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Santa Maria, RS, Brazil

jornalismo investigativo

Procedimentos estéticos: obsessão ou simples vaidade?

A incessante busca pelo corpo “perfeito” faz com que muitas pessoas recorram a procedimentos estéticos. Os procedimentos de cirurgia plástica vêm aumentando ano a ano. Estatísticas da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica mostraram que os brasileiros

É preciso romper com o pacto de silêncio

Em Santa Maria, mais de 20 registros de estupros foram constatados entre janeiro e outubro de 2017 O estupro é um tipo de agressão sexual geralmente envolvendo relação sexual ou outras formas de penetração, sempre realizado sem consentimento.  O

Trezzi diz que investigativo é a saída para o jornalismo

“Um dos jornalistas mais ameaçados de morte”, definiu o mediador Marcelo Canellas ao chamar Humberto Trezzi, repórter especial do Jornal Zero Hora, para subir ao palco do Theatro Treze de Maio. A noite fria de quinta-feira

A partir de 1983, quando o futebol praticado por mulheres foi liberado por lei no Brasil, milhares de meninas buscam por oportunidades tendo que lutar todos os dias por um esporte mais igualitário

Emanuely Guterres e Lavignea Witt*

Por haver a chamada distinção de gênero em diversas atividades do cotidiano, as mulheres tiveram — e ainda têm — que enfrentar muitas dificuldades para exercer algumas delas, que são majoritariamente praticadas por homens. Um exemplo é o futebol. Segundo a Federação Internacional de Futebol (FIFA), o primeiro jogo oficial de futebol entre mulheres ocorreu em 23 de março de 1883, em Crouch End, na cidade de Londres, na Inglaterra. Naquela ocasião, os dois times foram classificados como Norte e Sul, representando as duas partes da cidade em que a partida era sediada. Porém, o futebol já era praticado por homens desde o século XVII. 

No Brasil, as mulheres começaram a conquistar seu lugar no futebol entre os anos de 1908 e 1909, quando foram datados os primeiros jogos de futebol com jogadores mistos — homens e mulheres juntos. Conforme noticiado pelo jornal A Gazeta, o primeiro jogo oficial no país entre mulheres ocorreu em 1921. As jogadoras eram dos bairros Tremembé e Cantareira, da cidade de São Paulo. 

Segundo o Jornal da USP, em 1941, as mulheres foram proibidas de jogar futebol ou qualquer outro esporte “incompatível com as condições da sua natureza”. O decreto-lei 3.199 de 14 de abril de 1941, foi criado na Era Vargas e vigente até 1983. Contudo, a proibição por lei não parou as jogadoras brasileiras, que continuaram jogando e resistindo ao Estado. Após mais de quarenta anos, em 1983, o decreto foi derrubado graças as muitas mulheres que defendiam que o esporte podia ser praticado por todos, sem exceção.

 

Equipe do Corinthians de Pelotas, na década de 1950. Foto: Divulgação via Futebol Feminino no Brasil.

Desde então, milhares de jovens mulheres buscam por seu espaço dentro do futebol tendo que enfrentar obstáculos que vão desde a dificuldade de inclusão no esporte até os vários tipos de assédio que enfrentam no dia a dia. Por ser praticado por mulheres, o futebol feminino no Brasil é categorizado por muitos como inferior, pois há muita comparação com o esporte praticado pelos homens. 

A Universa em Campo da Uol selecionou comentários de leitores postados em reportagens sobre o futebol feminino que mostram o machismo com relação às atletas, muitas vezes em questão da sexualização, e a qualidade do esporte praticado por elas. Abaixo, estão alguns dos comentários postados no site: 

“Acho o futebol feminino chato ao extremo. Não tem força física, habilidade e as goleiras aceitam tudo o que é chutado”

“Se tem uma coisa que é certa é que mulher não entende, não joga e não deve opinar em futebol. Não tem nada de machista. Certo é certo.”

“Ninguém gosta de futebol feminino. Mulher comentando futebol, então, é um desastre. Nesse caso sou machista: futebol é pra homem!”

Dificuldades no início de carreira

Após todas as contrariedades que impediam a realização do futebol entre mulheres e as dificuldades durante a busca por uma oportunidade, o esporte foi crescendo entre as jogadoras. Contudo, o cenário não é o ideal e as oportunidades são bem escassas, o que faz com que muitas meninas desistam de seu sonho. É o caso da ex-jogadora profissional Julia Pompeo, de 20 anos. Como a maioria das mulheres que iniciam sua carreira no futebol, Julia começou jogando somente com meninos em uma escolinha de futsal. Ela conta sobre as dificuldades de ser a única menina entre o time e os torneios que participava. “No início foi muito difícil, porque a gente jogava com outros times que também só tinham meninos e eles tinham aquele preconceito… Eu sentia muito isso, por exemplo, os meninos não iam até o final em uma disputa de bola, porque era menina”, relata.

Julia durante seu treino em 2018. Foto: Reprodução Instagram.

Com o passar do tempo, após conhecer outras meninas que também jogavam futebol, soube que poderia entrar em um time. Então, ingressou no time de futebol feminino do Sport Club Internacional, que era comandado por Duda Luizelli. Julia conta que essa oportunidade foi incrível para seu crescimento dentro do futebol, mas, após um ano dentro do time, rompeu o ligamento e teve que se afastar dos treinos. Após a sua recuperação, voltou a jogar mas desistiu do sonho, segundo ela, por falta de oportunidade. 

Em relação ao futebol masculino, as oportunidades de carreira dentro do esporte são bem diferentes, tendo em vista que a maioria dos clubes não investem em equipes femininas usando como justificativa o pouco retorno e visibilidade. 

Pensando em ajudar a mudar essa realidade, a Conmebol, em meio às mudanças que implementou em suas competições em meados de 2016, ordenou que os times que disputarem a Copa Libertadores e a Copa Sul-Americana terão de ter pelo menos uma equipe feminina. Sobre o requisito, o documento fala que “o solicitante (a disputar a competição) deverá ter uma equipe feminina ou associar-se a um clube que possua a mesma. Ademais, deverá ter ao menos uma categoria juvenil feminina, ou associar-se a um clube que possua a mesma”.

Além disso, os clubes deverão oferecer apoio técnico e toda a estrutura necessária para as equipes femininas, para que possam treinar e participar de torneios. Segundo Julia Pompeo, essa foi uma decisão muito importante pois mudou os rumos do futebol feminino no Brasil e em toda a América Latina, proporcionando uma maior visibilidade ao futebol feminino. 

Investimentos no futebol feminino nos últimos anos

Durante a Copa do Mundo de 2019, realizada na França, onde mobilizou milhares de brasileiros para assistir à seleção feminina, a Fifa revelou que irá realizar um investimento de US$ 1 bilhão na categoria e, mesmo com a pandemia do coronavírus, irá manter o mesmo valor. Segundo o site Rainhas do Drible, a ideia de Gianni Infantino, presidente da Fifa, não é somente realizar o investimento, mas também dobrar o valor da premiação e aumentar as equipes de 24 para 32, para o próximo Mundial em 2023. Contudo, segundo a Forbes, o investimento não é o suficiente para alavancar a categoria feminina de futebol: “Progresso e melhorias vão requerer mais do que só investimentos. A modalidade feminina precisa planejar o futuro em nível nacional e internacional ou correr o risco de virar uma modalidade olímpica”.

Além da falta de oportunidades, a questão dos investimentos também é um fardo que o futebol feminino carrega. Uma situação inusitada que aconteceu em outubro de 2020 chamou a atenção das mídias para esse problema. Pela segunda rodada do Campeonato Paulista de futebol, em 21 de outubro de 2020, na Arena Barueri, o time do São Paulo goleou o Taboão da Serra por 29 a 0.

São Paulo goleia Taboão da Serra por 29 a 0. Foto: Reprodução.

Apesar de o placar chamar muita atenção, um depoimento dado pela capitã do time do Taboão da Serra serviu para mostrar a dura realidade que os times femininos enfrentam no dia a dia quanto a estrutura dos clubes. Segundo Nini, o time do interior de SP possui pouco investimento e não possui nenhum apoio do clube. 

“Em pouca coisa o clube nos ajuda. É mais a vontade da comissão técnica mesmo. Ninguém tem salário, ninguém tem condução. A gente não tem roupa de treino, não tem apoio nenhum do clube. A gente simplesmente usa o nome do clube para participar do Campeonato Paulista porque acredita que é uma oportunidade para as meninas mais novas”, relatou a capitã à FPF TV. 

Com os olhares voltados para o futebol feminino durante a Copa do Mundo, muitos temas surgiram. Um levantamento realizado pelo EXTRA no ano de 2019, mostra que os 20 clubes participantes da série A (até então) investiam no máximo 1% de seus orçamentos no futebol feminino. O Santos liderava a tabela sendo o time que mais investiu. O Flamengo investe cerca de R$ 1 milhão, o que equivalia na época ao salário de um mês do Gabigol. Diante dessa situação, com o baixo incentivo e investimento a prática futebolística se torna quase impossível para as jogadoras. Levando assim, a esperança de o futebol se tornar um esporte igualitário em questão de investimentos e oportunidades. 

Questão salarial das jogadoras no Brasil

Além da falta de investimentos em equipamentos, lugares para treinos e preparação física, uniformes, entre outros, o futebol feminino também é financeiramente afetado na questão da disparidade salarial.  

Segundo o site de notícias da UOL, os contratos de jogadoras de futebol que atuam no Brasil possuem a duração de um ano. Isso quando existe realmente um contrato de trabalho, pois a grande maioria trabalha informalmente. Assim como é raro encontrar clubes que ofereçam carteira assinada às jogadoras. O Corinthians, por exemplo, começou a assinar os contratos de suas jogadoras a partir de 2019. 

A negociação, diferentemente dos times masculinos, não é feita a partir da compra de passes das jogadoras. Os contratos de trabalho são firmados entre clube e atleta de forma direta, sem necessidade de compra de transferência. Com a grande visibilidade proporcionada pela Copa do Mundo de 2019, os negócios mudaram consideravelmente, tanto em questão de contratos como de salário, mas a realidade ainda é difícil. 

Ainda segundo a UOL, as jogadoras que atuam na primeira divisão do Brasileiro, ganham em média até dois salários mínimos por mês. Ainda que muitos clubes tenham investido um pouco mais no futebol praticado por mulheres, o salário não passa dos R$3 mil. Valores insignificantes perto da folha salarial do futebol masculino. No São Paulo, por exemplo, o total de investimentos em 2019 chegou a menos de dois salários do jogador Daniel Alves, que equivale a R$1,5 milhão. 

Além disso, com a pandemia e o futebol paralisado em março, foi o suficiente para alastrar uma enorme crise financeira nos clubes, que afetou todas as categorias de jogadoras. Alguns clubes fizeram até redução dos salários dos jogadores profissionais para tentar amenizar a situação, assim como de jogadoras, mas muitas foram dispensadas durante esse período de crise mais acentuada. 

