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Gaúcho não só em setembro

A professora Roselaine Casanova em entrevista exclusiva à Agência Central Sul elucida questões em torno do mito da identidade gaúcha

A cultura gaúcha começa a ser  enaltecida todos os anos quando se aproxima o dia 20 de setembro, data que se comemora o “Dia do Gaúcho”. Durante todo esse mês  ou na semana que antecede a data, uma série de costumes e tradições conhecidos como típicos dos gaúchos são valorizados ainda mais nas escolas, nas ruas e por todos os veículos de comunicação.

O quê vemos é uma espécie de gaúcho fantasiado, um gaúcho de época – a semana Farroupilha -, que por esses dias frequenta CTGs, vai ao Parque da Harmonia, veste sua bombacha esquecida no armário, exibe seu chimarrão com orgulho nas praças e nas redes sociais, cola adesivos da bandeira do Estado no carro, e até exibe uma na sacada.

Há, claro, uma parte da população que mantém esses hábitos em qualquer época do ano, como o comerciante santa-mariense Edson Batista Stribe, 46 anos. “Costumo participar e até patrocinar rodeios, bailes, shows tradicionalistas durante o ano inteiro. Acho errado as pessoas deixarem de lado isso o resto do ano”, afirma. A comerciante Tereza de Fátima, 52, acredita que as crianças e os jovens de hoje em dia trazem de família esse costume deveriam cultivar esse legado cultural. “Ser gaúcho é a vida toda”, afirma Tereza.

 Mas por que a cultura gaúcha aparece com mais ênfase nesta época do ano?

Além deste fato estar ligado à data da Revolução Farroupilha, que aconteceu de 1835 a 1845 e resultou na declaração de independência da província em república Rio-Grandense, se deve às divergências entre as noções sobre o que é ser gaúcho hoje. Segundo a professora Daniela Hinerasky “a cultura regional da forma que tentamos cultuar e alastrar, ela não é vivenciada por toda a população, mas por um grupo, em alguns lugares, como os CTGs e eventos do movimento tradicionalista. E isso vem sendo ensinado pelas escolas e reiterado a cada ano pela mídia em geral”.

Há várias instituições (das escolas à programação de TV, rádio e jornais, incluindo o governo) que contribuem, assim, para perpetuar o mito do gaúcho na nossa cultura. “Uma figura baseada no modo de vida rural, mesmo que a população seja predominantemente urbana”, comenta Hinerasky, que realizou pesquisa sobre a identidade cultural gaúcha na programação regional de TV.

Segundo a historiadora Roselaine Casanova, a memória cultural gaúcha foi construída a partir de referências do “gaucho”, o campeador, o homem sem lei, sem família, que depois foram unidas a elementos inventados por jovens fazendeiros, quando criaram o CTG, em meados dos anos 1940. Esta é uma uma representação que exclui grande diversidade étnica da população e, por isso, é questionada pelos especialistas no assunto. “Eu não vou conceituar cultura e folclore, porque para mim ainda é uma interrogação se isso é uma cultura ou um folclore porque isso é rotular e não tem como rotular o gaúcho hoje e sexta todos vão desfilar, coisa mais linda, mas isso é uma fração do Rio Grande do Sul. Esta imagem não leva em conta o índio, os muçulmanos”, enfatiza Roselaine.

Para historiadora, os gaúchos poderiam ser melhores caracterizados como fazendeiros aristocratas do que como peões da região pastoril da Campanha, em função de sua condição socioeconômica. Além disso, a denominação “ser gaúcho” ultrapassa apenas ter o costume de tomar chimarrão, consumir churrasco e andar pilchado, porque no Rio Grande do Sul temos uma diversidade de regiões e imigrantes, perfis sócioeconômicos e manifestações culturais. “Tem o litoral, tem a Serra, tem um monte de gente no mundo urbano e inclusive no mundo rural que não está conectado com isso”, elucida Rose, que prefere se denominar sul-rio-grandense.

O sul-rio-grandense tem o direito de conhecer sua história, sua cultura e suas raízes e a liberdade de valorizar isso e até as tradições, sejam elas inventadas ou não. O importante é que isso seja consciente.

