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Reportagem

Skincare: a tendência na pandemia

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Foto: Heloisa Helena Canabarro

Muito antes do início da pandemia de Coronavírus, a arte e a cultura no país vêm sofrendo com o descaso do governo. Ao ser eleito, Jair Bolsonaro (Sem partido), atual presidente, cumpriu sua promessa de campanha e ação do Ministério da Cultura (Minc), suas atribuições foram incorporadas ao recém-criado Ministério da Cidadania e, em 7 de novembro de 2019, a Secretaria Especial de Cultura foi transferida para o Ministério do Turismo. O atual governo não apoia a cultura no Brasil, pelo contrário, por diversas vezes demonstrou descaso, reduziu verbas, mostrou intolerância a obras e expressões artísticas e incitou práticas de ódio e censura.

É nesse contexto que emerge a pandemia de Coronavírus no Brasil. Com a necessidade de isolamento social e a proibição de aglomerações, a tragédia sanitária fechou cinemas, museus, galerias, teatros, circos e cancelou shows, que tinham o público aglomerado como parte fundamental de seus eventos. O setor cultural que já estava fragilizado e desprovido de recursos, foi o primeiro a ser impactado e pode ser um dos últimos a normalizar. A pandemia provocou o mundo das artes a se reinventar e adaptar-se às circunstâncias. Museus, galerias, curadores e artistas plásticos e visuais, começaram a buscar soluções inovadoras para propagar arte durante esse período.

Exposições e artistas no ambiente virtual

Conforme a pesquisa nacional, realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), entre junho e setembro de 2020, intitulada “Percepção dos Impactos da COVID-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil”, mais de 41% dos correspondentes perderam a totalidade de suas receitas, entre os meses de março e abril. Essa proporção aumentou para 48,88%, entre maio e julho de 2020. O Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea), através da Carta de Conjuntura número 49, anunciou que “as estimativas de participação do setor cultural na economia brasileira, antes da pandemia, variavam de 1,2% a 2,67% do produto interno bruto (PIB), e o conjunto de ocupados no setor cultural representava, em 2019, 5,8% do total de ocupados, ou seja, em torno de 5,5 milhões de pessoas”.

Percepção dos Impactos da COVID-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil,

Em maio do ano passado, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) estimou que 13% dos museus do mundo poderiam encerrar, em definitivo, suas atividades em decorrência da pandemia. O risco de contaminação levou ao fechamento, temporário, de 90% dos museus. Sem previsão de quando as atividades irão retornar ao normal, parte dos museus, galerias e artistas plásticos e visuais buscam abrigo no ambiente virtual. Com o objetivo de propagar arte e cultura, tentam adequar suas exposições a diferentes plataformas. Alguns desses espaços culturais optaram por reproduzir fotos do acervo em alta resolução, acompanhadas de texto descritivo sobre obra e autor e mostrar em seu próprio site ou pelas redes sociais, criando assim um modelo de exposição virtual.

A abertura de algumas mostras começaram a ser realizadas por Live streaming — transmissões ao vivo — em redes sociais, como Instagram, Facebook ou Youtube, buscando divulgar e atrair o público a apreciar obras virtualmente. Já outros espaços culturais foram além, adaptaram suas exposições a Online Viewing Rooms — Salas de Visualização Online — que reproduz digitalmente em 3D um espaço de exposição, permitindo ao público navegar pelo espaço, observando as obras de diferentes ângulos.

Como exemplo de exposição virtual, no vídeo abaixo podemos assistir como é a experiência de entrar em uma sala de visualização online. A exposição coletiva é da Photoarts Gallery, que reuniu fotografias de diversos artistas em uma galeria virtual. O visitante tem liberdade de andar pelo ambiente projetado, ao ativar o áudio é possível ouvir o som ambiente, e com apenas um clique se obtém informações sobre o autor, descrição sobre a obra, de forma escrita ou por meio de áudio do próprio autor, sendo possível até adquiri-la.[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=V-bdO51fWQU”]

O curador e responsável técnico do acervo do Museu de Arte de Santa Maria (Masm), Marcio Flores, relata que transformações nos processos curatoriais foram necessárias para adequar-se ao momento em que estamos vivenciando. “Hoje é preciso pensar nas plataformas digitais como meio de divulgação, embora as exposições presenciais sejam realizadas. Isto demanda mais trabalho, organização e criação de materiais específicos para estas plataformas e programas”, esclarece. Marcio realizou curadoria de diversas exposições de forma híbrida, online e presencial, durante a pandemia. Sobre as exposições virtuais e o futuro dessa modalidade, o curador comenta: “Acho fantástico essas possibilidades expográficas, que permitem a participação e visualização de diferentes públicos. Acredito que este processo tecnológico, digital, é uma grande ferramenta de divulgação e promoção cultural, veio para ficar e cada vez mais ser aprimorado, e seu desenvolvimento irá nos proporcionar futuramente muitos resultados ainda nem imaginados.”

A prática de exposições virtuais não surgiu durante a pandemia de Covid-19, a plataforma Google Arts & Culture há anos disponibiliza visitas virtuais em museus de todo o mundo e acesso a galerias com um amplo acervo de imagens, tudo de forma gratuita, tornando a arte mais acessível. Utilizando a tecnologia Street View, possibilita vistas panorâmicas de 360° na horizontal e 290° na vertical, dando ao visitante uma certa liberdade para andar pelo local. O site exibe mais de seis milhões de obras e conta com mais de seis mil exposições. É possível visitar instituições de arte internacionais e nacionais, como por exemplo, o Museu Nacional, Instituto Inhotim, Museu Afro Brasil, MASP – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand e outros.

O Sesc RS lançou, em abril deste ano, a Galeria Virtual Sesc, o projeto nasceu visando disseminar as artes visuais e aproximar a relação do público com a arte e artistas gaúchos, de diferentes regiões do estado. Na plataforma é possível visitar as exposições de forma online, apreciando as obras e suas descrições, contendo também audiodescrição. Sob a lógica de uma galeria física, a cada 30 dias é apresentada uma nova exposição, atualmente está em exibição a mostra “Entre o Sagrado e o Profano” de Nelson Theophilo Hartmann.

Os museus não apenas adaptaram-se à pandemia, mas um novo museu foi criado, o Covid Art Museum (CAM) — Museu de Arte Covid — primeiro museu digital que nasceu durante o período de isolamento social. O acervo é disponibilizado pelo Instagram (@covidartmuseum), mostrando artes que surgiram durante o período pandêmico, tendo como tema sentimentos e objetos relacionados a pandemia de Coronavírus. É composto por pinturas, colagens, fotografias e ilustrações de diversos autores. O CAM foi idealizado por Emma Calvo, Irene Llorca e José Guerrero, de Barcelona, que também são responsáveis pela curadoria das obras, que são partilhados através da hashtag #CovidArtMuseum.

De acordo com uma pesquisa, realizada pelo Itaú Cultural em parceria com o Instituto de pesquisa Datafolha, sobre “Hábitos culturais: expectativa de reabertura e comportamento digital”, 57% dos brasileiros intensificaram o acesso à web durante a pandemia, 36% mantiveram o padrão de acesso e 7% reduziram suas atividades virtuais. Segundo o levantamento, 17% dos entrevistados relataram visitar museus e exposições online, ainda de acordo com a pesquisa, a intenção de continuar a fazer estas atividades virtuais após a pandemia diminui para 14%. Os entrevistados que realizaram atividades culturais durante a pandemia avaliam positivamente os impactos da prática para a saúde mental e para convivência social, 54%, declararam que as atividades culturais na web ajudaram a diminuir a sensação de solidão, para 45%, o acesso à cultura pela internet reduziu o estresse e ansiedade, e 44% viram uma melhora geral na qualidade de vida. É importante salientar que nem todo mundo tem acesso ao meio digital, de acordo com o levantamento, dos cerca de 1.500 entrevistados em todo o país, 7% relataram não ter acesso à internet.

Para o jornalista, professor e amante das artes Carlos Alberto Badke, as visitações online têm seus pontos positivos e negativos. “As visitas virtuais a museus, exposições e passeios por cidades históricas têm vantagens e desvantagens. Eu destacaria o fato de termos a possibilidade de viajar sem sair de casa, conhecer lugares até então desconhecidos e ampliar nosso acervo cultural. A maior desvantagem é não estar em presença das obras de arte, prédios e ambientes. A mediação via tela de computador esfria um pouco esta relação, essencial para sentirmos empatia com as possibilidades ofertadas pelos seus criadores”, avalia Carlos. O jornalista também afirma que a visitação virtual, embora tenha suas limitações, o ajudou durante o período de pandemia. “Foi uma ferramenta de grande auxílio para aumentar o meu conhecimento e disponibilizar aos alunos.”

A pandemia parecia um beco sem saída para artistas plásticos e visuais, mas alguns desses artistas contornaram a situação e fizeram dela um momento de reinvenção e ressignificação. Simone Rosa, artista visual que iniciou sua carreira em 1987, fala de que forma a temática de suas produções artísticas mudou neste período. “Minha produção poética durante a pandemia mudou bastante, inseri pássaros beija-flor como símbolo de boas novas, como mensageiro de notícias boas, inclusive a última exposição que estou fazendo chamo de Tempos consonantes, que quer dizer que a gente busca tempos consonantes, tempos harmoniosos, notícias boas e que tudo isso passe. O beija-flor é um símbolo de mensageiro de boas novas, ele é símbolo místico no Xamanismo e em várias religiões.”

Para a artista a experiência digital não substitui o presencial: “Quero que volte às exposições presenciais e que a gente consiga continuar tendo esse contato presencial com as obras, eu acho que o virtual surgiu para ser uma opção paralela, mas ele nunca vai substituir a experiência que tem que ter no contato direto com a obra.”

Reprodução/ Instagram de Simone Rosa, Exposição Mensageiros do Recomeço

O artista Emerson Massoli iria expor sua mostra individual OP-ORIGAMI, ano passado, no Museu de Arte de Santa Maria (Masm), mas em decorrência da pandemia a exposição foi adiada para este ano, na esperança que a situação estivesse um pouco melhor, o que não ocorreu. Para a mostra não ser adiada novamente, o artista, em parceria com o museu e curadoria, optou por realizá-la de forma híbrida, online e presencial. “Como a maioria das obras expostas eram objetos em três dimensões, foi muito interessante pensar e visualizar como transpor isso para o virtual, sem que perdesse a essência da percepção das obras físicas…”, relata Emerson sobre a adaptação. As obras de sua exposição foram apresentadas nas redes sociais, por meio de fotos dos trabalhos expostos no espaço físico, imagens com detalhes, informações descritivas sobre a obra e um vídeo, estilo tour pela exposição, o que possibilitou a compreensão da noção de dimensão e disposição dos trabalhos no espaço expositivo.

Reprodução/ Instagram Museu de Arte de Santa Maria

Sobre o sucesso que a exposição obteve virtualmente o artista revela: “O alcance foi algo que me surpreendeu bastante, não imaginava a repercussão que poderia tomar, indo além do contexto local, o que teve grande influência das redes sociais para que acontecesse”. Emerson conta que por causa da pandemia, assim como muitos artistas, buscou alternativas criativas no ambiente online. “Acredito que a maioria dos artistas teve que se adaptar ao contexto para dar vazão a sua arte. Participei ano passado de algumas exposições coletivas de forma virtual, criei um perfil específico em uma rede social para compartilhar os processos e resultados da pesquisa artística que desenvolvo, e pretendo no começo do mês de junho realizar uma exposição virtual em uma plataforma de realidade virtual. As opções são muitas e variadas, acredito que após o fim da pandemia esses modelos de difusão de arte se manterão, pois trouxeram novas perspectivas para o cenário cultural”.

Helena Macedo, artista plástica e professora de arte, no início da pandemia, aposentou-se da função de professora, a qual trabalhou por 38 anos. Em seus anos de magistério atuou conjuntamente como artista plástica, atualmente continua produzindo obras de arte. A artista é membro da Associação dos Artistas Plásticos de Santa Maria (AAPSM), que realizou três exposições, todas de forma híbrida, antes do período pandêmico, no Museu de Arte de Santa Maria (Masm). Helena também pertence ao Grupo Olhares, coordenado pelo artista plástico Luciano Santos. Durante a pandemia, o grupo realizou algumas exposições virtuais, como “VAI DE ARTE”, uma mostra virtual pelo instagram (@vai.de.arte), de máscaras decorativas em alusão a pandemia. Também participou da exposição “Alegorias Pandêmicas”, que foi pensada exclusivamente para a plataforma Instagram, contando com obras de artistas do grupo e convidados. A última exposição do grupo foi “CONTEMPORÂNEA: MARIA”, que reúne a visão particular de 15 artistas de Santa Maria acerca de Maria, além de virtualmente a mostra também está disponível para visitação presencial na Universidade Franciscana (UFN), na Sala de Exposições Angelita Stefani.

Reprodução/ Instagram da Exposição Alegorias Pandêmicas

A artista comenta sua satisfação com o resultado das mostras virtuais. “Eu acho que todas tiveram um grande alcance e me realizei muito”. As produções artísticas de Helena não foram afetadas durante o período pandêmico, a artista continuou realizando suas obras e incluindo objetos referentes à pandemia, o que mais a afetou foi não ir presencialmente às mostras. “Um dos problemas foi não poder mais frequentar exposições, que adoro ir ver pessoalmente”, relata. Sobre o impacto econômico no setor cultural, Helena conta que não foi fácil, mas como grande parte dos artistas plásticos têm outra fonte de renda, afirma: “Para mim foi muito negativo, a renda nas vendas das obras foi muito baixa. Mas como falei no início, sou professora e tenho outra renda, e assim não me afetou tanto. Não posso dizer que não vendi obras de arte, vendi. Mas não como na época em que não tínhamos pandemia”.

Auxílio emergencial cultural – Lei Aldir Blanc

Apenas três meses após a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a pandemia de Coronavírus, foi aprovado o projeto de lei 1.075/2020 iniciativa da deputada Benedita da Silva (PT). O projeto determinava à União a aplicação de ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública. A legislação foi intitulada como Lei Aldir Blanc em homenagem ao artista, que morreu em maio vítima do coronavírus. De acordo com o projeto de lei, caberia a União entregar para estados, Distrito Federal e municípios R$ 3 bilhões. Os beneficiários desse auxílio são profissionais que trabalhavam com música, entretenimento, teatro, artes, espetáculos e outros setores artísticos e estabelecimentos do setor cultural afetados pela pandemia. O repasse da verba ao setor cultural ficou a cargo dos estados e municípios. A ajuda financeira começou a ser paga só em setembro de 2020.

A Secretaria Especial de Cultura, que é vinculada ao Ministério do Turismo federal, oferece em seu site um painel de dados que permite o acompanhamento dos indicadores da Lei Aldir Blanc.

Embora o Auxílio Emergencial Cultural tenha beneficiado uma parte dos trabalhadores da cultura, a quantidade de solicitações foi menor que o esperado. O principal motivo está no fato que dentre os artistas e trabalhadores da cultura aptos a inscrição para receber o benefício, muitos já estavam cadastrados no Auxílio Emergencial pago pelo Governo Federal, instituído em abril de 2020, o que não os permitiu ter direito ao Auxílio Cultural.

Santa Maria

Em Santa Maria não foi diferente, reinventar-se virtualmente foi necessário a artistas e espaços culturais. Da mesma maneira que em outras regiões do país, após o fechamento de espaços e eventos adiados como medida de combate à Covid-19, artistas tiveram dificuldade de atuar em sua área e manter sua renda. “O impacto econômico foi muito forte, pois teve uma grande parada, tive que fechar meu atelier ao público e não ter mais alunos, teve um tempo que parou as vendas e depois recomeçou devagar”, relata a artista Simone Rosa, e acrescenta que felizmente tem outra fonte de renda para garantir o sustento: “Não vivo só da renda do atelier ou das artes visuais, tenho outra fonte de renda, porque se não seria muito problemático. Fico triste em pensar que existem pessoas e famílias que dependem da renda da produção cultural, tanto artes plásticas, quanto teatro e música. Fico feliz em ver que tiveram várias campanhas que incentivam e apoiam esse setor que foi abandonado de uma hora para outra”.

Para auxiliar o setor cultural, a Prefeitura de Santa Maria abriu em maio o edital Viva Cultura 2020, que beneficiou 70 projetos e mais de 200 pessoas, que realizaram apresentações artísticas no festival virtual Viva Santa Maria. Já em outubro foi realizada a primeira edição do festival Santa Maria Pela Música, também de forma online, porém dessa vez com venda de ingressos, em que a verba da arrecadação foi revertida aos artistas que se apresentaram no evento. Por meio da Secretaria de Cultura, auxiliou artistas locais, selecionados em edital da Lei Aldir Blanc, para projetos artísticos de Arte Mural/Grafite em espaços do Parque Itaimbé.

Exposições online começam a fazer parte da rotina do Masm

O Museu de Arte de Santa Maria (Masm) não ficou para trás e começou a realizar exposições no formato virtual, tendo como objetivo manter o museu em funcionamento durante a pandemia de Covid-19. As visitações online podem ser feitas pelo Instagram ou Facebook do museu, e as obras expostas são apresentadas por meio de fotos. A diretora do Masm e artista plástica Marília Chartune relembra o começo dessa iniciativa. “Nós tivemos muitas dificuldades no início, porque não sabíamos qual público iríamos atingir. Temos nossas redes sociais, Instagram e Facebook, e adaptamos juntamente com os expositores que enviaram arquivos de qualidade, fizemos as publicações periódicas de acordo com cada uma das redes sociais”, conta a diretora.

A primeira exposição postada nesse formato foi durante o evento Viva Masm, em junho do ano passado, onde além da exposição, diversas obras de arte estavam disponíveis para serem comercializadas no Mercado de Arte do Museu. Devido ao sistema de bandeiras no Rio Grande do Sul, o Masm fica aberto também a visitação presencial, com agendamento prévio para evitar aglomerações, exceto na bandeira preta. O museu deu continuidade às apresentações de maneira híbrida, combinando online e presencial, em 2021. Sobre as exposições virtuais, Marília relata: “A gente tem muitas visitações registradas, muito mais as vezes do que quando é presencial, então tivemos sucesso nessa parte”.

Reprodução/ Facebook Museu de Arte de Santa Maria

Yann Ziegler, artista visual santa-mariense, que há anos dedica-se à produzir arte a partir da ressignificação de objetos apropriados do meio onde vive, expôs de forma híbrida no Masm sua mostra “A Transmutação dos Sólidos”, com curadoria de Marcio Flores, composta por 61 objetos-arte. A abertura da exposição foi realizada virtualmente, via transmissão ao vivo no Instagram do Masm. “Fazer a abertura de uma exposição através de uma live foi uma experiência e tanto. Teve um alcance além do esperado, tanto que estou certo que, mesmo depois da pandemia, quando se voltar a fazer abertura presencial, farei juntamente com a on-line. Acho que a live de vernissage veio para ficar”, declara o artista sobre a experiência. Quanto à busca de alternativas criativas no ambiente online, Ziegler acrescenta: “Intensifiquei o uso das redes sociais como forma de melhor chegar ao meu público”.

Foto: Heloisa Helena – Obra de Yann Ziegler, Exposição A Transmutação dos Sólidos

Um ano após o início da pandemia de Coronavírus, a vacinação no Brasil caminha a passos lentos e o número de óbitos supera os 400 mil, será mais um ano complicado para o setor cultural. Artistas plásticos e visuais, museus e galerias seguirão tentando adaptar-se às circunstâncias da pandemia, somando esforços para reinventar-se e manter a arte viva em meio ao caos. As exposições virtuais e o ambiente online podem auxiliar nesse processo, com suas vantagens e desvantagens, estão ganhando espaço no mundo das artes.