Em abril de 2020, a Confederação Nacional de Futebol (CBF) destinou cerca de R$150 mil para equipes da série A1 e R$50 mil para equipes da série A2, para tentar ajudar na folha salarial das jogadoras. Contudo, dos 52 clubes beneficiados, seis — Audax, Juventus, Autoesporte-PB, Santos Dumont-SE, Atlético-GO, Sport e Vitória — demoraram para repassar os valores para as jogadoras, que eram de R$ 500 a R$ 1000, o que resultou em piora do cenário para as jogadoras. Com a volta dos campeonatos na metade do ano, a situação foi sendo normalizada aos poucos. 

Em setembro de 2020, após anunciar as novas dirigentes para as coordenações de competições femininas, o presidente da CBF Rogério Caboclo, anunciou também que a entidade definiu a igualdade entre os valores das premiações entre as seleções masculinas e femininas. A equidade já havia sido adotada na convocação da equipe feminina para o Torneio Nacional da França. Em coletiva, o presidente afirmou que não há mais diferença de gênero em relação à remuneração na CBF. 

O assédio dentro dos campos 

Um dos problemas dentro do futebol feminino brasileiro é a questão do assédio. Além de sofrerem pelo assédio moral, ao serem questionadas sobre a sua qualidade dentro dos campos, as jogadoras também enfrentam o assédio sexual durante a prática futebolística. 

A ex-jogadora Julia Pompeo afirma que nunca sofreu assédio sexual físico, mas algumas situações já a incomodaram dentro de campo. “Sempre foi algo psicológico. Se eu colocava uma legging pra jogar bola, sempre tinha os olhares dos meninos. Algumas vezes já fomos treinar entre 11h e 12h da manhã, um horário com temperatura mais quente, e jogávamos sem a camiseta, somente de top. Os meninos que estavam esperando para usar a quadra no próximo horário ficavam debochando ou gritando palavras de assédio”, relata. 

Sobre os comentários pejorativos, a jogadora profissional Elena Mueller, afirma que as mulheres que jogam futebol inevitavelmente precisam ouvir falas machistas, desnecessárias, tentando minimizá-las e fazendo comparações, muitas vezes por falta de conhecimento da própria pessoa em relação ao futebol. 

Elena reitera que essas situações acontecem e cabe às próprias jogadoras enfrentarem de cabeça erguida. “Bater no peito, falar eu jogo futebol sim, eu sou mulher e jogo futebol. A mulher tem tanta capacidade como o homem para jogar futebol. O que eu sempre digo em relação a preconceito, é que a gente não se cale. Que se alguém fizer uma brincadeira que não for legal, que digamos que isso não deve existir. Na maioria das vezes os homens não sabem as dificuldades que a gente passa no futebol feminino, então o principal ponto é não se calar”, declara a jogadora. 

A inconveniência não vem somente dentro de campo. Podemos citar como exemplo, uma situação recente que aconteceu em dezembro de 2020. Durante o chamado programa “Dupla em debate” da Rádio Grenal, o comentarista Roberto Moure, sugeriu que as atletas do Internacional deveriam usar “fio dental” para jogarem. 

Durante o programa, o comentarista disse que as jogadoras que teriam as ‘pernas mais bonitas’ deveriam usar shorts mais curtos para jogar. “Uma sugestão para essas meninas, principalmente do Internacional, que querem usar o calçãozinho ali parecendo o Diego Barbosa. Peçam para confeccionar calções mais curtos, que fica horrível o que vocês estão fazendo. Ah! Mas as pernas são mais bonitas que as dos homens, não tenho dúvidas”.

Os comentários constrangem o apresentador, Flávio Dal Pizzol, que pede desculpas à sua companheira Heloíse Bordin, que era convidada do programa durante o ocorrido. Após o comentário sexista, Moure pediu retratação e disse não haver qualquer intenção de ferir ou ofender as jogadoras, pedindo desculpas pelo seu comentário. A Rádio Grenal também se manifestou, através de uma mensagem, sobre a situação:

“A rádio Grenal completará nove anos de existência em maio de 2021 e, desde a sua estreia, dirigida por uma mulher, que foi uma das primeiras comunicadoras a cobrir futebol no Brasil, a nossa diretora Marjana Vargas, a rádio Grenal foi a primeira emissora de rádio a contar com uma mulher atuando nas jornadas esportivas como repórter de campo. A rádio Grenal detém o título de primeira rádio FM a transmitir uma partida de futebol com equipe exclusivamente formada por mulheres, o que aconteceu na final do Gaúchão feminino do ano passado. A rádio Grenal é apaixonada pelo futebol e apaixonada pelo respeito e pela igualdade de direitos e oportunidades que devem unir a humanidade”, destacou a nota. 

Além das jogadoras e das jornalistas esportivas, as profissionais que atuam de outras maneiras dentro de campo também sofrem com as adversidades. A árbitra assistente Luiza Reis, conta que não sofreu com situações de assédio mas que foi muito ofendida em uma ocasião quando errou um lance em um jogo. “Eu comecei a ser muito criticada nas minhas redes sociais pessoais, não por ter errado o lance, mas por ser mulher e ter errado o lance. Então isso foi uma situação em que fiquei bem chateada. Hoje já faz um tempo, já consigo lidar melhor com isso”, relata Luiza. A árbitra ainda destaca que muitas pessoas que frequentam os estádios acabam insultando os árbitros, o que é uma atitude errada. 

Com essa e tantas outras situações de assédio que acontecem no dia a dia das mulheres que jogam futebol — que muitas vezes não são divulgadas pela mídia — muitas meninas publicaram manifestações na internet em apoio às vítimas. 

Do campo para as arquibancadas 

A batalha das mulheres pelo espaço no futebol não é vista somente no campo. Assim como em qualquer competição, a presença do torcedor serve como incentivo aos atletas, porém quando se trata da presença da mulher nas arquibancadas isso se torna mais uma  luta pelo seu direito de ocupar espaços considerados masculinos. 

Diante dessa movimentação na própria torcida do futebol feminino vem ganhando cada vez mais apoio de torcedoras que já trazem a tradição de acompanhar os times masculinos de seus clubes. Revelando que é o momento de acabar de vez com qualquer discriminação de gênero quando o assunto é futebol.

Um vídeo que chocou as redes sociais em 2018, foi considerado o primordial para a criação de novos movimentos e coletivos de torcedoras que exigiam respeito às mulheres no mundo do esporte. A gravação mostra uma torcedora com a camisa do Palmeiras sendo agredida e expulsa de um vagão no metrô por vários torcedores do Corinthians. 

Apesar de o placar chamar muita atenção, um depoimento dado pela capitã do time do Taboão da Serra, serviu para mostrar a dura realidade que os times femininos enfrentam no dia a dia quanto a estrutura dos clubes. Segundo Nini, o time do interior de SP possui pouco investimento e não possui nenhum apoio do clube. 

“Em pouca coisa o clube nos ajuda. É mais a vontade da comissão técnica mesmo. Ninguém tem salário, ninguém tem condução. A gente não tem roupa de treino, não tem apoio nenhum do clube. A gente simplesmente usa o nome do clube para participar do Campeonato Paulista porque acredita que é uma oportunidade para as meninas mais novas”, relatou a capitã à FPF TV. 

Com os olhares voltados para o futebol feminino durante a Copa do Mundo, muitos temas surgiram. Um levantamento realizado pelo EXTRA no ano de 2019, mostra que os 20 clubes participantes da série A (até então) investiam no máximo 1% de seus orçamentos no futebol feminino. O Santos liderava a tabela sendo o time que mais investiu. O Flamengo investe cerca de R$ 1 milhão, o que equivalia na época ao salário de um mês do Gabigol. Diante dessa situação, com o baixo incentivo e investimento a prática futebolística se torna quase impossível para as jogadoras. Levando assim, a esperança de o futebol se tornar um esporte igualitário em questão de investimentos e oportunidades. 

Questão salarial das jogadoras no Brasil

Além da falta de investimentos em equipamentos, lugares para treinos e preparação física, uniformes, entre outros, o futebol feminino também é financeiramente afetado na questão da disparidade salarial.  

Segundo o site de notícias da UOL, os contratos de jogadoras de futebol que atuam no Brasil possuem a duração de um ano. Isso quando existe realmente um contrato de trabalho, pois a grande maioria trabalha informalmente. Assim como é raro encontrar clubes que ofereçam carteira assinada às jogadoras. O Corinthians, por exemplo, começou a assinar os contratos de suas jogadoras a partir de 2019. 

A negociação, diferentemente dos times masculinos, não é através da compra de passes das jogadoras. Os contratos de trabalho são firmados entre clube e atleta de forma direta, sem necessidade de compra de transferência. Com a grande visibilidade proporcionada pela Copa do Mundo de 2019, os negócios mudaram consideravelmente, tanto em questão de contratos como de salário, mas a realidade ainda é difícil. 

Ainda segundo a UOL, as jogadoras que atuam na primeira divisão do Brasileiro, ganham em média até dois salários mínimos por mês. Ainda que muitos clubes tenham investido um pouco mais no futebol praticado por mulheres, o salário não passa dos R$3 mil. Valores insignificantes perto da folha salarial do futebol masculino. No São Paulo, por exemplo, o total de investimentos em 2019 chegou a menos de dois salários do jogador Daniel Alves, que equivale a R$1,5 milhão. 

Além disso, com a pandemia e o futebol paralisado em março, foi o suficiente para alastrar uma enorme crise financeira nos clubes, que afetou todas as categorias de jogadoras. Alguns clubes fizeram até redução dos salários dos jogadores profissionais para tentar amenizar a situação, assim como de jogadoras, mas muitas foram dispensadas durante esse período de crise mais acentuada. 

Em abril de 2020, a Confederação Nacional de Futebol (CBF) destinou cerca de R$150 mil para equipes da série A1 e R$50 mil para equipes da série A2, para tentar ajudar na folha salarial das jogadoras. Contudo, dos 52 clubes beneficiados, seis — Audax, Juventus, Autoesporte-PB, Santos Dumont-SE, Atlético-GO, Sport e Vitória — demoraram para repassar os valores para as jogadoras, que eram de R$500 à R$1000 reais, piorando ainda mais o cenário para as jogadoras. Com a volta dos campeonatos na metade do ano, a situação foi sendo normalizada aos poucos. 

Em setembro de 2020, após anunciar as novas dirigentes para as coordenações de competições femininas, o presidente da CBF Rogério Caboclo, anunciou também que a entidade definiu a igualdade entre os valores das premiações entre as seleções masculinas e femininas. A equidade já havia sido adotada na convocação da equipe feminina para o Torneio Nacional da França. Em coletiva, o presidente afirmou que não há mais diferença de gênero em relação à remuneração na CBF. 

