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violência obstétrica

Semana para discutir a violência obstétrica

A violência obstétrica que atinge muitas mulheres em um momento delicado, quando tudo o que elas querem é se sentirem seguras para receber seus filhos é tema da reunião que vai preparar a Semana Municipal de

Reunião da Comissão de Saúde e Meio Ambiente. Foto: Claudine Friedrich, Câmara dos vereadores

A violência obstétrica que atinge muitas mulheres em um momento delicado, quando tudo o que elas querem é se sentirem seguras para receber seus filhos é tema da reunião que vai preparar a Semana Municipal de Conscientização sobre a Violência Obstétrica.

Nessa quinta-feira (11), a Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Câmara dos Vereadores reuniu-se para organizar a programação da semana prevista para a terceira semana de novembro.  A proposta é articular  a Secretaria Municipal de Saúde e o Grupo de Mães Vítimas de Violência Obstétrica na preparação das atividades.

Para a comissão, a mulher tem o direito de ter seu parto assistido por qualquer pessoa que ela escolher, ser tratada com dignidade e não de forma agressiva, além de os profissionais a informarem de todos os procedimentos para que a gestante possa escolher se deseja fazê-los ou não.

Lar da Vovozinhas
Uma visitação ao Lar das Vovozinhas  está prevista para a próxima terça-feira(16), a partir das 14h15min. A comissão irá até a instituição devido a denúncia feita sobre uma cobrança irregular de exames que deveriam ter sido realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Toda minha gestação e parto foram feitos pela rede particular e mesmo assim sofri violências. Situações e procedimentos que me incomodaram. A primeira falha foi a falta de informação; essa pode, sim, ser uma violência obstétrica. O médico que me atendeu condena parto natural. Encorajar uma mulher de gestação saudável a fazer uma cirurgia é a segunda violência. O terceiro erro foi ter pago aquele conhecido “plantão”, para ter atendimento a qualquer horário. Hoje sabemos que é crime cobrar. Na hora da cesárea, ocorreu a quarta violência, a manobra de Kristeller (aquela em que os médicos sobem na barriga da mulher para expulsar o bebê). Hoje, pesquisando, sei que essa manobra é reconhecidamente danosa à saúde e, ao mesmo tempo, ineficaz, causando à mãe o desconforto da dor provocada, diversos traumas e, também, prejudicial ao filho. Na época eu não sabia disso, porém senti muita raiva, dor, falta de ar e implorei para pararem, porém eles não pararam. Quando não aguentava mais, escutei o choro do meu filho. Foi um alívio. A minha dor acabou. Mas a de muitas mães, não. Há as que não acordaram desse pesadelo.

 

Chegou a tão esperada hora. O dia sonhado por longos meses. Mas então “me deram tapinhas no rosto para me manter acordada.” “Faziam exame de toque a cada dez minutos. Quando reclamei, o médico riu e disse que aquilo era bem menor do que um pênis.” “O obstetra me chamou de gorda e disse que a minha filha ia nascer gorda por minha culpa.” “Me mandaram calar a boca porque ia assustar as outras mães.” “Uma enfermeira, três vezes maior que eu, subia em cima de mim.” “Diagnosticaram como aborto, me encaminharam para a curetagem e eu recusei. Fui embora e paguei um ultrassom particular e, para minha surpresa, meu filho estava vivo.” Assim, as protagonistas desse dia tão especial começam a viver um pesadelo.

Essas frases circulam pelos corredores hospitalares todos os dias. Segundo a Fundação Perseu Abramo – pesquisa de 2010 – uma a cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência na hora do parto. A violência está em várias formas, como por exemplo, quando um profissional da saúde a induz ou obriga a fazer um parto diferente do que pode ser feito; quando o médico nega uma informação à parturiente; agride a gestante verbalmente ou fisicamente; faz procedimentos desnecessários sem embasamento científico.

A violência também está nos corredores hospitalares. Imagem: pixabay.com

Ao dialogar com Simone de Beauvoir – que deixou registrado no seu livro, O Segundo Sexo, que “não se nasce mulher, torna-se mulher” – é possível perceber que o ser mulher é rotulado por uma cultura que define o seu papel na sociedade. De acordo com a psicóloga Juliana Coutinho, esse crime está relacionado a uma violência de gênero. “Como em vários lugares que a mulher ocupa na sociedade, ela está, culturalmente, em um lugar de desigualdade, e na maternidade isso não é diferente”.