 

Foto: Reprodução Instagram (@pensandonarotina)

Nesse período de instabilidade, muitos brasileiros passaram por um processo de autoconhecimento. E muitos identificaram que esse momento de reflexão trouxe uma necessidade de autocuidado. Viver durante uma pandemia, obviamente, requer muita atenção à saúde, e muitas pessoas optaram por cuidar do maior órgão do corpo humano: a pele. 

A skincare – a tradução literal de “cuidados com a pele” – se encontra como um mercado em ascensão na pandemia. A rotina não é novidade, mas foi adotada por muitos atualmente, de acordo com os dados da Associação Brasileira da Indústria e da Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC). Segundo a pesquisa do órgão, “os produtos voltados aos cuidados com a pele registraram crescimento de 161,7% nas vendas durante os dez primeiros meses de 2020, em comparação com o mesmo período de 2019”. 

A ABIHPEC afirmou que as máscaras de tratamento facial foram as segundas mais vendidas (91%), ficando atrás apenas dos esfoliantes corporais (153,2%), considerando todo o ano passado. O órgão relatou que, além da estética, o novo coronavírus influenciou muito nesse crescimento, devido ao álcool em gel nas mãos e a quantidade elevada de lavagens, provocando o ressecamento da pele, exigindo uma maior atenção à hidratação

. As máscaras se tornaram uma das razões para o surgimento de espinhas na região do rosto, dessa maneira, explicando o aumento nas vendas de máscaras para tratamento facial. 

Apesar de não ser mencionada nos sintomas mais comuns, a Associação destacou as manifestações que a própria Covid-19 pode causar na pele – “em alguns casos foram observadas erupções e manchas ligadas à inflamação provocada pela doença. A vermelhidão e a irritação também podem estar ligadas à reação do organismo quando contrai o vírus”. 

Médica Dermatologista Ana Cristina Porto Alegrete. Reprodução Instagram (@bellevitta_alegrete)

 

A tendência da skincare está associada ao home office e devido ao estresse causado durante o isolamento, muitas doenças emocionais foram desenvolvidas. De acordo com a dermatologista Ana Cristina Porto Alegre, “foi uma mudança radical em nossas vidas e a incidência de dermatoses aumenta muito com o estresse, mas não observei aumento em nenhuma doença específica”. A médica destaca, “tenho 30 anos de formada, trabalho com dermatologia há 33 anos desde que passei pela disciplina no curso de graduação e nunca vi as pessoas tão estressadas”. Ela aponta algumas doenças que se destacaram nesse período, “observamos muito o aparecimento de doenças relacionadas ao uso da máscara, como dermatite de contato, rosácea e dermatite perioral”.

A dermatologista comenta que, quando o decreto ordenou o fechamento dos estabelecimentos, o número de atendimentos despencou. “As pessoas estavam com muito medo de sair de casa, aos poucos pela necessidade os pacientes foram retornando às consultas”, menciona ela. Além disso, ela acredita que as pessoas começaram a olhar mais a sua pele nesse período e pelo modismo da época começaram a falar muito sobre skincare e afirma que as consultas aumentaram para estes cuidados. 

Atualmente, com a facilidade de consultar dicas de cuidados com a pele na internet, muitas pessoas recorreram a esse meio. A Dra. Ana Cristina alerta que hoje com a internet e as redes sociais existe muita informação, mas nem todas confiáveis, “sugiro que as pessoas sempre saibam do currículo de quem está dando estas informações, chequem a fonte e vejam se tem embasamento científico”. Além disso, observou que essa facilidade de encontrar informações resultou em um paciente bem informado, “ele vem geralmente com uma lista de perguntas, sobre o que é mito e sobre o que é verdade no tratamento dermatológico”. 

Compartilhando as experiências

Psicóloga Alessandra Vasconcellos. Reprodução Facebook.

A psicóloga Andressa Vasconcellos explica, “acredito que a pandemia prejudicou tudo, os cuidados consigo mesma são importantes durante a vida. Na pandemia acredito que esses cuidados tenham aumentado, para trazer conforto, envolvimento, preencher o dia, olhar para si com mais carinho”. 

Algumas pessoas relatam sua experiência e compartilham com seus seguidores. Foi o caso de Leonardo Barreto, 42 anos, advogado e, atualmente, influenciador que possui quase 3 mil seguidores no seu instagram (@pensandonarotina). “Eu tenho interesse há muito tempo por cuidados pessoais, com rosto e corpo, muito por ver minha mãe se cuidando. Ela sempre gostou dos creminhos dela”, conta ele. “Desde bem novo eu já procurava ter pelo menos um hidratante que fosse pro rosto e outro pro corpo, mas na realidade eu não aderi 100%, não tinha muita disciplina sabe?”, acrescentou. 

“Comigo o divisor de águas foi exatamente a pandemia. Pouco antes de parar tudo aqui no Brasil, no início de 2020, eu trouxe alguns produtos de uma viagem. O interesse sempre esteve aqui e nesse período, já com 40 anos, eu estava sentindo mais necessidade mesmo”, relatou. “De repente, me vi trancado em casa, naquela incerteza e insegurança toda e cheio de produtinhos. Pronto, foi aí que a coisa

Leonardo Barreto. Reprodução Instagram.

aconteceu mesmo. Passei a ter uma rotina muito organizada de skincare e muito disciplinada. Foi meio que fundamental para mim ter esse momento de auto-observação, autocuidado”, declarou. 

Barreto menciona que paralelamente foi consumindo conteúdo sobre o assunto, para aprofundar seus conhecimentos, logo, além de consumir, começou a compartilhar as experiências. “Imagino que por isso o crescimento nos mercados de decoração e de skincare. O olhar sobre a nossa própria casa ficou mais forte, até por algumas novas necessidades, como um cantinho de Home Office; e o sobre si também se identificou. Se perceber, se cuidar, dar um carinho a si mesmo, tudo isso imagino que ajudou a fortalecer a cabeça das pessoas”, retratou o influencer. 

O influencer analisa que, inegavelmente, a maioria do público é feminino. Ele acredita que o movimento tenha crescido, até das próprias marcas de cosméticos para desvincular cuidados e produtos do gênero, mas a inclusão dos homens nos cuidados com a pele se encontra enraizada demais. 

Como esse cenário reflete na pele

Vitor Bitencourt. Reprodução Instagram (@jvitorbitencourt).

Mesmo não substituindo os procedimentos clínicos, as pessoas adaptaram sua rotina a produtos acessíveis que contribuíssem com seu novo costume. O mestrando em Comunicação, Vitor Bitencourt, comenta como iniciou com os hábitos de cuidado no seu dia, “acho que esse crescimento no interesse por cuidados da pele foi tanto por necessidade quanto por estética, já que ainda tinha algumas espinhas, um pouco menos, mas agora um problema maior com as consequências das espinhas que já passaram, como manchas e cicatrizes”. Ele menciona que durante a pandemiaacabou pesquisando ainda mais sobre o tema, principalmente, por ter tido um crescimento no poder aquisitivo teve a possibilidade de investir mais em produtos. 

Vitor analisa o cenário masculino nesse meio, “acredito que existe ainda um grande estigma de relação desses produtos com o público feminino por uma questão de preconceito, já que homens também tem muitos problemas de pele e muitas vezes por não procurar tratamentos acabam tendo problemas maiores, que penso muitas vezes afetar a confiança e autoestima deles”. O comunicólogo comenta alguns influencers brasileiros que ele costuma acompanhar, além de perfis de  instagram de dermatologistas e biomédicas. 

Mikael Queiroz. Reprodução Instagram (@mkaqueirozf)

Além de Vitor, seu namorado, Mikael Queiroz, coordenador de Marketing no 7 Night Bar, compartilham juntos a rotina de skincare. Mikael conta que por influência do namorado iniciou com os hábitos de cuidados com a pele, “eu iniciei as minhas rotinas de skincare durante a pandemia, muito por conta de necessidade e estética, depois do início da pandemia acredito que eu e outras pessoas ficaram muito expostas a estresse e problemas psicológicos, o que de alguma forma piorou minha pele drasticamente”. 

Maria Luiza Anacleto. Reprodução (@imluizaa).

A acadêmica de enfermagem, Maria Luiza Anacleto, menciona que começou sua rotina de skincare antes da pandemia, mesmo não possuindo um hábito contínuo. “Foi por necessidade, devido as espinhas que começaram a surgir após a pausa de anticoncepcional oral”, comentou. Ela ainda afirma que pretende continuar com a rotina pós-pandemia e que acredita que cuidar da pele tem ligação com seu psicológico, “a minha pele demonstra quando não estou bem”. 

Segundo o evento apresentado pela ABIHPEC em live, com a participação da Quintiles, empresa multinacional americana que atende os setores combinados de tecnologia da informação em saúde e pesquisa clínica, informa que os produtos que não podem faltar nas gôndolas no período pós-pandemia, são os itens para depilação, cremes de tratamento para cabelos e pele.

 

A internet se consolidou, ao longo do tempo, como um espaço social que permite interações e trocas que alcançam os mais variados âmbitos da vida pública e privada. O ambiente online ainda possibilita um debate a partir de diferentes ideias e posições, o que coloca em destaque o papel que as ferramentas digitais desempenham em sociedades democráticas. Porém, apesar dos avanços das tecnologias de informação e comunicação, a internet também se tornou um terreno fértil para muitas violações, censura e desinformação.

É nesse contexto, tanto de benefício quanto de risco, que a internet tornou-se um instrumento político para muitos governos, que buscam cortar o acesso às plataformas digitais ou realizar apagões totais de conexão. Em 2021, 20 países interromperam o sinal da internet e bloquearam as mídias sociais. Veja abaixo:

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O que são os cortes à internet?

Os cortes, bloqueios ou apagões se caracterizam como uma interrupção intencional da internet, com o objetivo de tornar o serviço inacessível e inutilizável para a população de uma cidade, região ou país. De forma geral, os governos costumam ordenar essas medidas para controlar o fluxo de informações.

Os cortes podem ser totais (apagão), o que compromete toda a conexão da internet, e parciais (bloqueio), ou seja, restritos a tipos específicos de conexão (internet à cabo, móvel ou fibra ótica), ou às mídias sociais e aplicativos de mensagem (Whatsapp, Telegram, Twitter, Facebook, Instagram, Snapchat, etc). A redução da velocidade da conexão também é considerada uma ferramenta de restrição ao acesso à internet.

Cortes na internet, violação de direitos humanos e impactos na democracia

Os bloqueios à internet e às mídias sociais têm impacto em diversos direitos humanos assegurados por declarações e tratados internacionais. O Advogado e Professor de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), João Pedro Seefeldt Pessoa, explica que o direito ao acesso à internet, à informação e à inclusão digital são comprometidos quando ocorrem os cortes. “A restrição do acesso à internet compromete a própria democracia, especialmente quando limita o exercício dos direitos de cidadania pelos usuários”, comenta Pedro.

A população ainda pode ficar vulnerável em diversas frentes, como esclarece a Pesquisadora Júnior de Direito e Tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, Celina Carvalho: “A interrupção do acesso à internet impede o pleno gozo de uma série de direitos e liberdades fundamentais, especialmente o direito à liberdade de expressão e opinião, acesso à informação e liberdade de reunião e associação”.

O Professor Universitário, Advogado e Doutor em Diversidade Cultural e Inclusão Social – FEEVALE/RS, Luciano de Almeida Lima, ainda destaca que a liberdade de expressão é um dos principais direitos violados pelos cortes à internet e às mídias sociais. “Não podemos ignorar que o direito de liberdade de expressão integra a concepção de dignidade da pessoa humana, representando, de outra parte, fundamento necessário à sobrevivência do Estado e da própria democracia”.

“Um bloqueio total da internet pode refletir uma atmosfera de repressão política, censura, violação dos direitos humanos ou a ausência de um Estado Democrático de Direito. Essas restrições podem representar um impacto à democracia justamente porque a ideia de democracia vem acompanhada do reconhecimento de direitos fundamentais de liberdade que tornam possível uma participação política guiada por um senso de agência do indivíduo”, afirma Celina.

Apesar disso, os apagões continuam em curso e atingiram o ápice em 2021. Neste ano, foi registrado o mais longo período de corte na internet em uma democracia. Durante quatro meses, entre 4 de agosto de 2020 e 5 de fevereiro de 2021, o povoado de Jammu e Kashmir, na Índia, ficou sem acesso à internet. De acordo com o governo, os cortes foram feitos durante períodos de operações militares como uma “medida de precaução” e uma forma de “restaurar a ordem” diante de ações terroristas no povoado.

Os cortes na internet são comuns na Índia. Na foto, protestos no país em 2019. Foto: Anushree Fadnavis/Reuters

Apenas neste ano, a Índia já realizou 25 bloqueios à internet e às mídias sociais. Além de Jammu e Kashmir, outras medidas de restrição no país acontecem durante os Protestos dos Agricultores, que se concentram em Nova Délhi e nas cidades ao redor da capital. O governo afirmou que os cortes são realizados para evitar desinformação sobre os movimentos sociais. Porém, especialistas afirmam que é uma tentativa de barrar a organização de novas manifestações.

Jordânia, Senegal, Rússia, Cuba e Bangladesh também empregaram bloqueios à internet e às mídias sociais em períodos de protestos. O governo de Cuba, por exemplo, fez dois cortes neste ano: em janeiro, quando realizou o bloqueio, por duas horas, ao acesso às mídias sociais e aplicativos de mensagem em meio a manifestações contra o governo; e, em julho, quando impôs um apagão no dia do início de novos protestos. Whatsapp, Facebook, Instagram e alguns servidores do Telegram ainda estavam restritos em Cuba, na data de término da reportagem.

De acordo com a organização Access Now, “os governos estão usando interrupções na rede como uma ferramenta não apenas para impedir e desarticular o protesto em si, mas também para ocultar as violações dos direitos humanos comumente associadas aos protestos”. Caso do Irã, que nos meses de janeiro e fevereiro cortou o acesso ao aplicativo Signal e à internet móvel para, supostamente, esconder a repressão às manifestações sociais em alguns locais do país.

20 países cortaram a internet em 2021. Imagem: Picture Alliance.

“Em países onde a democracia não é uma realidade, o bloqueio da internet é utilizado como forma de reprimir essas manifestações sociais, mantendo as pessoas dominadas por essa repressão política. Assim, além de violar direitos, esse bloqueio tem a capacidade de impedir, ou ao menos dificultar muito, a organização da sociedade para os movimentos sociais – que são essenciais em uma democracia, mas não são bem-vistos em países repressivos e autoritários”, relata a Professora, Advogada e Doutoranda em Direito, Bruna Bastos.

Esse é o caso de Mianmar, país do sudeste asiático que é governado por uma Junta Militar, desde o golpe de Estado em fevereiro de 2021. Logo que chegaram ao poder, os militares estabeleceram um “toque de recolher” da internet, que era bloqueada durante toda a madrugada e voltava a funcionar perto das nove da manhã. Em março, a Junta Militar baniu o uso do Twitter, do Facebook e do Instagram. Apenas em abril, a internet à cabo e a fibra óptica foram reestabelecidas. Porém, a internet móvel, usada pela maior parte da população no país, continuava bloqueada.

Outro período recorrente de cortes na internet é em época de eleições. Neste ano, Uganda, Níger, Congo e o Chade realizaram bloqueios durante o pleito. Na Uganda aconteceu um apagão de todos os serviços digitais por quatro dias. O acesso à internet no país já é limitado desde 2018, quando foi criada uma taxa diária para uso das mídias sociais, chamada Over the Top (OTT).

Os objetivos e os efeitos dessa medida em período eleitoral são diversos, como explica o Advogado João Pedro: “Os apagões da internet em época de eleições podem levar à desinformação, quando o usuário não consegue ter acesso a uma diversidade de informações para escolher ou criticar um candidato, bem como, ao desmantelamento de manifestações políticas, com o fim de impedir a liberdade de expressão e silenciar opiniões dissonantes ou contra hegemônicas. Os apagões acabam sendo utilizados por aqueles que querem se manter no poder, de forma ilegítima, e promover uma campanha de desinformação e confusão no povo”.

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Pandemia e cortes na internet: vácuo de informações, assistência e cidadania

A pandemia do coronavírus intensificou o uso da internet e das mídias sociais. Logo, seu bloqueio dificulta que a população tenha acesso a informações durante esse período. “Apagões ou limitações à internet podem interferir no comércio eletrônico, em aplicativos de reserva de vacina, em videoconferências ou mesmo no acesso a informações vitais sobre o vírus da covid-19”, aponta Celina Carvalho.

Os bloqueios em Jammu e Kashmir, na Índia, por exemplo, impediram o trabalho de organizações de assistência humanitária. “Nossos voluntários não conseguiram identificar quem precisava de ajuda”, relatou Bilal Khan à Fundação Thomson Reuters. Khan é membro da Athrout, equipe que fornece ajuda médica e alimentação ao povoado de Jammu e Kashmir.

Além disso, outros impactos de cortes à internet no período atual podem ser observados. Para Bruna Bastos, os bloqueios durante a pandemia tornam-se mais graves, pois violam e adentram em outros direitos além da liberdade de expressão e acesso à informação.

Luciano de Almeida Lima também se posiciona nesse sentido: “Tente imaginar se você ou seus filhos não pudessem ter acesso a aulas online, a serviços públicos digitalizados ou à possibilidade de continuar suas atividades de trabalho como reuniões e vendas. A resposta é muito simples. Você não ficaria excluído simplesmente da internet, você ficaria excluído completamente da cidadania”.

Com a consciência disso, governos utilizam a internet como uma ferramenta para silenciar a população e promover um apagão não somente nas redes, mas em todos os direitos humanos e fundamentais. Entre contradições e tendências autoritárias, os cortes na internet colocam em evidência as democracias em xeque no mundo.

Texto produzido pela acadêmica Laura Gomes na disciplina de Jornalismo Internacional, do Curso de Jornalismo da Universidade Franciscana (UFN). Orientação: Profª Carla Torres.

Bandeira gay dentro do estádio. Imagem: GettyImages

Cada vez mais, vemos pessoas LGBTQIA+ ocupando espaços e ganhando as devidas visibilidades. O esporte é considerado como um meio de inclusão e um intermédio para as lutas contra os diversos preconceitos presenciados na sociedade. Porém, é ainda considerado um tabu associar a prática esportiva com atletas não héteros. 

A decisão em assumir seu gênero e/ou orientação sexual sempre gerou muito preconceito e o afrontamento a essas escolhas, embora evoluções lentas sejam vistas com o passar dos anos. O dia 17 de maio de 1990 marcou o mundo quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças. 

A data geralmente é marcada por manifestações que fortalecem as lutas travadas no cotidiano, assim como o mês de Junho, considerado como o Mês da história LBGT. O mês tem como intuito conscientizar e reforçar a importância do respeito e da promoção de equidade social e profissional de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, assexuais, etc.

Torcida manifestando o espaço lgbt no esporte. Imagem: Makchwell Coimbra Narcizo, Pragmatismo Político

Atos que perduraram por anos na sociedade, como a Homofobia e Transfobia foram considerados crimes somente em janeiro de 2019, quando o Supremo Tribunal Federal aprovou que atos preconceituosos contra homossexuais e transexuais devem ser enquadrados no crime de racismo.