O assédio dentro dos campos 

Um dos maiores problemas dentro do futebol feminino brasileiro é a questão do assédio. Além de sofrerem pelo assédio moral, ao serem questionadas sobre a sua qualidade dentro dos campos, as jogadoras também enfrentam o assédio sexual durante a prática futebolística. 

A ex-jogadora Julia Pompeo afirma que nunca sofreu assédio sexual físico, mas algumas situações já a incomodaram dentro de campo. “Sempre foi algo psicológico. Se eu colocava uma legging pra jogar bola, sempre tinha os olhares dos meninos. Algumas vezes já fomos treinar entre 11h e 12h da manhã, um horário com temperatura mais quente, e jogávamos sem a camiseta, somente de top. Os meninos que estavam esperando para usar a quadra no próximo horário ficavam debochando ou gritando palavras de assédio”, relata. 

Sobre os comentários pejorativos, a jogadora profissional Elena Mueller, afirma que as mulheres que jogam futebol inevitavelmente precisam ouvir falas machistas, desnecessárias, tentando minimizá-las e fazendo comparações, muitas vezes por falta de conhecimento da própria pessoa em relação ao futebol. 

Elena reitera que essas situações acontecem e cabe às próprias jogadoras enfrentarem de cabeça erguida. “Bater no peito, falar eu jogo futebol sim, eu sou mulher e jogo futebol. A mulher tem tanta capacidade como o homem para jogar futebol. O que eu sempre digo em relação a preconceito, é que a gente não se cale. Que se alguém fizer uma brincadeira que não for legal, que digamos que isso não deve existir. Na maioria das vezes os homens não sabem as dificuldades que a gente passa no futebol feminino, então o principal ponto é não se calar”, declara a jogadora. 

A inconveniência não vem somente dentro de campo. Podemos citar como exemplo, uma situação recente que aconteceu em dezembro de 2020. Durante o chamado programa “Dupla em debate” da Rádio Grenal, o comentarista Roberto Moure, sugeriu que as atletas do Internacional deveriam usar “fio dental” para jogarem. 

Durante o programa, o comentarista disse que as jogadoras que teriam as ‘pernas mais bonitas’ deveriam usar shorts mais curtos para jogar. “Uma sugestão para essas meninas, principalmente do Internacional, que querem usar o calçãozinho ali parecendo o Diego Barbosa. Peçam para confeccionar calções mais curtos, que fica horrível o que vocês estão fazendo. Ah! Mas as pernas são mais bonitas que as dos homens, não tenho dúvidas”.

Os comentários constrangem o apresentador, Flávio Dal Pizzol, que pede desculpas à sua companheira Heloíse Bordin, que era convidada do programa durante o ocorrido . Após o comentário sexista, Moure pediu retratação e disse não haver qualquer intenção de ferir ou ofender as jogadoras, pedindo desculpas pelo seu comentário. A Rádio Grenal também se manifestou, através de uma mensagem, sobre a situação:

“A rádio Grenal completará nove anos de existência em maio de 2021 e, desde a sua estreia, dirigida por uma mulher, que foi uma das primeiras comunicadoras a cobrir futebol no Brasil, a nossa diretora Marjana Vargas, a rádio Grenal foi a primeira emissora de rádio a contar com uma mulher atuando nas jornadas esportivas como repórter de campo. A rádio Grenal detém o título de primeira rádio FM a transmitir uma partida de futebol com equipe exclusivamente formada por mulheres, o que aconteceu na final do Gaúchão feminino do ano passado. A rádio Grenal é apaixonada pelo futebol e apaixonada pelo respeito e pela igualdade de direitos e oportunidades que devem unir a humanidade”, destacou a nota. 

Além das jogadoras e das jornalistas esportivas, as profissionais que atuam de outras maneiras dentro de campo também sofrem com as adversidades. A árbitra assistente Luiza Reis, conta que não sofreu com situações de assédio mas que foi muito ofendida em uma ocasião quando errou um lance em um jogo. “Eu comecei a ser muito criticada nas minhas redes sociais pessoais, não por ter errado o lance, mas por ser mulher e ter errado o lance. Então isso foi uma situação em que fiquei bem chateada. Hoje já faz um tempo, já consigo lidar melhor com isso”, relata Luiza. A árbitra ainda destaca que muitas pessoas que frequentam os estádios acabam insultando os árbitros, o que é uma atitude errada. 

Com essa e tantas outras situações de assédio que acontecem no dia a dia das mulheres que jogam futebol — que muitas vezes não são divulgadas pela mídia — muitas meninas publicaram manifestações na internet em apoio às vítimas. 

Do campo para as arquibancadas 

A batalha das mulheres pelo espaço no futebol não é vista somente no campo. Assim como em qualquer competição, a presença do torcedor serve como incentivo aos atletas, porém quando se trata da presença da mulher nas arquibancadas isso se torna mais uma  luta pelo seu direito de ocupar espaços considerados masculinos. 

Diante dessa movimentação na própria torcida do futebol feminino vem ganhando cada vez mais apoio de torcedoras que já trazem a tradição de acompanhar os times masculinos de seus clubes. Revelando que é o momento de acabar de vez com qualquer discriminação de gênero quando o assunto é futebol. 

Um vídeo que chocou as redes sociais em 2018, foi considerado o primordial para a criação de novos movimentos e coletivos de torcedoras que exigiam respeito às mulheres no mundo do esporte. A gravação mostra uma torcedora com a camisa do Palmeiras sendo agredida e expulsa de um vagão no metrô por vários torcedores do Corinthians. 

Torcedoras buscam apoio em coletivos para frequentar os estádios com tranquilidade. Fotomontagem: Lance!

Na época os clubes divulgaram uma nota condenando as agressões, mas para algumas torcedoras palmeirenses era necessário mais posicionamento. Foi assim, que uma das administradoras se reuniu com outras palmeirenses e criaram o movimento VerDonnas. Em 2019, esse movimento já era composto por nove administradoras e mais quatro grupos com uma média de 250 mulheres cada. 

Logo em seguida, o Movimento Alvinegras foi criado por corinthianas para apoiar e organizar mulheres que queiram acompanhar o seu time pelos estádios. E no mesmo embalo as santistas do Bancada das Sereias, também em busca de respeito, criaram o movimento após se questionarem sobre as dificuldades enfrentadas por elas mesmas no estádio.

De uma manifestação nas redes sociais, nasceu também o movimento São PraElas, das são-paulinas. As torcedoras desenvolveram a hashtag #saopaulinasuniformizadas no Twitter, com o intuito de protestar contra o fato da Underarmour, fornecedora dos uniformes de jogo do time que não fabricava nenhuma peça feminina. 

Embora a presença das mulheres nos estádios ainda seja vista como uma vivência passiva, de acompanhantes, este quadro vem mudando. As rivalidades ficam apenas em campo, a vontade de poder frequentar os jogos, gritar e torcer é maior entre elas. Toda a organização derivada das tradicionais torcidas do futebol masculino também refletem na torcida do futebol feminino.

Ativismo digital também realizado pelas jornalistas 

Jornalistas da Gaúcha ZH compartilhando a campanha #DeixaElaTrabalhar. Foto: Reprodução

A repórter Bruna Dealtry, durante uma cobertura ao vivo de uma partida de futebol em 2019, pelo canal Esporte Interativo, foi interrompida por um torcedor que a beijou à força, em frente a câmera. O caso ocorreu no Rio de Janeiro, na partida entre o Vasco e o Universidad do Chile, pela Libertadores da América. Em choque e constrangida, a jornalista apenas diz “não foi legal” e segue a transmissão.

Por coincidência, naquela mesma semana em Porto Alegre tinha também ocorrido um caso parecido. Um torcedor do Inter insultou e agrediu fisicamente a jornalista Renata Medeiros, da Rádio Gaúcha, durante a cobertura de Inter e Grêmio.  

Esses dois casos ilustram o que muitas mulheres, tanto da área do esporte ou de outros ambientes de trabalho, recebem pelo simples fato de serem mulheres. Foi diante disso, que criaram uma nova campanha com o objetivo de jogar luz sobre este problema e clamar pelo respeito às profissionais.

Foi o movimento #DeixaElaTrabalhar, com um grupo de 50 jornalistas mulheres de todo o país que desenvolveram um vídeo com relatos desses assédios sofridos. As jornalistas relataram comentários violentos e ameaças de estupro de torcedores no estádios e nas redes sociais. 

Confira o vídeo da campanha:

 

[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=omrrIFeCTLQ ” title=”https:%2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch?v%3DomrrIFeCTLQ%20″]

 

O principal intuito da campanha era chamar a atenção para as agressões que as profissionais sofrem não somente nos estádios, mas também nas redações, em suas redes pessoais, na rua ou em onde for. A campanha apesar de criada por jornalistas não se limitava somente a esta editoria, o movimento abraçava todas as esferas, sendo uma maneira de incentivar o relato sofrido e a busca pelos espaços.

Após a campanha, diversos clubes se posicionaram sobre o caso, o Atlético-MG entrou em campo para o clássico contra o Cruzeiro com faixas chamando a atenção para a violência contra a mulher. A responsável pela lei que criminaliza a violência doméstica e familiar, Maria da Pena M. Fernandes, esteve no gramado do Independência e foi homenageada pelo clube, além de torcedoras apresentarem variados cartazes com dizeres “Meu lugar é aqui”, nas arquibancadas. O Corinthians jogou contra o Mirassol com a marca #RespeitaAsMinas estampadas no uniforme e entrou junto ao campo com as atletas do time feminino. 

O assédio entre as jornalistas já acontecia antes mesmo da união entre elas para denunciar os abusos e assédios. Em 2016, depois que uma repórter do portal G1 ser assediada no meio de uma entrevista coletiva pelo cantor Biel, um grupo de jornalistas mulheres criaram a campanha #JornalistasContraOAssédio. Na época o cantor chamou a repórter de “gostosinha” e disse que “quebraria no meio” se eles tivessem relações sexuais. Hoje a campanha se transformou em um coletivo que denuncia as diversas formas de assédio. 

Casos deste teor acontecem nos grandes estádios e também nos pequenos. A jornalista esportiva do Diário de Santa Maria, Janaína Wille, integrou o Radar Esportivo da Rádio Universidade onde realizava programas de rádio sobre esporte e transmissões do futebol americano e da divisão de acesso. 

Janaína relata que trabalhar nessa área é comum ouvir comentários direcionados tanto as atletas quanto as profissionais. A jornalista diz nunca ter sofrido nenhum assédio, porém passou por casos desconfortáveis como quando por conta de sua simpatia ao entrevistar e conversar com a torcida, muitas vezes era mal interpretada, pelo simples fato de ser uma mulher. “Muitas vezes aconteceu de sair um gol e o torcedor querer me abraçar, me tocar, sem nenhuma permissão, até aquele “chega pra lá””, comenta a jornalista. 