A psicóloga enfatiza que por estar nesse lugar de submissão, a mulher se acostumou em receber esse tratamento e que é difícil quebrar esse ciclo de violência. Então, é histórico que a mulher seja tratada – em grande parte das situações – de forma humilhante, agressiva, desrespeitosa ou até violenta, pelo simples fato de ser mulher. No parto, a história se repete.

Assim, o machismo também está dentro dos hospitais. Independente de ser propagada por homens ou mulheres, essa prática se mostra por meio das posturas dos profissionais da saúde em relação às mulheres. “Essas atitudes violam os direito humanos e promovem essa desigualdade de gênero”, ressalta Juliana.

Um parto violento marca a vida de uma mulher para sempre

O medo é um sentimento que acompanha muitas mães na hora do parto

“Como foi o meu parto? Ah, não quero nem lembrar”. Parto é o conjunto de fenômenos fisiológicos que levam à expulsão do feto. Mas, também, designa tarefa exaustiva e difícil. Isso porque na década de 1940 começou-se a patologização da gravidez e a utilização da cesariana como principal desfecho. Assim, a frase é recorrente por muitas mulheres. Na maioria das vezes, a questão não é a dor natural do parto, mas, sim, os métodos utilizados.

O momento mais esperado da gestação, acaba virando um trauma. Isso porque há um atravessamento cultural, religioso e político sobre o corpo da mulher. Uma das consequências para a vítima de violência obstétrica é a depressão pós-parto. A psicóloga lista alguns acontecimentos como, por exemplo, “por meio de um sentimento em que a mulher idealiza uma situação o nascimento do filho e, após, ela cai em um profundo sentimento de frustração, desamparo e luto; devido a algo que não acontece como ela esperava; questões pessoais de sua própria vivência ou quando ela é hostilizada no hospital”.

Quando há o diagnóstico de depressão, é preciso a ajuda de especialistas em áreas como na psicologia. “O tratamento é feito com psicoterapia para trabalhar essas questões que não foram bem entendidas, assimiladas e aceitas pela mulher. Já em alguns casos se percebe que há um comprometimento muito grande, pode ocorrer intervenção medicamentosa com psiquiatra”, revela Juliana.

Muitas vezes essa mulher se sente culpada por não ter saído como tanto sonhava a chegada do seu filho. A psicóloga afirma  que o primeiro passo é trabalhar com a parturiente que esse papel de culpa não é dela, “é preciso fazer que ela olhe para a situação passada e ressignifique”.

Os dados são assustadores: a violência vem, também, de forma silenciosa

Conforme a Defensoria Pública do estado de São Paulo, “ a violência obstétrica existe e caracteriza-se pela apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde, com tratamento desumanizado, abuso da medicalização e patologização dos processos naturais, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres”.

Mesmo que a parturiente tenha conhecimento e empoderamento sobre o próprio corpo, quando a mulher entra no hospital está sujeita às regras deste sistema. Dessa forma, as vozes da gestante e dos familiares, normalmente, são caladas. Quando esse crime acontece, a escolha da mulher não é mais respeitada e o que era um sonho pode virar um momento de muita aflição e angústia.

Fonte: Formulário Google/ gerado automaticamente

Em pesquisa para esta reportagem, dados de um questionário realizado com 100 vítimas da violência obstétrica no município de Santa Maria mostram que essa prática acontece em 52% das vezes na hora do parto, mas também há casos desse desrespeito na gestação e com a mãe no pós-parto. Os relatos das vítimas são semelhantes, como o descaso, a falta de respeito e de informações.

Também foram descritas atitudes preconceituosas com as futuras mães, vindas dos profissionais da saúde. Foi o que aconteceu com Marina Oliveira, “eu estava sangrando muito e o médico perguntou qual o tipo de droga que eu tinha usado.” Quando Mariana disse que não usava drogas o médico ironizou e continuou “você precisa cooperar e fazer as coisas ficarem mais fáceis e dizer, se não queria o filho podia ter se prevenido”. Para a doula Fernanda Bresolin, são essas condutas médicas que traumatizam muitas mulheres com relação à maternidade.

A Organização mundial da Saúde (OMS) recomenda que o índice de cesariana não ultrapasse 15% por país. No Brasil, esse índice chega a 82% na rede privada e 37% na rede pública. Em Santa Maria essa realidade não é diferente, 62% relataram que tiveram parto cesariano. A enfermeira obstétrica Lizandra Flores comenta que “há um alto índice de cesáreas, existem mulheres que fazem 2 ou 3 cirurgias e isso pode acabar com a vida reprodutiva desta mãe, porque não é possível fazer muitos procedimentos cirúrgicos no útero”.