O Grupo Gay da Bahia (GGB) coletou e divulgou, em 2019, um relatório anual com números de mortes violentas de pessoas da comunidade LBGT, no país. A cada 26h, um LGBT perde a sua vida, seja por homicídio ou suicídio. No mesmo ano, foram 329 mortes violentas, todas vítimas da homotransfobia, 90,3% dos casos correspondem a assassinatos, enquanto 9,7% dizem respeito a suicídio. Esses dados fazem com que o Brasil seja considerado um país violento, no topo dos países que cometem crimes contra as minorias sexuais. 

No esporte, injúria racial tem sido punida com base no art. 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que trata de atos discriminatórios. A equiparação pelo STF, abre espaço para a Justiça Desportiva também punir, mesmo sem uma mudança no CBJD. Afinal, o direito é um só. A Federação Internacional de Futebol (FIFA) também se posicionou contra o preconceito no seu novo Código Disciplinar, determinando punições a manifestações preconceituosas, como injúria racial e homofobia. 

Embora seja um processo educativo, a verdade é que não há punição de crimes como homofobia, racismo ou outras manifestações preconceituosas que alimentam comportamentos que não podem ser mais tolerados, tanto na vida como também no esporte. Além de caminhos jurídicos, a postura dos protagonistas no jogo tem um papel importante. 

Olimpíadas de Tóquio 2020

Estão acontecendo nesse momento as Olimpíadas de Tóquio 2020, que foram adiadas e transferidas para Julho de 2021 em virtude da pandemia. O evento esportivo é um dos maiores e mais grandiosos, caracterizado por reunir atletas de variados esportes do mundo inteiro em prol de um único propósito, a conquista pela medalha no seu esporte.

Esta edição vem sendo muito importante pois está sendo um palco e tanto para atletas LGBTQIA+ se posicionarem. A primeira manifestação de protesto durante o evento esportivo foi feita pela atleta Raven Saunders, que competiu na modalidade de arremesso de peso feminino, conhecida como a Mulher Hulk. A atleta é uma entre os cerca de 180 atletas LGBTQIA+ que participam dos jogos olímpicos de 2020. 

Após ganhar a medalha de prata na modalidade de arremesso de peso, Saunders subiu ao pódio fazendo um gesto de protesto. Assim que recebeu a medalha ela levanta os braços acima da cabeça formando um “X”, como forma de manifestação a favor de todos aqueles que são oprimidos e sofrem preconceitos dentro e fora do esporte.

Raven Saunders. Imagem: Folha de São Paulo

O Comitê Olímpico Internacional (COI) proíbe todo tipo de protesto durante as premiações dos jogos olímpicos e se pronunciou após o ato de Raven. O comitê relata que irá analisar o gesto e tomar as devidas providências. Antes da Olimpíada de Tóquio, o COI havia flexibilizado as regras a respeito de protestos, liberando que atletas pudessem expressar suas opiniões durante as coletivas de imprensa.

As Olimpíadas de Tóquio 2020 se caracterizam por ser a edição dos jogos com o maior número de atletas da comunidade LGBTQIA+.  Entre os classificados está Laurel Hubbard, a primeira mulher trans a participar da competição desde sua primeira edição em 1896. Um outro fator interessante de citar é que o país sede dos jogos deste ano, é conhecido por ser um país extremamente conservador e o único, dentre as sete nações mais ricas do mundo, que não legalizou o casamento homoafetivo. 

O espaço que uma mulher trans ocupa, sendo a primeira e única a participar de uma Olimpíada, torna evidente o quanto mudanças ainda são necessárias dentro do meio esportivo, e que uma revisão no regulamento do evento precisa ser feita. 

Douglas Souza. Imagem: Divulgação/FIVB

O Brasil nas Olimpíadas está ganhando com o carisma do jogador da Seleção Brasileira de Vôlei, Douglas Souza, de 25 anos, um atleta que não esconde ser gay e muito menos deixa com que isso atrapalhe seu desempenho no esporte. Ele vem fazendo sucesso nas redes sociais ao compartilhar vídeos dos preparativos e da rotina em Tóquio. O atleta já possui mais de 500 mil seguidores em seu perfil no Instagram, além de chegar ao topo dos assuntos do momento do Twitter, após a repercussão de seus vídeos.

 

Esporte entre a população LGBTQIA+

Por conta do preconceito enraizado e da pouca oportunidade para com a inclusão do público LGBTQIA+ no âmbito esportivo, houve iniciativas que incentivam a prática para essa comunidade.

Pensando em promover a prática esportiva em grupo entre essa população, ao redor do mundo vários atletas se uniram para formar coletivos que praticam corrida, futebol, handebol, rugby, vôlei, treinos funcionais e etc. Esses eventos auxiliam na representatividade no meio esportivo, acolhendo homens e mulheres, de todas as idades e tipos físicos, com ou sem habilidades esportivas. A única exigência, normalmente, é não ser heterosexual. 

Conheça alguns desses projetos:

  • Bharbixas Esporte Clube: equipe poliesportiva LGBTI+ em Belo Horizonte, conheça acessando o Instagram.
  •  Meninos Bons de Bola: primeiro time de futsal amador composto por homens transexuais no BR, conheça acessando o Instagram.
  • Rangers Volley BR: time de vôlei da diversidade, voltado ao grupo LGBTQIA+, conheça acessando o Instagram.
  • Magia Sport Club: Primeiro clube esportivo LGBT do RS, conheça acessando o Instagram 
  • BeesCats Soccer Boys: 1ª equipe LGBTQIA+ de futebol do RJ, conheça acessando o Instagram.
  • Fair Play Sport Club: grupo multiesportivo e cultural voltado à comunidade LGBTQIA+ em prol da inclusão esportiva, do combate ao preconceito e à homofobia, conheça acessando o Instagram.
  • S.C GAIVOTAS: time de FUT7, conheça acessando o Instagram
Slogan do Magia Sport Club

Mais próximo da nossa realidade está o Magia Sport Clube, o primeiro clube LGBTQIA+ do Rio Grande do Sul, localizado em Porto Alegre, que oportuniza a prática em esportes como futebol, jiu jitsu, vôlei e handebol.  Em processo de formalização como associação esportiva sem fins lucrativos, caracteriza-se como clube inclusivo, atuando nas áreas esportivas e educacional, utilizando o esporte como meio de inclusão. 

A Professora de Educação Física, Ivvy Souza, compõe a equipe do Magia Sport Clube na modalidade de Futsal. Ela ressalta que o futebol em si, assim como o futsal, é um ambiente quase que estritamente masculino, então sua infância foi basicamente rodeada por meninos pois, quase nunca, nem em seu time, teve contato com meninas na prática do esporte. 

Oportunidades e desafios (áudio Ivvy)

Time feminino do Magia Sport Clube em partida. Imagem: acervo do clube

Ivvy traz como exemplo a representatividade que ainda é ausente principalmente no futebol. Ela ressalta que assim que questionada não consegue lembrar de cabeça um jogador sequer que “seja assumido” e que jogue futebol. Em contrapartida, várias jogadoras de futebol nunca esconderam ou se quer deixaram isso as atrapalharem. 

O exemplo da educadora física é muito relevante tendo em vista que, talvez, essa falta de segurança entre os atletas seja pelo próprio espaço que ainda é tão raso em relação ao assunto. Além do futebol já ser considerado um esporte masculino e possuir uma cultura machista.

O estudante de Jornalismo e também atleta do Magia Sport Club na modalidade do Futebol 7, Jônata Machado, contribui dizendo que essa representatividade significa evolução, porém ainda falta muito mais para chegar ao objetivo final, que é a inclusão e a diversidade.

Equipe do Jiu Jitsu do Magia Sport Club. Imagem: Acervo do clube

“Pessoas tomarem a iniciativa, não terem medo, embora haja muito medo por causa da violência, assim como quando tu vai revelar sua orientação sexual, é muito complicado. Tu tem medo do preconceito, do que irão pensar, de como a sociedade irá agir, sempre vigiando as suas atitudes e seus modos de agir. Então, significa que temos uma luz no fim do túnel, claro que falta muito a ser feito, porém é muito bom que esteja acontecendo e espero que daqui a pouco no futebol brasileiro, que é muito difícil, mas que se quebre esses tabus e que a gente consiga viver numa boa, sem precisar se preocupar com a orientação sexial do outro. Por que ficar se escondendo por medo é a pior coisa que tem!”, afirma o atleta.

Ambos os atletas consideram o Magia como uma família, onde a inclusão e espaço no ambiente esportivo é disponibilizado de maneira simples, sem mistério ou qualquer medo. 

Sobre o Magia (áudio Jônato)

O Magia Sport Club é o clube mais antigo do sul do país, com 16 anos de existência, pioneiro na Ligay BR e anfitrião da primeira edição da Copa Gaúcha LGBTQIA+.

Copa Gaúcha LGBTQIA+

A Copa Gaúcha foi idealizada para reunir os times do estado e, após o longo tempo de pandemia pelo qual vivemos, com calma e responsabilidade, está sendo organizado o evento de acordo com os protocolos, para as equipes voltarem a disputar torneios.

Atletas do futebol do Magia Sport Clube. Imagem: Acervo do clube

Além do Magia Sport Club, o Real Flamingos S.C. de Pelotas também está à frente deste evento, auxiliando na organização com intuito de promover mais diversidade e espaço a todos os atletas da comunidade. 

Para saber mais e acompanhar as novidades, siga o Instagram da Copa Gaúcha LGBTQIA+.

Tiago Guedes. Foto: arquivo pessoal.

Como parte da programação dos 18 do Curso de Jornalismo da UFN, a série Celeiro de Talentos apresenta o perfil do jornalista Tiago Guedes, formado há quase 15 anos. Conhecido pelos gaúchos que acompanham as notícias do estado pela televisão, Tiago conta que cursar Jornalismo não era sua primeira opção, pois ele estudava Química quando decidiu mudar de profissão.

Satisfeito com a troca, ele avalia o saldo positivo dessa opção: “O jornalismo me deu a inquietação, a vontade de falar com gente nova todos os dias e principalmente oportunidade de contar histórias que a vida de cientista não me proporcionaria”, relata fazendo um balanço dessa escolha de vida. A troca corajosa do rumo profissional foi o início de uma bem sucedida carreira de jornalista.

Sobre o tempo na faculdade, o repórter conta que o Curso de Jornalismo foi um norte para ele, além da base teórica e prática sobre comunicação. “Digo base no sentido de alicerce de uma construção, do aprendizado que é diário. O jornalismo tem novidade todos os dias. É o retrato da vida.” define Tiago.

Tiago na Arena do Grêmio. Foto: arquivo pessoal.

Mas o gosto pela prática, pela reportagem já aparecia nas disciplinas do curso de Jornalismo da UFN que mais se identificava. Ele relata que Rádio, Jornal e TV eram as que ele mais gostava, pois era ali que a profissão era visualizada. As aulas práticas o faziam sentir um jornalista de verdade. “mesmo que depois, no mercado de trabalho, se descubra que a realidade é bem mais dura. Fazer jornalismo diário não é tarefa fácil! Tem quem se acomode na redação, mas esse não é o meu lugar”, confessa Tiago.

Atualmente, o jornalista é repórter na RBS TV em Porto Alegre e começou na Sucursal em Alegrete no ano de 2007. No ano seguinte, trabalhou em Uruguaiana. Também passou pelas emissoras de Passo Fundo, Santa Cruz do Sul e Santa Maria pelo grupo RBS. Apenas entre 2011 e 2012 ficou fora da empresa, quando trabalhou em uma afiliada do SBT em Manaus.

Para Tiago, o jornalismo é essencial para a sociedade, “O jornalismo mostra sua importância todos os dias, inclusive quando as pessoas reclamam sobre o que veem, escutam ou leem. Isso significa que a comunicação funcionou, que a realidade de alguém impactou na vida de outro. Isso é jornalismo, um elo entre mundos, muitas vezes uma luz pra quem não tem mais esperança.” afirma o repórter da RBS.

Tiago em participação no Jornal Hoje. Foto: arquivo pessoal.

Sobre a profissão, o jornalista comenta que a sua motivação diária é a oportunidade que a profissão dá ao realizar algo novo todos os dias. “Tem colega que reclama da rotina de chegar na redação, pegar a pauta, juntar os equipamentos, sair e voltar com a reportagem. Para mim isso não é rotina, é quase um ritual em que fico pensando: o que nos espera na rua hoje? Vou me emocionar? Vou mudar a vida de alguém quando a reportagem for ao ar? Todos os dias o jornalismo faz a diferença.” complementa Tiago Guedes, afirmando:” Nossa profissão é linda e fundamental em todos os momentos, bons e difíceis que passamos. Reportar é documentar a vida.”

O alto índice de pessoas sedentárias no mundo todo, que já era preocupante, foi agravado ainda mais pela pandemia do novo coronavírus. Até cinco milhões de mortes por ano poderiam ser evitadas se a população fosse mais ativa, calcula a Organização Mundial da Saúde (OMS), que lançou, no final de 2020, novas diretrizes sobre atividade física.

Conforme o documento, é recomendado de 150 a 300 minutos de atividade aeróbica moderada a vigorosa por semana para os adultos, incluindo aqueles com doenças crônicas ou incapacidade. Para crianças e adolescente a média é de 60 minutos por dia.

Como explica o profissional de Educação Física, Gustavo Silva de Oliveira, “o esporte é um tipo de atividade física, trazendo assim, consigo, seus benefícios, como redução do estresse, controle do peso, melhora do condicionamento físico e melhora do sistema imune e cardiorrespiratório”.

Sendo assim, para garantir um estilo de vida mais saudável, diversas pessoas iniciaram a prática de algum esporte em meio a pandemia, principalmente modalidades individuais ou que exigem um grupo pequeno de participantes. A corrida de rua é um dos que se destacam na atualidade, principalmente pelo fato de poder ser praticado por todas as faixas etárias e não exigir um ambiente específico.

Corrida de rua é um dos esportes individuais que mais ganhou adeptos durante a pandemia | Foto: mega-studio/freepik

“Procuro sempre praticar onde não há circulação de pessoas. Então não costumo correr em pistas, e sim em rodovias ou estradas de chão. Por ser um esporte individual, possui diversos lugares em que pode ser praticado ao ar livre, longe de aglomerações. Então é simples de adaptá-lo durante a pandemia”, relata a sargento e atleta Ana Amaral.

Bom exemplo desta adaptação são as provas de corrida, que desde o início da pandemia estão suspensas. Sendo assim, houve um aumento nas competições virtuais, onde o participante, monitorado por um relógio com GPS ou aplicativo de celular, tem determinado período de tempo para concluir a atividade. Posteriormente, o arquivo é enviado para a organização para análise e validação.

No que diz respeito as vantagens identificadas ao praticar corrida de rua, Ana elenca que “uma das principais é a redução da chance de desenvolver doenças que o sedentarismo ocasiona, como cardíacas, obesidade, pressão alta e depressão, e o fortalecimento do sistema imunológico”. E acrescenta: “É muito bom fazer exames de rotina e verificar que tudo está normal, sem alteração. Sem falar na perda de gordura corporal e a bem estar físico”.

“O ciclismo é um vício e eu não quero largar esse vício”. Essas são as palavras do vice-prefeito de Formigueiro, Gilson Murilo Belmiro Severo, que, com 53 anos, aproveitou a pandemia para voltar a pedalar. “Eu diminui peso, perdi 10,2 kg. Eu tinha muito problema de insônia, hoje não tenho mais, eu durmo muito bem, me alimento bem”, conta.

E vai muito além da parte física. Severo explica que com a prática do esporte obteve melhoras na saúde mental: “a cabeça da gente funciona melhor, até para a questão de raciocinar eu sinto que tive uma melhora muito grande”.

Assim como a corrida de rua, o gosto pela bike cresceu durante a pandemia. O vice-prefeito relata que percebe um aumento muito grande na quantidade de pessoas adquirindo bicicletas. “Comece devagar, com muito cuidado, não queira fazer pedaladas muito longas no inicio. Devagar vai indo, vai indo, e você chega lá. É um ótimo exercício para todo o tipo de pessoa, seja ela nova, de meia idade, ou idoso, todos merecem e gostam de pedalar”, orienta.

Mas o aumento no número de atletas durante a pandemia não foi refletido em todas as atividades. Na musculação, por exemplo, o profissional de Educação Física Dioner Cardoso, que trabalha em uma academia, relata uma queda na procura pelo medo das pessoas contraírem o vírus, ainda que considere eficazes os protocolos de segurança, desde que cobrados e monitorados.

A musculação é “uma forma de manter a pessoa mais ativa quanto ao exercício físico e, portanto, também ajuda na melhora da imunidade, que é importante no combate ao vírus”, destaca Cardoso.

A microempresária Karol Dotto, que pratica o esporte, compartilha da mesma visão. “Procure uma academia que siga os protocolos e use sempre, de forma correta, a máscara e álcool gel, tanto nas mãos quanto nos aparelhos. Também é possível seguir um treino intenso em casa, o importante é se manter ativo, a imunidade agradece”, destaca.

Essa busca por esportes individuais foi comprovada por meio de um estudo realizado pelo Google, com base em pesquisas no buscador e atividades do Youtube, aliado a uma pesquisa da consultoria especializada Sport Track. Confira os principais dados no infográfico:

Elementos Gráficos: Freepik | Produção: Pablo Milani

 

Produção da disciplina de Jornalismo Esportivo, durante o primeiro semestre de 2021, sob coordenação da professora Glaíse Bohrer Palma.

Sala de aula vazia com distanciamento entre os lugares no Colégio Santa Teresa de Jesus, em Santana do Livramento, RS.

“A escola é um ambiente seguro. Ela continuará sendo segura, dependendo da conscientização das famílias”, diz Bruna Prates, diretora do Colégio Santa Teresa de Jesus, em Santana do Livramento, cidade fronteiriça com  Rivera, no Uruguai. 

Desde março do ano passado, os colégios e faculdades trabalham no sistema de ensino remoto, em consequência da pandemia do Coronavírus. Já neste ano de 2021, a expectativa era outra e alguns colégios, como o Santa Teresa de Jesus, iniciaram suas aulas presenciais no começo do ano letivo, em fevereiro. E novamente as aulas foram canceladas pelo aumento do número de casos de Covid-19. O colégio funcionava dentro de todas aquelas regras básicas: distanciamento social, medição de temperatura e outras questões elaboradas pela própria escola para a segurança dos alunos e de todos seus funcionários. As turmas eram divididas, com metade dos alunos no formato presencial e outra metade de forma remota para evitar aglomerações em salas de aula com grande número de estudantes. Apesar de todos os cuidados e protocolos adotados, as aulas continuam no formato remoto em todo o RS.

Leonardo durante a aula remota. Foto: arquivo pessoal

Simone Muslera, mãe de Leonardo que está na segunda série do ensino fundamental no Colégio Santa Tereza de Jesus, é a favor do retorno das aulas presenciais. “Para mim, a dificuldade maior é que a criança precisa de alguém junto para ajudar nas aulas” , relata Simone. Além disso, comenta que por causa do trabalho tem sorte do outro filho, que é mais velho, ajudar o menor, porém, no final de semana precisa se envolver e auxiliar o filho com os temas. “O ano passado eram duas horas de aula e não era tão cansativo, já neste ano a aula é durante toda tarde e a criança perde o entusiasmo em ficar ali sentada na frente do computador”, finaliza Simone, afirmando que a estrutura da escola com biblioteca, laboratório, pátio entre outros. torna o aprendizado mais fácil e interessante. 

