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A ilusão e o sonho acabaram

Eu errei. Confesso. Me iludi e iludi com quem conversei ou quem leu meus textos. Faz parte de quem vive e sobrevive ao futebol. Mas não chorei. É o esporte mais traiçoeiro que existe. Um jogo

Competências emocionais para enfrentamento da pandemia

Viver nesse período de pandemia com as medidas protetivas incorporadas no nosso cotidiano tem sido um desafio. Parece que alguns hábitos são mais fáceis de serem absorvidos; o uso da máscara sempre, a higienização constante das

Fiocruz: há 120 anos no desenvolvimento científico

Não é de hoje que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem imensa importância sobre os principais estudos científicos do Brasil. Ao longo dos anos gerou diversos avanços e corroborou com a permeabilidade da ciência em solo

“O Silêncio dos homens”: é preciso repensar a masculinidade

Nos últimos meses o termo “masculinidade” e suas discussões me chamaram atenção. Comecei a pesquisar sobre a temática e até participar de rodas de conversa sobre essa questão que atinge diversas esferas da sociedade: a masculinidade

Além do filme

O Joaquin Phoenix me pegou desprevenida. Fazem uns dois meses que assisti o filme no qual ele estrela como o Coringa, numa noite, num cinema quase vazio. Não havia mais do que vinte pessoas. Não tinha expectativa

“Notícias ambientais” e depois?

Alice Dutra Balbé Há muito pouco tempo dizia-se que a pauta ambiental não era notícia no quotidiano. As razões para isso são várias e a primeira é categorização de uma pauta “ambiental” em uma seção separada

Doses homeopáticas de fuga artística

Não há necessidade de contextualizar a sensação de desespero que parece rodear a todos. Individualmente, a busca pela informação está fazendo o retorno e se transforma em fuga. Tem sido impossível passar um dia sequer sem

Os cortes

Essa semana tivemos muitos cortes. Novamente. Mas, em específico, esses além de simbólicos também tiveram uma forma física aqui em Santa Maria. No domingo, o bairro Rosário perdeu a metade de suas árvores. Em seguida, moradores,

Por que meu beijo incomoda?

No início deste mês, o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, determinou que a história em quadrinhos Vingadores: a cruzada das crianças fosse recolhida da Bienal do Livro. O motivo, segundo ele, é

Eu errei. Confesso. Me iludi e iludi com quem conversei ou quem leu meus textos. Faz parte de quem vive e sobrevive ao futebol. Mas não chorei. É o esporte mais traiçoeiro que existe. Um jogo que parecia simples, pelo menos antes de começar, já que, durante, o nervosismo tomou conta e o ar de que algo daria errado era nítido.

Uma Croácia tranquila sendo atacada por um Brasil que não ameaçava tanto. Muito por falta de criatividade, muito por falta de sangue nos olhos ou até mesmo vontade de estar em uma semifinal de Copa. Depender de um lapso de habilidade de um jogador não serve para uma seleção que tem 5 mundiais, mas foi assim o jogo.

Neymar resolveu. Ou parecia que tivesse resolvido. Em uma jogada brilhante, deixou até o goleiro para trás e abriu o placar. Gritos, comemoração, um sentimento que passou rápido com o único chute que a seleção europeia acertou na meta, e foi gol.

O momento da quase glória. Foto: reprodução/ Twitter

Um banho de água fria, que virou uma enchente com o apito final. Pênaltis. Quando é o teu time não é nada legal ou emocionante, é simplesmente horrível e sofrível. Rodrygo fez com que mais água gelada caísse sobre os torcedores brasileiros, errando o primeiro. Marquinhos completou o banho com a bola na trave. Croácia classificada.

O sofrimento estampado. Foto: reprodução/twitter

Agora só em 2026. Agora sem Tite. Agora, talvez, sem Neymar. Poucas certezas e muitas dúvidas caminham junto com a delegação brasileira depois da derrota. O ciclo pré-Copa já começou e o trabalho precisa ser forte, o hexa não pode escapar mais uma vez.