O Brasil é considerado um dos campeões em números de cesáreas. Imagem: pixabay.com

A cesárea é feita, na maioria das vezes, por comodidade dos médicos. Isso beneficia os obstetras porque é em horário marcado, menor tempo de procedimento e maior remuneração. Segundo a enfermeira além de a cesárea facilitar o trabalho dos profissionais de saúde, também há outros motivos como a realidade de que a indústria farmacêutica ganha muito em cima desses procedimentos cirúrgicos.

O Brasil é considerado um dos campeões em números de cesáreas. A enfermeira Lizandra acredita que essa cultura está sendo reproduzida dentro dos hospitais escola. Assim, o que os futuros profissionais aprendem influencia constantemente na formação.

Além de ser prejudicial à mãe e, talvez,  afetar o recém nascido, os familiares também são atingidos diretamente por essa violência. Mesmo existindo a Lei do acompanhante, n° 11.108, que garante a presença de um familiar junto à parturiente durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, em muitos lugares essa lei não é respeitada. Na cidade, essa taxa de irregularidade aparece alta, em que de 100 mulheres que responderam, 51 não puderam ter no seu lado, em algum momento, o acompanhante.

Fonte: Formulário Google/ gerado automaticamente

Outro índice altíssimo foi que 63% dessas vítimas sofrem algum tipo de violência, na rede pública, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar de ser um direito previsto na Constituição, está longe de ser exemplo de saúde.

Mas é preciso denunciar essa violência que circula nos corredores hospitalares. Segundo o advogado Michel Di Giacomo, sem um parecer técnico apropriado, fica difícil de analisar se o grau da lesão sofrida pela vítima se deu devido a negligência, imperícia do corpo médico ou do corpo de enfermagem.

Quando a mulher sente que foi violentada, o advogado Michel esclarece que “o procedimento adequado é a queixa-crime, que deve ser realizada na Delegacia de Polícia Civil”. Então, a vítima deve procurar a delegacia mais próxima e relatar o ocorrido requerendo que seja registrado Boletim de Ocorrência. Ele complementa que, “ também há a possibilidade de apresentar uma representação da vítima junto ao Ministério Público para que a instituição possa agir e apresentar denúncia ao juízo competente, se assim entender”.

Quando é provado que ocorreu o crime, as punições podem vir de diversas formas, isso depende de cada caso e do contexto em que ocorreu. Para denunciar é preciso ter uma cópia, em mãos, do prontuário hospitalar.

A violência obstétrica entra na mesma classe de qualquer outro tipo de violência. É uma violência contra a mulher e fere o código de ética dos profissionais da saúde. A grande maioria das mulheres não denuncia por acreditar nos médicos, achar que é normal ser tratada daquela forma e não saber reconhecer esse tipo de crime. Ao serem pressionadas a fazerem apenas o que os médicos dizem, as mulheres perdem o instinto natural. Contudo, a informação é a melhor arma da gestante. Quando a mulher ganhar mais informação, souber os seus direitos, terá  um olhar crítico sobre o tema.

O protagonismo é da mulher

Cada vez mais se ouve sobre parto humanizado. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para humanizar o parto é necessário um conjunto de condutas e procedimentos saudáveis no parto e nascimento. Assim, o processo vai contra condutas cientificamente desnecessárias à mãe e ao bebê.

De acordo com a enfermeira Lizandra, esse “é o parto em que a mulher tem o direito de fazer as escolhas. Desde a ambiência, questões do acompanhante, boas práticas, direitos no pós-parto, contato pele a pele com o bebê desde as primeiras horas de vida, entre outras boas práticas. Ela é protagonista no parto dela”.

O parto ideal é aquele em que a mulher é respeitada em seu protagonismo. Além dos profissionais da saúde, é preciso reeducar as mulheres porque elas têm que saber seus direitos. Bordões como “nossa, isso é um parto” para designar situações difíceis de ser passadas mostram o quão longe pode ir o poder simbólico da violência obstétrica. É preciso reconstruir a imagem do que é parto, retomar o protagonismo da mãe, na maioria das vezes, esquecido.