Esse tipo de comportamento não ocorre somente pelos torcedores, a comunicadora conta ter passado uma experiência desconfortável com um determinado dirigente, onde em entrevista o homem foi extremamente grosseiro e assim que, entrevistado por outra jornalista, teve um comportamento diferente. Uma atitude completamente machista, deixando claro que a outra jornalista o agradava mais.

A jornalista enfatiza que se sente privilegiada em trabalhar com jovens de mente aberta e que possuem respeito pelas profissionais, que embora nunca tenha passado por casos graves enquanto trabalhava, acredita que o primeiro passo é dado pela mídia, reconhecendo esses casos de assédio, ofensa e abuso. “É importantíssimo escancarar esses casos para as pessoas verem que não pode ser impune esses tipos de agressões”, diz Janaina. 

Embora Santa Maria seja uma cidade do interior, onde o futebol não possui tanto engajamento como nas cidades capitais, assédios como esse não são impunes como parecem. Bem como relatou Janaina, o primeiro passo para combater é por nas redes, noticiar nos jornais, deixar a sociedade ciente. Nenhuma mulher mais irá deixar de ir aos jogos ou muito menos, uma jornalista deixará de cumprir sua profissão por conta de homem que não sabe se comportar.

Marta: o maior símbolo do futebol brasileiro feminino

Na imagem, Marta em um amistoso pela Seleção Brasileira Feminina. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

Tanto Marta como Pelé são jogadores de grande magnitude e possuem uma importância histórica muito grande para o futebol brasileiro. Contudo, Marta já ultrapassou Pelé em algumas categorias de premiações. 

Segundo a ESPN, enquanto Pelé ganhou três Copas do Mundo para o Brasil e foi eleito o maior da história, Marta, apesar de possuir títulos nacionais de menos peso, ainda sim supera o ‘Rei’ em prêmios individuais. Marta já ultrapassou Pelé como melhor artilheiro da história da seleção brasileira, chegando a 100 gols, enquanto Pelé tem 95. A jogadora também superou Pelé em número de gols em Copas. Ela com 15 gols e ele com 12.

Até então foram seis prêmios de melhor do mundo da Fifa, 17 gols em Copas do Mundo, sendo a maior artilheira da história dos Mundiais entre homens e mulheres. Foram 107 gols pela seleção brasileira, o que também faz dela a maior artilheira que já vestiu a camisa amarela. A então conhecida como “Rainha do Futebol”, ultrapassou barreiras para chegar até onde chegou e se tornar tão influente no futebol feminino. 

Em 2020, a camisa 10 da seleção, Marta, tentou sua quinta Olimpíada em busca do tão sonhado ouro inédito. A jogadora se aproximou do título em 2004 e 2008, quando o Brasil perdeu para os Estados Unidos na final. 

Durante as décadas de proibição e falta de investimentos, o futebol feminino sofreu muito para conquistar espaço, mas foi nos pés de Marta que as portas começaram a se abrir. O país não tinha sequer um Campeonato Brasileiro para as mulheres competirem, porém aquele que se tornaria no futuro um ícone dos gramados, encantava o mundo com seus dribles e gols em campo. Hoje, os maiores especialistas já afirmam que ela é a maior de todos os tempos. 

A visibilidade que não existia antes, fez com que Marta se tornasse uma grande referência para tantas outras mulheres que também sonham com um futuro promissor nos campos de futebol. Depois de ganhar o prêmio da Fifa pela sexta vez em 2019, Marta ganhou homenagem na sede da CBF e foi capa das principais publicações nacionais e internacionais. 

No país do futebol, também é o país do carnaval e em 2020 a atleta foi tema de uma escola de samba no Rio de Janeiro, a Inocentes de Belford Roxo, do grupo de acesso, levando a jogadora como tema do enredo na Sapucaí. 

Assim como muitas jovens espalhadas pelo Brasil inteiro, Marta também iniciou seus passos quando era uma simples criança e jogava futebol entre os meninos de Dois Riachos. Marta jogou em um time da cidade, até ser banida do campeonato por ser “boa demais”. A jogadora já relatou em diversas entrevistas ter ouvido o termo “aqui não é lugar para meninas”, vindas de um treinador que não quis a colocar o time no campeonato até ter certeza que Marta não jogaria na equipe. 

Com 14 anos, Marta realizou um teste no Vasco, jogou nas categorias de base e logo chegou à seleção, ainda na adolescência. A jovem enfrentou logo cedo as dificuldades do futebol feminino, quando o clube cruzmaltino encerrou as atividades do time feminino e ela por conta disso, se viu na necessidade de procurar outra equipe para seguir seu caminho. 

Marta foi para Minas Gerais, temporariamente, porém com o sucesso que fez na Copa do Mundo em 2013, a então jogadora recebeu a proposta de jogar em um time na Suécia. Diferente de Pelé, a jogadora não pode seguir os mesmos passos fazendo carreira e se tornando uma ídola absoluta de um único clube. A realidade do esporte feminino não permitiu isso na época e os clubes foram se formando e acabando, tudo por conta da falta de investimento. 

Foi assim que Marta fez parte de diversos clubes, jogando na Suécia, nos Estados Unidos, passou um tempo no Santos no “dream team” das Sereias da Vila, até retornar para a Suécia no Rosengard e depois voltar ao país do futebol feminino para no Orland Pride. Marta conquistou Champions League, Campeonato Sueco, Libertadores, Copa do Brasil, Liga America pelos clubes, além de dois ouros em Pan-Americanos, três em Copa América e duas medalhas de prata olímpicas.

A história da craque dos campos femininos é tão importante e notória para a cultura da sociedade brasileira, tendo em vista a existência de alguém tão gigantesca no esporte. Isso tudo gera ainda mais um apoio a todas aquelas meninas que sonham com uma carreira que ainda sofre tanto com o preconceito e com a desvalorização. 

Marta foi e ainda é um grande ícone a ser seguido, a jogadora mostrou que é possível de fato chegar tão longe em um esporte que ainda é visto pela maioria como apenas destinado aos homens. 

Novas perspectivas do futebol feminino no Brasil

O futebol feminino cresce a cada dia e busca pelo seu espaço. Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA.

Apesar dos salários discrepantes comparados aos homens, as condições precárias e a pouca valorização, foi em 2019 que o futebol feminino ficou marcado como um ano de mudanças significativas para a modalidade. 

Mulheres do mundo todo lutam por melhores condições de trabalho dentro do futebol. Essa luta finalmente parece estar atingindo os efeitos que elas sempre mereceram. A visibilidade da categoria, enfim, começa a existir. 

Em 2019, a sétima edição consecutiva do Campeonato Brasileiro recebeu transmissão gratuita pela internet. Foram 52 participantes na competição, muito por conta da exigência dos clubes aderirem ao Programa Governamental de Refinanciamento de Dívidas do Futebol Brasileiro – Profut.

O calendário rentável da modalidade no país foi uma exigência que garante a sobrevivência desses clubes ao longo da temporada e facilita também o processo de criação de um público fiel.

No mesmo ano, o futebol feminino ficou marcado graças ao grande evento da temporada, a Copa do Mundo. A competição contou com 24 países participantes e chegou a sua oitava edição, acontecendo em Junho, na França. No início do ano, em carta, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, afirmou que a competição mudaria a forma como o futebol feminino seria visto no planeta.

A primeira edição da competição, foi disputada em 1898 e desde então vem conseguindo superar as dificuldades que enfrenta, assim como os importantes progressos recentes na modalidade. A expectativa em 2019 é que a competição fosse um divisor de águas na modalidade, promovendo a igualdade das condições dos gramados.

O primeiro fator motivador na Copa do Mundo de 2019, foi a venda dos ingressos ser efetuada com sucesso, esgotando a abertura e as semifinais assim que abertas as vendas. A França adquiriu esse sucesso por conta dos preços, trabalhando valores atrativos com pacotes de três jogos a partir de 25 euros e partidas avulsas a partir de nove euros, além de usar o título da seleção masculina para atrair o público a reviver tal emoção.

No Brasil, a competição foi um marco histórico, tendo em vista a luta todos os anos pela seleção feminina em receber de fato a visibilidade que merecia. O evento recebeu, pela primeira vez, atenção da mídia nacional. Numa manobra inédita, a Rede Globo deu espaço na sua programação aberta para todos os jogos disputados pela Seleção Brasileira, enquanto o SporTV transmitiu o torneio na íntegra, em seus canais fechados.

Foi também o ano dos patrocinadores surgirem. A Nike, empresa de material esportivo, fechou contrato com 14 países participantes da Copa, incluindo a Seleção Brasileira, lançando pela primeira vez uniformes exclusivamente para as mulheres que disputaram o Mundial. Além disso, houve lançamentos em roupas da Adidas que publicou um manifesto a favor da equiparação de pagamentos entre homens e mulheres no esporte. 

A Copa do Mundo de 2019 e a atenção dada pela mídia nacional, foram fatores iniciantes para uma maior visibilidade no esporte. Visibilidade essa que gera apoio a novas jogadoras e mulheres que querem viver no meio desta modalidade, mostrando que sim elas podem e devem impor seu espaço. 

Como um exemplo disso, em 2020 foi possível presenciar no jogo entre Juventus e Dínamo de Kiev, a primeira partida da Champions League a ser controlada por uma árbitra mulher, a Stéphanie Frappart. 

No Brasil foi possível comemorar conquistas como essa, já em 2021 a FIFA anunciou um trio de arbitragem feminina para o Mundial de Clubes de 2020, que será realizado em fevereiro devido a pandemia do coronavírus. A árbitra Edina Alves é a única mulher entre outros seis homens compondo a lista de árbitros da competição. Com ela a brasileira, Neuza Back e a argentina, Mariana de Almeida vão ocupar o posto de bandeirinha no torneio ao lado de outros dez assistentes. 

Também honrando a camisa da seleção, só que no futsal – esporte próximo ao futebol só que realizado em uma quadra fechada, a atleta Amandinha, é indicada ao prêmio de melhor jogadora do mundo pelo “Futsal Planet” e pode ganhar o título pela sétima vez.

Embora sejam poucas vitórias comparadas a tudo que o futebol masculino possui atualmente, sem ter feito tanto esforço quanto o feminino, é importante ressaltar que tudo que vem sendo realizado para esse crescimento está tendo resultados. 

A visibilidade gera conhecimento, coloca a vista o rosto de cada jogadora e seu potencial, dando a ela oportunidades de crescer com apoio e assim ter uma maior estrutura em seu trabalho. É como se um fator fosse movido pelo outro e somente assim esse ramo funcionasse. 

Para as jovens que estão recém iniciando sua carreira como a atleta Cauane, almejam a melhor perspectiva possível, acreditando no crescimento e desenvolvimento do futebol feminino. Para ela, a transmissão em rede nacional da Copa do Mundo Feminina em 2019 foi um marco fundamental para esse objetivo, mostrando o quanto o esporte é importante para a sociedade. “ As atletas merecem reconhecimento, após tantos anos de luta e dedicação, onde precisaram enfrentar e vencer tantos tipos de preconceito”.