Viver nesse período de pandemia com as medidas protetivas incorporadas no nosso cotidiano tem sido um desafio. Parece que alguns hábitos são mais fáceis de serem absorvidos; o uso da máscara sempre, a higienização constante das mãos e a tecnologia mediando nossas atividades profissionais. O mais difícil, na minha vida, foi enfrentar o distanciamento familiar, social, dos meus alunos e colegas. Afinal, eu gosto de gente, do convívio, do afeto e da sensibilidade de saber estar junto, com diferenças e afinidades, mas junto.
Então, surgiu o meu desafio de enfrentamento da pandemia. Obviamente, em primeiro lugar, preservar a saúde, não me contaminar nem a minha, familiar nem tão pouco o coletivo, mas cultivando um mínimo de alegria, de felicidade e esperança no futuro. Preciso dessa esperança, sou virginiana, gosto de planejamento, de organização, de metas e como lidar com essa imprevisibilidade.
Foi um mergulho interior, de solidão, meus três filhos são casados e têm suas famílias constituídas. Busquei competências emocionais para dar suporte aos longos dias e intermináveis finais de semana. Para tanto, pedi ajuda a livros, músicas, filmes, culinária, trabalhos manuais, orações e o que foi fundamental – um olhar atento ao próximo, aos mais necessitados e fazer minha parte para minimizar tanto sofrimento . Estender a mão para quem precisa é transformador.
Agora, com as duas doses da vacina no braço, sem pressa, percebo que os movimentos da vida começam a florescer. Noticias de Nova York contam da vida voltando ao normal. E me dou conta que esse momento foi realmente transformador.
A leitura do livro Longe da Árvore, Pais, filhos e a busca da identidade, de Andrew Solomon, aborda exatamente esse entendimento emocional de conviver com a diversidade de momentos, de épocas e de gente. Conviver com a frustração. O livro resgata o fortalecimento de laços afetivos entre as famílias com crianças especiais, que nasceram longe da árvore, ou seja, não são como diz o ditado; A fruta não cai longe do pé. Cai sim….e aprende-se com as diferenças.
Nesse sentido, a cultura da pandemia tem efeitos. Afinal, cultura é tudo aquilo que a gente se lembra após ter esquecido o que leu. E ela revela-se no modo de falar, de sentar, de ler um texto , de comer , de olhar o mundo. É uma atitude que se aperfeiçoa com a arte. Entendo, que cultura não é aquilo que entra pelos olhos, é o que modifica o nosso olhar. (João Paulo Paes, 1926-1998).
Sim, 15 meses de distanciamento social modificou meu olhar. Exigiu competências emocionais que desconhecia. Mergulhei no meu íntimo, tive perdas e tive ganhos e tenho renovadas esperanças, tipo o Dom Quixote, quando ele diz: Sabe, Sancho, todas essas tempestades que acontecem conosco são sinais de que em breve o tempo se acalmara; por que não é possível que o bem e o mal durem para sempre, e segue-se que, havendo o mal durado muito tempo, o bem deve estar por perto.  Tomara…

 

Por Sibila Rocha
Jornalista , Professora da UFN cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda

Não é de hoje que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem imensa importância sobre os principais estudos científicos do Brasil. Ao longo dos anos gerou diversos avanços e corroborou com a permeabilidade da ciência em solo nacional, embora saiba-se que nos últimos anos, abalos na política governamental foram suficientes para desvalorizar o que foi construído ao longo dos anos.

O Instituto Fiocruz foi fundado no dia 25 de maio de 1900 pelo cientista e médico, Oswaldo Cruz. Desde então,  operou em prol do desenvolvimento de estudos que pudessem colaborar com o crescimento científico no país. Dentre as marcas deixadas pela instituição, consagraram-se: inauguração do Laboratório do Serviço Especial de Profilaxia da Febre Amarela (pela Instituição Rockfeller) em 1937;  construção de laboratórios de tecnologia em produtos biológicos, em 1976;  Laboratório Central de Controle de Drogas, em 1981; criação da Superintendência de Informação Científica, em 1986; isolamento do vírus da aids (HIV), em 1987; recebimento do prêmio mundial em saúde pública, em 2006.

Tendo em vista todos triunfos obtidos, percebe-se no momento atual uma desestrutura histórico social no Instituto, acarretada pela nova base estatal. Mas por que há de se considerar isto? Por meio da trajetória de pesquisas jornalísticas atuantes nos avanços de estudos da ciência, o Instituto Fiocruz quebrou barreiras do que se diz respeito às descobertas da área. Foi renomado como um dos principais órgãos científicos do país, a partir das tentativas de aproximação da ciência com as pessoas.

Parte de todo progresso deve-se aos investimentos que, compulsoriamente, foram realizados de modo constante, após a Ditadura Militar vivida no país. Época esta que remete a um dos períodos mais árduos experienciados pelo setor, já que na época muitos cientistas foram obrigados a abandonar seus cargos, enquanto outros impedidos de trabalhar em qualquer órgão que recebesse apoio governamental.

Por outro lado, no final da década de 80, o Instituto Fiocruz voltou a receber certa valorização nacional, após fim da Ditadura Militar. Investimentos foram recapitulados e novas fundamentações foram estabelecidas, a fim de ressaltar o âmbito científico frente ao povo. Porém, a partir da década de 90, as editorias voltadas à política e esporte ganharam espaço na mídia, o que dificultou a ciência permanecer entre os tópicos mais buscados pelo povo.

Após o governo Lula assumir o poder no começo dos anos 2000, a Fiocruz seguiu recebendo altos investimentos a fim de alavancar a ciência nacional e formar relações internacionais. Essas que auxiliaram a Fundação a tornar-se renomada mundialmente.

Após a nova ordem governamental de 2018, com a posse do presidente Jair Bolsonaro parte dos investimentos voltados à área científica foram cortados. Fator este que impossibilitou uma parcela do que era destinado à ciência,  permanecesse como base das aplicações financeiras.

Centro Hospitalar Covid-19 (Fundação Oswaldo Cruz) – Foto: Raquel Portugal/ Acervo Fundação Oswaldo Cruz

Mesmo com toda situação vivenciada, estudos continuaram sendo realizados. E mesmo com as dificuldades reportadas, a rede celebrou em 2020, 120 anos de contribuições científicas nos setores da ciência e saúde ao povo brasileiro. Em pouco menos de dois meses, também foi inaugurado o Complexo Hospitalar para atender pacientes com diagnósticos graves da Covid-19, o que consequentemente, assegura a organização como referência da Organização Mundial da Saúde (OMS), para as Américas. De fato, um grande progresso numa época em que houveram pouquíssimos investimentos.

No decorrer dos últimos meses, a Fiocruz passou a adotar novas responsabilidades sobre o ensaio clínico Solidariedade, da OMS. Este tem como foco, analisar quatro possibilidades de tratamentos para o vírus da Covid-19. Neste âmbito, três áreas estão envolvidas. São elas: coordenação do Instituto nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI); Arrecadação de parte dos medicamentos de Farmanguinhos (Instituto de tecnologia em fármacos); Apoio da Vice-Presidência de Produção e Inovação em Saúde (VPPIS/Fiocruz).