Os avanços da medicina trouxeram inúmeros ganhos para a maternidade, como os processos reprodutivos da mulher, mas a psicóloga Juliana complementa que esses avanços, também, retiraram a visão do parto no lugar da família e, assim, a mulher perdeu o protagonismo na hora do parto. Já para a enfermeira Lizandra, “a tecnologia tem que ser usada, quando necessário, mas o que falta é o bom senso para esse uso”.

Se a gestação foi saudável, toda mulher tem o direito de fazer suas escolhas. Deve haver respeito e integridade do próprio corpo. O suporte pode vir de uma doula, do pai ou de um profissional da saúde. “O apoio psicológico é essencial desde o início, para conhecer os medos e aflições das gestantes, dando todo o apoio necessário e informações”, ressalta a doula Fernanda.

A enfermeira Lizandra explica que, no trabalho de parto, os profissionais da saúde devem verificar batimento cardíaco, ver a dinâmica uterina, ficar atentos às condições físicas e emocionais da mulher, oferecer alimentação, manter tranquilidade e boa ambiência. Desse modo, intervir só é preciso quando necessário, porque o excesso de intervenções pode acarretar no aumento das mortes nas maternidades.

Portanto, a violência obstétrica não vem apenas como dor física, mas também a dor emocional, que pode marcar a vida dessas mulheres para sempre. Então, torna-se uma violação dos direitos humanos. Segundo o médico francês Michel Odent, símbolo em defesa do parto natural, “para mudar o mundo, é preciso mudar primeiro a forma de nascer”. Então, prevenir e punir são as formas de erradicar essa violência. Para facilitar a identificação das situações de violência obstétrica, uma lista dos tipos mais comuns foi organizada com a ajuda das profissionais da saúde a enfermeira obstétrica Lizandra Flores e as doulas Fernanda Bresolin e Kelen Pompeo:

Como reconhecer a violência obstétrica?

Qualquer forma em que a mulher se sinta constrangida pelo tratamento recebido;

Xingar ou tratar de forma grosseira a parturiente;

Quando a lei do acompanhante não é respeitada;

Exames de toque excessivos feitos por diferentes profissionais;

Permitir a entrada de estudantes para assistir o parto e procedimentos sem o consentimento da mulher;

Manobra de kristeller, que pode causar falta de oxigênio no feto, fraturas de costelas, laceração de órgãos da mãe, traumatismo craniano do bebê e a morte;

Violência neonatal, quando o bebê saudável é separado da mãe;

Romper a bolsa para acelerar o trabalho de parto;

Fazer qualquer procedimento sem explicar antes o porque;

Aplicar ocitocina,  sem o consentimento da mulher, chamado por alguns profissionais da saúde de “sorinho”, hormônio sintético para acelerar as contrações do útero;

Fazer episiotomia sem consentimento da mulher;

Dar o conhecido, popularmente, “ponto do marido”, na sutura final da vagina de forma a deixá-la menor e mais apertada;

Fazer procedimentos como lavagem intestinal e tricotomia;

Submeter uma mulher a uma cesariana desnecessária, sem explicar os riscos que ela e seu bebê estão correndo;

 

Reportagem produzida por Natália Librelotto para a disciplina de Jornalismo Especializado III, do Curso de Jornalismo da Unifra, durante o primeiro semestre de 2017. Edição: Professora Carla Simone Doyle Torres.

Fonte: Google
Fonte: Google

Depois da descoberta, a preparação. O corpo da mulher não é o único a sofrer mudanças, o espaço da casa também muda e se adapta aos poucos. É um processo nem sempre rotineiro  com fraldas, roupinhas (e lavagem das peças), idas ao obstetra e na hora do descanso, leituras e conversas sobre puerpério com amigas que já passaram por isso ou estão na mesma fase são quase tão obrigatórias quanto o pré-natal. Algumas pessoas já entenderam que, graças à oscilação hormonal, grávidas são verdadeiras esponjas humanas e absorvem tudo o que é repassado a elas. Com todos os estudos que apontaram que os bebês partilham dos sentimentos de suas progenitoras, o que as pessoas não entenderam foi que de nada adianta se esmerar para que a grávida seja poupada, deixando de abordar determinados assuntos ou tentando desviar a atenção para que planejem o parto perfeito.