Já Flávia Fernandes, mãe de Manuella, 12 anos, e Maria Vitória, 11 anos, alunas do Instituto Livramento e que também estão estudando pelo sistema remoto, é contra o retorno das aulas presenciais. Flávia acredita que as escolas possuem dificuldades para manter o distanciamento, principalmente, quando se trata de crianças pequenas. “Em fevereiro, quando voltou, era híbrido – uma semana na escola e outra em casa, não teria motivos para voltar agora”, comentou Flávia. Ela acredita que ainda é perigoso o retorno pela maneira como o vírus está se espalhando, e de forma remota não existe o risco da contaminação.

No Rio Grande do Sul, foi liberado pelo governador Eduardo Leite, na última semana, o retorno das aulas presenciais mesmo com a  bandeira preta. A flexibilização, porém, foi sustada ontem, segunda-feira, 26/04, quando a Justiça do Estado manteve a decisão anterior e as aulas presenciais seguem suspensas. A explicação é a de que no ano de 2020, o estado passou um longo tempo em bandeira laranja e vermelha e não houve o retorno. Então não é sensato voltar agora com o estado inteiro em bandeira preta. Mudanças podem ocorrer ainda nessa semana.

Além dos professores e alunos, os colégios também possuem certas dificuldades nesse período de pandemia. Segundo a diretora Bruna Prates, uma das maiores dificuldades é ajudar seus funcionários, principalmente os professores e alunos somente através de uma tela. “Se habituar a essa rotina totalmente online sem estar próximo, sem contar com a ajuda de quem sempre esteve do lado.” complementa a diretora. Além, é claro de ter que administrar todos os contextos familiares. 

Bruna conta que o colégio tenta de algumas formas estar perto e ajudar em várias questões, como a disponibilização de impressões e a Busca Ativa, quando as diretoras ingressam nas aulas para acompanhar como está sendo a participação e o aprendizado, método que já era feito no presencial, porém, teve que ser adaptado para esse novo modelo. 

Apesar da vontade tanto dos colégios, como de vários pais de que as aulas retornem ao modo presencial, prefeituras e as próprias escolas pedem paciência. Defendem que todos precisam fazer a sua parte, as escolas com protocolos seguros junto com a conscientização das próprias famílias. A norma parece ser a de não esquecer, sempre, o bom senso, o que torna o ambiente protegido para o trabalho e aprendizado de todos. 

Para saber mais sobre este assunto, acesse aqui.

 

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay.

Não é de hoje que a popularidade das mídias online dissemina-se nos mais diversos espaços sociais. A partir de seus objetivos de aproximação entre indivíduos, o papel da comunicação torna-se peça fundamental no algoritmo deste recurso. Através dele, formulações estatísticas e operações digitais cresceram constantemente no ano de 2020 que, surpreendido pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19), fez com que o público buscasse adaptação e interatividade neste âmbito.

Sabe-se que, além da relevância comunicativa encontrada nas mídias digitais, principalmente no período pandêmico, o contato estabelecido nas inter-relações fortifica-se diante desta ferramenta. Exemplo disto pode ser visto por meio da capacidade noticiosa tanto local, como nacional e internacional, assim como a conectividade entre perfis nas plataformas como Instagram e Facebook.

Um estudo realizado pela consultoria Kantar aponta que, em 2020, o uso do Whatsapp cresceu em torno de 76%, em escala global, quando comparado ao ano anterior. O mesmo vale para o Instagram que, por meio de uma apuração realizada pela Reuters Institute Digital News Report 2020, deu um salto de 3% a 36%, de 2014 até 2020. Estatística esta que destaca o crescimento da interatividade virtual, especificamente em 2019 e 2020. 

No mais, atribui-se uma referência ao Instagram, que consideravelmente tornou-se a rede social mais popular no Brasil, até 2019. Conhecida por conectar bilhões de pessoas simultaneamente por meio dos recursos e acessibilidades encontradas, a plataforma cresce mais do que qualquer outro aplicativo (em escala anual), com o contato entre usuários de diferentes países.

Amanda Beltrame finalizou o ensino médio em 2020 e participou de um evento para jovens lideranças nos EUA. Imagem: arquivo pessoal.

Exemplo disto pode ser citado entre jovens que, nos dias de hoje, encontram-se altamente engajados neste ambiente. Amanda Beltrame, de 17 anos, finalizou o ensino médio no colégio Riachuelo em 2020, em Santa Maria.  Sua conta no Instagram, @amandabbeltrame, agrega mais de 1.500 seguidores, os quais refletem vivências pessoais da jovem, vinculadas às relações internacionais na composição de seu perfil. A estudante comenta que o objetivo de sua rede social, até então, é para uso pessoal, sem aspectos comerciais.

Em 2019, Amanda participou de uma conferência internacional, com jovens de mais de 145 países. Com o nome de Global Young Leaders Conference (GYLC), o evento promoveu o encontro, que ofereceu uma experiencia na troca de ideias e técnicas comunicativas. “Foi algo bem desafiador, mas o tempo que passamos em contato fez com que nos adaptássemos a novos hábitos e comportamentos linguísticos”, afirmou Amanda. Segundo a jovem, após o fim do encontro, ficou nítida a importância do diálogo e do saber dialogar nas entrelinhas e em diferentes ambientes. “Pude notar como o ato de comunicar-se é essencial. Todos temos conhecimentos e vivências distintas, o que torna gratificante ter tido esta oportunidade”, reiterou.

Ligado ao evento, ela destaca o grau de amplitude na relação interpessoal, proporcionada pelo ambiente web. Amanda comenta que, mesmo que hoje ele não fale tanto com seus colegas de viagem, em decorrência da pandemia, as mídias sociais são os laços que tornam a ligação ainda possível: “A rede social é o pilar da comunicação e o que deixa este contato vivo. Ela segue tomando grandes proporções com o passar do tempo, o que consequentemente proporciona momentos ótimos entre as pessoas”.

Fica perceptível o nível de interatividade online e os laços formados virtualmente, construídos pelo diálogo. Fatores estes que, permeados pelo compartilhamento de informações,  contribuem para o enraizamento de vínculos estabelecidos pelo avanço tecnológico.

Vini Guasso usa as redes para divulgar seu trabalho como DJ. Imagem: arquivo pessoal.

Além do uso das redes sociais para interatividade e entretenimento, esses meios também são utilizados para a divulgação de trabalhos pessoais, como é o caso do estudante, que finalizou o terceiro ano do Ensino Médio no Colégio Marista Santa Maria, Vinicius Guasso. Vinicius, de 18 anos, é DJ e divulga seu trabalho através da plataforma do Instagram, em @viniguasso, onde possui cerca de 2.000 seguidores. 

Ele conta que para ter uma boa comunicação com seus seguidores, aposta na apresentação do seu perfil, como uma vitrine, onde compartilha fotos pessoais e de trabalhos já realizados por ele. Vinicius conta também que no início do período pandêmico, em meados de março, a interatividade com seu público aumentou porque a maioria das pessoas passaram a usar as redes sociais com mais frequência, porém a comunicação foi perdendo força com o tempo. “Na minha visão, agora as coisas estão voltando mais ao normal’’, comenta. 

Como forma de manter o engajamento durante a pandemia, Vinicius relata que foi convidado para participar de um grupo online onde outras pessoas que também trabalham no ramo musical se apoiam dando audiência e visibilidade nas redes sociais. “Um amigo me convidou para participar de um grupo onde há 80 pessoas que interagem sobre a profissão de DJ, de todo o Brasil, inclusive com grandes nomes. Então, os integrantes do grupo devem curtir, salvar e compartilhar as postagens um do outro para garantir o engajamento. Eu acho que isso tá me ajudando agora no final’’, explica. 

Ainda com relação a comunicação nas redes sociais, o estudante afirma que houve um aumento significativo da disseminação de informações na internet, que fez com que as notícias falsas também aumentassem. Para ele, é necessário um maior cuidado por parte das pessoas que compartilham conteúdos na internet, a fim de manter uma relação benéfica para todos no mundo virtual. 

Júlia tem mais de 10.000 seguidores no Instagram. Imagem: arquivo pessoal.

Júlia Emanuelli, 17 anos, que também finalizou o ensino médio em 2020, criou uma conta no Instagram com intuito de divulgar um trabalho pessoal. Em 2017, começou a publicar as maquiagens que produzia. Porém, o perfil  @juliaastt cresceu, e hoje conta mais de dez mil seguidores. Os assuntos também ampliaram, e, atualmente, Júlia elabora conteúdo sobre autocuidado, autoestima e moda. 

A estudante afirma que a partir do perfil no Instagram foi possível desenvolver habilidades comunicativas, como a fala e a escuta. Apesar da insegurança no início, Júlia passou a entender que se as pessoas estão dispostas a ouvir e a interagir, então, ela deve continuar nesse caminho e utilizar a voz que tem nas redes sociais para promover algo positivo. 

Além disso, Júlia também declara que para transmitir uma mensagem precisa de uma ponte: “A comunicação e o diálogo são as bases de tudo, seja nos relacionamentos pessoais ou com o público do Instagram”, aponta a estudante. Júlia ainda entende que as plataformas digitais possibilitam e facilitam essa comunicação, assim como, são capazes de ampliar o conhecimento. 

Stéphane Powakzuk, mais conhecida como Teka, é jornalista e trabalha com redes sociais há oito anos. A trajetória como Digital Influencer começou quando participou de um concurso de beleza plus size. A partir desse momento, Teka, que sempre compartilhou dicas de moda, beleza, e mais recentemente saúde, ganhou seguidores e conseguiu parcerias com várias marcas. “Meu objetivo é inspirar mulheres para que elas não deixem que o peso seja um fator determinante para a felicidade”, relata Teka. Hoje, o perfil da jornalista @tekapowaczuk conta com mais de 19 mil seguidores.

Teka é jornalista e trabalha como redes sociais há 8 anos. Imagem: arquivo pessoal.

O percurso de Teka como Influencer acompanhou a evolução das redes sociais. Antes do Instagram, ela já produzia conteúdo para blog, fotolog e fanpage e afirma que o curso de Jornalismo foi fundamental nesse caminho. Para Teka, as disciplinas práticas do curso, assim como, o trabalho com a Rádio foram essenciais para desenvolver habilidades comunicacionais nas redes sociais. 

Além disso, a jornalista sempre procurou se manter atualizada sobre as redes sociais, tanto por meio do estudo do plataforma do Instagram, quanto pela realização de um MBA em Mídias Sociais. Teka entende que para expandir um perfil no Instagram é necessário fazer pesquisas para compreender os nichos e o público-alvo. Por fim, deixa um conselho: “Sejam verdadeiros. Estudar os conteúdos e pensar o que você quer oferecer para o público é uma forma inteligente para crescer, e demanda muita dedicação!”.

Texto produzido pelos acadêmicos de Jornalismo Gianmarco de Vargas, Laura Gomes e Lavignea Witt.

A partir de 1983, quando o futebol praticado por mulheres foi liberado por lei no Brasil, milhares de meninas buscam por oportunidades tendo que lutar todos os dias por um esporte mais igualitário

Emanuely Guterres e Lavignea Witt*

Por haver a chamada distinção de gênero em diversas atividades do cotidiano, as mulheres tiveram — e ainda têm — que enfrentar muitas dificuldades para exercer algumas delas, que são majoritariamente praticadas por homens. Um exemplo é o futebol. Segundo a Federação Internacional de Futebol (FIFA), o primeiro jogo oficial de futebol entre mulheres ocorreu em 23 de março de 1883, em Crouch End, na cidade de Londres, na Inglaterra. Naquela ocasião, os dois times foram classificados como Norte e Sul, representando as duas partes da cidade em que a partida era sediada. Porém, o futebol já era praticado por homens desde o século XVII. 

No Brasil, as mulheres começaram a conquistar seu lugar no futebol entre os anos de 1908 e 1909, quando foram datados os primeiros jogos de futebol com jogadores mistos — homens e mulheres juntos. Conforme noticiado pelo jornal A Gazeta, o primeiro jogo oficial no país entre mulheres ocorreu em 1921. As jogadoras eram dos bairros Tremembé e Cantareira, da cidade de São Paulo. 

Segundo o Jornal da USP, em 1941, as mulheres foram proibidas de jogar futebol ou qualquer outro esporte “incompatível com as condições da sua natureza”. O decreto-lei 3.199 de 14 de abril de 1941, foi criado na Era Vargas e vigente até 1983. Contudo, a proibição por lei não parou as jogadoras brasileiras, que continuaram jogando e resistindo ao Estado. Após mais de quarenta anos, em 1983, o decreto foi derrubado graças as muitas mulheres que defendiam que o esporte podia ser praticado por todos, sem exceção.

 

Equipe do Corinthians de Pelotas, na década de 1950. Foto: Divulgação via Futebol Feminino no Brasil.

Desde então, milhares de jovens mulheres buscam por seu espaço dentro do futebol tendo que enfrentar obstáculos que vão desde a dificuldade de inclusão no esporte até os vários tipos de assédio que enfrentam no dia a dia. Por ser praticado por mulheres, o futebol feminino no Brasil é categorizado por muitos como inferior, pois há muita comparação com o esporte praticado pelos homens. 

A Universa em Campo da Uol selecionou comentários de leitores postados em reportagens sobre o futebol feminino que mostram o machismo com relação às atletas, muitas vezes em questão da sexualização, e a qualidade do esporte praticado por elas. Abaixo, estão alguns dos comentários postados no site: 

“Acho o futebol feminino chato ao extremo. Não tem força física, habilidade e as goleiras aceitam tudo o que é chutado”

“Se tem uma coisa que é certa é que mulher não entende, não joga e não deve opinar em futebol. Não tem nada de machista. Certo é certo.”

“Ninguém gosta de futebol feminino. Mulher comentando futebol, então, é um desastre. Nesse caso sou machista: futebol é pra homem!”

Dificuldades no início de carreira

Após todas as contrariedades que impediam a realização do futebol entre mulheres e as dificuldades durante a busca por uma oportunidade, o esporte foi crescendo entre as jogadoras. Contudo, o cenário não é o ideal e as oportunidades são bem escassas, o que faz com que muitas meninas desistam de seu sonho. É o caso da ex-jogadora profissional Julia Pompeo, de 20 anos. Como a maioria das mulheres que iniciam sua carreira no futebol, Julia começou jogando somente com meninos em uma escolinha de futsal. Ela conta sobre as dificuldades de ser a única menina entre o time e os torneios que participava. “No início foi muito difícil, porque a gente jogava com outros times que também só tinham meninos e eles tinham aquele preconceito… Eu sentia muito isso, por exemplo, os meninos não iam até o final em uma disputa de bola, porque era menina”, relata.

Julia durante seu treino em 2018. Foto: Reprodução Instagram.

Com o passar do tempo, após conhecer outras meninas que também jogavam futebol, soube que poderia entrar em um time. Então, ingressou no time de futebol feminino do Sport Club Internacional, que era comandado por Duda Luizelli. Julia conta que essa oportunidade foi incrível para seu crescimento dentro do futebol, mas, após um ano dentro do time, rompeu o ligamento e teve que se afastar dos treinos. Após a sua recuperação, voltou a jogar mas desistiu do sonho, segundo ela, por falta de oportunidade. 

Em relação ao futebol masculino, as oportunidades de carreira dentro do esporte são bem diferentes, tendo em vista que a maioria dos clubes não investem em equipes femininas usando como justificativa o pouco retorno e visibilidade. 

Pensando em ajudar a mudar essa realidade, a Conmebol, em meio às mudanças que implementou em suas competições em meados de 2016, ordenou que os times que disputarem a Copa Libertadores e a Copa Sul-Americana terão de ter pelo menos uma equipe feminina. Sobre o requisito, o documento fala que “o solicitante (a disputar a competição) deverá ter uma equipe feminina ou associar-se a um clube que possua a mesma. Ademais, deverá ter ao menos uma categoria juvenil feminina, ou associar-se a um clube que possua a mesma”.

Além disso, os clubes deverão oferecer apoio técnico e toda a estrutura necessária para as equipes femininas, para que possam treinar e participar de torneios. Segundo Julia Pompeo, essa foi uma decisão muito importante pois mudou os rumos do futebol feminino no Brasil e em toda a América Latina, proporcionando uma maior visibilidade ao futebol feminino. 

Investimentos no futebol feminino nos últimos anos

Durante a Copa do Mundo de 2019, realizada na França, onde mobilizou milhares de brasileiros para assistir à seleção feminina, a Fifa revelou que irá realizar um investimento de US$ 1 bilhão na categoria e, mesmo com a pandemia do coronavírus, irá manter o mesmo valor. Segundo o site Rainhas do Drible, a ideia de Gianni Infantino, presidente da Fifa, não é somente realizar o investimento, mas também dobrar o valor da premiação e aumentar as equipes de 24 para 32, para o próximo Mundial em 2023. Contudo, segundo a Forbes, o investimento não é o suficiente para alavancar a categoria feminina de futebol: “Progresso e melhorias vão requerer mais do que só investimentos. A modalidade feminina precisa planejar o futuro em nível nacional e internacional ou correr o risco de virar uma modalidade olímpica”.

Além da falta de oportunidades, a questão dos investimentos também é um fardo que o futebol feminino carrega. Uma situação inusitada que aconteceu em outubro de 2020 chamou a atenção das mídias para esse problema. Pela segunda rodada do Campeonato Paulista de futebol, em 21 de outubro de 2020, na Arena Barueri, o time do São Paulo goleou o Taboão da Serra por 29 a 0.

São Paulo goleia Taboão da Serra por 29 a 0. Foto: Reprodução.

Apesar de o placar chamar muita atenção, um depoimento dado pela capitã do time do Taboão da Serra serviu para mostrar a dura realidade que os times femininos enfrentam no dia a dia quanto a estrutura dos clubes. Segundo Nini, o time do interior de SP possui pouco investimento e não possui nenhum apoio do clube. 

“Em pouca coisa o clube nos ajuda. É mais a vontade da comissão técnica mesmo. Ninguém tem salário, ninguém tem condução. A gente não tem roupa de treino, não tem apoio nenhum do clube. A gente simplesmente usa o nome do clube para participar do Campeonato Paulista porque acredita que é uma oportunidade para as meninas mais novas”, relatou a capitã à FPF TV. 

Com os olhares voltados para o futebol feminino durante a Copa do Mundo, muitos temas surgiram. Um levantamento realizado pelo EXTRA no ano de 2019, mostra que os 20 clubes participantes da série A (até então) investiam no máximo 1% de seus orçamentos no futebol feminino. O Santos liderava a tabela sendo o time que mais investiu. O Flamengo investe cerca de R$ 1 milhão, o que equivalia na época ao salário de um mês do Gabigol. Diante dessa situação, com o baixo incentivo e investimento a prática futebolística se torna quase impossível para as jogadoras. Levando assim, a esperança de o futebol se tornar um esporte igualitário em questão de investimentos e oportunidades. 

Questão salarial das jogadoras no Brasil

Além da falta de investimentos em equipamentos, lugares para treinos e preparação física, uniformes, entre outros, o futebol feminino também é financeiramente afetado na questão da disparidade salarial.  