Além das pesquisas, usualmente, a instituição promove palestras e debates sobre a Covid-19, com intuito de disseminar conscientização coletiva e abordar os acompanhamentos nos estudos realizados. O portal tornou-se mais do que nunca, um dos principais canais informativos do Brasil, com foco específico à ciência e saúde. Um dos pontos mais interessantes, é o alto índice de compartilhamentos de conteúdos voltados à estudos de medicamentos, tratamentos, hospitalizações e cursos de extensão para entendimento da área. Alguns destes disponibilizados como notícias, enquanto outros como podcasts.

O instituto mostra com o tempo, que além de promover a viabilização de dados às pessoas, o foco passa a ser também, no processo de entendimento das mesmas. Um exemplo que pode ser dado, são nas divulgações de acompanhamento dos estudos sobre a doença. Nestas, encontram-se interconexões noticiosas, onde diferentes publicações são relacionadas por meio de ferramentas no site, bem como por hiperlinks, a fim de gerar uma linha de raciocínio para usuários que não costumam acessar o site. Dentre algumas pesquisas, destacam-se: ‘Risco de exposição de profissionais da saúde”; “Mapeamento de hábitos da população brasileira durante o isolamento social” e “Circulação do Covid-19 nas Américas e Europa, sem detecção governamental”.

A partir de todas especificações, percebe-se a responsabilidade adotada pela fundação, que mesmo com menos verba e passando por um surto mundial, atua como um dos principais canais informativos de ciência da América Latina, além de corroborar com o desenvolvimento de vacinas para combater a Covid-19. Talvez este seja mais um passo que propicie a compreensão, do quão importante a ciência é para o mundo.

Matéria produzida para a disciplina de Jornalismo Científico.

(Imagem: Divulgação)

Nos últimos meses o termo “masculinidade” e suas discussões me chamaram atenção. Comecei a pesquisar sobre a temática e até participar de rodas de conversa sobre essa questão que atinge diversas esferas da sociedade: a masculinidade tóxica. E quando escrevo masculinidade tóxica, me refiro a ela em diferentes perspectivas: relacionamento, comportamento, emoções, sociabilidade, entre outras questões que ferem o individual e o coletivo.

Essa toxicidade começa logo cedo, na formação enquanto indivíduo homem, e nos obriga a ter um comportamento forte, viril e rígido, forçando a colocar de lado tudo que equivale ao feminino. A sociedade machista e masculinista nos exige a ser homem, mas não qualquer homem. Tem que ser “Homem com H maiúsculo”. Mas afinal, o que é ser homem? O que é um homem? Que homem é esse?

Passei a me questionar ainda mais sobre essas questões, depois de assistir o documentário O Silêncio dos Homens, uma iniciativa do site Papo de Homem, lançado recentemente. O filme aborda um ponto importante: o silêncio das emoções, que nos são retiradas logo na infância, com a famosa frase “homem não chora”. Além disso, nos mostra que esse silêncio é a raiz de diversos problemas, como a violência doméstica, o suicídio, alcoolismo, depressão e o vício em pornografia. Também apresenta que apenas três em cada 10 homens possuem o hábito de falar sobre seus medos e dúvidas com amigos.

De certa forma, soa até estranho dizer que os homens são silenciados, devido a nossa construção histórica, onde o homem sempre é colocado no topo da cadeia social. E me refiro justamente a maneira como os homens são criados, tendo que mostrar firmeza a todo instante. Não podemos agir com comportamentos ligados ao feminino, devemos ter um bom emprego, ser o líder da família, flertar com mulheres, não chorar, gostar de futebol e por aí vai. Essas são só algumas atitudes, ou melhor, obrigações do que parece ser uma “cartilha” para se tornar um homem. Ah! E se você falhar em alguma delas, pronto, logo você é rotulado de “viado”. E no ideário da masculinidade tóxica, “viado” não é homem.

Essa construção de ser masculino, se naturalizou com o patriarcado e a dominação com ele trazida. O homem sempre foi visto como símbolo de poder, logo, tudo que se associa ao feminino é colocado um ou mais degraus abaixo. Nós, homens, somos ensinados a buscar por uma hipermasculinidade, a fim de manter a dominação dos homens sobre as mulheres e, também, de homens sobre homens, causando danos para ambos. Dessa forma, o homem acaba fortalecendo a manutenção de seus privilégios, a partir do momento em que não se coloca aberto para refletir seus comportamentos.

Falar sobre masculinidade é perceber o quanto ela interfere no comportamento masculino e os seus impactos no coletivo. O movimento surge como forma de repensar o papel do homem na sociedade, de escutar, de mostrar suas vulnerabilidades e de entender que ser homem está além da supervalorização de características, sejam físicas ou culturais, associadas ao masculino. Por isso, faço um convite especialmente aos homens: assistam ao documentário O Silêncio do Homens e vamos refletir sobre nossas práticas masculinas.

Assista ao documentário “O Silêncio dos Homens”, com direção de Ian Leite e Luiza de Castro. O filme é fruto de um projeto que ouviu mais de 40.000 pessoas sobre questões de masculinidade.