Mulheres são violentadas silenciosamente em centros obstétricos todos os dias por conta da falta de informação. Não foi para “inventar mais uma moda” para quem opta por levar um estilo de vida mais natural e sem tantas intervenções externas que o parto humanizado entrou em evidência, foi uma forma mais amena de, além de apresentar soluções, tratar de um assunto sério que resulta em uma série de problemas. Afinal de contas, nenhum parto ou bebê vem com manual de instruções e quanto mais preparada a mulher estiver, melhor. Acontece que gestante nenhuma percebe essa violência no momento exato. Sabe que algo está fora do planejado para o parto dos sonhos, nada além disso. Por vezes é tratada como se fosse apenas um meio para dar vida a outro ser humano. Eu mesma não busquei saber sobre o assunto. Não acreditava que poderia acontecer comigo. Quem olha de fora e ouve os relatos, lança olhares de reprovação por eu reclamar “de barriga cheia”.

Não exageraram nos exames de toque, me colocaram no soro imediatamente depois de dar baixa na maternidade, enfermeiros apareciam de hora em hora para checar o bem-estar do meu filho, fui levada e buscada de cadeira de rodas no ultrassom para que eu não ficasse muito tempo em pé, fizeram a assepsia genital e sugeriram que eu tomasse um banho antes da cesariana. E eu pude tocar no meu filho logo depois de seu nascimento! Em seguida, na sala de recuperação, continuaram monitorando minha pressão arterial e meu filho ficou comigo até que fôssemos levados ao quarto. Que sorte a minha não ter tempo de sentir as dores das contrações!

Durante as 20 horas que antecederam a cesariana, foi feito apenas um exame de toque ainda na triagem. Passei fome por mais de 15h, já que me colocaram no soro normal em vez do soro glicosado não uma, mas duas vezes (sem contar todos os momentos que a enfermeira me mandou ficar quieta e parar de pedir comida e água, pois ela não queria que eu defecasse ou urinasse na hora do parto). Pedi diversas vezes que alguém caminhasse comigo pelo corredor para tentar diminuir as dores na lombar, mas me mandaram ficar deitada e “bem quietinha”. Esperei uma hora pelo ultrassom sem ter onde sentar, e mais 45 minutos na mesma situação até me buscarem de novo depois de ouvir de uma estudante apavorada que estava sem quase nada líquido amniótico.

Quatro pessoas me seguraram, uma em cada extremidade do corpo, enquanto uma enfermeira colocava a sonda e outra depilava a região, em meio a súplicas para que eu pudesse tentar arranjar uma posição melhor para deitar. Quando falei que queria parto normal, fui tolhida imediatamente pois, além de estar sem líquido amniótico, o exame de toque feito às 22h do dia anterior alegava que eu não tinha dilatação suficiente, por isso optaram por uma cesariana. Assim que meu filho nasceu, o vi de relance e demoraram mais de 10 minutos para que pudesse encostar nele… Por segundos. Disseram que estava tudo bem. Na sala de recuperação, quatro horas depois do parto, meu filho foi levado até mim. Outra enfermeira me xingava por ele ter tomado complemento em pó e não querer mamar – claro que a culpa por isso era minha, que eu já era uma mãe inútil e que mulheres como eu não deveriam procriar.

Passei por tudo isso quase sozinha, já que não permitiram acompanhantes. A pediatra, que deveria ter ido falar comigo no dia seguinte ao parto, foi aparecer dois dias depois pouco antes de recebermos alta. O leite desceu apenas 3 dias depois, então meu filho precisou do suplemento no primeiro momento. Mesmo sabendo que a solução em pó deve ser consumida dentro de meia hora, as enfermeiras ou se negavam a preparar um novo e mandavam tomar o que estava na mamadeira há duas horas ou faziam na extrema má vontade, me xingando e dizendo que eu estava louca, que “leite empedrado não existe”. Apenas no segundo dia de internação que me disseram que ele havia nascido com taquipnéia transitória, resultante da cesariana eletiva antes da hora. Já faz quase cinco anos.

Fico muito feliz que meu filho esteja bem – mesmo sofrendo de asma, consequência do problema ao nascer -, de poder acompanhar seu crescimento e expandir as leituras para títulos que dão alternativas para momentos de birra e brincadeiras diversas. Outras mães já não tem a mesma sorte. Outros filhos já não tem a mesma sorte. As dores físicas passam, mas é traumatizante passar por uma situação dessas. Ninguém deve se acostumar com isso, é inadmissível o “dane-se a mãe, é só a criança que importa” das entrelinhas. As duas vidas ali importam igualmente e os cuidados com as mães na fase do puerpério deveria ser naturalmente maior, não uma alternativa melhor.