Vida em telas
A primeira coisa que faço ao acordar é olhar para a tela do celular e desligar o despertador. A última coisa que faço antes de dormir é olhar para a tela do celular e o colocar
A primeira coisa que faço ao acordar é olhar para a tela do celular e desligar o despertador. A última coisa que faço antes de dormir é olhar para a tela do celular e o colocar
Para a psicologia, o termo “nomofobia” indica uma espécie de dependência digital, isto é, a dificuldade em estar longe de aparelhos digitais e de tecnologia, seja celular, computador ou videogame. O sufixo “fobia” se refere à
A Agência CentralSul de Notícias faz parte do Laboratório de Jornalismo Impresso e Online do curso de Jornalismo da Universidade Franciscana (UFN) em Santa Maria/RS (Brasil).
A primeira coisa que faço ao acordar é olhar para a tela do celular e desligar o despertador. A última coisa que faço antes de dormir é olhar para a tela do celular e o colocar para despertar. Ao levantar, nem tiro o pijama, pego uma xícara de café preto e sento em frente à tela do computador, abro o Microsoft Teams e a aula já iniciou. Uma pausa para o almoço e o celular desperta novamente, hora do trabalho! E lá estou eu novamente sentada em frente a uma tela no home office.
O olho arde, a cabeça lateja, as costas doem. Respiro fundo, tenho de parar diversas vezes para alongar. Quando necessito comunicar-me com amigos e família, acabo aderindo às telas novamente. Lazer? um filme, um livro em pdf e vamos de telas novamente. Depois de um ano de pandemia, com a necessidade de distanciamento social, trancados em casa, com a rotina restrita, me sinto cada vez mais dependente de telas e exposta a elas. Sintomas como a dor nos olhos e na cabeça, caracteriza a Síndrome Visual Relacionada a Computadores (SVRC), de acordo com a Sociedade Brasileira de Oftalmologia, estima-se que até 90% das pessoas que utilizam computadores por mais de três horas diariamente apresentam algum tipo de sintoma relacionado a SVRC.
Os aparelhos eletrônicos estão sendo muito úteis durante a pandemia, nos conectam, agilizam nossas tarefas, nos permitem estudar e trabalhar, mas também viciam, causam cansaço e exaustão mental. No fim de semana, raramente quando posso, me permito não utilizar telas, a ideia de responder uma mensagem traz sensação de desânimo. Sei que sou privilegiada de certa forma, por ter a chance de trabalhar e estudar em casa, enquanto uma parte da população desde o início da pandemia tem de sair do aconchego de sua casa para levar comida à mesa, com medo do vírus e de transmiti-lo às pessoas que mais ama. É necessário pensar sobre a desigualdade não apenas em tempos de pandemia. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 20,8 milhões de pessoas podem utilizar o home office, o que corresponde a apenas 22,7% dos postos de trabalho.
Para quem tem este privilégio, o trabalho e o estudo em casa, inicialmente, parecia um sonho. Afinal, 14 dias em casa, descanso, aconchego, tempo para se cuidar e colocar as séries em dia, que maravilha. Infelizmente não foi bem assim. Por conta da má gestão da pandemia por nossos governantes, estamos há mais de um ano trancados em casa, com a vacinação em ritmo lento, sem contato direto com nossos amigos e familiares e, principalmente, esgotados de olhar para telas. Antes da pandemia, acordar às 6:30 para ir a faculdade era moleza. Nos dias de hoje acordar às 8h parece uma missão impossível e extremamente cansativa.
Nos adaptamos à pandemia e às telas, porém, com elas vieram o cansaço emocional, a ansiedade, as dores e o estresse. Acredito que em algum momento todo mundo já se fez a mesma pergunta “quando a pandemia irá acabar?” Uma pergunta ainda sem resposta. Se as vacinas dão esperança, o ritmo desmotiva. Estamos todos exaustos das telas, queremos ver sob elas e não viver mergulhados na luz azul.
Por Heloísa Helena Canabarro
Acadêmica do curso de Jornalismo da UFN
Para a psicologia, o termo “nomofobia” indica uma espécie de dependência digital, isto é, a dificuldade em estar longe de aparelhos digitais e de tecnologia, seja celular, computador ou videogame. O sufixo “fobia” se refere à palavra grega “phóbos”, que significa “medo”. Logo, a nomofobia é um termo que denota o medo ou o descontrole em qualquer situação que separe o sujeito de algum objeto tecnológico, sendo que esse termo parece se configurar enquanto um sintoma de algum tipo de patologia psíquica ou a própria patologia em si.