[youtube_sc url=”https://youtu.be/NRom49UVXCE” title=”O%20silêncio%20dos%20homens”]

 

Deivid Pazatto é jornalista egresso da UFN, pós-graduando em Estudos de Gênero na UFSM e militante do movimento LGBTQ+. Foi repórter da Agência Central Sul e monitor do Laboratório de Produção Audiovisual (Laproa) durante a graduação

 

O Joaquin Phoenix me pegou desprevenida. Fazem uns dois meses que assisti o filme no qual ele estrela como o Coringa, numa noite, num cinema quase vazio. Não havia mais do que vinte pessoas. Não tinha expectativa nenhuma, pois nunca tinha assistido filme sobre essa personagem. Fui pega de surpresa com esse Coringa, pela personagem ali construída, por Joaquin Phoenix e seu Arthur Fleck. Pensei imediatamente em escrever para colocar em dia as colunas no site, mas não pude. Escrever implica se expor. Escrever implica criar, estar aberto para a criação. Precisei gestar.

Depois do tempo passado, não queria fugir do filme (ou seria da personagem?), pois ele me comoveu. A humanidade descarnada daquele sujeito, a falta de amor sufocante no entorno dele, sua mãe narcísica e enclausurada em narrativas repetitivas e profundamente nefastas. Não se trata de considerá-lo vítima, mas reconhecer nele uma humanidade frágil, distorcida, alucinada e má. Mas a maldade não se restringe a uma personagem, de certa forma é a linguagem geral do filme. A vilania é a tônica desse conjunto de personagens: os sujeitos que o ridicularizam e o espancam de forma gratuita, os playboys cruéis no metrô, o apresentador de tv e seu incansável apetite para humilhar seus interlocutores, os senhores da cidade e seu nefasto descaso pelos pobres… Não soa familiar?

Todavia, nesse profundo mergulho no lado sombrio do humano, a solução da tensão pela emergência de um assassino insensível é frágil e decepcionante! É justamente ali, naquele ponto que o filme vira quadrinhos. Daquele momento em diante a narrativa adquire outro tom, de um escracho de maldade. Arthur Fleck sucumbe à sombra do Coringa e do impositivo fim da personagem, conforme o destino desenhado nas versões anteriores do vilão. A fantasia da vingança como a redenção é uma guinada rápida e acaba perdendo o ritmo inicial daquela narrativa humanizada, os ditames do HQ se impõem. Arthur Fleck poderia ter outro fim: um sanatório, um romance, a infelicidade infinda, a morte. Mas não, o Coringa encerra a imaginação e o fim é previamente definido: Gotham City, Bruce Waine e a trajetória que se segue, precisa acontecer para se conectar com as histórias que lemos na década de 80 e 90.

Pessoalmente, creio que a genialidade da interpretação de Joaquin abre e fecha o filme, tanto que a personagem que ele cria ultrapassa o filme, é maior que o Coringa, é passível de existir e por isso perturba. Há uma característica em especial que ele explora e que se destaca e, talvez por isso, amedronte ainda mais – Arthur expõe a cultura do ‘looser’ de uma posição incômoda – a de alguém que deixa de aceitá-la e revida. Experiências aterrozizantes que a sociedade dos EUA tem vivido recorrentemente.

A ‘cultura do fracassado’, do ‘looser’, tem sido um produto de exportação do cinema enlatado americano desde os anos 80. E é essa uma ideia muito cruel porque estimula as pessoas a se colocar num lugar de comparação, num exercício que só produz frustração. Uma ação de perversidade pura, a verdadeira vilania: comparar o incomparável – a vida de cada uml!… As trajetórias individuais que dentro das distintas sociedades e tempos históricos nos quais elas se desenrolam com irrepetível unicidade! Se o selfmade-man é a narrativa do sucesso, seu avesso é o ‘looser’? Direito e avesso do capitalismo?

De fato, se há loosers somos todos nós que conseguimos manter a violência banal (material e simbólica) como uma linguagem corrente; que desmoralizamos a solidariedade e a cooperação como elementos mediadores das nossas relações. Não estaria passando da hora de colocarmos em questão a ideia de que o ‘bom sujeito’ é aquele que tem sucesso porque conjuga todos os verbos na primeira pessoa do singular?

Não nos enganemos, a mensagem da sociedade do ‘sucesso’ e que serão poucos os escolhidos em meio à multidão excluída. Um produto dileto do império da ‘escolha’ frente a um mundo que carece de comunhão. De fato, Joaquin foi incrível, porque elevou a narrativa à reflexão.. Bravo!

 

Paula Jardim Bolzan, historiadora e antropóloga, professora na UFN

Poluição por resíduos industriais. Free-Photos/Pixabay

Alice Dutra Balbé

Há muito pouco tempo dizia-se que a pauta ambiental não era notícia no quotidiano. As razões para isso são várias e a primeira é categorização de uma pauta “ambiental” em uma seção separada quando o ambiente é o todo. A pauta ambiental acaba sempre se restringindo ao factual – como, de forma geral, é o jornalismo – tendo também o foco no trágico. Não houve uma mudança grande nesse sentido, contudo, a pauta ambiental passou a ser frequente no noticiário, especialmente no Brasil. Ainda defendo que não é preciso um chapéu de editoria “ambiente”, mas, sim, uma cobertura de jornalismo especializado que apresente o contexto da situação.

Anos de discussão em torno da preocupação mundial desde o Dia da Terra de 1970; a publicação do estudo Limites do crescimento, em 1972, pelo Clube de Roma, que é considerado um marco na história do pensamento ambientalista; o Relatório de Brundtland de 1987; diferentes conferências como a Rio-92 e Rio+20; publicações do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC, desde a formação em 1988), e as Conferências das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que já vai na 25ª edição; até a imagem da Terra vista da Lua realizada em 1969 tem sido questionada.