O país do futebol deveria focar seu olhar mais naqueles que fazem pela bandeira, pela nacionalidade e pela paixão, dando assim o mesmo valor independente de gênero, raça, etnia ou qualquer outro aspecto que possa ser usado para justificar um esporte que pode e é praticado por todos.

Foi por conta do cenário convicto, que mulheres como a jogadora, Elena Mueller, que decidiu voltar a jogar em 2017 e 2018. De maneira positiva e colocando fé nos seus sonhos que hoje a atleta trabalha esse sentimento de apoio e orientação em uma mentoria. Ela orienta várias meninas que querem se tornar profissionais na gestão de carreira, gestão de imagem e gestão de relacionamento. 

“Hoje em dia, por exemplo, a internet está aí, ao acesso de todo mundo, então tende a crescer muito mais a partir do momento que as gurias tiverem essa noção de usar as ferramentas. …, aproveitar as oportunidades que estão acontecendo e surgindo cada vez mais, desde competições, visibilidade, porque tudo isso vem com o tempo”, relata Elena.   

O que se espera pelas atletas, pelas torcedoras, pelas comunicadoras e por todos aqueles que admiram o trabalho realizado em campo pelas mulheres, um futuro mais igualitário, valorizando o seu potencial e promovendo as mesmas oportunidades entre todos em um esporte que é tão fascinante e une o mundo inteiro.

 *Reportagem produzida para a disciplina de Jornalismo Investigativo sob a orientação do professor Maurício Dias

A incessante busca pelo corpo “perfeito” faz com que muitas pessoas recorram a procedimentos estéticos. Os procedimentos de cirurgia plástica vêm aumentando ano a ano. Estatísticas da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica mostraram que os brasileiros já ultrapassaram os norte-americanos, que têm praticamente o dobro da população. Nos últimos dois anos, a procura por procedimentos estéticos não cirúrgicos aumentou 390%. Entre os cirúrgicos, as operações com fins reconstrutores subiram 23%, enquanto as cirurgias com fins estéticos, apenas 8%.

Apenas no Estado de São Paulo, a média é de 50 mil cirurgias plásticas mensalmente, aponta o último levantamento da SPCP-SP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica – Regional São Paulo)  realizado com 378 cirurgiões plásticos, entre abril e maio do ano passado.

Fonte: Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

De acordo com a SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica), em 2009 foram realizadas 629.000 cirurgias, sendo 459.170 estéticas e 169.830 reparadoras. Em 2014 o número total foi de 1.288.800 cirurgias, 774.569 estéticas e 514.231 reparadoras.

 

 

 

 

 

Fonte: Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

Entre os procedimentos de reparação, os tumores cutâneos representam um número de 253.891, pós obesidade 68.379, reconstrução mamária 62.681 e revisão de cicatrizes 48.119. Nesse ano, foram realizadas quase um milhão e meio de cirurgias, sendo 839.288 estéticas e 664.809 reparadoras.

Entre os anos de 2009 e 2016, o número de cirurgias reparadoras aumentou 16%, como queimaduras e feridas complexas. Um dos fatores que influenciou nesse aumento é o alto índice de violência doméstica registrado, obrigando muitas mulheres a recorrerem esses procedimentos para tratar de sequelas decorrentes de agressões.  

Os procedimentos não cirúrgicos também aumentaram. Em 2014, o número era de 17,4%. No ano de 2016, passou para 47,5%. Entre os procedimentos não cirúrgicos mais procurados estão o preenchimento, toxina botulínica, peeling e laser. Em 2014 o número de pessoas que realizaram preenchimento era de 79,2%, em 2016 passou para 89,5%. Aplicação de toxina botulínica em 2014 era de 82,2% e em 2016 aumentou para 96,4%. O procedimento de peeling, diferente dos outros, teve uma queda. Em 2014, o número era de 28,2%, e, em 2016, caiu para 23,6%. No procedimento com laser também houve queda. No ano de 2014 o índice era de 17,4%, e, em 2016, foi para 12,3%.

Os procedimentos cirúrgicos mais realizados atualmente são aumento de mama (silicone) representando 19,6%, seguido de dermolipectomia abdominal e lipoaspiração, ambos com 15,6% de procura. Nos meninos, os procedimentos mais procurados são a ginecomastia (redução das mamas que crescem demais) e a cirurgia para corrigir a orelha de abano.

Fonte: Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

Segundo dados da SBCP, no período do inverno, associado às férias escolares, a procura pelas cirurgias aumenta em média 60%. Isso acontece porque o frio torna o pós-operatório mais confortável, favorecendo a recuperação mais rápida. Além disso, é recomendado não tomar sol após a cirurgia para evitar manchas.

A respeito da faixa etária dos pacientes, nas pesquisas realizadas em 2014 e 2016 ambas registraram que a faixa etária dos 19 a 35 anos são as maiores. Em 2014 o número era de 37,6%, e em 2016 houve um pequeno aumento, passando para 38,0%. Pessoas entre os 36 a 50 anos estão em segundo lugar na pesquisa. No ano de 2014 o número era de 33,2% e em 2016 aumentou para 34,2%.

Uma novidade do Censo 2016 é a inclusão dos dados do procedimento de bichectomia, que não constavam nos censos anteriores, e correspondeu a 0,5% dos procedimentos realizados e a polêmica plástica vaginal, responsável por 1,7% das cirurgias estéticas. A região sudeste aparece em primeiro lugar entre as regiões que mais realizam procedimentos estéticos. Isso deve-se também ao fato da região ser a mais populosa do país.

A partir dos dados investigados, é possível notar que apesar da propagação de movimentos e pessoas que pregam a aceitação do corpo e a valorização do interior em contra partido ao exterior, o número de pessoas que buscam por procedimentos estéticos ainda é grande. A procura pela “perfeição”, e por corrigir possíveis defeitos no corpo é desejo constante entre milhões de brasileiros. Seja o interesse por intervenções cirúrgicas ou até mesmo procedimentos estéticos não cirúrgicos, que estão em constante aumento, aparentemente por que são menos dolorosos, mais fáceis e baratos de serem feitos.

 

Reportagem produzida por Luísa Peixoto para a disciplina de Jornalismo Investigativo, do Curso de Jornalismo da UFN, ministrada pela professora Carla Torres durante o 2º semestre de 2018.

 

Em Santa Maria, mais de 20 registros de estupros foram constatados entre janeiro e outubro de 2017

O estupro é um tipo de agressão sexual geralmente envolvendo relação sexual ou outras formas de penetração, sempre realizado sem consentimento.  O ato pode ser realizado por força física, coerçãoabuso de autoridade ou contra uma pessoa incapaz de oferecer um consentimento válido, tal como quem está inconsciente, incapacitado, tem uma deficiência mental ou está abaixo da idade de consentimento.

Segundo o Artigo 213 da Legislação Federal, a penalização para a agressão sexual pode variar de seis a 30 anos. No Brasil, há poucos dados sobre o assunto, mas o Disque Denúncia (o Disque 100, Serviço Nacional de Denúncia de Abuso e Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes) registrou em 2014 uma média diária de 13 denúncias de abusos de meninos.

Mulheres protestando contra o estupro em Presidente Prudente. Foto: Betto Lopes/TV Fronteira/G1/Reprodução

A Delegada Débora Dias, titular da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher de Santa Maria, conta que houve mais de 20 registros de estupros na cidade entre janeiro e outubro de 2017: “É difícil de contabilizar porque nem todos são estupros. Por outro lado, acredito também que há muito estupro que também não é registrado. É um tipo de crime de se chama cifra obscura, onde as pessoas não registram por algum motivo. Muito mais quando envolve criança e adolescente.”

[dropshadowbox align=”center” effect=”lifted-bottom-left” width=”auto” height=”” background_color=”#ffffff” border_width=”1″ border_color=”#dddddd” ]Segundo o artigo Cifras criminais da Criminologia, de Vinícius Alexandre de Pádua, além da cifra obscura, existem as cifras douradas, que são crimes praticados por pessoas de alto-escalão. Também há as cifras cinza, amarela e verde. A primeira são ocorrência que apesar de serem registradas, não chegam ao final do processo. A Amarela representa aquelas em que a vítima sofreu violência cometida por um funcionário público e não denunciou o órgão público por medo de represália; enquanto a última, cifra verde, refere-se a crimes que não chegam à polícia e configuram a violência contra o ambiente: pichações ao patrimônio histórico, por exemplo.[/dropshadowbox]

Vivemos em um mundo, em um País ainda muito machista. Isso é confirmado pela pesquisa do Ipea, feita em 2013 e divulgada em 2014. Nela, 26% dos entrevistados concordam total ou parcialmente com a afirmação de que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. No entanto, 58,5% concordam total ou parcialmente com a afirmação que “Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”.

 A Delegada Débora Dias ainda completa dizendo que o estupro não é apenas uma violência física, mas também psicológica. Conforme a Delegada, muitas mulheres não fazem a denúncia pelo fato de terem que, no depoimento, reviver a violência. “Para a investigação é importante que a mulher fale tudo, todos os detalhes, e isso é uma violência também” afirma.

Segundo dados da ONU de 2010 (os últimos consolidados), os países com maior incidência de estupros são: EUA (84.767 casos), África do Sul (67 mil casos), Índia (22.172 casos), Reino Unido (15.9340) e México (14.993). 

Além de criminosos desconhecidos pela vítima, há os crimes domésticos. Esses são aqueles cometidos por ex-companheiros ou companheiro atuais, que, segundo a Delegada, são os mais difíceis de investigar, devido ao medo e à vergonha: “Se envolve pessoas da família, é muito mais difícil porque, às vezes, ela não vai registrar a ocorrência no dia seguinte. Ela espera. Ou acontece de novo“, conta.

“Estuprador”, em geral, é associado ao imaginário de um desconhecido monstruoso. Mas não é porque ele violentou uma pessoa que vai necessariamente comportar-se como um monstro o tempo inteiro. O mais comum é justamente o acusado aparentar ser uma pessoa simpática, mas – no espaço privado – agir de maneira agressiva e violenta.

Foto: Laboratório de Fotografia e Memória – UNIFRA

Desde a denúncia, são várias etapas que a investigação passa até chegar ao julgamento final. Quando o crime é feito por um desconhecido, por exemplo, a vítima faz a ocorrência e é encaminhada imediatamente ao hospital para fazer a medicação de profilaxia pós-exposição. Isso, no caso de Santa Maria, é feito no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM). O procedimento evita as Doenças Sexualmente Transmissíveis, como AIDS, além da gravidez indesejada. Após isso, a vítima é encaminhada ao exame de corpo de delito, em que são feitos todos os exames de coleta de material. Os dois processos devem ser feitos em até, no máximo, 72 horas depois do estupro para garantir sua eficácia. Em caso de estupro, é indicado até evitar de tomar banho: “Se tomar banho, fica muito mais difícil. A roupa é muito importante de ser examinada sem lavar, pois nela fica qualquer material genético mais tempo do que no corpo. Pode ficar até anos.” explica a Delegada.