Segundo o site de notícias da UOL, os contratos de jogadoras de futebol que atuam no Brasil possuem a duração de um ano. Isso quando existe realmente um contrato de trabalho, pois a grande maioria trabalha informalmente. Assim como é raro encontrar clubes que ofereçam carteira assinada às jogadoras. O Corinthians, por exemplo, começou a assinar os contratos de suas jogadoras a partir de 2019. 

A negociação, diferentemente dos times masculinos, não é feita a partir da compra de passes das jogadoras. Os contratos de trabalho são firmados entre clube e atleta de forma direta, sem necessidade de compra de transferência. Com a grande visibilidade proporcionada pela Copa do Mundo de 2019, os negócios mudaram consideravelmente, tanto em questão de contratos como de salário, mas a realidade ainda é difícil. 

Ainda segundo a UOL, as jogadoras que atuam na primeira divisão do Brasileiro, ganham em média até dois salários mínimos por mês. Ainda que muitos clubes tenham investido um pouco mais no futebol praticado por mulheres, o salário não passa dos R$3 mil. Valores insignificantes perto da folha salarial do futebol masculino. No São Paulo, por exemplo, o total de investimentos em 2019 chegou a menos de dois salários do jogador Daniel Alves, que equivale a R$1,5 milhão. 

Além disso, com a pandemia e o futebol paralisado em março, foi o suficiente para alastrar uma enorme crise financeira nos clubes, que afetou todas as categorias de jogadoras. Alguns clubes fizeram até redução dos salários dos jogadores profissionais para tentar amenizar a situação, assim como de jogadoras, mas muitas foram dispensadas durante esse período de crise mais acentuada. 

Em abril de 2020, a Confederação Nacional de Futebol (CBF) destinou cerca de R$150 mil para equipes da série A1 e R$50 mil para equipes da série A2, para tentar ajudar na folha salarial das jogadoras. Contudo, dos 52 clubes beneficiados, seis — Audax, Juventus, Autoesporte-PB, Santos Dumont-SE, Atlético-GO, Sport e Vitória — demoraram para repassar os valores para as jogadoras, que eram de R$ 500 a R$ 1000, o que resultou em piora do cenário para as jogadoras. Com a volta dos campeonatos na metade do ano, a situação foi sendo normalizada aos poucos. 

Em setembro de 2020, após anunciar as novas dirigentes para as coordenações de competições femininas, o presidente da CBF Rogério Caboclo, anunciou também que a entidade definiu a igualdade entre os valores das premiações entre as seleções masculinas e femininas. A equidade já havia sido adotada na convocação da equipe feminina para o Torneio Nacional da França. Em coletiva, o presidente afirmou que não há mais diferença de gênero em relação à remuneração na CBF. 

O assédio dentro dos campos 

Um dos problemas dentro do futebol feminino brasileiro é a questão do assédio. Além de sofrerem pelo assédio moral, ao serem questionadas sobre a sua qualidade dentro dos campos, as jogadoras também enfrentam o assédio sexual durante a prática futebolística. 

A ex-jogadora Julia Pompeo afirma que nunca sofreu assédio sexual físico, mas algumas situações já a incomodaram dentro de campo. “Sempre foi algo psicológico. Se eu colocava uma legging pra jogar bola, sempre tinha os olhares dos meninos. Algumas vezes já fomos treinar entre 11h e 12h da manhã, um horário com temperatura mais quente, e jogávamos sem a camiseta, somente de top. Os meninos que estavam esperando para usar a quadra no próximo horário ficavam debochando ou gritando palavras de assédio”, relata. 

Sobre os comentários pejorativos, a jogadora profissional Elena Mueller, afirma que as mulheres que jogam futebol inevitavelmente precisam ouvir falas machistas, desnecessárias, tentando minimizá-las e fazendo comparações, muitas vezes por falta de conhecimento da própria pessoa em relação ao futebol. 

Elena reitera que essas situações acontecem e cabe às próprias jogadoras enfrentarem de cabeça erguida. “Bater no peito, falar eu jogo futebol sim, eu sou mulher e jogo futebol. A mulher tem tanta capacidade como o homem para jogar futebol. O que eu sempre digo em relação a preconceito, é que a gente não se cale. Que se alguém fizer uma brincadeira que não for legal, que digamos que isso não deve existir. Na maioria das vezes os homens não sabem as dificuldades que a gente passa no futebol feminino, então o principal ponto é não se calar”, declara a jogadora. 

A inconveniência não vem somente dentro de campo. Podemos citar como exemplo, uma situação recente que aconteceu em dezembro de 2020. Durante o chamado programa “Dupla em debate” da Rádio Grenal, o comentarista Roberto Moure, sugeriu que as atletas do Internacional deveriam usar “fio dental” para jogarem. 

Durante o programa, o comentarista disse que as jogadoras que teriam as ‘pernas mais bonitas’ deveriam usar shorts mais curtos para jogar. “Uma sugestão para essas meninas, principalmente do Internacional, que querem usar o calçãozinho ali parecendo o Diego Barbosa. Peçam para confeccionar calções mais curtos, que fica horrível o que vocês estão fazendo. Ah! Mas as pernas são mais bonitas que as dos homens, não tenho dúvidas”.

Os comentários constrangem o apresentador, Flávio Dal Pizzol, que pede desculpas à sua companheira Heloíse Bordin, que era convidada do programa durante o ocorrido. Após o comentário sexista, Moure pediu retratação e disse não haver qualquer intenção de ferir ou ofender as jogadoras, pedindo desculpas pelo seu comentário. A Rádio Grenal também se manifestou, através de uma mensagem, sobre a situação:

“A rádio Grenal completará nove anos de existência em maio de 2021 e, desde a sua estreia, dirigida por uma mulher, que foi uma das primeiras comunicadoras a cobrir futebol no Brasil, a nossa diretora Marjana Vargas, a rádio Grenal foi a primeira emissora de rádio a contar com uma mulher atuando nas jornadas esportivas como repórter de campo. A rádio Grenal detém o título de primeira rádio FM a transmitir uma partida de futebol com equipe exclusivamente formada por mulheres, o que aconteceu na final do Gaúchão feminino do ano passado. A rádio Grenal é apaixonada pelo futebol e apaixonada pelo respeito e pela igualdade de direitos e oportunidades que devem unir a humanidade”, destacou a nota. 

Além das jogadoras e das jornalistas esportivas, as profissionais que atuam de outras maneiras dentro de campo também sofrem com as adversidades. A árbitra assistente Luiza Reis, conta que não sofreu com situações de assédio mas que foi muito ofendida em uma ocasião quando errou um lance em um jogo. “Eu comecei a ser muito criticada nas minhas redes sociais pessoais, não por ter errado o lance, mas por ser mulher e ter errado o lance. Então isso foi uma situação em que fiquei bem chateada. Hoje já faz um tempo, já consigo lidar melhor com isso”, relata Luiza. A árbitra ainda destaca que muitas pessoas que frequentam os estádios acabam insultando os árbitros, o que é uma atitude errada. 

Com essa e tantas outras situações de assédio que acontecem no dia a dia das mulheres que jogam futebol — que muitas vezes não são divulgadas pela mídia — muitas meninas publicaram manifestações na internet em apoio às vítimas. 

Do campo para as arquibancadas 

A batalha das mulheres pelo espaço no futebol não é vista somente no campo. Assim como em qualquer competição, a presença do torcedor serve como incentivo aos atletas, porém quando se trata da presença da mulher nas arquibancadas isso se torna mais uma  luta pelo seu direito de ocupar espaços considerados masculinos. 

Diante dessa movimentação na própria torcida do futebol feminino vem ganhando cada vez mais apoio de torcedoras que já trazem a tradição de acompanhar os times masculinos de seus clubes. Revelando que é o momento de acabar de vez com qualquer discriminação de gênero quando o assunto é futebol.

Um vídeo que chocou as redes sociais em 2018, foi considerado o primordial para a criação de novos movimentos e coletivos de torcedoras que exigiam respeito às mulheres no mundo do esporte. A gravação mostra uma torcedora com a camisa do Palmeiras sendo agredida e expulsa de um vagão no metrô por vários torcedores do Corinthians. 

Apesar de o placar chamar muita atenção, um depoimento dado pela capitã do time do Taboão da Serra, serviu para mostrar a dura realidade que os times femininos enfrentam no dia a dia quanto a estrutura dos clubes. Segundo Nini, o time do interior de SP possui pouco investimento e não possui nenhum apoio do clube. 

“Em pouca coisa o clube nos ajuda. É mais a vontade da comissão técnica mesmo. Ninguém tem salário, ninguém tem condução. A gente não tem roupa de treino, não tem apoio nenhum do clube. A gente simplesmente usa o nome do clube para participar do Campeonato Paulista porque acredita que é uma oportunidade para as meninas mais novas”, relatou a capitã à FPF TV. 

Com os olhares voltados para o futebol feminino durante a Copa do Mundo, muitos temas surgiram. Um levantamento realizado pelo EXTRA no ano de 2019, mostra que os 20 clubes participantes da série A (até então) investiam no máximo 1% de seus orçamentos no futebol feminino. O Santos liderava a tabela sendo o time que mais investiu. O Flamengo investe cerca de R$ 1 milhão, o que equivalia na época ao salário de um mês do Gabigol. Diante dessa situação, com o baixo incentivo e investimento a prática futebolística se torna quase impossível para as jogadoras. Levando assim, a esperança de o futebol se tornar um esporte igualitário em questão de investimentos e oportunidades. 

Questão salarial das jogadoras no Brasil

Além da falta de investimentos em equipamentos, lugares para treinos e preparação física, uniformes, entre outros, o futebol feminino também é financeiramente afetado na questão da disparidade salarial.  

Segundo o site de notícias da UOL, os contratos de jogadoras de futebol que atuam no Brasil possuem a duração de um ano. Isso quando existe realmente um contrato de trabalho, pois a grande maioria trabalha informalmente. Assim como é raro encontrar clubes que ofereçam carteira assinada às jogadoras. O Corinthians, por exemplo, começou a assinar os contratos de suas jogadoras a partir de 2019. 

A negociação, diferentemente dos times masculinos, não é através da compra de passes das jogadoras. Os contratos de trabalho são firmados entre clube e atleta de forma direta, sem necessidade de compra de transferência. Com a grande visibilidade proporcionada pela Copa do Mundo de 2019, os negócios mudaram consideravelmente, tanto em questão de contratos como de salário, mas a realidade ainda é difícil. 

Ainda segundo a UOL, as jogadoras que atuam na primeira divisão do Brasileiro, ganham em média até dois salários mínimos por mês. Ainda que muitos clubes tenham investido um pouco mais no futebol praticado por mulheres, o salário não passa dos R$3 mil. Valores insignificantes perto da folha salarial do futebol masculino. No São Paulo, por exemplo, o total de investimentos em 2019 chegou a menos de dois salários do jogador Daniel Alves, que equivale a R$1,5 milhão. 

Além disso, com a pandemia e o futebol paralisado em março, foi o suficiente para alastrar uma enorme crise financeira nos clubes, que afetou todas as categorias de jogadoras. Alguns clubes fizeram até redução dos salários dos jogadores profissionais para tentar amenizar a situação, assim como de jogadoras, mas muitas foram dispensadas durante esse período de crise mais acentuada. 

Em abril de 2020, a Confederação Nacional de Futebol (CBF) destinou cerca de R$150 mil para equipes da série A1 e R$50 mil para equipes da série A2, para tentar ajudar na folha salarial das jogadoras. Contudo, dos 52 clubes beneficiados, seis — Audax, Juventus, Autoesporte-PB, Santos Dumont-SE, Atlético-GO, Sport e Vitória — demoraram para repassar os valores para as jogadoras, que eram de R$500 à R$1000 reais, piorando ainda mais o cenário para as jogadoras. Com a volta dos campeonatos na metade do ano, a situação foi sendo normalizada aos poucos. 

Em setembro de 2020, após anunciar as novas dirigentes para as coordenações de competições femininas, o presidente da CBF Rogério Caboclo, anunciou também que a entidade definiu a igualdade entre os valores das premiações entre as seleções masculinas e femininas. A equidade já havia sido adotada na convocação da equipe feminina para o Torneio Nacional da França. Em coletiva, o presidente afirmou que não há mais diferença de gênero em relação à remuneração na CBF. 

O assédio dentro dos campos 

Um dos maiores problemas dentro do futebol feminino brasileiro é a questão do assédio. Além de sofrerem pelo assédio moral, ao serem questionadas sobre a sua qualidade dentro dos campos, as jogadoras também enfrentam o assédio sexual durante a prática futebolística. 

A ex-jogadora Julia Pompeo afirma que nunca sofreu assédio sexual físico, mas algumas situações já a incomodaram dentro de campo. “Sempre foi algo psicológico. Se eu colocava uma legging pra jogar bola, sempre tinha os olhares dos meninos. Algumas vezes já fomos treinar entre 11h e 12h da manhã, um horário com temperatura mais quente, e jogávamos sem a camiseta, somente de top. Os meninos que estavam esperando para usar a quadra no próximo horário ficavam debochando ou gritando palavras de assédio”, relata. 

Sobre os comentários pejorativos, a jogadora profissional Elena Mueller, afirma que as mulheres que jogam futebol inevitavelmente precisam ouvir falas machistas, desnecessárias, tentando minimizá-las e fazendo comparações, muitas vezes por falta de conhecimento da própria pessoa em relação ao futebol. 

Elena reitera que essas situações acontecem e cabe às próprias jogadoras enfrentarem de cabeça erguida. “Bater no peito, falar eu jogo futebol sim, eu sou mulher e jogo futebol. A mulher tem tanta capacidade como o homem para jogar futebol. O que eu sempre digo em relação a preconceito, é que a gente não se cale. Que se alguém fizer uma brincadeira que não for legal, que digamos que isso não deve existir. Na maioria das vezes os homens não sabem as dificuldades que a gente passa no futebol feminino, então o principal ponto é não se calar”, declara a jogadora. 

A inconveniência não vem somente dentro de campo. Podemos citar como exemplo, uma situação recente que aconteceu em dezembro de 2020. Durante o chamado programa “Dupla em debate” da Rádio Grenal, o comentarista Roberto Moure, sugeriu que as atletas do Internacional deveriam usar “fio dental” para jogarem. 

Durante o programa, o comentarista disse que as jogadoras que teriam as ‘pernas mais bonitas’ deveriam usar shorts mais curtos para jogar. “Uma sugestão para essas meninas, principalmente do Internacional, que querem usar o calçãozinho ali parecendo o Diego Barbosa. Peçam para confeccionar calções mais curtos, que fica horrível o que vocês estão fazendo. Ah! Mas as pernas são mais bonitas que as dos homens, não tenho dúvidas”.

Os comentários constrangem o apresentador, Flávio Dal Pizzol, que pede desculpas à sua companheira Heloíse Bordin, que era convidada do programa durante o ocorrido . Após o comentário sexista, Moure pediu retratação e disse não haver qualquer intenção de ferir ou ofender as jogadoras, pedindo desculpas pelo seu comentário. A Rádio Grenal também se manifestou, através de uma mensagem, sobre a situação:

“A rádio Grenal completará nove anos de existência em maio de 2021 e, desde a sua estreia, dirigida por uma mulher, que foi uma das primeiras comunicadoras a cobrir futebol no Brasil, a nossa diretora Marjana Vargas, a rádio Grenal foi a primeira emissora de rádio a contar com uma mulher atuando nas jornadas esportivas como repórter de campo. A rádio Grenal detém o título de primeira rádio FM a transmitir uma partida de futebol com equipe exclusivamente formada por mulheres, o que aconteceu na final do Gaúchão feminino do ano passado. A rádio Grenal é apaixonada pelo futebol e apaixonada pelo respeito e pela igualdade de direitos e oportunidades que devem unir a humanidade”, destacou a nota. 

Além das jogadoras e das jornalistas esportivas, as profissionais que atuam de outras maneiras dentro de campo também sofrem com as adversidades. A árbitra assistente Luiza Reis, conta que não sofreu com situações de assédio mas que foi muito ofendida em uma ocasião quando errou um lance em um jogo. “Eu comecei a ser muito criticada nas minhas redes sociais pessoais, não por ter errado o lance, mas por ser mulher e ter errado o lance. Então isso foi uma situação em que fiquei bem chateada. Hoje já faz um tempo, já consigo lidar melhor com isso”, relata Luiza. A árbitra ainda destaca que muitas pessoas que frequentam os estádios acabam insultando os árbitros, o que é uma atitude errada. 

Com essa e tantas outras situações de assédio que acontecem no dia a dia das mulheres que jogam futebol — que muitas vezes não são divulgadas pela mídia — muitas meninas publicaram manifestações na internet em apoio às vítimas. 

Do campo para as arquibancadas 

A batalha das mulheres pelo espaço no futebol não é vista somente no campo. Assim como em qualquer competição, a presença do torcedor serve como incentivo aos atletas, porém quando se trata da presença da mulher nas arquibancadas isso se torna mais uma  luta pelo seu direito de ocupar espaços considerados masculinos. 

Diante dessa movimentação na própria torcida do futebol feminino vem ganhando cada vez mais apoio de torcedoras que já trazem a tradição de acompanhar os times masculinos de seus clubes. Revelando que é o momento de acabar de vez com qualquer discriminação de gênero quando o assunto é futebol. 

Um vídeo que chocou as redes sociais em 2018, foi considerado o primordial para a criação de novos movimentos e coletivos de torcedoras que exigiam respeito às mulheres no mundo do esporte. A gravação mostra uma torcedora com a camisa do Palmeiras sendo agredida e expulsa de um vagão no metrô por vários torcedores do Corinthians. 

Torcedoras buscam apoio em coletivos para frequentar os estádios com tranquilidade. Fotomontagem: Lance!

Na época os clubes divulgaram uma nota condenando as agressões, mas para algumas torcedoras palmeirenses era necessário mais posicionamento. Foi assim, que uma das administradoras se reuniu com outras palmeirenses e criaram o movimento VerDonnas. Em 2019, esse movimento já era composto por nove administradoras e mais quatro grupos com uma média de 250 mulheres cada. 

Logo em seguida, o Movimento Alvinegras foi criado por corinthianas para apoiar e organizar mulheres que queiram acompanhar o seu time pelos estádios. E no mesmo embalo as santistas do Bancada das Sereias, também em busca de respeito, criaram o movimento após se questionarem sobre as dificuldades enfrentadas por elas mesmas no estádio.

De uma manifestação nas redes sociais, nasceu também o movimento São PraElas, das são-paulinas. As torcedoras desenvolveram a hashtag #saopaulinasuniformizadas no Twitter, com o intuito de protestar contra o fato da Underarmour, fornecedora dos uniformes de jogo do time que não fabricava nenhuma peça feminina. 

Embora a presença das mulheres nos estádios ainda seja vista como uma vivência passiva, de acompanhantes, este quadro vem mudando. As rivalidades ficam apenas em campo, a vontade de poder frequentar os jogos, gritar e torcer é maior entre elas. Toda a organização derivada das tradicionais torcidas do futebol masculino também refletem na torcida do futebol feminino.

Ativismo digital também realizado pelas jornalistas 

Jornalistas da Gaúcha ZH compartilhando a campanha #DeixaElaTrabalhar. Foto: Reprodução

A repórter Bruna Dealtry, durante uma cobertura ao vivo de uma partida de futebol em 2019, pelo canal Esporte Interativo, foi interrompida por um torcedor que a beijou à força, em frente a câmera. O caso ocorreu no Rio de Janeiro, na partida entre o Vasco e o Universidad do Chile, pela Libertadores da América. Em choque e constrangida, a jornalista apenas diz “não foi legal” e segue a transmissão.

