que o autor se encontrava. O livro foi escrito em 1948, numa Inglaterra pós-Segunda Guerra Mundial.

Não precisa muito para perceber as relações do mundo criado por Orwell com a realidade em que ele vivia, pois a sua obra representava um reflexo cruel de uma época em que a inocência havia sido perdida, o país estava numa miséria, o que refletia em seu povo. Não é a toa que os crimes da história sejam coisas simples, como tráfico de chocolate, geleia, comidas, necessidades humanas, que muitas vezes eram luxo para várias pessoas desse contexto histórico.

A ciência do filme é usada exclusivamente para dominar a sociedade. Qualquer avanço científico é usado pelo Estado para estabelecer mais e mais o contexto totalitário da obra, câmeras são usadas para observar o povo, as pessoas trabalham em fábricas que constroem bombas, toda forma de conhecimento é usada para manipular e condicionar a população. É o Totalitarismo em sua forma mais cruel.

Até o alfabeto é encarado como um problema no filme. Dentro do universo criado pelo autor, existem profissionais que estudam um método de diminuir o número de letras apenas para vogais, para que as pessoas não possam se entender, e se elas não se entendem, não podem planejar, conversar, e principalmente, conspirar.

Em um determinado momento no filme, o casal de protagonistas se encontram secretamente em uma sala onde eles fazem planos, discutem suas necessidades,  encontram livros antigos, proibidos, uma série de materiais que eles aprendem a usar e a ler. Materiais que trazem o maior de todos os crimes, o conhecimento.

Tanto o autor como  o diretor criaram algo muito ousado em termos científicos. Toda a ciência é referida de maneira mais caricata do que realista, mas nunca soa falsa, sempre aparece de maneira orgânico. O universo diegético do filme convence graças à forma com que o diretor explora os conceitos do livro.

Talvez o conceito mais interessante criado por Orwell (e explorado com muita eficácia no filme) seja o do Grande Irmão. Ele surge praticamente como uma entidade, com um rosto humano dentro de uma tela de televisão. Talvez essa seja a crítica mais assustadora e genial que ele tenha pensado, principalmente devido ao contexto em que ele se encontrava.

Não é difícil pensar em metáforas para o Grande Irmão. Ele pode ser visto como um aviso do autor sobre a nossa atual mídia, pois ao longo dos anos um dos crimes da obra de Orwell se tornou uma das moedas de troca mais importantes no nosso mundo globalizado, a informação.

Eu acreditava que o programa mais irônico da Rede Globo era justamente o Big Brother Brasil, mas eis que surge Na Moral, onde o ex-apresentador do “BBB”, Pedro Bial, comanda todas as semanas uma discussão sobre assuntos polêmicos. No segundo episódio do programa, Bial discute (ou pelo menos finge discutir) a invasão de privacidade que algumas pessoas “comuns” e “celebridades” sofrem – desde uma professora que instala câmeras de vigilância numa escola particular até atores globais que sofrem perseguições constantes de paparazzi. Mas a todo instante em que o programa parecia se dirigir para uma discussão calcada na razão e nas argumentações, o apresentador fazia questão de manter a polêmica e se desviar de questionamentos que realmente poderiam fazer alguma diferença para este assunto. Assim, o Grande Irmão existe, não da maneira caricata e totalitária que Orwell imaginava (pelo menos por enquanto), mas de uma maneira “idiocrata”.

A televisão que poderia nos ensinar a criticar com argumentos os nossos governantes, acaba por nos confundir e nos desinformar. Em tempos de “BBB” e Na Moral, as pessoas deveriam ler ou olhar o filme 1984 para, pelo menos, terem uma noção de onde vieram as origens de algumas ideias e títulos da nossa programação de TV aberta.

Matheus C. do Prado é acadêmico do curso de Jornalismo da Unifra.