Após os exames, a vítima é ouvida na delegacia, onde vai dar as características do autor do crime. Também são pedidas informações sobre local e hora. “De regra, a vítima não vê o rosto do estuprador. Primeiro porque ele não deixa, segundo porque elas também não olham para o rosto. Então, vamos ter que investigar alguma característica de voz, tatuagem e cheiro. Já aconteceu de fazermos identificação apenas por voz”, completa Débora Dias.

Após a identificação do autor do crime, ele vai ser ouvido, mas geralmente o estuprador não vai confessar e ainda vai negar. Mas, com as provas, ele será preso. O caso vai, então, para o Judiciário; lá o juiz vai ouvir a vítima, o agressor e as testemunhas, que podem ser até as primeiras pessoas que tiveram contato com a vítima.

É preciso romper com o pacto de silêncio que encobre as situações de abuso e exploração contra crianças e adolescentes. Não se deve ter medo de denunciar. Em caso de suspeita de violência sexual infanto-juvenil, denuncie para os Conselhos Tutelares, que foram criados para zelar pelo cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes. A essa instância cabe receber a notificação e analisar a procedência de cada caso, visitando as famílias. Se for confirmado o fato, o Conselho deve levar a situação ao conhecimento do Ministério Público. Em município onde não há Conselhos Tutelares, as Varas da Infância e da Juventude podem receber as denúncias. 

No Brasil, existe a Central de Atendimento à Mulher: Ligue 180. A ligação é gratuita. Criado em 2005 pela Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, serve como canal de orientação sobre direitos e serviços públicos direcionados à população feminina em todo o Brasil. Também serve como disque-denúncia. Outros órgãos que também estão preparados para ajudar são as Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente e as Delegacias da Mulher espalhadas pelo país.

 

“Aquele amor poderia ter me matado

Como mata centenas de mulheres por aí

Certos amores não passam

De uma bomba a ser desativada a tempo”

 Martha Medeiros

Por Andressa Marin e Sarah Vianna para a disciplina de Jornalismo Investigativo.

Nosegundo semestre de 2017, sob a orientação da professora Carla Torres. 

Toda minha gestação e parto foram feitos pela rede particular e mesmo assim sofri violências. Situações e procedimentos que me incomodaram. A primeira falha foi a falta de informação; essa pode, sim, ser uma violência obstétrica. O médico que me atendeu condena parto natural. Encorajar uma mulher de gestação saudável a fazer uma cirurgia é a segunda violência. O terceiro erro foi ter pago aquele conhecido “plantão”, para ter atendimento a qualquer horário. Hoje sabemos que é crime cobrar. Na hora da cesárea, ocorreu a quarta violência, a manobra de Kristeller (aquela em que os médicos sobem na barriga da mulher para expulsar o bebê). Hoje, pesquisando, sei que essa manobra é reconhecidamente danosa à saúde e, ao mesmo tempo, ineficaz, causando à mãe o desconforto da dor provocada, diversos traumas e, também, prejudicial ao filho. Na época eu não sabia disso, porém senti muita raiva, dor, falta de ar e implorei para pararem, porém eles não pararam. Quando não aguentava mais, escutei o choro do meu filho. Foi um alívio. A minha dor acabou. Mas a de muitas mães, não. Há as que não acordaram desse pesadelo.

 

Chegou a tão esperada hora. O dia sonhado por longos meses. Mas então “me deram tapinhas no rosto para me manter acordada.” “Faziam exame de toque a cada dez minutos. Quando reclamei, o médico riu e disse que aquilo era bem menor do que um pênis.” “O obstetra me chamou de gorda e disse que a minha filha ia nascer gorda por minha culpa.” “Me mandaram calar a boca porque ia assustar as outras mães.” “Uma enfermeira, três vezes maior que eu, subia em cima de mim.” “Diagnosticaram como aborto, me encaminharam para a curetagem e eu recusei. Fui embora e paguei um ultrassom particular e, para minha surpresa, meu filho estava vivo.” Assim, as protagonistas desse dia tão especial começam a viver um pesadelo.

Essas frases circulam pelos corredores hospitalares todos os dias. Segundo a Fundação Perseu Abramo – pesquisa de 2010 – uma a cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência na hora do parto. A violência está em várias formas, como por exemplo, quando um profissional da saúde a induz ou obriga a fazer um parto diferente do que pode ser feito; quando o médico nega uma informação à parturiente; agride a gestante verbalmente ou fisicamente; faz procedimentos desnecessários sem embasamento científico.

A violência também está nos corredores hospitalares. Imagem: pixabay.com

Ao dialogar com Simone de Beauvoir – que deixou registrado no seu livro, O Segundo Sexo, que “não se nasce mulher, torna-se mulher” – é possível perceber que o ser mulher é rotulado por uma cultura que define o seu papel na sociedade. De acordo com a psicóloga Juliana Coutinho, esse crime está relacionado a uma violência de gênero. “Como em vários lugares que a mulher ocupa na sociedade, ela está, culturalmente, em um lugar de desigualdade, e na maternidade isso não é diferente”.

A psicóloga enfatiza que por estar nesse lugar de submissão, a mulher se acostumou em receber esse tratamento e que é difícil quebrar esse ciclo de violência. Então, é histórico que a mulher seja tratada – em grande parte das situações – de forma humilhante, agressiva, desrespeitosa ou até violenta, pelo simples fato de ser mulher. No parto, a história se repete.

Assim, o machismo também está dentro dos hospitais. Independente de ser propagada por homens ou mulheres, essa prática se mostra por meio das posturas dos profissionais da saúde em relação às mulheres. “Essas atitudes violam os direito humanos e promovem essa desigualdade de gênero”, ressalta Juliana.

Um parto violento marca a vida de uma mulher para sempre

O medo é um sentimento que acompanha muitas mães na hora do parto

“Como foi o meu parto? Ah, não quero nem lembrar”. Parto é o conjunto de fenômenos fisiológicos que levam à expulsão do feto. Mas, também, designa tarefa exaustiva e difícil. Isso porque na década de 1940 começou-se a patologização da gravidez e a utilização da cesariana como principal desfecho. Assim, a frase é recorrente por muitas mulheres. Na maioria das vezes, a questão não é a dor natural do parto, mas, sim, os métodos utilizados.

O momento mais esperado da gestação, acaba virando um trauma. Isso porque há um atravessamento cultural, religioso e político sobre o corpo da mulher. Uma das consequências para a vítima de violência obstétrica é a depressão pós-parto. A psicóloga lista alguns acontecimentos como, por exemplo, “por meio de um sentimento em que a mulher idealiza uma situação o nascimento do filho e, após, ela cai em um profundo sentimento de frustração, desamparo e luto; devido a algo que não acontece como ela esperava; questões pessoais de sua própria vivência ou quando ela é hostilizada no hospital”.

Quando há o diagnóstico de depressão, é preciso a ajuda de especialistas em áreas como na psicologia. “O tratamento é feito com psicoterapia para trabalhar essas questões que não foram bem entendidas, assimiladas e aceitas pela mulher. Já em alguns casos se percebe que há um comprometimento muito grande, pode ocorrer intervenção medicamentosa com psiquiatra”, revela Juliana.

Muitas vezes essa mulher se sente culpada por não ter saído como tanto sonhava a chegada do seu filho. A psicóloga afirma  que o primeiro passo é trabalhar com a parturiente que esse papel de culpa não é dela, “é preciso fazer que ela olhe para a situação passada e ressignifique”.

Os dados são assustadores: a violência vem, também, de forma silenciosa

Conforme a Defensoria Pública do estado de São Paulo, “ a violência obstétrica existe e caracteriza-se pela apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde, com tratamento desumanizado, abuso da medicalização e patologização dos processos naturais, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres”.

Mesmo que a parturiente tenha conhecimento e empoderamento sobre o próprio corpo, quando a mulher entra no hospital está sujeita às regras deste sistema. Dessa forma, as vozes da gestante e dos familiares, normalmente, são caladas. Quando esse crime acontece, a escolha da mulher não é mais respeitada e o que era um sonho pode virar um momento de muita aflição e angústia.

Fonte: Formulário Google/ gerado automaticamente

Em pesquisa para esta reportagem, dados de um questionário realizado com 100 vítimas da violência obstétrica no município de Santa Maria mostram que essa prática acontece em 52% das vezes na hora do parto, mas também há casos desse desrespeito na gestação e com a mãe no pós-parto. Os relatos das vítimas são semelhantes, como o descaso, a falta de respeito e de informações.

Também foram descritas atitudes preconceituosas com as futuras mães, vindas dos profissionais da saúde. Foi o que aconteceu com Marina Oliveira, “eu estava sangrando muito e o médico perguntou qual o tipo de droga que eu tinha usado.” Quando Mariana disse que não usava drogas o médico ironizou e continuou “você precisa cooperar e fazer as coisas ficarem mais fáceis e dizer, se não queria o filho podia ter se prevenido”. Para a doula Fernanda Bresolin, são essas condutas médicas que traumatizam muitas mulheres com relação à maternidade.

A Organização mundial da Saúde (OMS) recomenda que o índice de cesariana não ultrapasse 15% por país. No Brasil, esse índice chega a 82% na rede privada e 37% na rede pública. Em Santa Maria essa realidade não é diferente, 62% relataram que tiveram parto cesariano. A enfermeira obstétrica Lizandra Flores comenta que “há um alto índice de cesáreas, existem mulheres que fazem 2 ou 3 cirurgias e isso pode acabar com a vida reprodutiva desta mãe, porque não é possível fazer muitos procedimentos cirúrgicos no útero”.

O Brasil é considerado um dos campeões em números de cesáreas. Imagem: pixabay.com

A cesárea é feita, na maioria das vezes, por comodidade dos médicos. Isso beneficia os obstetras porque é em horário marcado, menor tempo de procedimento e maior remuneração. Segundo a enfermeira além de a cesárea facilitar o trabalho dos profissionais de saúde, também há outros motivos como a realidade de que a indústria farmacêutica ganha muito em cima desses procedimentos cirúrgicos.

O Brasil é considerado um dos campeões em números de cesáreas. A enfermeira Lizandra acredita que essa cultura está sendo reproduzida dentro dos hospitais escola. Assim, o que os futuros profissionais aprendem influencia constantemente na formação.

Além de ser prejudicial à mãe e, talvez,  afetar o recém nascido, os familiares também são atingidos diretamente por essa violência. Mesmo existindo a Lei do acompanhante, n° 11.108, que garante a presença de um familiar junto à parturiente durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, em muitos lugares essa lei não é respeitada. Na cidade, essa taxa de irregularidade aparece alta, em que de 100 mulheres que responderam, 51 não puderam ter no seu lado, em algum momento, o acompanhante.