Por coincidência, naquela mesma semana em Porto Alegre tinha também ocorrido um caso parecido. Um torcedor do Inter insultou e agrediu fisicamente a jornalista Renata Medeiros, da Rádio Gaúcha, durante a cobertura de Inter e Grêmio.  

Esses dois casos ilustram o que muitas mulheres, tanto da área do esporte ou de outros ambientes de trabalho, recebem pelo simples fato de serem mulheres. Foi diante disso, que criaram uma nova campanha com o objetivo de jogar luz sobre este problema e clamar pelo respeito às profissionais.

Foi o movimento #DeixaElaTrabalhar, com um grupo de 50 jornalistas mulheres de todo o país que desenvolveram um vídeo com relatos desses assédios sofridos. As jornalistas relataram comentários violentos e ameaças de estupro de torcedores no estádios e nas redes sociais. 

Confira o vídeo da campanha:

 

[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=omrrIFeCTLQ ” title=”https:%2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch?v%3DomrrIFeCTLQ%20″]

 

O principal intuito da campanha era chamar a atenção para as agressões que as profissionais sofrem não somente nos estádios, mas também nas redações, em suas redes pessoais, na rua ou em onde for. A campanha apesar de criada por jornalistas não se limitava somente a esta editoria, o movimento abraçava todas as esferas, sendo uma maneira de incentivar o relato sofrido e a busca pelos espaços.

Após a campanha, diversos clubes se posicionaram sobre o caso, o Atlético-MG entrou em campo para o clássico contra o Cruzeiro com faixas chamando a atenção para a violência contra a mulher. A responsável pela lei que criminaliza a violência doméstica e familiar, Maria da Pena M. Fernandes, esteve no gramado do Independência e foi homenageada pelo clube, além de torcedoras apresentarem variados cartazes com dizeres “Meu lugar é aqui”, nas arquibancadas. O Corinthians jogou contra o Mirassol com a marca #RespeitaAsMinas estampadas no uniforme e entrou junto ao campo com as atletas do time feminino. 

O assédio entre as jornalistas já acontecia antes mesmo da união entre elas para denunciar os abusos e assédios. Em 2016, depois que uma repórter do portal G1 ser assediada no meio de uma entrevista coletiva pelo cantor Biel, um grupo de jornalistas mulheres criaram a campanha #JornalistasContraOAssédio. Na época o cantor chamou a repórter de “gostosinha” e disse que “quebraria no meio” se eles tivessem relações sexuais. Hoje a campanha se transformou em um coletivo que denuncia as diversas formas de assédio. 

Casos deste teor acontecem nos grandes estádios e também nos pequenos. A jornalista esportiva do Diário de Santa Maria, Janaína Wille, integrou o Radar Esportivo da Rádio Universidade onde realizava programas de rádio sobre esporte e transmissões do futebol americano e da divisão de acesso. 

Janaína relata que trabalhar nessa área é comum ouvir comentários direcionados tanto as atletas quanto as profissionais. A jornalista diz nunca ter sofrido nenhum assédio, porém passou por casos desconfortáveis como quando por conta de sua simpatia ao entrevistar e conversar com a torcida, muitas vezes era mal interpretada, pelo simples fato de ser uma mulher. “Muitas vezes aconteceu de sair um gol e o torcedor querer me abraçar, me tocar, sem nenhuma permissão, até aquele “chega pra lá””, comenta a jornalista. 

Esse tipo de comportamento não ocorre somente pelos torcedores, a comunicadora conta ter passado uma experiência desconfortável com um determinado dirigente, onde em entrevista o homem foi extremamente grosseiro e assim que, entrevistado por outra jornalista, teve um comportamento diferente. Uma atitude completamente machista, deixando claro que a outra jornalista o agradava mais.

A jornalista enfatiza que se sente privilegiada em trabalhar com jovens de mente aberta e que possuem respeito pelas profissionais, que embora nunca tenha passado por casos graves enquanto trabalhava, acredita que o primeiro passo é dado pela mídia, reconhecendo esses casos de assédio, ofensa e abuso. “É importantíssimo escancarar esses casos para as pessoas verem que não pode ser impune esses tipos de agressões”, diz Janaina. 

Embora Santa Maria seja uma cidade do interior, onde o futebol não possui tanto engajamento como nas cidades capitais, assédios como esse não são impunes como parecem. Bem como relatou Janaina, o primeiro passo para combater é por nas redes, noticiar nos jornais, deixar a sociedade ciente. Nenhuma mulher mais irá deixar de ir aos jogos ou muito menos, uma jornalista deixará de cumprir sua profissão por conta de homem que não sabe se comportar.

Marta: o maior símbolo do futebol brasileiro feminino

Na imagem, Marta em um amistoso pela Seleção Brasileira Feminina. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

Tanto Marta como Pelé são jogadores de grande magnitude e possuem uma importância histórica muito grande para o futebol brasileiro. Contudo, Marta já ultrapassou Pelé em algumas categorias de premiações. 

Segundo a ESPN, enquanto Pelé ganhou três Copas do Mundo para o Brasil e foi eleito o maior da história, Marta, apesar de possuir títulos nacionais de menos peso, ainda sim supera o ‘Rei’ em prêmios individuais. Marta já ultrapassou Pelé como melhor artilheiro da história da seleção brasileira, chegando a 100 gols, enquanto Pelé tem 95. A jogadora também superou Pelé em número de gols em Copas. Ela com 15 gols e ele com 12.

Até então foram seis prêmios de melhor do mundo da Fifa, 17 gols em Copas do Mundo, sendo a maior artilheira da história dos Mundiais entre homens e mulheres. Foram 107 gols pela seleção brasileira, o que também faz dela a maior artilheira que já vestiu a camisa amarela. A então conhecida como “Rainha do Futebol”, ultrapassou barreiras para chegar até onde chegou e se tornar tão influente no futebol feminino. 

Em 2020, a camisa 10 da seleção, Marta, tentou sua quinta Olimpíada em busca do tão sonhado ouro inédito. A jogadora se aproximou do título em 2004 e 2008, quando o Brasil perdeu para os Estados Unidos na final. 

Durante as décadas de proibição e falta de investimentos, o futebol feminino sofreu muito para conquistar espaço, mas foi nos pés de Marta que as portas começaram a se abrir. O país não tinha sequer um Campeonato Brasileiro para as mulheres competirem, porém aquele que se tornaria no futuro um ícone dos gramados, encantava o mundo com seus dribles e gols em campo. Hoje, os maiores especialistas já afirmam que ela é a maior de todos os tempos. 

A visibilidade que não existia antes, fez com que Marta se tornasse uma grande referência para tantas outras mulheres que também sonham com um futuro promissor nos campos de futebol. Depois de ganhar o prêmio da Fifa pela sexta vez em 2019, Marta ganhou homenagem na sede da CBF e foi capa das principais publicações nacionais e internacionais. 

No país do futebol, também é o país do carnaval e em 2020 a atleta foi tema de uma escola de samba no Rio de Janeiro, a Inocentes de Belford Roxo, do grupo de acesso, levando a jogadora como tema do enredo na Sapucaí. 

Assim como muitas jovens espalhadas pelo Brasil inteiro, Marta também iniciou seus passos quando era uma simples criança e jogava futebol entre os meninos de Dois Riachos. Marta jogou em um time da cidade, até ser banida do campeonato por ser “boa demais”. A jogadora já relatou em diversas entrevistas ter ouvido o termo “aqui não é lugar para meninas”, vindas de um treinador que não quis a colocar o time no campeonato até ter certeza que Marta não jogaria na equipe. 

Com 14 anos, Marta realizou um teste no Vasco, jogou nas categorias de base e logo chegou à seleção, ainda na adolescência. A jovem enfrentou logo cedo as dificuldades do futebol feminino, quando o clube cruzmaltino encerrou as atividades do time feminino e ela por conta disso, se viu na necessidade de procurar outra equipe para seguir seu caminho. 

Marta foi para Minas Gerais, temporariamente, porém com o sucesso que fez na Copa do Mundo em 2013, a então jogadora recebeu a proposta de jogar em um time na Suécia. Diferente de Pelé, a jogadora não pode seguir os mesmos passos fazendo carreira e se tornando uma ídola absoluta de um único clube. A realidade do esporte feminino não permitiu isso na época e os clubes foram se formando e acabando, tudo por conta da falta de investimento. 

Foi assim que Marta fez parte de diversos clubes, jogando na Suécia, nos Estados Unidos, passou um tempo no Santos no “dream team” das Sereias da Vila, até retornar para a Suécia no Rosengard e depois voltar ao país do futebol feminino para no Orland Pride. Marta conquistou Champions League, Campeonato Sueco, Libertadores, Copa do Brasil, Liga America pelos clubes, além de dois ouros em Pan-Americanos, três em Copa América e duas medalhas de prata olímpicas.

A história da craque dos campos femininos é tão importante e notória para a cultura da sociedade brasileira, tendo em vista a existência de alguém tão gigantesca no esporte. Isso tudo gera ainda mais um apoio a todas aquelas meninas que sonham com uma carreira que ainda sofre tanto com o preconceito e com a desvalorização. 

Marta foi e ainda é um grande ícone a ser seguido, a jogadora mostrou que é possível de fato chegar tão longe em um esporte que ainda é visto pela maioria como apenas destinado aos homens. 

Novas perspectivas do futebol feminino no Brasil

O futebol feminino cresce a cada dia e busca pelo seu espaço. Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA.

Apesar dos salários discrepantes comparados aos homens, as condições precárias e a pouca valorização, foi em 2019 que o futebol feminino ficou marcado como um ano de mudanças significativas para a modalidade. 

Mulheres do mundo todo lutam por melhores condições de trabalho dentro do futebol. Essa luta finalmente parece estar atingindo os efeitos que elas sempre mereceram. A visibilidade da categoria, enfim, começa a existir. 

Em 2019, a sétima edição consecutiva do Campeonato Brasileiro recebeu transmissão gratuita pela internet. Foram 52 participantes na competição, muito por conta da exigência dos clubes aderirem ao Programa Governamental de Refinanciamento de Dívidas do Futebol Brasileiro – Profut.

O calendário rentável da modalidade no país foi uma exigência que garante a sobrevivência desses clubes ao longo da temporada e facilita também o processo de criação de um público fiel.

No mesmo ano, o futebol feminino ficou marcado graças ao grande evento da temporada, a Copa do Mundo. A competição contou com 24 países participantes e chegou a sua oitava edição, acontecendo em Junho, na França. No início do ano, em carta, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, afirmou que a competição mudaria a forma como o futebol feminino seria visto no planeta.

A primeira edição da competição, foi disputada em 1898 e desde então vem conseguindo superar as dificuldades que enfrenta, assim como os importantes progressos recentes na modalidade. A expectativa em 2019 é que a competição fosse um divisor de águas na modalidade, promovendo a igualdade das condições dos gramados.

O primeiro fator motivador na Copa do Mundo de 2019, foi a venda dos ingressos ser efetuada com sucesso, esgotando a abertura e as semifinais assim que abertas as vendas. A França adquiriu esse sucesso por conta dos preços, trabalhando valores atrativos com pacotes de três jogos a partir de 25 euros e partidas avulsas a partir de nove euros, além de usar o título da seleção masculina para atrair o público a reviver tal emoção.

No Brasil, a competição foi um marco histórico, tendo em vista a luta todos os anos pela seleção feminina em receber de fato a visibilidade que merecia. O evento recebeu, pela primeira vez, atenção da mídia nacional. Numa manobra inédita, a Rede Globo deu espaço na sua programação aberta para todos os jogos disputados pela Seleção Brasileira, enquanto o SporTV transmitiu o torneio na íntegra, em seus canais fechados.

Foi também o ano dos patrocinadores surgirem. A Nike, empresa de material esportivo, fechou contrato com 14 países participantes da Copa, incluindo a Seleção Brasileira, lançando pela primeira vez uniformes exclusivamente para as mulheres que disputaram o Mundial. Além disso, houve lançamentos em roupas da Adidas que publicou um manifesto a favor da equiparação de pagamentos entre homens e mulheres no esporte. 

A Copa do Mundo de 2019 e a atenção dada pela mídia nacional, foram fatores iniciantes para uma maior visibilidade no esporte. Visibilidade essa que gera apoio a novas jogadoras e mulheres que querem viver no meio desta modalidade, mostrando que sim elas podem e devem impor seu espaço. 

Como um exemplo disso, em 2020 foi possível presenciar no jogo entre Juventus e Dínamo de Kiev, a primeira partida da Champions League a ser controlada por uma árbitra mulher, a Stéphanie Frappart. 

No Brasil foi possível comemorar conquistas como essa, já em 2021 a FIFA anunciou um trio de arbitragem feminina para o Mundial de Clubes de 2020, que será realizado em fevereiro devido a pandemia do coronavírus. A árbitra Edina Alves é a única mulher entre outros seis homens compondo a lista de árbitros da competição. Com ela a brasileira, Neuza Back e a argentina, Mariana de Almeida vão ocupar o posto de bandeirinha no torneio ao lado de outros dez assistentes. 

Também honrando a camisa da seleção, só que no futsal – esporte próximo ao futebol só que realizado em uma quadra fechada, a atleta Amandinha, é indicada ao prêmio de melhor jogadora do mundo pelo “Futsal Planet” e pode ganhar o título pela sétima vez.

Embora sejam poucas vitórias comparadas a tudo que o futebol masculino possui atualmente, sem ter feito tanto esforço quanto o feminino, é importante ressaltar que tudo que vem sendo realizado para esse crescimento está tendo resultados. 

A visibilidade gera conhecimento, coloca a vista o rosto de cada jogadora e seu potencial, dando a ela oportunidades de crescer com apoio e assim ter uma maior estrutura em seu trabalho. É como se um fator fosse movido pelo outro e somente assim esse ramo funcionasse. 

Para as jovens que estão recém iniciando sua carreira como a atleta Cauane, almejam a melhor perspectiva possível, acreditando no crescimento e desenvolvimento do futebol feminino. Para ela, a transmissão em rede nacional da Copa do Mundo Feminina em 2019 foi um marco fundamental para esse objetivo, mostrando o quanto o esporte é importante para a sociedade. “ As atletas merecem reconhecimento, após tantos anos de luta e dedicação, onde precisaram enfrentar e vencer tantos tipos de preconceito”.

O país do futebol deveria focar seu olhar mais naqueles que fazem pela bandeira, pela nacionalidade e pela paixão, dando assim o mesmo valor independente de gênero, raça, etnia ou qualquer outro aspecto que possa ser usado para justificar um esporte que pode e é praticado por todos.

Foi por conta do cenário convicto, que mulheres como a jogadora, Elena Mueller, que decidiu voltar a jogar em 2017 e 2018. De maneira positiva e colocando fé nos seus sonhos que hoje a atleta trabalha esse sentimento de apoio e orientação em uma mentoria. Ela orienta várias meninas que querem se tornar profissionais na gestão de carreira, gestão de imagem e gestão de relacionamento. 

“Hoje em dia, por exemplo, a internet está aí, ao acesso de todo mundo, então tende a crescer muito mais a partir do momento que as gurias tiverem essa noção de usar as ferramentas. …, aproveitar as oportunidades que estão acontecendo e surgindo cada vez mais, desde competições, visibilidade, porque tudo isso vem com o tempo”, relata Elena.   

O que se espera pelas atletas, pelas torcedoras, pelas comunicadoras e por todos aqueles que admiram o trabalho realizado em campo pelas mulheres, um futuro mais igualitário, valorizando o seu potencial e promovendo as mesmas oportunidades entre todos em um esporte que é tão fascinante e une o mundo inteiro.

 *Reportagem produzida para a disciplina de Jornalismo Investigativo sob a orientação do professor Maurício Dias

Morte de homem negro em supermercado de Porto Alegre antes do Dia da Consciência Negra alerta que a sociedade precisa de mudança. Confira a repercussão, os desdobramentos e as perspectivas para acabar com a discriminação e a violência

Gianmarco de Vargas e Pablo Milani*

Desde a antiguidade, diversos problemas se alastraram em meio às camadas sociais brasileiras. Responsável por inúmeros atos de discriminação e por grande percentual de assassinatos no país, o racismo estrutural repete-se ano após ano, o qual mantém nítido um problema enraizado desde o período colonial.

Segundo estudo divulgado pelo portal Brasil de Fato, a taxa de homicídios contra pessoas negras cresceu 11,5%, entre os anos de 2008 e 2018. Por outro lado, a mesma situação reduz em 12%, quando se trata de pessoas brancas. O acréscimo no percentual retrata a soberania do racismo na atualidade, que desde o fim do período ditatorial em 1985, deixou registros históricos. 

Ademais, outras fontes, igualmente, operaram na coleta de dados sobre o mesmo levantamento. O Atlas da Violência, da Agência Brasil, utilizou as diretrizes do Sistema de Informação Sobre Mortalidade, para apurar um crescimento de 11,5% no número de mortes de pessoas negras nos últimos 10 anos. A pesquisa foi divulgada no dia 17 de agosto de 2020, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Por fim, as estatísticas apontam que, para cada pessoa branca morta, em 2018, 2,7 negros foram assassinados, o que representa cerca de 75,7% das vítimas.

Os casos noticiados pela mídia geram impacto num todo, porém, estão longe de serem únicos em suas peculiaridades. Para cada descrição em diferentes abordagens de violência ou modos de assassinato divulgados, centenas repetem-se simultaneamente e não chegam aos olhos do público. Além desta, centenas de outras ocasiões abalam as raízes étnico-sociais brasileiras, mas a partir de uma análise, pode-se perceber o quão a fundo o racismo estrutural vai, e como é compreendido na atualidade.

O Caso

João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, estava no Supermercado Carrefour, no Bairro Passo D’Areia, em Porto Alegre, no dia 19 de novembro de 2020. Depois de algum tempo, o mesmo foi retirado violentamente do setor interno da loja, até o estacionamento, por dois seguranças locais. João Alberto foi vítima de espancamento e asfixia pelos mesmos, em frente a sua esposa.

João Alberto (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

O caso aconteceu na noite da quinta-feira, por sinal, véspera do feriado da Consciência Negra, em várias cidades do país. Até algumas horas após o ocorrido, os funcionários teriam justificado que João supostamente discutiu e ameaçou fisicamente a caixa do estabelecimento. Durante a sua retirada do supermercado, pelos seguranças, ele foi acompanhado pela funcionária do Carrefour, Adriana Alves Dutra, a qual afirmou que o homem teria desferido um soco contra o policial militar que faz parte do caso.

A justificativa foi direcionada à polícia local, após identificação da funcionária, na gravação do assassinato. O vídeo mostrou o momento em que João foi agredido pelos dois homens, identificados como Magno Braz Borges (segurança do Carrefour) e Giovani Gaspar da Silva (policial militar temporário), que, de acordo com testemunhas, fazia compras quando participou do espancamento.

Na mesma gravação, realizada pela funcionária, João Alberto aparece sendo agarrado por um dos homens, enquanto o outro dá uma sequência de socos em sua cabeça. Durante a agressão, também é registrado o momento em que um dos homens coloca o joelho nas costas de Freitas, já rendido no chão, enquanto o outro continua batendo. 

O ato chocou o país e gerou dezenas de protestos e movimentos de resistência contra o racismo, em frente aos Supermercados Carrefour em todo Brasil. Em nota, a empresa afirmou que “se sensibilizou com os familiares da vítima e não toleraria nenhum tipo de violência” e que teria “iniciado os procedimentos para apuração interna”, ainda no mesmo dia.