O significado da expressão “desenvolvimento sustentável”, definindo que o desenvolvimento é necessário, mas não deve comprometer a capacidade de recursos para as gerações futuras, introduzida no relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, tem sido cada vez mais importante. Esse documento é mais conhecido como Relatório de Brundtland – pois a conferência foi presidida pela então primeira-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland. Hoje é necessário ainda mais ressaltar quando é uma mulher que está à frente de iniciativas.

As notícias ruins se propagam mais, como já dizia Nelson Traquina e são elas que ajudam a expor o problema e provocar ação também. Acidentes como a explosão do reator nuclear Three Mile Island em 1979, o desastre de Chernobyl e o vazamento de produtos químicos no Rio Reno, em 1986, foram importantes para a comunicação ambiental e as primeiras mudanças na legislação internacional. Mas ainda é preciso que realmente se faça mais para mudar as políticas ambientais. O mais difícil disso tudo é a compreensão de que um valor monetário para compensação do dano ambiental não resolve, mas é, no mínimo, a única alternativa para tentar inibir ações, regulamentar e investir no local afetado, seja com limpeza, replantio, recuperação de espécies, entre outros.

O derrame de petróleo ocorrido no litoral brasileiro em agosto, desse ano, fez lembrar outro dos maiores acidentes na história, ocorrido há 30 anos: o vazamento de crude (petróleo bruto) do navio Exxon Valdez, em 1989, no golfo do Alasca. Foram 40 milhões de litros de crude ao mar.

Acidente em plataforma petrolífera. Foto: Skeeze / Pixabay

Em 2010, outro acidente marcou a história dos acidentes com petrolíferas ao causar a morte de 11 funcionários da empresa e o vazamento de 3,2 milhões de barris de petróleo no Golfo do México após a explosão da plataforma Deepwater Horizon, da petrolífera britânica BP. O acidente foi notícia recentemente justamente referindo o valor que a empresa teve que pagar: 65 bilhões de dólares “e a conta continua a aumentar” segundo reportagem publicada pela revista Época Negócios, em fevereiro de 2019.

A Reuters também fez um levantamento em 2015 referindo o aumento da morte de golfinhos, entre 2002 e 2009, de 63 por ano para 200 (por ano) a partir de 2010, em consequência do contato com petróleo. A agência americana NOAA – National Oceanic and Atmospheric Administration – identificou ainda, em um estudo de 2016, que a gestação dos golfinhos não chegavam ao fim em 80% dos casos devido à exposição e petróleo.

No caso brasileiro, ainda não se tem a total dimensão do problema. Aumentam as notificações de praias em que o petróleo é visto. Em 17 de novembro a conta ultrapassava 450 praias e as manchas atingiram o litoral do Espírito Santo. No jogo de empurra e acusações falsas sobre a origem do petróleo, ainda pouco se reflete sobre o dano ambiental. As manchas visíveis do mar ainda podem ser removidas da água, mas o maior problema é o petróleo em contato com animais, corais, mangues, o ingerido pelos animais e, ainda, por humanos nessa cadeia alimentar.

A responsabilização é primordial para que se tomem as medidas necessárias. No caso do vazamento do Golfo do México, a empresa ainda hoje responde. Mas no Brasil como isso vai funcionar?

O rompimento da barragem do Fundão, em Mariana no estado de Minas Gerais, em 2015, liberou 40 milhões de metros cúbicos de resíduos da mineradora da Samarco que contaminou rios e mantou 19 pessoas. Três anos depois outro rompimento, da barragem de rejeitos da Mina do Feijão, no município de Brumadinho, no mesmo estado. O que realmente mudou de Mariana a Brumadinho?  É fato que mais de 20 barragens estão em alerta em Minas Gerais, a maior parte delas sob responsabilidade da empresa Vale, que atuava em Brumadinho. Foram as universidades, moradores, organizações não-governamentais e técnicos de alguns órgãos que assumiram as atividades nos locais. Pouca coisa mudou para o caso do derrame de petróleo nas praias brasileiras, o agravante foi o Governo Federal acusar o Greenpeace de causar o derrame, assim como fez em agosto ao acusar ONGs pelas queimadas na Amazônia.

Segundo dados do INPE, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o desmatamento aumentou cerca de 30% entre agosto de 2018 e julho 2019. No entanto, os maiores incêndios na Amazônia aconteceram em agosto. Foram 30.901 focos de incêndio registrados, segundo dados do Programa Queimadas do INPE em agosto e sabe-se que os incêndios seguiram no mês de setembro, 80% a mais do que em 2018, no mesmo período.

É preciso que esses fatos estejam na mídia. É preciso acompanhamento sobre os impactos hoje e a longo prazo, não podemos esquecer. Precisamos de respostas, precisamos de ações, precisamos de exemplos e conscientização.

 

Alice Dutra Balbé, doutora em Ciências da Comunicação e mestre em Informação e Jornalismo pela Universidade do Minho, Portugal,  jornalista egressa UFN.

Não há necessidade de contextualizar a sensação de desespero que parece rodear a todos. Individualmente, a busca pela informação está fazendo o retorno e se transforma em fuga. Tem sido impossível passar um dia sequer sem que alguma notícia catastrófica alimente a dose de dores diárias que temos vivido. E se não bastasse o desgoverno, há também aqueles dias em que perdemos pessoas que carregavam o poder de fazer arte.