Fonte: Formulário Google/ gerado automaticamente

Outro índice altíssimo foi que 63% dessas vítimas sofrem algum tipo de violência, na rede pública, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar de ser um direito previsto na Constituição, está longe de ser exemplo de saúde.

Mas é preciso denunciar essa violência que circula nos corredores hospitalares. Segundo o advogado Michel Di Giacomo, sem um parecer técnico apropriado, fica difícil de analisar se o grau da lesão sofrida pela vítima se deu devido a negligência, imperícia do corpo médico ou do corpo de enfermagem.

Quando a mulher sente que foi violentada, o advogado Michel esclarece que “o procedimento adequado é a queixa-crime, que deve ser realizada na Delegacia de Polícia Civil”. Então, a vítima deve procurar a delegacia mais próxima e relatar o ocorrido requerendo que seja registrado Boletim de Ocorrência. Ele complementa que, “ também há a possibilidade de apresentar uma representação da vítima junto ao Ministério Público para que a instituição possa agir e apresentar denúncia ao juízo competente, se assim entender”.

Quando é provado que ocorreu o crime, as punições podem vir de diversas formas, isso depende de cada caso e do contexto em que ocorreu. Para denunciar é preciso ter uma cópia, em mãos, do prontuário hospitalar.

A violência obstétrica entra na mesma classe de qualquer outro tipo de violência. É uma violência contra a mulher e fere o código de ética dos profissionais da saúde. A grande maioria das mulheres não denuncia por acreditar nos médicos, achar que é normal ser tratada daquela forma e não saber reconhecer esse tipo de crime. Ao serem pressionadas a fazerem apenas o que os médicos dizem, as mulheres perdem o instinto natural. Contudo, a informação é a melhor arma da gestante. Quando a mulher ganhar mais informação, souber os seus direitos, terá  um olhar crítico sobre o tema.

O protagonismo é da mulher

Cada vez mais se ouve sobre parto humanizado. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para humanizar o parto é necessário um conjunto de condutas e procedimentos saudáveis no parto e nascimento. Assim, o processo vai contra condutas cientificamente desnecessárias à mãe e ao bebê.

De acordo com a enfermeira Lizandra, esse “é o parto em que a mulher tem o direito de fazer as escolhas. Desde a ambiência, questões do acompanhante, boas práticas, direitos no pós-parto, contato pele a pele com o bebê desde as primeiras horas de vida, entre outras boas práticas. Ela é protagonista no parto dela”.

O parto ideal é aquele em que a mulher é respeitada em seu protagonismo. Além dos profissionais da saúde, é preciso reeducar as mulheres porque elas têm que saber seus direitos. Bordões como “nossa, isso é um parto” para designar situações difíceis de ser passadas mostram o quão longe pode ir o poder simbólico da violência obstétrica. É preciso reconstruir a imagem do que é parto, retomar o protagonismo da mãe, na maioria das vezes, esquecido.

Os avanços da medicina trouxeram inúmeros ganhos para a maternidade, como os processos reprodutivos da mulher, mas a psicóloga Juliana complementa que esses avanços, também, retiraram a visão do parto no lugar da família e, assim, a mulher perdeu o protagonismo na hora do parto. Já para a enfermeira Lizandra, “a tecnologia tem que ser usada, quando necessário, mas o que falta é o bom senso para esse uso”.

Se a gestação foi saudável, toda mulher tem o direito de fazer suas escolhas. Deve haver respeito e integridade do próprio corpo. O suporte pode vir de uma doula, do pai ou de um profissional da saúde. “O apoio psicológico é essencial desde o início, para conhecer os medos e aflições das gestantes, dando todo o apoio necessário e informações”, ressalta a doula Fernanda.

A enfermeira Lizandra explica que, no trabalho de parto, os profissionais da saúde devem verificar batimento cardíaco, ver a dinâmica uterina, ficar atentos às condições físicas e emocionais da mulher, oferecer alimentação, manter tranquilidade e boa ambiência. Desse modo, intervir só é preciso quando necessário, porque o excesso de intervenções pode acarretar no aumento das mortes nas maternidades.

Portanto, a violência obstétrica não vem apenas como dor física, mas também a dor emocional, que pode marcar a vida dessas mulheres para sempre. Então, torna-se uma violação dos direitos humanos. Segundo o médico francês Michel Odent, símbolo em defesa do parto natural, “para mudar o mundo, é preciso mudar primeiro a forma de nascer”. Então, prevenir e punir são as formas de erradicar essa violência. Para facilitar a identificação das situações de violência obstétrica, uma lista dos tipos mais comuns foi organizada com a ajuda das profissionais da saúde a enfermeira obstétrica Lizandra Flores e as doulas Fernanda Bresolin e Kelen Pompeo:

Como reconhecer a violência obstétrica?

Qualquer forma em que a mulher se sinta constrangida pelo tratamento recebido;

Xingar ou tratar de forma grosseira a parturiente;

Quando a lei do acompanhante não é respeitada;

Exames de toque excessivos feitos por diferentes profissionais;

Permitir a entrada de estudantes para assistir o parto e procedimentos sem o consentimento da mulher;

Manobra de kristeller, que pode causar falta de oxigênio no feto, fraturas de costelas, laceração de órgãos da mãe, traumatismo craniano do bebê e a morte;

Violência neonatal, quando o bebê saudável é separado da mãe;

Romper a bolsa para acelerar o trabalho de parto;

Fazer qualquer procedimento sem explicar antes o porque;

Aplicar ocitocina,  sem o consentimento da mulher, chamado por alguns profissionais da saúde de “sorinho”, hormônio sintético para acelerar as contrações do útero;

Fazer episiotomia sem consentimento da mulher;

Dar o conhecido, popularmente, “ponto do marido”, na sutura final da vagina de forma a deixá-la menor e mais apertada;

Fazer procedimentos como lavagem intestinal e tricotomia;

Submeter uma mulher a uma cesariana desnecessária, sem explicar os riscos que ela e seu bebê estão correndo;

 

Reportagem produzida por Natália Librelotto para a disciplina de Jornalismo Especializado III, do Curso de Jornalismo da Unifra, durante o primeiro semestre de 2017. Edição: Professora Carla Simone Doyle Torres.

Observatório da mídia CS-02Pouquíssimas coisas conseguem atrair mais interesse que uma história bem contada, daquelas que detêm a capacidade de aglomerar pessoas ao redor do narrador, de forma que permaneçam até o desfecho. O ser humano é um ser curioso, e o gatilho que aciona essa curiosidade pode variar. Mas as histórias, arrisco dizer, são uma unanimidade. Mistério, morte ou uma reviravolta envolvendo um personagem são os pontos altos de uma boa trama, e isso tudo é potencializado quando ela é real. A realidade tem nuances que ficção nenhuma consegue imprimir.

No Washington Post, em 1972, uma dupla de jornalistas iniciava uma investigação que revelaria o Caso Watergate e determinaria o processo de impeachment do presidente republicano Richard Nixon dois anos mais tarde. Bob Woodward e Carl Bernstein seriam vividos por Robert Redford e Dustin Hoffman no filme “Todos os Homens do Presidente” (1976), multipremiado e aclamado pela crítica, baseado no livro homônimo de ambos. Novamente, a realidade estava um passo à frente da ficção. O processo todo tornou aquele um momento célebre para o Jornalismo; não é sempre que a mídia trabalha de forma transparente e ética em meio a um processo de destituição de um presidente, se é que vocês me entendem. E agora, diante de um processo de impeachment à brasileira, eis que surge o Hamburgergate.

Para quem esteve em coma nas últimas semanas, os amigos Zé (Soares, dono do blog “Do Pão ao Caviar”), Bel (Pesce, empreendedora) e Léo (Young, vencedor da última temporada do reality show culinário Masterchef) resolveram apostar no crowdfunding como forma de financiamento do projeto do trio: a hamburgueria Zebeléo. O que deveria ser um sucesso de publicidade por utilizar como garoto propaganda Léo Young, um dos queridos do público e vencedor do Masterchef há menos de uma semana até aquele momento, acabou se transformando em um colossal tiro no pé, tendo viralizado em poucas horas. As críticas ao trio foram várias: desde ao fato de não terem demonstrado um projeto consistente durante o longo vídeo de apresentação, passando pelas informações desnecessárias nele contidas, pelas formas polpudas de financiamento com premiações esquisitas aos contribuintes descritas no site Kickante, até ao fato de que eles não precisariam utilizar o sistema crowfunding pela boa condição financeira de todos ali. A internet não haveria de perdoar tamanha patacoada. Mas o capítulo mais interessante ainda estava por vir.

Após ter feito um vídeo a respeito do fiasco da hamburgueria em seu canal, o youtuber Izzy Nobre recebeu uma enxurrada de comentários como resposta, entre críticas e incentivos a pesquisar mais sobre a figura da empresária, que, para algumas pessoas mais desconfiadas, soava como uma charlatã do empreendedorismo de palco. Referências sobre ela na internet não faltam: digitar “Bel Pesce” no Youtube, por exemplo, levará, antes mesmo do canal da jovem, às suas entrevistas em programas de rádio, em vlogs sob empreendedorismo e até mesmo no talk show The Noite, do SBT, apresentado por Danilo Gentili. Não é para menos: há algum tempo Bel vem se destacando no ramo sob a alcunha de A Menina do Vale. Palestras, coaching, livros, toda a reputação profissional dela se deve, em grande parte, ao currículo obtido no Vale do Silício, o maior polo tecnológico mundial situado no estado norte-americano da Califórnia. Lá, consta em seu currículo que foi co-fundadora de algumas empresas após ter se graduado no Massachussets Institute of Technology (MIT), onde teria angariado cinco diplomas, segundo ela mesma, entre majors e minors.

Durante a pesquisa, alguns detalhes chamaram a atenção de Izzy: o principal deles tinha a ver justamente com os diplomas. Morando há alguns anos no Canadá, o vlogueiro é familiarizado com o processo adotado na América do Norte para o ensino superior. Aqui está a explicação do mesmo em um de seus textos: “Nos EUA/Canadá, o processo de formação acadêmica permite que as disciplinas eletivas (ou seja, aquelas que não são diretamente fundamentais para o seu diploma) se agreguem de forma que você pode ser dito um mini-especialista num determinado assunto que foge da sua área principal, mas é também do seu interesse. Por exemplo: tenho um amigo que é formado em Biologia (ou seja, esse é o seu ‘major’; ele é biólogo, essa é a área de enfoque da sua carreira acadêmica e seu título), com um ‘minor’ em Psicologia. Ele não é um psicólogo e nem pode se meter a diagnosticar ninguém; ele tem apenas conhecimento superficial dos fundamentos da psicologia”. Por que Bel dizia então ser graduada em cinco áreas diferentes, sendo que não o era? E não era um simples engano cometido uma vez: fora dito em todas as suas entrevistas, constava em seu site pessoal. Constava inclusive no site da UNICAMP. Foi o alerta vermelho.