A notícia quebrou barreiras no que diz respeito ao seu alastramento. Veículos de comunicação nacionais e internacionais abordaram o ocorrido com exclusividade, a ponto de divergir em detalhes acerca das informações apresentadas. Foi constatado pelo portal UOL, que João teria chegado a pedir ajuda enquanto era agredido. Sua esposa, Milena Borges Alves, diz ter ouvido o marido gritar: “Me ajuda”. Ela relatou à polícia que estava longe dele, no momento em que houve o desentendimento no caixa.

O delegado Leandro Bodaia relatou que Freitas teria feito um sinal com a mão para a funcionária do caixa. Ato este que segundo o mesmo, teria acarretado no começo do conflito. Ele também afirmou que a vítima teria sido golpeada, mesmo após estar no chão: “A partir disso começou o tumulto, e os dois agrediram ele na tentativa de contê-lo. Eles (o PM e o segurança) chegaram a subir em cima do corpo dele, colocaram a perna no pescoço ou no tórax”. O Jornal Nacional afirmou que, segundo a polícia, foram cinco minutos e 20 segundos entre o início da agressão e o momento em que os seguranças soltaram João Alberto. A informação apontou também que os socorristas do Samu não conseguiram reanimar a vítima, que veio a falecer no local.

O portal Terra informou que a polícia tinha sido chamada após Freitas estar imóvel. Uma ambulância também foi acionada, mas a vítima já estava morta. Em um vídeo publicado nas redes sociais, o governador do estado do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), ao lado da chefe da Polícia Civil, delegada Nadine Anflor, e do comandante-geral da Brigada Militar, coronel Rodrigo Mohr, destacou que as imagens causam indignação e que “todas as circunstâncias estariam sendo apuradas para que os responsáveis fossem punidos”: “Todo o esforço do Estado estará na apuração para que os responsáveis por esse crime enfrentem a justiça, tendo a sua oportunidade de defesa. Mas as cenas são incontestes de que houve excessos que deverão ser apurados”.

Por fim, na ocasião, o Carrefour local afirmou logo após o assassinato, que iria fechar a unidade (temporariamente) em respeito ao ocorrido e entrar em contato com a família. A companhia também informou que iria cancelar o contrato com a empresa responsável pela segurança e que o funcionário responsável pela loja no momento do espancamento seria demitido.

Freitas era membro da torcida organizada de futebol do Clube São José, de Porto Alegre. Ele foi homenageado com posts com mensagens ligadas ao movimento “vidas negras importam” e a convocação de um protesto: “Amanhã estaremos no Carrefour Passo D’areia o dia todo, não vai ficar assim, queremos justiça, fizeram covardia com 1 irmão, agora segurem o Bonde Da Zona Norte!”.

Apurações acerca do nome da vítima constataram que João Alberto tinha antecedentes criminais. Uma condenação a um ano e 20 dias de detenção por ameaça relacionada à violência doméstica, uma execução de pena de três anos e um acórdão que o absolve de porte de arma. Dados estes que não justificam o assassinato, mas que ajudam a apurar informações sobre a vítima. O portal do Conjur esclarece que o juiz de Direito de plantão teria ressaltado que a ação dos seguranças não se justificava pela agressão anterior, o que veio a decretar a prisão de ambos responsáveis.

O site averigua os atos de violência por parte dos funcionários locais. A denúncia atribuiu o crime de homicídio qualificado, argumentado com dolo eventual (art. 121, § 2º, inciso III do Cód. Penal), com pena de 12 a 30 anos de reclusão. “A defesa sustentou a inexistência de dolo e, supletivamente, a possível existência do crime de lesão corporal seguida de morte, cuja pena é de 4 a 12 anos (artigo 129, § 3º, do Código Penal)”, segundo a fonte.

Já no Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, o grupo Carrefour comunicou que iria reverter o resultado das vendas daquele dia para organizações ligadas à luta pela consciência negra. Logo, um fundo de R$ 25 milhões foi gerado a fim de promover a inclusão social e combater o racismo no país. A informação foi apurada pelo Poder360 e G1 Economia. As fontes divulgaram, igualmente, que no dia 4 de dezembro, o Grupo Carrefour anunciou que iria substituir, nos próximos dias, por uma equipe própria os serviços de segurança, até então, terceirizados. O processo tinha como objetivo começar por quatro hipermercados no Rio Grande do Sul, com foco nas unidades do Carrefour do bairro Passo d’Areia. Diante de todo ocorrido, o supermercado pronunciou-se em nota oficial (Instagram), ao repudiar o incidente.

Sobre os agressores

O portal UOL, bem como outros veículos de comunicação, confirmou que o PM temporário e o segurança haviam sido levados à delegacia. Ambos mantiveram-se em silêncio durante os depoimentos, acompanhados de uma advogada. A responsável pela condução do caso, delegada Roberta Bertoldo, teria comentado que o laudo não havia sido concluído, pois haveria dúvidas sobre a causa da morte. “Informações que foram colhidas com a equipe de peritos desse caso e que não tem ainda o laudo concluído, apontam suposições sobre a causa da morte de que ele possa ter tido um ataque do coração em função das agressões, e porque ele ficou custodiado com duas pessoas em cima. Talvez tenha sido essa a causa da morte”, disse a delegada. O laudo só foi concluído após a obtenção das imagens de câmera para esclarecimento do caso, por meio de uma busca com a 2ª DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa).

A RBS TV comunicou, no dia 20 de novembro, um esclarecimento por parte da chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Nadine Anflor, frente à investigação da conduta dos agressores. Segundo a policial, não se tinha conhecimento do que de fato teria dado início a briga, embora a esposa da vítima tivesse relatado que o marido teria proferido um gesto para uma fiscal. “Todas as pessoas que estão ali, se há responsabilização da empresa, se capacitou [os funcionários] ou não, vamos investigar”, salientou Nadine. A delegada frisou que a punição mantivesse uma transparência, que desse resposta à sociedade, por se tratar de um caso “extremamente emblemático”.

Até o dia 20, a previsão era de que o inquérito fosse encerrado em 10 dias. O grupo RBS divulgou que ambos suspeitos, um de 24 anos e outro de 30 anos, foram presos em flagrante. O que era PM acabou sendo levado para um presídio militar, enquanto o segurança da loja foi mantido temporariamente em um prédio da Polícia Civil. A investigação tratou o crime como homicídio qualificado, também equiparado com o atentado que aconteceu com George Floyd, que morreu sufocado por policiais em Mineápolis, Estados Unidos.

O advogado de Magno Braz, William Vacari Freitas, optou por não se posicionar sobre o caso, em primeira mão. Por outro lado, o de Giovane da Silva, David Leal, afirmou que o cliente teria justificado ter levado um soco da vítima, e admitiu ter “se excedido”. Ambos eram contratados pela Vector Segurança. Segundo o portal IG, a empresa terceirizada lamentou o ocorrido e se sensibilizou com os familiares da vítima. O Grupo Vector reiterou que não seria responsável pela vigilância do Carrefour do bairro Passo D’Areia, mas sim do setor de prevenção e perdas. A companhia ofereceu auxílio à Polícia Civil, de modo a ajudar na apuração dos fatos, e comentou que “submeteu seus colaboradores a treinamento adequado inerente às suas atividades, especialmente quanto à prática do respeito às diversidades, dignidade humana, garantias legais, liberdade de pensamento, bem como à diversidade racial e étnica”. Consequentemente, os vigias Magno Braz Borges e Giovane da Silva foram demitidos por justa causa. O fato de o autor do ato ilícito ter sido um funcionário terceirizado não veio a eximir a rede de supermercados de culpa.

A Polícia Federal afirmou que a empresa de segurança responsável pelo supermercado teria cadastro regular, abaixo de fiscalizações em agosto de 2020. Em nota, a Brigada Militar (BM) certificou que o PM envolvido na agressão era “temporário” e estava fora do horário de trabalho. A BM também concluiu que a mulher que aparecia nas imagens filmando a agressão foi ouvida pela polícia durante a manhã do dia 20. A delegada comentou, até aquele momento, que não havia provas de que ela coordenava os seguranças ou funcionários do supermercado, ou tinha condições de impedir a agressão. “A polícia vai investigar se houve outros crimes, além do homicídio. O laudo, que confirmará a causa da morte de João, deve sair ainda nesta semana”, reforçou Nadine, após manter a previsão de evidências de laudo para a sexta-feira, dia 27 de novembro.

Em outra mão, a GazetaWeb reportou que um dos dois homens presos não tinha o registro para atuar como segurança. Segundo a PF, que emite o documento, é necessário ter a carteira nacional do vigilante para fazer “a abordagem ativa de contenção”. De acordo com o coronel Rodrigo Mohr Picon, comandante-geral da Brigada Militar, Giovane “não poderia tirar registro de segurança”. “Por lei, é vedado o exercício de qualquer outra atividade remunerada”, frisou Mohr.

Outras opiniões

O momento foi destacado, pela construção de uma opinião pública. Segundo apuração do El País, cerca de 52,7% dos brasileiros consideram que o assassinato de João Alberto foi motivado pelo racismo. Resultado este que é exibido em pesquisas elaboradas pelo Atlas Político, que ouviu 1.764 pessoas. O homicídio ocorreu em frente de ao menos 15 testemunhas. A mesma pesquisa alavanca 90% dos brasileiros (as), como cientes da existência do racismo no país.

 

A subjetividade na fala de diversas pessoas gerou bastante polêmica. Certas declarações apontaram tanto a despreocupação com o ocorrido, assim como a ‘descompreensão’ de atos racistas, não necessariamente ligados ao Caso Carrefour, mas em um modo geral. Exemplo disto, foi o vice-presidente, Hamilton Mourão, que declarou a inexistência do racismo no Brasil. Entrevista que está disponível no canal do SBT no Youtube. Por outro lado, o presidente Jair Bolsonaro, em sua conta oficial no Twitter, pronunciou-se sobre o fato e destacou o fato de o país ser miscigenado. 

Por fim, a Coalizão Negra por Direitos publicou uma nota oficial com repúdio às ações realizadas pelo Carrefour. Nela, foram constatadas em um histórico, outras recorrências polêmicas e desrespeitosas ligadas à rede. O portal Hypeness apresentou o material em primeira mão:

“A referida rede tem reiteradas denúncias de crime de racismo e discriminação racial em suas lojas, através de seu corpo de funcionários e do seu aparato de segurança privada. São diversos casos que não deixam dúvidas quanto ao conhecimento da direção da rede no Brasil sobre o papel ativo do Carrefour em práticas violentas fundadas no racismo. Ao longo do tempo, esses crimes têm sido denunciados, seja através da mídia, ou seja, através das organizações sociais negras, culminando agora neste bárbaro assassinato”. 

O documento enfatizou que o supermercado estaria apto a “escamotear sua responsabilidade” ante ao ocorrido. Frente ao conceito, foi realizada o seguinte pronunciamento: 

Nesse sentido, nos cabe reafirmar que não há saídas que não sejam construídas juntos com as organizações do movimento social negro e o irrestrito respeito à família da vítima e sua comunidade, bem como de outras famílias atingidas pelas práticas reiteradas de racismo na empresa. O enfrentamento ao racismo estrutural e as medidas de reparação cabíveis precisam ser feitos na arena pública com amplo debate social.

Com objetivo de combater o ódio racial, a articulação do Movimento Negro Brasileiro, que atua em Porto Alegre, assegurou que seria organizada uma discussão nacional e internacional sobre o episódio, a fim de abordar o boicote à rede de supermercados. A rede social transformou-se no principal esquematizador de combate por direitos. Parte dos trabalhos podem ser encontrados no Twitter do CoalizaoNegra e do Os Farrapos São José, considerados grandes feitores na luta por igualdade.

Protestos contra o racismo

Diante de toda mobilização de grupos protestantes e de resistência contra o racismo, o Movimento Negro Unificado e outras 33 entidades fizeram atos em frente à unidade. A informação foi estudada pela CNN, que notabilizou que a Coalizão Negra por Direitos, reuniu 150 organizações e entidades do movimento antirracista em todo país. Grupos estes que apresentaram ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público do Rio Grande do Sul, um pedido para que uma investigação por racismo fosse aberta contra o supermercado Carrefour.

Os movimentos unificaram-se de forma presencial, mas também cresceram no ambiente digital, com o objetivo de gerar força a favor de um pedido de boicote à empresa. “O vídeo que circula nas redes sociais não deixa dúvidas sobre a covardia do ocorrido”, comentaram as organizações em nota. Protestos foram convocados em grandes unidades da rede, localizadas em São Paulo, Osasco, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. 

No Rio Grande do Sul, os movimentos expuseram junto da indignação coletiva, a força do povo que luta pelos direitos iguais, principalmente na capital e em Santa Maria. O Ministério Público do estado afirmou que iria dar seguimento nas apuração de fatores relacionados à morte de Freitas, acrescentando, em nota, que “todas as medidas necessárias para o esclarecimento das circunstâncias serão tomadas na tarefa de prontamente levar o caso à Justiça para a responsabilização dos agressores”. No mesmo dia 20, o Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) de Porto Alegre, reiterou que ambos seguranças do mercado já estariam presos e seriam indiciados por homicídio triplamente qualificado, por razões fúteis e por não terem dado chances de defesa à vítima.

O atentado repercutiu internacionalmente, e chegou a ser associado com inúmeros outros casos repetentes no mundo inteiro. O Black Lives Matter, dos Estados Unidos, prestou forças contra o ocorrido, bem como o movimento Vidas Negras Importam, no Brasil. Pelas redes sociais, o representante da Coalizão Negra por Direitos, Douglas Belchior, correlacionou o caso de “crime bárbaro”, após exprimir que o Carrefour precisaria ser responsabilizado pela morte.

A finalidade dos movimentos foi mostrar a indignação pública, bem como exigir respeito e lutar contra o racismo injetado socialmente, porém, em algumas ocasiões, os movimentos de protesto colocaram em risco a vida de funcionários que, relativamente, não estavam ligados ao ocorrido. Um dos pontos vandalizados, foi o Supermercados Carrefour, localizado na Rua Pamplona, no bairro Jardins, em São Paulo.

Segundo o jornal Metrópoles, o protesto começou por volta das 16h no vão do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Paulista, e seguiu até o supermercado. Pedras e pedaços de pau foram arremessados na fachada do prédio de vidro do shopping, onde fica o estabelecimento. A parte interna da loja foi danificada, com vidros quebrados e derrubados. Os vídeos gravados mostram os manifestantes danificando o local, bem como furtando mercadorias, algo que não era o objetivo, segundo os líderes do movimento. Os mesmos foram divulgados no Youtube, pelo canal do Jornal Metrópoles.

As imagens foram disseminadas entre as mídias sociais, repercutindo em centenas de canais online. A destruição do Carrefour, em São Paulo, foi pauta no Twitter do Democratize e no Jornalistas Livres. Atos pacíficos foram presenciados em cidades como Brasília, Rio de Janeiro e Salvador. Nos perfis da rede social da Deputada Federal Erika Kokay (PT/DF) e de Rene Silva, integrante do movimento Voz das Comunidades, pode-se acompanhar vídeos dos atos na capital fluminense.

Em Porto Alegre, protestos foram organizados durante toda a semana em frente ao Carrefour, do Passo D’Areia. A cobertura foi realizada pelos Jornais Correio do Povo e GaúchaZH, os quais destacaram as ações de resistência do Movimento Negro. “Nossa luta é contra o racismo cuja estrutura tem dizimado a população negra”, declarou a professora de ensino Infantil, Vanessa Flores, ao Correio do Povo. Ativistas posicionaram faixas no prédio do mercado com dizeres “parem de nos matar” e “A carne barata do mercado é preta”.

Na quinta-feira, dia 19 de dezembro, um novo ato foi realizado para homenagear João Alberto, no Carrefour da Avenida Bento Gonçalves, no bairro Partenon. A manifestação seguiu pacífica até o pôr do sol, quando um grupo começou a arremessar rojões contra o estacionamento da loja, derrubando parte do gradil do supermercado. O Batalhão de Choque da polícia local agiu contra os manifestantes com uso de bombas de efeito moral. Outros grupos presentes queimaram pneus e fizeram uma fogueira no leito da Avenida Bento Gonçalves. Duas pessoas saíram do local com ferimentos leves. A Bento Gonçalves foi liberada às 21h30min do mesmo dia.

Nos dias subsequentes, uma série de cartazes e faixas escritas “o Carrefour é assassino” e “queremos Justiça para Beto” foram erguidas. Manifestantes partiram da rua Albion, ao lado do estabelecimento,  até a avenida Bento Gonçalves, para pedir igualdade racial, o fim do racismo e justiça.

 

Dia da Consciência Negra em Santa Maria

No Dia da Consciência Negra, em Santa Maria, a frase “vidas negras importam” ganhou destaque pela manifestação de cerca de uma hora realizada em frente ao Carrefour, na Avenida Rio Branco, no Centro da cidade. Os manifestantes também lembraram outras mortes relacionadas ao racismo, como a do engenheiro santa-mariense Gustavo dos Santos Amaral, durante uma barreira policial em Marau. Logo após o início do ato, o mercado fechou as portas. No final da manifestação, mãos com tinta vermelha foram pintadas na fachada do local e cartazes com pedidos de justiça foram fixados.

Questionado pela reportagem sobre o caso do assassinato, o Carrefour de Santa Maria, por meio do setor de comunicação, disse entender “que as manifestações que ocorreram por conta do caso João Alberto foram legítimas[…]”.

“[…] Além disso, criamos um comitê externo e independente de diversidade e inclusão, composto por especialistas, jornalistas, advogados, empreendedores sociais e líderes de movimentos sociais com reconhecida atuação nos temas, com o compromisso de orientar, e acompanhar ações de valorização da diversidade, inclusão e no combate à discriminação e ao racismo. Acreditamos que, com isso, poderemos evoluir e contribuir para a construção de uma sociedade mais inclusiva e tolerante. Nós compartilhamos do mesmo sentimento e estamos à disposição para criar um debate com a sociedade, buscando soluções para que casos como este não voltem a acontecer.”

O supermercado não respondeu a todos os questionamentos da reportagem e deixou lacunas em certas explicações frente à hierarquia entre funcionários e tratamento interno. 

Foto: Arquivo Pessoal (Gustavo Rocha)

Um dos representantes do movimento negro em Santa Maria, Gustavo Rocha comentou à reportagems sobre a importância do protesto. Segundo ele, o ato de protesto foi organizado rapidamente, por se tratar de um mês simbólico. Fator este que potencializou o movimento negro e as pessoas que apoiam a luta anti racista, para se engajarem na manifestação. “Nos últimos anos, tenho me posicionado bastante ao público, para tratar sobre estes assuntos. Consequentemente, isto trouxe à tona diversas pautas nacionais e internacionais com pedidos de respeito e luta pela resistência, o que nos marcou muito como referências neste âmbito”, retratou.

Rocha é acadêmico de Ciências Sociais na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e integrante da Associação sobre Cultura Negra. “Muitos dos eventos promovidos por estes grupos foram cancelados devido à desestabilização emocional das pessoas, pois era véspera da consciência negra. O genocídio negro é algo que choca e abala profundamente. É triste ver que isto existe nos dias de hoje”, comentou. Segundo a fonte, os representantes do grupo receberam diversas mensagens com informações e incentivo para o protesto, que teve início por volta das 16h30, em frente ao mercado. “Tomamos a frente e coordenamos o pessoal com cartazes e gritos de ordem, e sempre alertando que era um ato pacífico. Por fim, a visibilidade da luta foi vista e respeitada, isso foi importante!”, ressaltou.