No dia 25 de agosto último, morreu Fernanda Young. Atriz, escritora, roteirista, bordadeira, mãe, polêmica e amada, visto que, naquele dia não se falou em outra coisa que não o vazio artístico que fica. É em tempos de dor e perda, de artistas especialmente, que nasce a sede e a necessidade de consumir arte. A gente precisa encontrar beleza em algo. Por isso, este mês decidi compartilhar “doses homeopáticas de fuga artística”. Segue a lista:

“Grande Magia – Vida Criativa Sem Medo”, de Elizabeth Gilbert, é um livro daqueles que a gente começa a ler e esquece do tempo. Nesse texto a autora discorre sobre o processo de escrita e criatividade. Recomendo para quem ama ler, quer se aventurar no mundo da escrita e para quem tem curiosidade sobre como funciona o processo criativo. Sim é a mesma escritora de “Comer, rezar e amar”.

“Só garotos” não é exatamente uma leitura leve, mas Patti Smith sabe colocar doses de inspiração e doçura até nas histórias mais difíceis.

Que não dá para fugir da realidade nós sabemos. Uma possibilidade para contornar a realidade seja trazer um pouco de magia e fantasia. Por isso, a terceira recomendação também é literária. “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez, dispensa apresentações e é perfeito por ser um clássico do gênero realismo fantástico.

No Instagram o perfil da Obvious (@obviousagency) publica diariamente conteúdo sobre autoestima, vida real, mulheres, astrologia, etc. O compilado de tudo transforma o feed em um lindo mural de inspirações.

Não foi fácil pensar em conteúdos mais leves para compartilhar aqui. A verdade é que está bem difícil para todo mundo. Cadê as pessoas escrevendo poesia? Cadê as histórias de amor? Não sei. Se alguém encontrar, por favor, compartilhe.

Este texto não pretende negar a realidade ou fingir que toda dor não existe. Tem muita coisa que precisa ser feita e dita, sim! Mas a gente esquece que não é só o smartphone que precisa ser recarregado. Nós também precisamos de descanso, de motivos para continuar e de momentos para recarregar as baterias.

 

 

Arcéli Ramos é jornalista egressa da UFN. Repórter da Agência Central Sul em 2015. Com pesquisas na área jornalismo literário e linguagem, hoje também estuda “Pesquisa de tendências”. É colaboradora na New Order, revista digital na plataforma Medium, e produz uma newsletter mensal

 

Fotos: Julia Trombine

Essa semana tivemos muitos cortes. Novamente. Mas, em específico, esses além de simbólicos também tiveram uma forma física aqui em Santa Maria. No domingo, o bairro Rosário perdeu a metade de suas árvores. Em seguida, moradores, grupos de estudantes, e pessoas da nossa cidade movimentaram as redes sociais com questionamentos e indignações. Outras pessoas também demonstraram afetação de não entendimento, de anarquismo e também de ignorância. Isto dito, me nego acreditar que alguém concorde com os cortes sem devida observação ou justificativa para serem feitos. Todos sabemos que algumas árvores realmente podem “prejudicar” o trânsito, a fiação da rua, enfim, outros tantos motivos que poderiam justificar tais atos se estes considerassem o espaço e respectivamente sua existência. Porém, não vejo o fato como um divisor de ideias, pelo contrário. Acredito que nunca estivemos tão perto desses cortes, morando no Rosário ou não.

Afinal, foram tantos cortes. O país vive um colapso inegável em diferentes contextos e realidades. Está em chamas aqui, e em todos os lugares. E 2019 está sendo um ano que todo mundo sente as mudanças no ar. Nos olhares que não se encontram no caminho. No próprio caminhar na rua. No pulso que acelera ao ler mais uma notícia “inacreditável”. Na batida do peito com a incerteza das próximas falácias que virão. Mas não podemos ver apenas as coisas negativas. Existem ações boas, momentos bons, como a senhora que parou ao me observar fotografando e disse “o verde pode ser também esperança”, ou nos movimentos que coletivos culturais fazem, as iniciativas de conscientização, as campanhas de prevenção as vezes silenciadas. Mas, caso não tenhamos muitos feitos bons, acredito que a soma é sempre melhor que a desinformação e o desconhecimento.

Aprendemos a importância das árvores diante da existência. Talvez não no mesmo ano de escola, nem no mesmo lugar, mas desde quando esquecemos a associação de natureza com a vida? As pesquisas científicas em todas as áreas do conhecimento apontam apenas para uma perspectiva: a  arborização urbana como uma necessidade das cidades. Não somente pelas questões estéticas que as árvores trazem as vias, mas atrelado a esse benefício é pensado também perante o bem-estar e sobre a qualidade do ar oferecido para a vida humana, consequentemente o que reflete na nossa qualidade de vida. Podemos não ter lado algum. Não comentar sobre a rua que teve esses cortes. Mas, na situação atual, que a natureza nos pede socorro na nossa cara de tantas maneiras, não acredito que podemos, ainda, estar dentro e somente na zona de conforto. Afinal, apenas uma grande árvore pode providenciar muitas necessidades de oxigênio. E isso tem ligação direta para com nossa existência.