Mais da metade da população brasileira não consegue ficar sem usar o celular durante um dia inteiro. Os dados são de uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) Conecta. De acordo com os dados, entre as duas mil pessoas entrevistadas das classes A B e C, 52% afirmaram que não conseguem ficar sem usar o celular por um dia. Entre a outra metade da população, 18% afirmou que podem, sim, ficar cerca de 24 horas sem o aparelho e outros 30% declararam que podem ficar seu seus smartphones por até mais tempo do que um dia. Dentro do grupo que disse conseguir ficar sem utilizar o celular, 8% afirmaram que aguentam no máximo uma hora, 11% falaram que é possível ficar longe por duas ou três horas e outros 11% disseram que até seis horas é um número alcançável. Apenas 7% informou que consegue ficar 12 horas longe do aparelho. No entanto, 15% dos entrevistados revelaram que não conseguem ficar sem smartphone em momento algum.
Segundo a pesquisa, três em cada dez brasileiros (31%) disseram que os smartphones não afetam suas vidas negativamente. Outros, no entanto, citaram as más influências do aparelho em suas vidas: 27% das pessoas afirmaram que se sentem atingidas pelo dispositivo na hora de dormir; 23% indicaram que o aparelho afeta seus relacionamento com terceiros; 23% também apontaram distração nas tarefas diárias; 16% disseram que o uso atrapalha no âmbito profissional e familiar; 12% revelaram ser atrapalhados com ligações e mensagens enquanto dirigem; 9% disseram que sua saúde é afetada de maneira negativa; 8% se sentem afetados no ambiente escolar e 6% apontam que o smartphone atrapalha na vida sexual.
A psicóloga Larissa Goya Pierry define: “É muito amplo o escopo que engloba o uso excessivo de celulares como um catalisador para processos depressivos/ansiosos, mas uma das questões mais relevantes, acredito que seja a das redes sociais enquanto propagadoras de modelos de vidas perfeitas e inalcançáveis, por exemplo, através dos digitais influencers”. A tentativa obsessiva de se adequar a determinados padrões irreais pode, sim, ser algo que provoque uma sensação de ansiedade, relacionados à autoimagem e à desvalorização da própria realidade, pela sensação de “não ser suficiente”.
Larissa ainda ressalta que essa própria sensação de nunca ser suficiente é o que está sendo vendida pelo modelo capitalista, ao incentivar a obsolescência programada de diversos dispositivos tecnológicos, cada vez em maior nível, em excesso, enquanto o sujeito e sua singularidade vão se apagando.
“O uso excessivo do celular e das redes sociais pode se configurar como um grave problema na vida da pessoa se isso estiver lhe trazendo sofrimento e a impedindo de viver como antes, de manter relações sociais e se envolver com seus projetos pessoais, trabalho ou estudo. Afinal, trata-se de algo que remete a uma espécie de narcisismo, estabelece-se uma relação apenas da pessoa com seu celular, excluindo qualquer outro elemento”, destaca Larissa.
“Muitas vezes fico no celular em vez de estudar ou passar um tempo com minha família e amigos. Não consigo ficar sem o celular, fico muito ansiosa e nervosa”, desabafa Juliana Vargas, acadêmica de Enfermagem da UFN. A psicóloga esclarece que é importante que cada um se pergunte de que forma a tecnologia está sendo utilizada em suas vidas, pois, não se trata de abolir redes sociais ou excluir a tecnologia, mas sim, de se apropriar dessa tecnologia de forma que complemente nossas vidas e nossas experiências, e não que as substituam.
“Antigamente, quando usava direto o celular, perdia um bom tempo do meu dia vendo redes sociais que não melhoravam em nada meu relacionamento com amigos, minhas notas na universidade ou mesmo minha produtividade no grupo de pesquisa”, confessa Rudimar Spannemberg, acadêmico de Engenharia Elétrica UFSM. Ele admite que passava horas vendo o que os outros estavam fazendo enquanto a vida ficava parada.
Larissa Goya destaca que caso essa situação de dependência digital esteja alcançando um nível insustentável e trazendo muito sofrimento psíquico, é importante que a pessoa ou sua família busquem ajuda profissional com um profissional da Psicologia, que está habilitado a realizar essa escuta qualificada.
Texto produzido na disciplina de Jornalismo III, no 2º semestre de 2019, e supervisionado pela professora Glaíse Palma.