Por Laiz Lacerda

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A professora Roselaine Casanova em entrevista exclusiva à Agência Central Sul elucida questões em torno do mito da identidade gaúcha

A cultura gaúcha começa a ser  enaltecida todos os anos quando se aproxima o dia 20 de setembro, data que se comemora o “Dia do Gaúcho”. Durante todo esse mês  ou na semana que antecede a data, uma série de costumes e tradições conhecidos como típicos dos gaúchos são valorizados ainda mais nas escolas, nas ruas e por todos os veículos de comunicação.

O quê vemos é uma espécie de gaúcho fantasiado, um gaúcho de época – a semana Farroupilha -, que por esses dias frequenta CTGs, vai ao Parque da Harmonia, veste sua bombacha esquecida no armário, exibe seu chimarrão com orgulho nas praças e nas redes sociais, cola adesivos da bandeira do Estado no carro, e até exibe uma na sacada.

Há, claro, uma parte da população que mantém esses hábitos em qualquer época do ano, como o comerciante santa-mariense Edson Batista Stribe, 46 anos. “Costumo participar e até patrocinar rodeios, bailes, shows tradicionalistas durante o ano inteiro. Acho errado as pessoas deixarem de lado isso o resto do ano”, afirma. A comerciante Tereza de Fátima, 52, acredita que as crianças e os jovens de hoje em dia trazem de família esse costume deveriam cultivar esse legado cultural. “Ser gaúcho é a vida toda”, afirma Tereza.

 Mas por que a cultura gaúcha aparece com mais ênfase nesta época do ano?

Além deste fato estar ligado à data da Revolução Farroupilha, que aconteceu de 1835 a 1845 e resultou na declaração de independência da província em república Rio-Grandense, se deve às divergências entre as noções sobre o que é ser gaúcho hoje. Segundo a professora Daniela Hinerasky “a cultura regional da forma que tentamos cultuar e alastrar, ela não é vivenciada por toda a população, mas por um grupo, em alguns lugares, como os CTGs e eventos do movimento tradicionalista. E isso vem sendo ensinado pelas escolas e reiterado a cada ano pela mídia em geral”.

Há várias instituições (das escolas à programação de TV, rádio e jornais, incluindo o governo) que contribuem, assim, para perpetuar o mito do gaúcho na nossa cultura. “Uma figura baseada no modo de vida rural, mesmo que a população seja predominantemente urbana”, comenta Hinerasky, que realizou pesquisa sobre a identidade cultural gaúcha na programação regional de TV.

Segundo a historiadora Roselaine Casanova, a memória cultural gaúcha foi construída a partir de referências do “gaucho”, o campeador, o homem sem lei, sem família, que depois foram unidas a elementos inventados por jovens fazendeiros, quando criaram o CTG, em meados dos anos 1940. Esta é uma uma representação que exclui grande diversidade étnica da população e, por isso, é questionada pelos especialistas no assunto. “Eu não vou conceituar cultura e folclore, porque para mim ainda é uma interrogação se isso é uma cultura ou um folclore porque isso é rotular e não tem como rotular o gaúcho hoje e sexta todos vão desfilar, coisa mais linda, mas isso é uma fração do Rio Grande do Sul. Esta imagem não leva em conta o índio, os muçulmanos”, enfatiza Roselaine.

Para historiadora, os gaúchos poderiam ser melhores caracterizados como fazendeiros aristocratas do que como peões da região pastoril da Campanha, em função de sua condição socioeconômica. Além disso, a denominação “ser gaúcho” ultrapassa apenas ter o costume de tomar chimarrão, consumir churrasco e andar pilchado, porque no Rio Grande do Sul temos uma diversidade de regiões e imigrantes, perfis sócioeconômicos e manifestações culturais. “Tem o litoral, tem a Serra, tem um monte de gente no mundo urbano e inclusive no mundo rural que não está conectado com isso”, elucida Rose, que prefere se denominar sul-rio-grandense.

O sul-rio-grandense tem o direito de conhecer sua história, sua cultura e suas raízes e a liberdade de valorizar isso e até as tradições, sejam elas inventadas ou não. O importante é que isso seja consciente.

Por Laiz Lacerda