As mesmas árvores que possuem papel de dar “sombra” para o ser humano, e ajudam a reduzir em até 10% o consumo de energia por meio do efeito de moderação climática local. As mesmas que podem reduzir a incidência de asma, câncer de pele e doenças relacionadas ao estresse, pois ajudam a diminuir a poluição do ar, promovendo a possibilidade de um ambiente mais bonito e adequado para animais, como pássaros. Árvores reduzem poluição sonora e os ventos, mantendo umidade do ar e chuvas regulares, fornecem base para produtos como medicamentos e chás, além de frutas, flores, sementes. Também promovem saúde dos solos e evitam erosão com suas raízes. Desenvolvem um papel importantíssimo no ecosistema pois são elas as responsáveis por manter mais de 50% da biodiversidade. Apesar dessa ser uma realidade local e também factual, esse momento de corte bruto representa a perda de quanto a cidade já não se preocupa em mudar as ruas e espaços que não possuem muita arborização, e quem acaba perdendo isso dentro da cidade somos nós.

Julia Trombini é jornalista escorpiana egressa da UFN. Fez parte da equipe do LabFem (Laboratório de Fotografia e Memória) como repórter fotográfica. Trabalhou também com diagramação, assessoria de imprensa e produção de conteúdo. Tem interesse em fotografia, audiovisual e temas de resistência política.

Os personagens Wiccano e Hulking em Vingadores: a cruzada das crianças, ilustrados por Jim Cheung

No início deste mês, o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, determinou que a história em quadrinhos Vingadores: a cruzada das crianças fosse recolhida da Bienal do Livro. O motivo, segundo ele, é que a HQ de super-heróis, em que dois personagens homens se beijam, tem “conteúdo sexual para menores”. Além disso, o prefeito ordenou que qualquer obra com abordagem LGBTQ+ fosse embalada em plástico preto e avisada como “conteúdo impróprio”.
Mas a tentativa de censura de Crivella não deu muito certo. A resposta veio do público que, no dia seguinte, em menos de meia-hora, esgotou todos os exemplares da HQ na Bienal do Rio de Janeiro. Quando os fiscais, mandados pelo prefeito, chegaram ao festival literário, nenhum exemplar foi encontrado. Em nota, a Bienal afirmou que o espaço é democrático e reconhece todos os tipos de literatura.
O ato de censura viralizou na internet. A imagem da HQ, com os dois personagens se beijando, era encontrada facilmente nos feeds das redes sociais. O youtuber Felipe Neto comprou cerca de 14 mil livros com temáticas LGBTQ+  e distribuiu de graça na Bienal. As obras distribuídas por Neto estavam em embalagem preta, com o aviso: “este livro é impróprio para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas”, uma forma de ironizar o pedido de Crivella. Além disso, a imagem do beijo estampou a capa de um dos maiores jornais do país, a Folha de São Paulo.
Ao limitar o conhecimento e o acesso a diversidade, a atitude de Crivella demonstra a censura explicita. Desde a ditadura militar livros não são censurados dessa maneira. O prefeito simplesmente decidiu, que o beijo entre os dois personagens na HQ, era inapropriado para menores de idade e que o conteúdo era sexual. Mas desde quando beijo é pornografia? Um beijo no livro não vai influenciar uma criança, e sim mostrar outras relações afetivas, as quais uma grande massa conservadora tenta esconder.
Em minha existência, convivi e fui “influenciado” por uma sociedade heteronormativa, assistindo muito mais do que um beijo entre pessoas cis-heterossexuais na televisão, por exemplo. Quem não lembra da banheira do Gugu na década de 1990? Um programa na tardes de domingo, que seria “para a família”, exibia homens e mulheres seminus a procura de um sabonete na banheira. E vejam só, mesmo assistindo a banheira do Gugu, não sou ou “virei” heterossexual.
Crivella, ao ordenar os fiscais a retirarem livros da Bienal, nos mostra o quão difícil é ser LGBTQ+, principalmente no último ano. Nosso amor, ou o nosso beijo não machuca ninguém. Além disso, não se faz política com religião. As atitudes de Crivella em censurar o nosso beijo, estão ligadas a suas ideologias, carregadas de preconceito e com o pensamento de que ainda vivemos nos tempos em que a homossexualidade era proibida.
Censurar livros com temática LGBTQ+ é um perigo a nossa democracia e liberdade. O conservadorismo nos assombra, e as minorias são as primeiras vítimas. Vale lembrar, que esse tipo de censura contra a diversidade não é primeira vez. Em um caso mais recente, no ano de 2017, a exposição Queermuseu foi censurada em Porto Alegre, respondendo a críticas de grupos que viram nas obras “apologia a pedofilia, zoofilia e blasfêmia”.
Mas por que o nosso beijo incomoda? Ele incomoda a partir do momento em que ocupamos espaço. O conservadorismo não quer que tenhamos direitos. Para eles, nosso lugar é e sempre será no armário. Romper com padrões heteronormativos é afrontar uma estrutura baseada na opressão das minorias. Um beijo gay incomoda, pois desestabiliza uma lógica de dominação não consentida, que coloca a homossexualidade como imoral. O ato de censurar, é assegurar que as LGBTQ+ não tenham liberdade. É limitar o conhecimento.
Muito mais que a censura, o ato de Crivella é a LGBTfobia escancarada, ou melhor, mascarada como “preocupação com as crianças e a família”. A atitude só comprova um pensamento retrógrado, no qual coloca as LGBTQ+ como pessoas que não são dignas do direito ao afeto. O problema não é o beijo em si, mas o fato de serem dois homens. Por mais que o Supremo Tribunal Federal nos assegure algum tipo de direito, a política conservadora sempre acha uma brecha para ferir tudo que se refere a diversidade. A todo instante tentam nos intimidar.
A repercussão internacional desse caso, talvez seja o reflexo de um sensibilização para/com o combate a LGBTfobia. Receber o apoio de inúmeras pessoas, só nos fortalece e mostra que não estamos sozinhos. Se a tentativa é nos colocar no armário, sentimos muito, mas não vai ser dessa vez. Nunca mais. Não podemos deixar espaço para o preconceito se materializar. Nosso beijo vai continuar rompendo barreiras. Vamos ocupar os livros, a televisão, as ruas e qualquer espaço que for nosso por direito.
Amor não deve ser censurado!