O ato reuniu várias pessoas no local, com máscaras e cuidados perante a aglomeração. As redes sociais se tornaram pilares na mobilização coletiva. “A morte dele revelou a desumanização em relação aos corpos negros, a falta de preparo dos seguranças e mais uma face do racismo estrutural no Brasil. As reações de revolta com a forma que o João Alberto foi tratado, foram imediatas, principalmente dos movimentos sociais, fazendo vídeos para as redes”, explicou Rocha.

O estudante também revelou que amigos dele pediam a manifestação de sua parte, já que, de acordo com o mesmo, “se deve colocar a cara a tapa para falar”, o que estreita um laço de conexão com o público: “Isso é importante, mas sempre alerto que todos devem combater e repudiar o racismo”. Diante de todo ocorrido, a Prefeitura de Santa Maria acabou por não se pronunciar. Para alguns manifestantes, é algo que acaba por ser negativo, deixando de prestar apoio à causa. “Já foi assim no assassinato do Gustavo Amaral, Santa Maria está deixando a desejar neste sentido. A Prefeitura não se manifestou. Gestores e representantes costumam não falar a respeito destas questões”, desabafou.

A gerente de mercearia do Carrefour Santa Maria, Natielen Souza, descreveu situações de racismo que sofreu no trabalho. A jovem revelou ter passado por situações constrangedoras e de desrespeito na empresa. Ela conta que a resistência de alguns clientes em contatar ela é aparente: “Um dia uma cliente foi entregar o currículo do filho para contratação de jovem aprendiz. Após minha colega atendê-la, a moça disse que queria falar com a responsável do setor. Ela perguntou se era eu, e eu disse que sim. Ela comentou que retornaria em outro momento. Passou uns dias e ela me questionava se realmente eu era a responsável. Eu disse que sim, e ela que não acreditava”. A jovem comentou que após a cliente se obrigar a entregar com uma expressão apavorada, tornou-se perceptível a não aceitação por parte da cliente, ao ver uma funcionária negra de alto cargo. 

A reportagem também questionou Natielen sobre o tratamento interno da empresa, bem como a hierarquia entre funcionários, porém, por meio de uma consulta com o setor de Recursos Humanos local, ela não foi autorizada a responder quaisquer informações ligadas ao Carrefour.

Relações e desdobramentos do caso

Segundo a Valor Investe, a provedora de índices de mercado S&P Dow Jones, optou por retirar o Carrefour Brasil de sua carteira do índice S&P/B3 Brazil ESG (“índice amplo que procura medir a performance de títulos que cumprem critérios de sustentabilidade e é ponderado pelas pontuações ESG da S&P DJI. O índice exclui ações com base na sua participação em certas atividades comerciais, no seu desempenho em comparação com o Pacto Global da ONU (UNGC em inglês) e também em empresas sem pontuação ESG da S&P DJI” fonte: Índice Brasil ESG). O referencial tende a alastrar o desempenho de empresas nacionais com foco particular nos critérios ambientais, sociais e de governança. 

O caso teve repercussão internacional, a ponto de chamar a atenção para o racismo no mundo. Fator que colocou em xeque a eficácia da adoção de práticas de ESG por grandes corporações. Reportagens circularam o mundo a fim de abordar o assassinato, entre elas, destacaram-se a CBC Canadá, BBC News e a BloomBerg, na América do Norte, enquanto a Reuters e a France24h tomaram as atenções na Europa. Ambos jornais interpelaram o caso de maneira respeitosa, mas não deixaram escapar o tom de desprezo pelo ocorrido. A BloomBerg foi um dos veículos norte-americanos que veio a comparar o caso com o assassinato de George Floyd.

De volta ao Brasil, especialistas da Exame certificam que o assassinato de João Alberto não foi uma tragédia pontual, já que “mostrou a falta de políticas adequadas para reprimir casos de violência e de discriminação racial”. Segundo os mesmos, palestras e workshops com normas de atuação deveriam ser obrigatoriamente fornecidos a todos os envolvidos com a empresa. “Terceirizado não é um mundo à parte. Em acontecimentos assim, vemos o nome da grande empresa, que é a marca que a gente deposita o dinheiro e a confiança”, diz Liliane Rocha, fundadora da consultoria de diversidade Gestão Kairós. Ela informa que é necessário que companhias cubram seus fornecedores e ajudem a construir um censo demográfico de educação aos funcionários, para ampliar o percentual de mulheres, negros e LGBTI+ na liderança.

A consultora sênior da Mais Diversidade, Amanda Aragão, pontuou o seguinte: “Poucas empresas fazem um trabalho preventivo com mapas de riscos. Essa é uma situação possível de prever ao fazer bons planos de ação para que isto não ocorra jamais, afinal atos que atentam contra a vida são os de maior impacto”.

Em sua matéria, a Exame ainda retoma que a formação de seguranças por firmas é falha, pois muitas redes de supermercado ou varejo têm câmeras de vigilância para apurar roubos ou outros crimes, o que impulsiona que o contato dos seguranças com suspeitos deveria ser pontual. A reflexão leva a concluir que no assassinato de João Alberto, nesse caso, a atuação dos seguranças deveria ser apenas de afastar a vítima do local.

Um dia após o anúncio de exclusão do índice de responsabilidade social da Bolsa de Valores, o Carrefour Brasil foi removido na quarta-feira, dia 9 de dezembro, do quadro de associados do Instituto Ethos, considerada uma das mais renomadas entidades de promoção de responsabilidade social no setor privado. Os dados foram divulgados pela Folha de São Paulo, o qual informou que a empresa comunicou que sua comissão interna de ética iria monitorar e reportar mensalmente os desdobramentos dos compromissos assumidos pelo Carrefour. A previsão é para que até seis meses após o atentado, a Ethos reavalie as cláusulas impostas.

Além destas fontes, diversas emissoras televisivas reportaram o caso em seus telejornais. O Grupo Globo decidiu manter alta periodicidade na abordagem do tema em seus programas. A GloboNews (1/2), G1 e o Jornal Hoje mantiveram padrão de detalhes e aprofundamento do ocorrido. Por outro lado, o noticiário do SBT, junto da Band, usaram de características mais impactantes ao proferir a informação. O UOL (1/2) e a Rede TV também noticiaram o ocorrido em suas mídias e emissora.

Brasil afora, a France24h, o GuardianNews e o AlJazeeraEnglish repercutiram o assasinato, assim como o associaram a outros casos de racismo noticiados no mundo. Ambas utilizaram de fontes locais para a construção das reportagens a serem divulgadas em seus respectivos países. O audiovisual nitidamente foi bem explorado, permitindo às imagens falarem por si só. Somente o AlJazeeraEnglish utilizou da narrativa em sua divulgação.

Reincidências do Carrefour

O assassinado de João Alberto Silveira Freitas não foi o primeiro caso que colocou o Carrefour em xeque. E o acontecido mais recente fez com que veículos de imprensa e manifestantes trouxessem à tona outros episódios marcantes que a empresa já enfrentou (ou causou) ao longo de sua história.

Outros casos de racismo já haviam sido registrados. Exemplo disso é o de Januário Alves de Santana, na época com 39 anos, que aconteceu no dia 7 de agosto de 2009, em uma unidade do Carrefour em Osasco, em São Paulo. Santana aguardava do lado de fora de seu carro, no estacionamento, quando foi agredido por cinco seguranças que alegaram ser “impossível um neguinho ter um EcoSport”. Além disso, conforme a vítima, quando três policiais militares chegaram ele explicou que os documentos estavam no carro e, dando risadas, os policiais teriam dito “sua cara não nega, você deve ter pelo menos três passagens pela polícia”. Santana fraturou o crânio, perdeu um dente e teve de passar por cirurgia. Em março de 2010, o Carrefour o indenizou em um acordo extrajudicial sem valor divulgado e rompeu contrato com a Empresa Nacional de Segurança Ltda., empregadora dos acusados.

Mais recentemente, em outubro de 2018, funcionários do Carrefour de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, agrediram um homem negro e com deficiência física. A vítima, Luís Carlos Gomes, contou, na época, que começou a ser seguido por um gerente de prevenção após ter aberto uma lata de cerveja antes de passar pelo caixa, em virtude do calor que fazia naquele dia. Mesmo reiterando que pagaria pelo item, ele relatou ter sido chamado de “vagabundo” e “ladrão” pelo gerente e um segurança, após questionar o motivo da perseguição. Já no caixa, explica que deixou seu cartão e documentos com a atendente e se dirigiu ao banheiro, momento em que foi golpeado com socos e chutes. Após pagar as compras, Gomes afirmou que iria procurar a Polícia para relatar o caso, quando o segurança lhe aplicou um golpe “mata leão” e o arrastou até o estacionamento, onde foi jogado no chão e ofendido com xingamentos, inclusive de conotação racial. O Carrefour foi condenado a pagar R$ 26 mil para a vítima.

A morte ignorada de um promotor de vendas também repercutiu nacionalmente, em 14 de agosto de 2020. Por volta das 7h30 daquele dia, Moisés Santos, de 59 anos, sofreu um infarto e faleceu enquanto exibia seus produtos em uma loja do Carrefour localizada no bairro da Torre, em Recife. Ele chegou a receber os primeiros socorros, mas não resistiu. A repercussão negativa se deu pela forma que a empresa tratou a morte do promotor, cercando o corpo com alguns tapumes, caixas e garrafas de cerveja e cobrindo com três guarda-sóis, sem sequer julgar necessário fechar as portas em respeito à perda. O Instituto Médico Legal (IML) o levou por volta das 12h. Odeliva Cavalcante, mulher de Moisés, afirmou em entrevista ao G1 que “seria muita coisa se eles tivessem baixado as portas, mas, no momento, não pensaram no ser humano. Só pensaram no dinheiro”.

Racismo estrutural e suas raízes

Assim como o assassinato de João Alberto está associado ao racismo estrutural, centenas de outros casos dispersados em meio ao povo, exibem o mesmo infiltrado entre as pessoas, como um todo. Nichos educacionais, políticos e culturais são exemplos de áreas duramente afetadas pelo racismo, que desde o período colonial, afeta a sociedade com violência, discriminações, desrespeitos e desigualdade.

É o que reforça a pesquisadora e pedagoga, Maria Rita Py Dutra, quando argumenta que o assassinato reflete ao racismo estrutural existente na sociedade brasileira. “Ela [sociedade] está com suas bases referenciadas na escravidão, no regime escravagista. Este regime que vem desde a ocupação do colonizador, chega aos nossos tempos. Os antigos senhores de escravos permanecem com seus herdeiros nas estruturas de poder da nossa sociedade. Eles estão no STF, defendendo e definindo a legislação, no judiciário, no MP, representando seus segmentos no congresso e no Senado. Nós precisamos resistir, nos dando as mãos para vencer esta estrutura”, explica Maria Rita.

Ela também critica o a expressão “bandido bom é bandido morto”, fazendo uma relação com o fato de que negros são vistos como ameaças, passíveis de cometer qualquer ato violento: “por meio disto, reflete-se o estereótipo de que ‘todo negro é bandido’, e automaticamente as pessoas julgam ‘legal’, a morte deste ser. A morte não reflete a educação, e sim o racismo estrutural. Podemos dizer que reflete o racismo institucional. Se nós tivessemos uma educação que valorizasse o negro, que a sociedade conhecesse nossa história, valores, seriamos mais respeitados”, pondera. 

A frase ressaltada pela política, professora e filósofa brasileira, Lélia Gonzalez, diz que “enquanto a questão negra não for assumida pela sociedade brasileira como um todo: negros, brancos e nós todos juntos refletirmos, avaliarmos, desenvolvermos uma práxis de conscientização da questão da discriminação racial neste país, vai ser muito difícil no Brasil, chegar ao ponto de efetivamente ser uma democracia racial”. Frente a esta declaração, percebe-se que, diante da resistência de parte da população mundial que age de modo conivente com o racismo, as ações e discriminações seguem se repetindo mundo afora.

Em meio a pandemia de coronavírus, o ano de 2020 ainda foi um catalisador com os problemas sociais que o Brasil já tinha, incluindo o racismo, de acordo com o historiador João Heitor Macedo, diretor do Museu Comunitário Afro Treze de Maio em Santa Maria. Ele lembra a dificuldade que os negros enfrentam na sociedade mesmo após 132 anos da abolição da escravatura. “O racismo segue forte assim como no período colonial, principalmente por falta de atuação do Estado, algo histórico, que desde o início não tem nenhuma política social negra. Quando pensamos em igualdade, pressuposto de princípios e direitos iguais, isso não acontece na imediata constituição depois de 1888 a 1891, a igualdade jurídica prevista em 1891, não dava acesso à moradia, saúde, educação. Negros e negras que ficam livres nesta época, são libertos por uma sociedade que não os aceitava, onde o mal do século era a falta de acolhida e a ocupação das periferias, locais onde o Estado não chegava. Todas estas estruturas que não foram dadas no começo do período republicano, seguiram por mais de um século de história. Hoje temos a população negra negligenciada pelo Estado, ou seja, colocou-se a população negra em segundo plano, assim como o debate racial, como se fosse um assunto que não exista no Brasil”, relata Macedo.

Ademais, o diretor avalia contorna a história e importância etnico-racial do Museu Comunitário. Foi nesta perspectiva, da idealização do Museu, que originaram-se as pesquisas para contar as histórias da população negra, diferentemente do que é contado socialmente. A trajetória do Brasil negou a questão do racismo. “Quando tratamos o assunto na Educação Básica, muita coisa é omitida, há muitos dados a serem revelados. Nós podemos aprofundar mais essas histórias, temos estas espalhadas pelo país, assim como pelo RS, onde há sociedades remanescentes de quilombos. São mais de 100 registrados e mais de 190 em processos de estudos”, frisou Macedo.

Dentro do ambiente universitário, a tese de doutorado em História de Macedo é uma pesquisa na área de patrimônio histórico voltado à educação etnicorracial, com o objetivo de lutar por uma educação superior que combata o racismo. Ele conta que seria uma hipocrisia dizer que não há racismo nas universidades, já que “elas são as referências dos europeus na América e foram feitas para educar os mesmos”. E acrescenta: “Não é comum encontrarmos o racismo em massa nas universidades públicas, mas é comum nos depararmos com barreiras contra qualquer política de permanência da população negra e de combate ao racismo. Todas as vezes que nos pronunciamos dentro do ambiente educacional, encontramos pessoas que se identificam com a postura e também muitas dificuldades. Hoje, com o Prouni, o REUNI, as cotas, o perfil dos estudantes mudou bastante, e estes que hoje protagonizam grandes debates e fazem grandes pesquisas”.

Logo, as políticas públicas tomam forma nas governanças nacionais. Estas que em meio a democracia vivenciada hoje, permeiam entre diferentes grupos étnicos. Direcionado aos direitos para a população negra, estão dentre as propostas, a lei 10.639 que prevê a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura africana e afro brasileira no ensino; a Lei 11.000/2003 e a 11.645/2008, que dizem não só o ensino da história e afro, mas também o da história indígena. As leis educacionais são destacadas, da mesma forma, por Maria Rita, que ressalta as referências à questão indígena, mas que por outro lado, mantinha uma lacuna no currículo oficial sobre a história africana (racismo estrutural). “Para manter este ensino de qualidade, deve-se cumprir as leis, que as escolas ao invés de reproduzirem um ensino racista que classifique as pessoas entre melhores e piores (valorização à cultura eurocêntrica), mas que valorize todas as culturas, que atenda o princípio da democratização do ensino”, destacou Maria Rita.

Sabe-se que a educação passou por diversas transformações no Brasil ao longo do tempo. Desde a didática até a inclusão social, que derivada da cultura eurocêntrica, retratou por anos, um ensino direcionado às pessoas de origem ou descendência europeia, por questões de influência colonizadora. As desigualdades econômicas e educacionais apontam resquícios das referidas características. “Até 2000 nós tínhamos universidades essencialmente brancas, com menos de 2% de estudantes negros. As pessoas se acostumaram a não conviver com negros. Onde estão os negros(as) nos bancos, universidades, lojas, supermercados? Precisamos encontrar estes negros em todos os lugares”, elucidou Maria Rita. A pedagoga enfatiza também a importância da representatividade negra na sociedade: “Se nós somos 56% da população brasileira, por que não estamos nas câmaras municipais, nas assembleias, no Senado ou na Câmara Federal? Por que não ocupamos lugares de poder político? Queremos que a comunidade branca esteja ao nosso lado e à nossa frente, para que nos auxiliem na busca pela igualdade.”

Dentre a inclusão social, para permitir uma representatividade mais justa nas universidades, ainda que não compreenda proporcionalmente em relação a população geral do país, o sistema de cotas garante que muitos negros e indígenas possam ter acesso ao ensino superior. O representante do movimento negro em Santa Maria, Gustavo Rocha, avalia: “Eu vejo que, no Brasil, começou a falar-se muito sobre raça e racismo como as cotas raciais. Na UFSM, quando elas foram implantadas, houve um grande movimento contrário, por parte de cursinhos empresariais e jovens de classe média branca. Assim, começaram a surgir movimentos de resistência, em meados de 2010, como uma nova década de movimentos em Santa Maria, com celebrações e lutas por direitos. A inserção de pessoas negras na UFSM forma novas discussões e coletivos negros, o que fortifica cada vez mais esta luta. Atualmente, vejo poucos coletivos atuantes na cidade. Hoje militamos em busca de trazer estes grupos de volta. É muito necessário que estes grupos se acendam de novo e engajem-se para fortalecer esta luta”. 

Toda a luta por meio de atos e movimentos de combate ao racismo proporcionaram, até certo ponto, uma evolução na sociedade. Mas ainda há muito para progredir. Natielen Souza, gerente de mercearia, relata outro caso discriminatório que sofreu por ser negra. “Ocorreu uma vez que fui a uma loja, bem conhecida em Santa Maria, procurar uma roupa, pois eu iria abrir meu salão. Expliquei para a moça, na ocasião, que seria a abertura de um salão de beleza, e ela trouxe algumas roupas e me perguntou se eu era convidada. Antes que eu pudesse responder, ela disse: ‘com certeza tu vai trabalhar lá, né? Já vai começar trabalhando, então é melhor ir com uma roupa mais simples.’ E eu disse que não iria, pois estaria inaugurando o salão de beleza. Ela ficou em choque e perguntou duas vezes se o salão era meu e era no centro”. Incomodada com a situação, Natielen chamou o gerente e explicou que se tratava de um ato racista, já que a atendente não acreditava que ela, mulher negra, seria a proprietária.

O sistema educacional é um dos principais artefatos na conscientização sobre o que é o racismo e suas raízes. Os movimentos e as denúncias estão por todo lugar, mas muitas vezes, ignorados pelos responsáveis. Deve-se haver o questionamento sobre estas abordagens: onde estão os negros? Que espaço eles estão ocupando no trabalho? Há de haver a problematização e a transparência ao noticiar os fatos, por se tratar de um cenário de negacionismo político. Assim, consideram-se o foco na educação geral, na abertura de debates e nas políticas públicas, fatores de resolução para todo e qualquer ato racista.

*Produzida para a disciplina de Jornalismo Investigativo sob a supervisão do professor Maurício Dias