Izzy Nobre não é jornalista. Segundo o seu blog pessoal, sequer é formado. Descreve-se apenas como “nerd”, sendo games, tecnologia e cotidiano os temas recorrentes de seus vídeos no Youtube. Algumas vezes se aventura ao falar sobre Política e polêmicas na internet. Possui uma característica comum aos “nerds”: a curiosidade e a dúvida próprias do método racionalista científico. Através disso, percebeu o óbvio: não poderia confiar nas informações que Bel Pesce fornecia sobre ela mesma e que, até então, era a única fonte que atestava o seu currículo, por inacreditável que possa parecer. Foi quando descobriu o que já suspeitava: Bel não fundou a Lemon, – como também constava em seu currículo – empresa que foi vendida por milhões de dólares sem que ela recebesse qualquer fatia do bolo. E, a partir daqui, o castelo de cartas ruiu violentamente: ela também não trabalhou em diversos lugares que disse ter trabalhado. Foram tantas as farsas descobertas nessa investigação simples, que passou a ser mais fácil descrever o que Bel Pesce realmente fez.

O resultado de toda essa polêmica foi quase que instantâneo, como manda o figurino da internet, e bastante destrutivo para a jovem. Passado um mês desde o dossiê levantado por Izzy Nobre, a página pessoal de Bel Pesce no Facebook continua a receber uma avalanche de críticas nos comentários de cada nova postagem, inclusive de antigos admiradores da moça. Todas as tentativas de explicar os acontecimentos – sem um mea culpa explícito, diga-se de passagem – foram um fracasso, só pioraram a situação. Para ela, a moral da história parece um tanto quanto óbvia: é bem mais fácil trabalhar com a verdade. Para o Jornalismo, no entanto, é ambígua. É difícil fazer um panorama generalizado, mas parece que, como área social que é, de estabelecimento de conexões, volta e meia recorre à crença no que está posto. A quantidade de informações disponíveis no banco de dados da internet se choca com o imediatismo, com o prazo, com a impaciência. A investigação minuciosa e cuidadosa do jornalismo de excelência é praticada por uma minoria, até porque a condenação antecipada é também uma marca do quarto poder. Nessa terra de ninguém que é a sociedade super conectada, a busca pela informação deixa lacunas que serão, volta e meia, preenchidas por sujeitos fora do meio jornalístico. O que já se viu com os furos de reportagem poderá e deverá acontecer com o processo investigativo. O limite é a curiosidade humana.

Matheus Oliveira

Texto produzido para a disciplina de Legislação e Ética em Jornalismo

 

“Um dos jornalistas mais ameaçados de morte”, definiu o mediador Marcelo Canellas ao chamar Humberto Trezzi, repórter especial do Jornal Zero Hora, para subir ao palco do Theatro Treze de Maio. A noite fria de quinta-feira (12) não acanhou os participantes que lotaram o Colóquio 100/20 – Jornalismo na era da Internet,que também assistiram as colocações dos jornalistas Mauri König e Andréa Dip. O colóquio comemorativo dos 20 anos da TV Ovo também foi promovido pelo  Curso de Jornalismo do Centro Universitário Franciscano e pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM.

Canellas aproveitou o grande público de estudantes e professores de Comunicação Social para iniciar o debate com duas questões amplamente discutidas atualmente: “A notícia curta está tomando conta? A notícia longa ainda tem espaço?”

Trezzi, que foi o primeiro a sacar o microfone, iniciou sua fala defendendo as grandes reportagens, porém enfatizando que é necessário torná-la interessante para o público receptor. Ele afirmou também que em momentos de crise, como o que passamos agora, quem paga a publicação não é a publicidade, mas o leitor. “Quem está com os dias contados fisicamente é o jornal impresso”, afirmou o jornalista, explicando esta afirmativa falando sobre o alto custo de impressão e logística para entregar um jornal na casa dos assinantes. Por este motivo, Trezzi é um defensor de que o impresso aposte também no áudio e no vídeo online como complemento da reportagem.

Em meio às inúmeras colocações e perguntas do público presente no evento, uma não poderia faltar: “Qual a matéria mais marcante da carreira?” Com 32 anos de profissão, o jornalista de Zero Hora afirmou que a cobertura da Boate Kiss em Santa Maria foi uma das mais comoventes, porém a cobertura da Guerra Civil de Angola, além dos conflitos no Timor Leste e Haiti lhe chamaram a atenção por perceber que participava de fatos históricos. Humberto Trezzi, que tem a veia investigativa latente, lembra também de outras duas reportagens: Pilantropia e Depenados. A primeira, realizando um levantamento de pessoas que solicitavam dinheiro nas ruas para instituições filantrópicas, seguida pela investigação de desmanches de veículos apreendidos pelo Detran. “Acredito que não há melhor época para se fazer jornalismo investigativo”, afirma.

Após quase três horas de debates, perguntas e respostas, o jornalista Marcelo Canellas encerrou o evento destacando a importância da participação de todos na implantação do Sobrado Centro Cultural da TV OVO em Santa Maria.

Claro que não perdemos a oportunidade de conversar com Humberto Trezzi nos bastidores. O jornalista, um dos mais premiados do Rio Grande do Sul, nos recebeu com muito carinho e atenção. Questionamos ele como estava percebendo o espaço do jornalismo investigativo num tempo em que as editorias estão sendo cada vez mais diminuídas nas redações. “O chamado jornalismo investigativo não custa barato. O interessante é tentar convencer os donos das empresas de que a única saída possível para a sobrevivência do jornalismo é investigar”, respondeu.

Sobre as ameaças sofridas pelas investigações, Trezzi respondeu: “Faz parte do investigar correr riscos às vezes. Até acho que no Rio Grande do Sul não se corre tanto risco assim, porque não tem tanto histórico de assassinato. Do Rio de Janeiro para cima, o “bicho pega”. Quanto menor a cidade, pior de fazer jornalismo por estar próximo do alvo que está investigando”.

 Uma das defesas durante o evento foi sobre a aposentadoria da parte física do jornal impresso. Sobre isso, ele afirmou: “Eu dedico um temo só na plataforma digital, porque o físico está condenado. A saída é a internet. Tomara que isso não traga desemprego na nossa profissão.”

A última questão, que não poderia faltar, foi uma dica para os estudantes de jornalismo: “Curiosidade infinita. Não se atemorizar com o primeiro “corridão”. Persistir e convencer os chefes.”

Por mais colóquios, por mais 20 anos de TV OVO, por mais jornalismo.

Por Keila Marques e Lucas Amorim para a disciplina de Jornalismo Digital I

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Andrea Dip explicou como a Agência Pública atua e como se mantém (Foto: Eduarda Garcia/Especial Multijor)

Olhares atentos, caneta e bloco de anotações na mão. Foi assim que na noite fria desta quinta-feira (12), ocorreu o Colóquio 100/20 – Jornalismo na era da internet. O evento, que lotou o Theatro Treze de Maio com estudantes de jornalismo de diversas cidades, foi organizado pela TV Ovo em parceria com o Curso de Jornalismo do Centro Universitário Franciscano e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. A TV Ovo é uma associação sem fins lucrativos criada em 1996 pelo professor Paulo Tavares e adolescentes participantes das oficinas de audiovisual.

O colóquio, realizado em formato de mesa-redonda, foi mediado pelo jornalista Marcelo Canellas, repórter especial do Fantástico, e contou com a presença de alguns jornalistas renomados em dois momentos do dia: o primeiro teve início às 16h e contou com a participação de Moisés Mendes, ex-colunista da Zero Hora, Francisco Karam, professor de Jornalismo na UFSC e especialista em ética jornalística, e Lúcio Flávio Pinto, jornalista independente e fundador do Jornal Pessoal. Flávio não veio devido ao agravamento em sua labirintite, mas enviou um vídeo sobre sua trajetória. O assunto da tarde foi: “Novas plataformas, debate público e agendamento na era da internet”.

Em um segundo momento, às 19h, começou a segunda etapa com o tema “Novas plataformas, investigação e grande reportagem na era da internet”. Os convidados foram o jornalista Mauri König, que atuou na Gazeta do Povo de Curitiba e hoje escreve para Folha de São Paulo, Humberto Trezzi, repórter da Zero Hora, e Andrea Dip, repórter da Agência Pública de Reportagem e Jornalismo Investigativo.

Repórter da Agência Pública comenta como investigar com independência

Andrea Dip é vencedora na categoria “repórter de site de notícias” no 11º Troféu Mulher Imprensa, e do prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, por seu trabalho de 2014, antes da Copa do Mundo, uma HQ sobre a prostituição infantil no Ceará.

Especialista em grandes reportagens investigativas, Andrea falou sobre a importância do jornalismo independente no momento atual, reiterando que nesse tipo de jornalismo “é de fato produzido um conteúdo melhor”. Segundo a jornalista, “é uma fórmula mais simples, quando o repórter não tem que prestar contas nem satisfação pra anunciantes ou tem que deixar de abordar um assunto de alguma maneira porque isso pode de alguma forma prejudicar a relação do veículo com o financiador, isso enriquece muito o jornalismo”.

A repórter também afirma que quando os jornalistas partem para o ramo independente, já buscam qualidade, no sentindo de que “têm total liberdade pra fazer uma reportagem verdadeira e aprofundada”. Isso, segundo Andrea, não significa que a reportagem será boa, pois é preciso ter paixão e gosto pelo que se faz e é isso que vai garantir a qualidade final do produto.

Sobre o Colóquio 100/20, Andrea ficou muito feliz com o que viu e ouviu. “Foi ótimo. Eu gosto muito quando o público participa e pergunta. Todo mundo ficou do início ao fim, até passamos da hora programada. Acho que esse é o objetivo”, ressalta.

Ela ainda reforçou a importância de eventos como o colóquio para o jornalismo investigativo e independente: “Eu fico muito, muito feliz de fazer parte de eventos como esse. Eles renovam as minhas esperanças por saber que existem pessoas que estão pensando reportagem e jornalismo investigativo e independente. Isso dá um alívio porque a gente entende que novas forças vão se somar a nós em breve, e todos vamos juntos no mesmo barco. Então, temos que remar pro mesmo lado!”

A Agência Pública, onde Andrea é repórter, é uma empresa jornalística independente, sem fins lucrativos, criada por três mulheres. “A gente acredita que toda informação deve ser compartilhada e replicada pelos grandes e pequenos veículos”, explica a importância do Copy Left.

Por fim, Andrea deixou uma mensagem aos estudantes que acompanharam o colóquio: “Eu também gostaria de dizer pra os estudantes terem muita paciência, muita força pra lutar porque esse vai ser um momento difícil pra nossa história, um momento de retrocesso em nossos direitos já conquistados, que são poucos. Então, força! E vamos pra cima deles!”

Por Andrielle Hoffmann, Fernando Cezar e Thayane Rodrigues para a disciplina de Jornalismo Digital I