 

Deivid Pazatto é jornalista egresso da UFN, pós-graduando em Estudos de Gênero na UFSM e militante do movimento LGBTQ+. Foi repórter da Agência Central Sul e monitor do Laboratório de Produção Audiovisual (Laproa) durante a graduação.

Dia 10 de setembro de 2019, Sahar Khodayari, 30 anos, mulher, mais uma vítima da desigualdade de gênero, no país e no mundo.

Preconceito de gênero no esporte ainda persiste em países como o Irã. Foto: pixabay.

Hoje debatemos todos os dias sobre desigualdade de gênero, mas você sabe qual o conceito dela? Desigualdade de gênero é fenômeno social e acontece quando há discriminação e/ou preconceito com outra pessoa por conta de seu gênero (feminino ou masculino). Blue Girl, como também era conhecida, morreu após atear fogo no próprio corpo, já que poderia ser presa por seis meses após ter tentado entrar num estádio de futebol para assistir a um jogo, vestida de homem. Ela era torcedora do Estaglal, que tem o azul como uma das suas cores principais, por isso Blue Girl.

No Irã, desde 1979, as mulheres foram proibidas de entrar em estádios de futebol, o que nos últimos anos têm gerado conflitos e inúmeras reivindicações por parte do público feminino. Torcedoras chegaram a se fantasiar de homens, com perucas e barbas falsas, como Sahar, para poderem ter acesso aos jogos. Em junho deste ano, algumas iranianas foram agredidas por seguranças e detidas após comprarem ingressos para um amistoso da seleção do  Irã contra a Síria. No ano de 2018, aproximadamente 35 torcedoras foram presas por entrar no estádio Azadi para acompanhar o clássico entre Persépolis e Esteghlal.

Assegurar o direito de uma educação inclusiva e de igualdade de gênero é dever do estado, no entanto, a prática desses direitos não é exercida no Irã, já que existem políticas públicas que restringem a liberdade e os direitos femininos no país.

Após a Revolução Islâmica no final da década de 1970, muitas coisas mudaram no país, se antes as mulheres andavam nas ruas com roupas semelhantes às nossas, como calça jeans e cabelos soltos, a partir da revolução as novas autoridades muçulmanas impuseram um código de vestimenta obrigatório, que determinava o uso do hijab (véu islâmico) por todas as mulheres.

Se no Brasil e no mundo a luta por direitos iguais é uma das principais bandeiras levantadas, no Irã o governo religioso, autoritário e radical, tornou as mulheres reféns de leis que tiram sua autonomia.

Inúmeros jogadores e figuras conhecidas no meio esportivo se comoveram com a morte de Sahar, como o ex-jogador iraniano Ali Karimi, ele foi e é dos principais defensores do direito das mulheres de entrarem em arenas esportivas no país. Karami publicou em uma de suas redes sociais pedindo que os iranianos boicotem os estádios em protesto pela morte de Khodayari.

Há quase 40 anos as mulheres lutam pelo direito de voltarem a frequentar estádios de futebol, seja na liga nacional ou em jogos da seleção, o que acontecia antes da Revolução Iraniana de 1979. No passado, a Arábia Saudita baniu a proibição a mulheres em estádios. Atualmente, o Irã é o único país que ainda impede que mulheres frequentem estádios esportivos, apesar da pressão constante da Fifa.

Na Copa do Mundo da Rússia, em 2018, inúmeras torcedoras puderam realizar o sonho de acompanharem uma partida da seleção de dentro do estádio. Foi após inúmeras reivindicações e luta por acesso aos jogos, no próprio país, que o dia 10 de Outubro será histórico para as iranianas.  Elas poderão assistir a partida da seleção do Irã contra Camboja, pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2022, no estádio em Teerã. Mas é importante salientar que o direito foi concedido antes da morte de Sahar e que não garante que elas terão livre acesso a outros jogos após a data.

A morte de Khodayari causou tamanha indignação no Irã e no mundo que, em redes sociais, internautas pediram para que a federação de futebol iraniana fosse punida, suspensa ou até mesmo banida da próxima copa. Até porque a própria Fifa impõe que a discriminação em razão do sexo é punível com suspensão ou expulsão da equipe.

Se antes já era fundamental falar sobre os direitos femininos no Irã, Sahar Khodayari se tornou símbolo da luta por direitos iguais no país e pelo acesso das mulheres aos estádios de futebol. Posicionamentos precisam ser feitos e medidas tomadas. A trágica morte de Sahar levanta o questionamento: até quando tragédias precisam acontecer para que as coisas mudem?

Agnes Barriles é jornalista egressa da UFN. Foi monitora e repórter da Agência Central Sul durante a graduação e atuou no MULTIJOR. Tem o jornalismo esportivo como referência em pesquisas e reportagens desenvolvidas. É engajada com causas sociais e busca dar espaço e visibilidade às minorias